Abstraído do que me rodeia e completamente livre de pensamentos, decisões ou o que quer que seja que habitualmente faz o cérebro funcionar. Olhos perdidos no horizonte – sem que o enxergue – mas somente para atingir a plenitude do deixar o pensamento vaguear sem que a ação de pensar sequer exista. Olhos que se dividem entre os chapéus do cigano aqui em frente e o vestido amarelo, com tons de cinza, da mulher que se encontra em frente a mim.
Agora que constato que o texto não surgiria a menos que houvesse algum – por muito mínimo que seja – pensamento articulado que permite colocar o que se passa em palavras perceptíveis para os que, não estando presentes, consigam perceber e visualizar o desenrolar de tudo o que descrevo, entendo que é possível divagar sem pensar ou, talvez melhor descrito, pensar enquanto se divaga com o olhar perdido. Entretanto ela levanta-se e muda de lugar.
Está ligeiramente posicionada à minha direita e o sol brilha sobre ela. O vestido parece reflectir as linhas do corpo e estar perfeitamente ajustado – como que esculpindo a silhueta e revelando a nudez que esconde. Os cabelos são compridos e os chinelos condizem com o amarelo do vestido – talvez, melhor ainda, conseguem fazer perceber que há uma intenção de fazer o conjunto rimar – numa imagem poética que, sempre que tento captar mais detalhes, sou flagrantemente apanhado a delinear o que pretendo descrever.
Tem uma cara séria, não sorridente e de poucos amigos. Como que habituada a ser observada mas jamais contente por se sentir observada. Trocamos olhares mas a expressão não se dilui da dureza que ela impõe. Os minutos passam e a hora de partir está agora mais perto. Impõe-se a pergunta: tentas que sorria ou deixas a vida continuar sem que saibas a resposta a uma pergunta que não colocaste?
Era dia de Portugal e, desde que me lembro, sempre celebrei o dia 10 de Junho. Não porque fosse a celebração do dia do nosso país mas porque a melhor amiga do mundo celebrava o aniversário nesse dia.
Era uma comemoração muito intimista, com poucos mas bons amigos, o celebrar de mais um ano de amizade e a recordação alegre dos bons momentos e o recordar de quanto os maus momentos nos haviam ensinado.
Bebíamos sobretudo sumos e afins – porque a vingança alcoólica era nocturna e ficava escondida pela escuridão do sol posto. Conversávamos sobre as aventuras de cada um, com um sorriso pela superação das adversidades.
O champanhe era o mote para um brinde, simples de gesto mas como se um abraço nos envolvesse a todos e gritássemos os parabéns, a uma só voz. A aniversariante enchia-nos o coração com o seu sorriso – pleno de honestidade, satisfação e alegria.
O restaurante era o mote para estreitarmos o diálogo, as bebidas o catalisador para uma conversa mais fluida e descomplexada, as entradas como o verdadeiro aperitivo para um momento a sós, com ela e para ela. A despesa era solenemente dividida por todos menos a festejada.
Atravessávamos a rua para um pub conhecido, que o tempo remodelou em clínica do coração, e espalhávamos a nossa magia e bem estar por inúmeras das pequenas mesas para quatro pessoas. O café era pedido a um senhor com nome de flor e a fronteira aberta para uma dimensão mais alcoolizada das celebrações.
Éramos chamados ao telefone, porque a hora do recolher já havia sido ultrapassada, e caminhávamos até à casa da matriarca da aniversariante a solicitar uma extensão temporal que o telefonema já havia negado. Descíamos novamente a rua, todos juntos, felizes por termos mais umas horas de celebração.
Numa qualquer caminhada, sem destino traçado ou cadência planeada. Num qualquer passadiço, de olhar perdido a vaguear por entre a natureza que o rodeia. Num qualquer snackbar, paragem obrigatória de um quotidiano castiço e rapioqueiro.
Uma voz que nos chama de caminheiro e nos acena para aproximar, uma mente que lentamente se desliga da abstração total e tenta perceber quem nos interpela. Um neurónio mais rápido que nos cochicha mentalmente a resposta e um gesto, que se finge inapto, que saúda o interpelador.
Uma cara sorridente responde ao reconhecer as duas caras amigas e um diálogo de recordações que nos faz recuar umas décadas, até um colégio de uma branda saudade. Um discorrer sobre quem éramos e quem somos e uma saudável saudade de simplesmente falarmos.
A constatação da provecta idade e das próteses que agora ambicionamos ter, fruto de todos os excessos que até aqui tivemos. O sorriso como forma de demonstrar que, enquanto falamos do agora e relembramos o outrora, há uma profunda saudade de todos os caminhos que percorremos juntos.
No outro dia miúdos e agora graúdos que unanimemente concordam em recordar o quanto o passado trouxe para este presente e quão recompensador é poder relembrar cada pequeno pedacinho de história que fez de nós quem somos.
Havia um número quase igual de sombras e, mercê de um qualquer impulso cuja origem desconheço, escolhi uma sombra onde poderia colocar as pernas no sol – que constituía a fronteira natural entre o fim da sombra do guarda-sol e o início do sol de primavera que já ameaçava chamar-se de verão.
Diante de mim está uma jovem dos seus trinta anos ou algo semelhante. A roupa que veste é simples e aparenta ser uma escolha de recurso para quem saiu rapidamente de casa, sem tempo para poder pensar numa indumentária mais cuidada. Claramente a totalidade da conversa pertencia-lhe e não parecia disposta a ouvir conselhos.
Ao lado esquerdo dela está sentado o que parece ser a cara-metade, de indumentária mais cuidada mas, mesmo assim, de cuecas azuis a imitar um fio dental feminino. “Ela quis foi apalpar os tomates!”, diz a mulher e eu, homem que se preza por ser vegetariano em certas situações, levantei a cabeça para ver de onde vinha a frase.
A coluna aos berros, colocada sobre a minha mesa, explicava agora o porquê de não haver ninguém a usufruir da sombra tão estrategicamente colocada – claramente há gente com um poder de análise mais rápido que evita estes inconvenientes sonoros do dia-a-dia. Olhei para a coluna e fingi que o meu interesse vinha dali e não da conversa sobre leguminosas que emanava da mesa em frente.
O dia até já havia começado com piada, com um diagnóstico de hipersensibilidade acústica que, fiando-me eu nas palavras do médico que fez o diagnóstico, me levou a uma primeira gafe no dia…uma mulher que elegantemente caminhava na minha direção e eu, com as fichas todas apostadas na hipersensibilidade acústica, a dizer “que beldade que desfila perante mim!” (no que julgava ser um sussurro) e ela a agradecer o piropo que não era suposto sê-lo!
Naquele passo de quem nada faz e nada tem para fazer, nos antípodas dos stressados com que me cruzo, com um sorriso sincero a cumprimentar quem conheço, de jornal debaixo do braço a desforrar-me de três anos sem poder desfolhá-lo.
Retiro os óculos porque não enxergo a esplanada, coloco os óculos porque quero cumprir o resto do trajecto em segurança, entro na padaria e constato que está cheia e que a esplanada vai demorar. Foco os olhos num rabiosque bem desenhado e a proprietária do dito saúda-me com um “não preferes tirar uma fotografia IKA?”.
As bochechas vermelhas denunciam a mentira contida na resposta – “estava a escolher o bolo para o pequeno-almoço!” – e ela, que não é daltónica e distingue o rubor da cara, ainda me atasca mais com um “é teu, sempre que o quiseres!” Finjo que escolhi um bolo e respondo “Sem dúvida que aquele queque é meu, e quero-o hoje!” Ela responde com um sorriso angelical e sabe perfeitamente o que eu sinto.
Trago um café e uma nata, sento-me na esplanada, que entretanto já está montada. Ela passa por mim e, com uma forma de estar super descontraída, exclama “Tu vais ter que te confessar a mim, é inevitável!” E é, ela tem razão. Mas será a seu tempo, quando o outono chegar e as folhas enfeitarem o caminho que percorreremos juntos.
Os pés pediam descanso mas a mente queria cansaço, a vista queria ressonar mas a mente dizia-lhe para ir ver o mar, o caminho parecia longo mas o humilde narrador transformou-o num entretenimento.
Dois pares de sapatilhas, para parecer profissional da coisa; o espírito de um caracol que se mostrou com a melhor passada deste trilho, a vontade de comer um gelado que distava onze quilómetros.
A água que hidratou, a tosta mista que saciou, o gelado que foi de guloso orgulhoso da sua nova passada, o filho que te goza pela relação exercício/comida enquanto envia umas fotografias das férias.
Um dia preenchido de pequenos mas reconfortantes gestos de amor próprio e familiar. Ser um sentimental de merda tem as suas vantagens…
Com cinquenta quilómetros conquistados, em cinco dias úteis, começo a desconfiar que encontrei um dos trajectos ideais para o verão. O vento vem da direção contrária ao trajecto, há uma quantidade de sombra apreciável, bastantes grupos diferenciados a fazerem exactamente o mesmo.
Depois do excesso que foram os vinte quilómetros de floresta, tão longe de casa e sem a necessária leitura para desanuviar, eis que se conjuga a parte de montanha, cidade e praia – mercê de uma imaginação imparável, claro está. O chegar ao ponto de leitura completamente esgotado para, uns capítulos depois, fazer o caminho de volta.
Munido da sombra de um vento que me impulsiona, grato pelo exercício e pela qualidade da escrita, temo até que esteja mais refém da leitura do que do exercício. Ou talvez não esteja refém de absolutamente nada e, ao desfrutar de uma liberdade absurda, tente encontrar uma explicação lógica para um sorriso inapto, duradouro, parte integrante deste novo eu.
Arrisquei a vida sentimental e deixei uma página escrita, dobrada em três e com a indicação “Multa”, no pára-brisas da menina que diariamente cumprimento e, fruto do humor que a missiva continha, temos um encontro marcado. Curioso como, sem palavras e só com gestos, o diálogo flui tão bem…
Começou com uns inocentes olhares, com muito zoom para algumas das curvas, um olhar inocente sempre que apanhado na análise pormenorizada, uns sorrisos sem contacto visual.
Evoluiu para um educado bom dia, de circunstância entre clientes habituais, como se naturalmente tivesse que evoluir assim. Começou a haver mais contacto visual, com risinhos típicos da escola primária.
Já está no tratamento por tu, longos contactos visuais, alguns gaguejos, um bom sentido de humor de parte a parte, sobrevivência após uma piada feita acerca dos dotes inaptos que ela tem(!?) para estacionar em cima do passeio, um longo hiato de tempo antes de partir, com uns olhares que se fixam um no outro, o quase acidente na hora de tirar o carro do estacionamento improvisado.
Num estudo nunca antes visto, com um número limitado de cobaias, carecendo de validação da comunidade científica, a hora de conhecer a criação aproximava-se. Olhando para a pipeta que continha o resultado, respirando fundo e sorrindo por antecipação, o cientista revelou os resultados do longo processo de pesquisa tendo em vista a certificação.
Havia algo de introvertido na maneira como ele interagia, sinais de arrogância e inveja e, acima de tudo, um ar de superioridade e pleno conhecimento que desafiava o mais incauto ou inteligente dos interlocutores. A imagem que transparecia era de alguém no pleno domínio de toda a realidade da experiência, um ser que não carecia de validação científica para algo que antecipara, uma certeza absoluta.
Estabeleceram um diálogo, tendo por tema o estacionamento tão mal efectuado pelo interlocutor, que suscitou um sorriso tímido como resposta – o carro impedia a entrada para uma garagem de estacionamento mas, tratando-se de algo rápido, um gesto tão comum quanto o café logo ao acordar. Houve aquele contacto visual cujo significado é fácil de perceber, um cumprimento com as mãos em forma de “isso não importa” e o sorriso que se abriu perante um diálogo que não haviam coreografado.
Foram uns segundos mas ainda houve tempo para perceber mais um sorriso, testemunhado com um olhar por cima do jornal diário, que se tornou na minha melhor notícia do dia, com a benesse de nem sequer ter sido publicado – excepto nas nossas mentes! E o dia fluiu com uma naturalidade flutuante, ousaria dizer…
Anda pródigo em reencontros este solstício de verão! A capacidade de reencontrar pessoas, tão fundamentais de outrora, tem assustado quem não está preparado para tanta azáfama social.
Talvez se tenham passado uns 26 anos, mais um ou menos um, mas partilhamos uma história de amizade e vida quase comum, por inerências que não cabe aqui explicar. O cognome juíza porque ajuizava melhor do que os desajuizados que a rodeavam e, mercê do bom humor e experiência de vida que possuía, sabia sempre qual o melhor caminho que, enquanto rebanho que se mantinha junto, deveríamos seguir.
Nunca ordenando, porque era uma mulher de consensos estóicos (não sei se o conceito existe mas reclamo para mim a patente, caso não exista), mas sempre colocando em cima da mesa todas as opções e, racionalmente, explicando o raciocínio para chegarmos a cada uma das soluções sempre certas.
Não houve cumprimento mas uma saudação discreta – talvez porque a ausência assim o impusesse ou porque simplesmente não soubéssemos como reagir – mas o contacto visual permitiu aferir que nos reconhecemos, nos saudamos e continuamos com as nossas vidas, sem que qualquer emoção transparecesse. Sem dúvida que a atitude correcta, pois ela nunca foi capaz de algo incorrecto.
Foi bom ver que continua bonita, fiel aos seus princípios e senhora de si mesma. Bem haja tribunal de Espinho!
A maneira de reagir, sem que tenha havido um planeamento antecipado para a forma como o queixo cai. Mesmo quando se conhece alguém há décadas, e esse alguém ainda se volta para nos cumprimentar, com um aceno que ainda mais aprofunda o afundamento do queixo (quase tipo desenho animado).
Tem tudo de puro, sincero e expõe tudo o que a mente sente; por vezes, expõe também a totalidade do sistema circulatório, incluindo o batimento cardíaco, a arritmia causada, a vontade que temos de fazer uma massagem cardíaca a nós mesmos. Os vasos sanguíneos e a forma como os capilares se encontram irrigados – a revelação total.
O beliscão permite aferir a veracidade do momento e também ajuda a constatar que sobreviveste, muito embora temas pela força do impacto. Respiras fundo e consegues voltar a ler o jornal diário, mas a mente já vagueia com a bela imagem presenciada. Mentalmente, dás um par de estalos a ti próprio (que parece produzir mais ruído do que o sonhado) e tentas focar-te na leitura.
Passado o momento de hiperventilação (e sem necessidade de respirar para um saco), imbuído de um sexto sentido – ao nível do Homem-Aranha que “pressente o perigo” – olhas para a direita e vês que ela retorna. Procuras o jornal – que está em frente a ti – e finges ler o artigo que acabaste de ler.
Fazes um cálculo mental de quando estará a passar em frente a ti e, num exercício tão denunciado quanto o anterior cair de queixo, levantas os olhos e vês, enxergas, memorizas e sonhas, a bela mulher que tão bem conheces. Parece sorrir mas, como é uma visão lateral, apenas podes sorrir de volta – de sorriso aberto, saudosista e com uma vontade enorme de conhecer muito melhor.
Sempre foi um tema de conversa entre nós porque somos um grupo de pessoas que sabe debater e obter conhecimento do resultado dessas conversas. A inveja boa traduz-se no querer copiar do modelo de outrém algo que achamos melhorará o nosso, era assim que o víamos e vemos. Afirmar gostar tanto de algo que só conseguimos visualizar o nosso futuro com esse algo incluído nele.
Não conhecia o recém-nascido, precisamente porque é recente, e conhecê-lo foi o conseguir destrinçar o melhor de cada um dos progenitores – uma alegria imensa, porque ambos possuem virtudes incomparáveis que tanto me ensinaram. O jeito de viver, a observação atenta de tudo o que o rodeia, o falar sozinho ao invés de se queixar, o sorriso muito lindo e aberto para com todos os que com ele interagem. Brilhante a forma como, em apenas cinco meses, já visualizamos um pequeno adulto em construção.
De coração cheio pela visita, tentando sempre não pisar nenhuma mina no terreno em que o dia-a-dia se desenrola, temendo que algo pudesse, de alguma forma ou feitio, não estar à altura do quanto significam para mim, mostrando um pouco da cidade que, para os visitantes, é demasiado pequena para sequer se chamar cidade. Partilhando segredos que só intimamente podem ser revelados, ouvindo com atenção os detalhes a que um recém nascido obriga.
Uma lágrima escorrendo na partida, escondida por uma chuva que teimava em cair, um orgulho enorme pela sorte que o mundo providenciou na oportunidade de vos ter conhecido. Obrigado trio maravilha, voltem sempre!!!
São as que mexem connosco, sempre que nos contactamos. Dia de festa, hoje e amanhã, com a presença de dois amorosos exemplares de como se celebra a amizade.
Já haviam passado cinco anos, desde a última vez que nos encontramos, e rever a mãe, agora acompanhada do filho, é um tónico sem igual. Ele é igual ao pai e ela continua a mesma pessoa paciente que conheci.
Cansados, depois da longa viagem desde o outro lado do Atlântico, temos todos colaborado para que a mãe possa descansar enquanto o filho nos entretém – com sorrisos, a procura constante por novas coisas para ver, com a força de quem pretende, precocemente, sair do colo e começar a viver!
Comilão, reguila, observador e muito cooperante. Um doce de criança!
Busca certezas dentro de ti e, assim que as alcances, batalha para as tornar a tua realidade. Se envolver mais pessoas, busca a certeza de que é a pessoa cuja tua certeza determinou e, imbuído dessa tua certeza, abre o teu coração e tenta ser a certeza desse outrém. Não é científico porque é emocional, não é uma certeza porque envolve mais do que apenas a tua certeza mas, uma vez entregue o coração a essa tua certeza, estarás a concretizar uma certeza tua que, caso seja correspondida, será a mais bela certeza a que podes aspirar.
Adorava que existisse uma disciplina, curso superior ou técnico profissional, que abordasse o sexo feminino. Um curso intensivo – e talvez interminável – que percorresse todos os níveis da mente feminina: a forma como posiciona os cinco sentidos, como exterioriza emoções, como as interioriza também, a forma como age perante obstáculos e como se propõe superá-los.
Numa qualquer instituição de ensino, no cimo de uma montanha, com uma vista de trezentos e sessenta graus que permitisse todo um relaxamento visual, em regime de internato, e só com dois voluntários. Uma espécie de Marvão – em termos de beleza circundante – com apenas uma “case study” e sendo eu o único aluno.
Voluntariamente deitada numa cama de rede, erguida no ponto mais alto da aldeia, o objecto de estudo seria sujeito ao que os anglo-saxões designam por “Full Disclosure”. Num diálogo tão privado quanto a altura o permite, um despir de todos os detalhes fundamentais para plantar e fazer crescer uma árvore chamada intimidade.
Esgrimindo diferenças e apelidando-as de personalidade própria, aproximando pontos de vista comuns e apelidando-os de benesses para o nosso futuro. Num contexto de abertura total, como se fôssemos católicos e quiséssemos a absolvição, uma confissão total de quem somos e o que procuramos.
O exame final seria a prova de fogo e só juntos poderíamos aspirar a concluir o curso. De olhos nos olhos, e só podendo recorrer à inteligência emocional, a mesma frase teria que ser proferida em simultâneo. A nota final começaria então a ser construída sob o nome de futuro comum. Deixo-te o ónus do contacto, porque sou apenas o estudante e não faço ideia em que ponto do percurso académico estás. 😘
“I love the rain – it washes memories off the sidewalk of life.” – 20/4/2024
Não posso ser acusado de interceder no caminho definido por outrem porque cedo montei a tenda para a habitual leitura matinal (mas agrada-me a tua maneira de pensar).
A percepção do falso passo, demasiado hirto e com uma fuga para a esquerda, mais não é do que o reflexo dado pela visão periférica do canto do olho esquerdo, com condimentos de fantasia e um aperto no peito (talvez a fantasia tenha deturpado tudo ou o assumir seja demasiado conveniente para ambos; até pode ser que seja cardíaco e tudo não tenha passado de um sintoma, sem necessidade de nitroglicerina debaixo da língua). Obviamente, a opção por um caminho tão alternativo, no momento de voltar, só agravou o aperto que, por essa altura, já tinha a audição e a visão em simultâneo. Confesso que tentei o olfacto, sem sucesso, e a salivação abundante foi o paladar de outrora a dar mostras de um saudosismo real, espontâneo e contra o qual nada pude fazer.
Embriagado em tudo o que acima foi exposto e completamente alheado de uma conversa que decorria na mesa, só posso afirmar: faltou-nos o tacto. Não deixes que falte também a comunicação, por favor. Bom fim de semana!
Nascemos imbuídos de uma inocência que se assemelha a uma tarefa impossível de superar, com os conhecimentos de então, não passamos de um ser dependente e frágil que é obrigado a depender para superar o primeiro degrau da vida. O banho, a roupa, o sono, as primeiras regras, as primeiras palavras, os primeiros passos, são conquistas de superação em que a aprendizagem se torna uma rotina que interiorizamos e aperfeiçoamos. Saímos do berço e traçamos o nosso caminho – próprio, personalizado, sem nenhum igual porque é fruto da nossa aprendizagem e não há duas autenticamente iguais.
Na adolescência damos os primeiros passos na real aprendizagem – começa a preparação para a vida adulta, o trabalho em prol de uma independência total dos progenitores, a busca de uma felicidade que é só nossa e em que, também, não há duas iguais – quando muito, com todo o engenho e sorte, almejamos uma felicidade com outrem, em que a junção de dois é igual a um muito superior à soma dos dois (contraria os princípios da matemática mas é a mais pura realidade). Já sem tantas ajudas, com muito menos questões, com um esforço diferente – sem sabermos se maior ou menor porque estamos a transitar de uma fase de absoluta dependência.
A vida adulta traz-nos a ambição pelo conhecimento, a procura da maturidade própria, almejar o fim de toda e qualquer dependência. O semelhante a um pássaro que, após ter crescido no ninho, é largado de um local alto – que o obriga a bater as asas para sobreviver, para procurar o seu próprio alimento, para se tornar absolutamente autónomo e completo. A tentativa e erro, o assumir das melhorias que precisamos introduzir para aperfeiçoarmos tudo – na busca constante por uma engrenagem que, apesar de rotineira e que consideramos quase perfeita, pode ser sempre melhorada.
Depois vem uma onda mais impetuosa que te leva a toalha, meia dúzia de objectos, as sandálias. E é aí que te apercebes que as imperfeições a dois são a melhor forma de te recordares que estás vivo e o porquê de estares distraído.
Efeitos colaterais de uma pretensa insolação – 17/4/2024
“Dás-me licença que te cumprimente?”, assim começava o monólogo da imaginação dele. “Miúdo de muito pensar, muito sonhar, demasiado imaginar mas pouco concretizar.” – isto dava uma óptima inscrição numa lápide (e ri-se). Ri-se porque tem muito capital de egoísmo como reserva – um egoísmo que não magoa ninguém mas que o impede de ser magoado (outrora chamou-lhe “Reserva Estratégica Pessoal”, mas achou que patentear o conceito era demasiado atrevido e outros poderiam usufruir dele – obviamente, com o seu sarcasmo habitual, afirmou “É a invenção que deixo ao mundo.”, sorriu e esqueceu a ideia sem deixar de praticar o conceito).
Numa cabeça que fervilha de saudade, num corpo que transpira por antecipação, nuns membros que se intimidam com toda a emoção – como uma espécie de jogo de tabuleiro em que o dado define todo o progresso ou retrocesso, recorda cada bocadinho – porque uma manta de retalhos consegue unir tanto, em tão pouco espaço – acima de tudo, recorda a maneira peculiar como era chamado – algo que sempre teve o poder de o fazer parar (gelar, já que estamos a ser honestos) e encarar a amada, com a mesma cara que os cachorrinhos abandonados fazem, quando os donos adoptivos os tentam encontrar – uma cara desprovida de tudo, menos atenção, num misto de amor, alegria, subserviência amorosa e total disponibilidade, sempre num contexto livre.
Pode o sonho condicionar a realidade? De que forma é possível sonhar e, poucas horas depois, enfrentar o sonho? Os movimentos sonhados são agora reais, a voz – escutada ao longe – é agora audível, os meus olhos podem agora procurar os dela. É todo um jogo de apetites: apetece-me isto e aquilo e aqueloutro, com uma fome voraz, mas sem os utensílios de coragem necessários para que a refeição gourmet realmente aconteça. Provavelmente, será o passo intermédio entre o sonho e a realidade: os couverts!
Apesar da experiência com o jogo das duas cartas escondidas, e as cinco comunitárias, a verdade é que a vida sentimental é muito mais difícil. Ao invés de apostar fichas, apostamos o miocárdio, ao invés de usarmos óculos escuros, deixamos transparecer a emoção, ao invés de apostarmos tudo, numa só jogada, apesar de não termos jogo para o fazer, desistimos temporariamente da jogada até que o par perfeito de cartas iniciais surja.
É um verdadeiro jogo sem limites – o miocárdio no meio da mesa, ciente do valor do sentimento, exposto a uma qualquer outra mão que possa desfazer a nossa aposta e revelar, sem qualquer atropina que nos salve, que o fim chegou. Não há massagem cardíaca para o segundo classificado e qualquer centro cardíaco está sempre demasiado longe para o imediatismo necessário.
Poderíamos tentar sangrar o sentimento, e receber uma transfusão de um outro sangue, mas tal não constituiria uma solução – tal a dificuldade de alcançar todo o sangue infectado pelo sentimento, e ser capaz de o substituir, com a plena certeza de que obteríamos o resultado necessário. Optar por um internamento e tentar uma diálise profunda mais não seria do que um passatempo, face ao inevitável reencontro.
A recaída é o melhor remédio: levas um tabefe emocional, andas completamente de lado e até és afectado pela visão deturpada – que parece ver hesitação nos passos da mulher amada, semelhante em todos os humanos, quando tentam impor ao corpo uma rigidez de gestos que o sentimento não permite que seja tão rígida. Lavas a cara, passas uma gota de água pelo interior de cada olho e suspiras…e, enquanto o fazes, a racionalidade impõe-te que tudo não passou de uma ilusão.
Era bom poder dizer que foi como um balde de água fria, mas não havia nada de frio na circunstância. Era bom poder mentir e dizer que tudo continuou igual, mas a inteligência emocional tomou conta da racional. Era bom poder afirmar que não senti nada, mas mentir nunca fez parte de quem sou.
É verdade que o havia sonhado, justamente esta noite, mas a realidade supera sempre o sonho não palpável. Os detalhes, que não revelo e invoco a intimidade como razão para o não fazer, eram exactamente iguais ao sonho mas, a emoção, colocou o batimento cardíaco muito para além do que havia sonhado.
Fugi, como habitualmente, para o meu canto secreto e, revendo-te mentalmente, percebo o que o coração me transmite. A sensação visual e palpável dá-me uma certeza que jaz nas palavras mais íntimas partilhadas entre um casal – que não somos mas poderíamos ser, que não existe porque eu preferi sentir o doer. Estar errado dói…mas, acima de tudo, sou honesto comigo mesmo.
Numa qualquer manhã imaginada, com imensa falta de coragem â mistura – 13/4/2024
A distância, essa meretriz que tantas manifestações de afecto reduz, era substancial e o grau de desconhecimento – enorme – era apenas mais uma desculpa para te manteres afastado, amorosamente cobarde. Havia uma enorme cumplicidade de gostos – alguns manifestados por mensagens, sem outro nexo que não fosse o simples “paquerar” – provocar (alguém) amorosamente, demonstrar interesse amoroso por – de acordo com a definição brasileira da palavra ou, de uma maneira mais portuguesa – o mostrar interesse em.
A distância reduziu-se mas a ousadia manteve-se – entre o ousado e o auto renegado – num tabuleiro imaginário em que não fazes a mínima ideia de qual a “jogada” do adversário. Verdade seja dita: havia algumas jogadas que conseguias visualizar e, numa antecipação típica de grande mestre de xadrez (que nunca jogaste), corrias (num sentido figurado pois o que adoras é andar, vaguear sem destino) na direção oposta. Numa analogia em que, figurativamente, te apetecia fazer festinhas, acariciar, conversar sem que horários houvesse e, na realidade, estivesses no extremo oposto a ler, nas margens de uma qualquer ria, rodeado de desconhecidos.
Armado em aprendiz de prisioneiro de imagens, esquecendo metade do material, caminhas com uma ideia na cabeça – como se fosse uma melga que quisesses que te picasse. Obrigas-te a parar, num pedaço de relva protegido do sol, sacas do antídoto da mochila e mergulhas a mente na leitura. Sorris, enquanto o cérebro vagueia ao sabor do mestre Gabriel García Márquez, para apenas constatar que, inevitavelmente, quem viaja contigo é ela…
A vizinha saiu de casa depois de mim e, fruto de uma coincidência ou plano bem elaborado, estamos agora a lanchar, lado a lado, cada um na sua mesa. Sorrisos, falsamente envergonhados, cruzados com gestos tão espontâneos que parecem fruto de um nervosismo real, a mesma troca de olhares que temos, sempre que nos cruzamos nos espaços comuns do prédio.
Talvez seja esquecimento, ou apenas um acaso da vida de que todos podemos padecer, mas ela esqueceu-se do isqueiro (acontece bastante na Grécia, todos sabemos a que preço está o gás). Finge olhar à volta – o que, de facto faz – não conseguindo visualizar o meu maravilhoso “Clipper reusable”, finge pretender levantar-se para ir comprar um isqueiro – está a 7 passos do kiosk que os vende – mas prefere exclamar um “Oh”, quando finalmente assume enxergar o meu isqueiro.
A chama acende-se, sem que a alta temperatura sofra alterações, ela coloca a mão dela atrás da minha – obviamente para proteger de um vento que temo não sentir, a chama aproxima-se do extremo do cigarro, num movimento que me faz escutar acordes das mais belas músicas que conheço – num devaneio mental e musical que visa apenas embalar o momento. Ela agradece em inglês (como saberia) e eu respondo com um “ora essa”, em grego.
A tosta mista acaba, a Coca-Cola também já não demora muito e o calor….esse continua a ser brutal. Passa o 1 e o 5, e recordas que ambos conduzem a Sigrou. Recordas os meses aí vividos – apenas para constatar que o apartamento em Victoria foi dos melhores achados – nestas desventuras de ser um expatriado sorridente.
A maneira como era possível viver, num bairro problemático de Atenas, sem que sentisses o mínimo receio, só pode ser atribuída a um maravilhoso vizinho albanês que, fruto de ser o comandante local da noite, protegeu o meu apartamento (no único dia em que me esqueci da porta aberta), com uma simples cadeira, e sentou-se no sofá…a observar se alguém ousava desrespeitar a disciplinadora cadeira.
Acordava com um realejo ou violino, todas as semanas a biblioteca ambulante parava na rua, tinha mercado de rua duas vezes por semana!
Agora, na Boavista, tenho a avenida toda para mim, facilmente consigo fazer as compras inevitáveis, posso vegetar diante de um livro sem ser interrompido, o ruído citadino é menor e o prazer de viver exponencialmente maior!
Foi aqui que tudo começou, em 2015, e as passagens por outros locais apenas acentuam o quão diversificada a Grécia é – um amor que fica gravado onde realmente importa!
O sítio tornou-se o do costume e, sentado na mesa habitual, vou trincando o lanche encomendado. A Coca-Cola vem, erradamente, com um zero mas o erro é imediatamente corrigido e a empregada de mesa condenada a beber a dita, no refúgio seguro dela, mas que é bem visível da esplanada.
As motos de baixa cilindrada que fazem mais ruído do que os topos de gama, as conversas de trânsito – algo que pode sempre resvalar, as pessoas que se benzem quando o sino da igreja soa. Os grupos que bebem cervejas frente aos grupos que conversam, os telemóveis como alienamento permanente.
O Kiosk, frontalmente colocado, em permanente rebuliço – a servir todos os que buscam “as falhas” a caminho de casa, os casais que tentam distrair os bebés do calor, os namorados que discutem o dia que agora começa a acabar. O Lenny Kravitz que grita que quer “Fly away”, as pessoas que se abanam – numa infrutífera tentativa de se manterem frescas.
O toldo da esplanada é entretanto aberto e o humilde narrador tenta descortinar de onde chega toda esta “nova luminosidade”, a empregada de mesa que sorri – ao descortinar a procura do narrador e responde com um gesto que demonstra que é ela que está a gerir o processo, mostrando o comando do toldo.
Uma escultural grega que chega – obrigando a um discreto, mas muito forte, empurrar do queixo caído que, aproveitando a distração do dono, coloca a nu toda a indiscrição da situação. Limpados os resíduos do salivar intenso e já recomposto de mais um monumento ambulante que não conhecias. Toca o telemóvel e respondes com toda a segurança: estou em casa, a ouvir música. Pagas a conta e corres para casa!
O dia de trabalho passou sem que desses por isso e o duche frio disciplinou a moleirinha de volta ao mundo terrestre. A tosta mista na esplanada, de perna suada alçada, a Coca-Cola como refrigerante obrigatório, a água que fugiu num trago.
Música de fundo, ligeira quanto a brisa, duas beldades na mesa do lado, uma trinca como início das hostilidades; na tosta, entenda-se! O Sultans of swing salta nas colunas, conduzindo a uma reflexão pelos muitos momentos em que escutaste a música.
Recordas a frase cómica que ontem, antes do concerto, ouviste um ilustre desconhecido americano proferir “who the fuck wants to see an 80’s rock band playing in an Ancient Greek theater?”…descobri depois que era um dos teclistas do grupo! 😂👌
De sorriso em sorriso, sem roubar sorrisos alheios. Saltando de dia para dia, sem sucumbir ao calor. Sempre munido de uma garrafa de água, mantendo o esbelto corpo hidratado. Eu devia ter nascido grego e ter navegado…
A golden hour a cair, as luzes dos carros pressentem-se agora – apesar de sempre terem estado lá, pessoas que correm entre outras que, muito calmamente, observam as montras – o caos ordeiro, tanto no passeio como na estrada. Ao longe, os peões que correm na passadeira – enquanto se benzem – face a uma igreja com que se deparam.
As cores desbotadas – que se fixam perfeitamente, assim que colocas os óculos, uma brisa de 9 Km/h que a app de meteorologia afirma tornar os 30 em 31. As laranjeiras que dão a frescura a toda uma cidade, as pessoas que a animam, os animais que a habitam – com mais direitos adquiridos que muitos humanos, as luzes das farmácias que se acendem para uma eventual emergência. As famílias com o passo descoordenado, conforme o filho por que são responsáveis.
O calor chegou, e trouxe com ele a habitual adaptação da indumentária, o que – dado que estamos na Grécia – equivale a um desfile de monumentos históricos (porque imediatamente te ocorre ser um ombro amigo e ouvir todas as histórias, obedientemente), em trajes minimalistas, qual tela branca, por pintar, que clama por ser coberta por uma pluralidade de cores. Não nasci pintor, e não tenho a mínima veia para a arte, mas sei apreciar!
Imaginem um cérebro que, tirando proveito da rotina do caminho para o emprego, aproveita para deambular e apreciar “as bistas”, como se diz na minha terra. Equiparem a imagem dessa rotina à mais bela obra de arte que o vosso coração guarda e, mesmo assim, talvez não estejamos, ambos, sincronizados. Curioso, como o gosto por arte pode ser diversificado: o que é que nos conquista na arte? Porque não discutimos com ela mas sobre ela? Talvez seja precisamente esse facto que a torna tão bela…
As caras envergonhadas, as gatas assanhadas, os decotes suados, as saias que são curtas pela anca – mas que elas teimam em puxar para baixo. Os saloios e os olhares fotográficos, os encontrões do metro, o acaso da conversa, a coincidência de irmos ao mesmo concerto, a ousadia do trocar contactos, a notificação dos familiares mais próximos…
Sentado no autocarro, com uma morena voluptuosa e linda sentada ao meu lado. A vontade de deixar descair o corpo, para sentir o dela, a tornar-se em algo sem sentido, quando ela deixa descair o corpo dela sobre o meu. Na imaginação dos transportes públicos tudo é possível e, cada vez mais imbuído desse espírito, sinto que os olhares trocados, ao longo das últimas semanas, dão agora o esperado fruto.
Quanto mais afasto o corpo para a janela mais sinto a pulsação do corpo dela, como um oposto que se atrai, ou uma alma inteligente que sabe tirar partido da inércia inerente a qualquer transporte público em movimento? A Grécia contém questões filosóficas profundas, não ao alcance do comum mortal. Planos maquiavelicamente amorosos são escrevinhados mentalmente, sem que os meios de defesa do estado sejam suficientes para os deter! Bem haja!
O tique nervoso do cabelo – bolas, ela fica ainda mais bonita quando o faz, a maneira como oscila a perna cruzada, que inevitavelmente embate em mim, a troca de contactos – agora que dialogamos e já nos conhecemos! Bom fim de semana e boa Páscoa!
A sexta-feira, por falta de planeamento ou insónias (selecionar o que preferir), fugiu a uma rotina que existe – porque foi outrora delineada – mas que jamais teve existência prática. Há vários alarmes: 7, 7:30, 8, 8:15, com diferentes títulos: água quente, mexe-te, põe-te a andar, last call motherfucker – para um verdadeiro grito que me empurre para os transportes públicos.
Cheguei cedo demais ao autocarro e, daqui até Fix, viajei sozinho, no canto esquerdo do autocarro (em cima do motor, o assento mais quente do autocarro – não só pela minha presença…). Após Fix fiquei com um mastodonte do lado direito e o autocarro cheio. Arrancamos, não se esqueçam que a porta é o local de eleição para o utente grego, independentemente da paragem em que vão sair (obviamente um “case study” que a comunidade cientifica deveria investigar), e uma senhora, entre outros, resolveu validar o bilhete. Encostou o papel plastificado na máquina de validação e ouviu-se um som semelhante a um traque. Olhou para os que a rodeavam e eu sorria, porque ainda recordava o som engraçado da máquina ao não aceitar o bilhete. Passado uns minutos, testou novamente o bilhete e um novo traque surgiu (as probabilidades de aparecer um fiscal são baixas, mas acontece). A viagem prosseguiu tranquilamente até ao destino.
Há uma caminhada, de cerca de dez minutos, que separam a paragem de autocarro e a empresa. Um exercício físico diário a que me obrigo, saindo na paragem “antiga” quando existem paragens mais próximas.
O supermercado fica no meu caminho e, pedido o café no balcão do lado direito da entrada, sigo para o croissant quente, que fica já dentro do supermercado mas pode ser pago na caixa da cafeteria.
Foi ao voltar, com o croissant e aguardando o café pronto, que reparei que ela estava agora no primeiro lugar da caixa (a opção era ser segundo). Olhei-a, ela olhou-me e eu tomei a segunda posição como o meu novo lugar na fila. Abanava um saco plástico transparente que deixava ver o vapor de um croissant que almejava ser trincado.
Ela olhou-me novamente, do contacto visual aos olhos dela a percorrerem o meu corpo e, ao nível da anca, a pararem. Assim que me apercebi dos olhos esfomeados dela, tomei a única decisão sensata que qualquer homem na minha posição tomaria: escondi o croissant atrás de mim. Sorrimos, com os olhos ainda colados, e não ouvimos a senhora do café a perguntar o que queríamos. Fui indigno da minha educação “nos melhores colégios suíços” e respondi “freddo expresso sketo” e, apercebendo-me da minha indelicadeza, expliquei por gestos que ela era , de facto, a primeira da fila. Ela agradeceu-me com um olhar perdoador, eu anui a que ela fosse buscar croissants sem perder o lugar na fila.
Despedimo-nos, de uma forma pouco convencional para quem acaba de se conhecer, com o encontro marcado para um outro pequeno-almoço no futuro.
Deambulava pela rua, com o queixo demasiado levantado e os olhos num constante varrimento do que o rodeava, alheado na sua rotina de tudo ver – detendo-se, se a necessidade de ver melhor o detivesse – ou armado em hiker profissional, caso a vista já estivesse em memória – admitindo algumas paragens, para a actualição e substituição do backup anterior.
O calçado era limitado a três pares de sapatilhas – mesma marca, mesmo modelo, cores diferentes e um par de botas – mais cobertos de pó de falta de uso do que propriamente as solas gastas, de tanto uso. As meias eram todas pretas, num último suspiro anarquista, e as “coquilhas”, um objecto privado só ao alcance da urologista e de algumas, agora ilustres, beldades femininas não podem aqui ser expostos, sob pena de um atentado ao pudor cibernético (desconfio que não haveria “largura de banda 😂😂😂)!
O corpo, objecto de um estudo científico que decorre desde o dia da chegada, ganha uma dimensão que desperta a obrigatoriedade mental de andar, muito, galgar, ser “cavalar” na conquista de quilómetros, debaixo das solas. Com o espírito de um comandante de avião só quer acumular quilómetros de voo, tal a visualização mental que faz no aquecimento. Sorri, enquanto uma laranja cai sobre um tejadilho “mole” e o som sai com um tom cómico.
Perguntam-lhe como é que consegue viver despreocupado assim e ele, sem que a pergunta acabe, já está a responder “como é que consegues viver preocupada assim?!” Sorriram e observaram o espaço que os rodeava e, terminado o exercício, foram juntos em direção ao pôr-do-sol, que distava uns quilómetros valentes do local onde se encontravam.
Nunca acreditei no sobrenatural mas, depois de ter visto a beldade grega a subir para o autocarro, confesso que há algo endeusado nela. Enquanto aguardamos para virar para Sigrou, consigo um olhar de soslaio, por cima do oligofrénico que se sentou à minha esquerda.
É alta, calça um número grande (provavelmente para suster toda aquela beleza), tem um sorriso discreto que, muito provavelmente, até um cego faz sorrir. O inevitável cabelo encaracolado, uns olhos profundos, de um azul capaz de se confundir (novatos talvez) com a mais bela imagem do mar Mediterrâneo! O ruivo despenteado, enrolada num casaco perfeito para o dia de hoje – de um verde de esperança que reforça toda a convicção na raça humana!
Esperança!, grita a voz humorística da tua mente. Respondes com um “enquanto há vida!”, e sorris – perante o olhar alucinado do gajo que está ao teu lado! Apetece-te cochichar ao ouvido do gajo e, com um tom de Charles Manson, dizeres “You picked the wrong day to seat by my side!”, assim, enigmático mas com um desejo profundo que a paragem dele chegue!
Ela, entretanto, sorve mais um pouco do freddo expresso e o sorriso natural dela parece derreter o gelo do café – tornando-o ainda mais saboroso. A segurança envergonhada da beleza que possui é directamente proporcional à beleza que efectivamente magnetiza quem a pode apreciar! Se fosse de gesso certamente estaria num museu mas, tratando-se de um ser humano, está apenas sorridente, divertida e a pensar em toda a beleza que uma sexta-feira pode conter!
Ela já se apercebeu que as travagens do autocarro são por mim aproveitadas e, tirando partido do embalo, aproveito para arriscar o torcicolo, olhando para a esquerda! Curioso como, visto por quem não conhece o contexto, a cena pode ser hilariante: autocarro trava, a inércia actua e olhamos um para o outro.
Começa cedo, por volta das 6 da manhã, num misto de palpação e preguiça – palpação do estómago e a natural preguiça de quem não tem grande força. A falta de força teve origem numa intoxicação alimentar, após o que eu pensava ser um delicioso bife de vaca (na altura soube muito bem), seguido de um tsunami de emoções, em que o vosso humilde narrador se viu confinado ao quarto de hotel (daqueles de 20 euros por noite, tão típico de quem procura casa e está “entre tectos”).
A palpação advém do facto de todos nós conhecermos o nosso corpo suficientemente bem para sabermos onde tocar, antes de tentar emborcar algo. Obviamente é um conhecimento fútil, descobri eu, por entre coloridos arco-íris de bílis (a agonia de padecer de uma enfermidade que, para além do desconforto corporal, ainda proporciona cores tão pouco bem sucedidas) – aquele aparte desportivo fundamental para aborrecer o lagarto mais paciente.😬
Com a preciosa colaboração de uma funcionária do café, consegui ingerir um latte e duas torradas (branquinhas), com um muito ligeiro toque de manteiga. Uma hora de check-up continuo, muito perto do “trono”, e eis o vosso humilde narrador pronto para a aventura diária que é viver neste maravilhoso país. Investido de um novo vigor, percorre a distância entre o hotel e Monastiraki, sem ressentimentos, relembrando os locais por onde passa e a associação dos amigos que recordo ter recebido em Atenas.
Monastiraki recebe-me com um misto de sonoros batuques, o ruído das mangueiras – que limpam as provas de vida da noite anterior, o cheiro a eucalipto e alguns zombies que ainda procuram a direção certa. Já que chegamos aqui, e porque o Atlantikus ainda está fechado, arrisco caminhar até Thissio (como ir de São Bento até à baixa do Porto, sem a inclinação da rua da fábrica!) Constato que estou bem, sinto-me bem e quero um café! Erro crasso ou um risco necessário? Foi uma prova dos nove, antes de atravessar a cidade! Passei…
Metro de Thissio para Kallithea e há que trabalhar: sexta-feira foi feriado (cenas fictícias ortodoxas) e não consegui mais do que contactar alguns apartamentos para alugar (o processo de alugar uma casa é algo absolutamente surreal – também o foi na República da Irlanda (Eire) e já sabia ao que vinha – tirar fotografias de potenciais alugueres e retomar o contacto na segunda-feira). Antes da parte aborrecida, resolvi antecipar a parte divertida – aferir a minha acuidade visual e comprar uma armação para suster as lentes. Descubro uma optometrista grega, de inglês duvidável, cujo marido complementa o inglês não entendido com o italiano de nascença. Por entre inglês, italiano e grego eis que atingimos a graduação necessária e, como sou alguém que “ama fazer compras”, demoro 5 minutos a escolher a armação. Estão prontos na terça-feira pelo que, agora, só tenho que evitar sentar-me em cima deles (com um corpo tão esbelto 😂, ainda hoje duvido que tenha sido o meu peso a parti-los 🙄 😉 🤥).
Parto, na procura de anúncios para fotografar (na Grécia, os alugueres são anunciados nas portas dos prédios, usando para o efeito uns autocolantes amarelos – de tamanho único – impossíveis de não serem notados) e, após fotografar um deles – e tentar o contacto telefónico, perguntei ao senhor da loja ao lado se ele poderia traduzir. Não só o fez (era um espaço comercial) como também me disse: tire uma fotografia dessa placa (que, para mim, não passava de uma placa com caracteres gregos) porque esse senhor é de uma imobiliária, que fica aqui em cima. Tirei a fotografia, liguei e lá me apareceu o homem, na sua Suzuki 125 (até hoje confiei em poucas pessoas para andar de moto – o António Pedro que me ensinou, o Chico, que me levou do liceu a casa e de volta ao liceu, em tempo recorde, e o meu irmão que, como andava a estudar ortopedia, era de confiança 😂). Montamos, vi motos de frente, andamos em sentido contrário, fizemos mudanças de sentido pela passadeira que serve de separador central, chegamos!
É um rés do chão, que aqui são alteados porque há sub-caves, tem o quarto desejado, uma sala, WC e cozinha. Está sujo (tirando Airbnb é a norma) pelo que vai requerer um esforço adicional. Voltamos ao escritório, por entre carros, passeios, pessoas e, após uma troca monetária, recebo as chaves. A alegria é tal que corri para o hotel (de metro), peguei nas cenas todas e trouxe para aqui – estava ávido por poder responder “estou em casa”! A primeira limpeza está feita, o quarto está como novo, a casa tem agora um cheiro agradável. As aventuras posteriores nada mais são do que a intimidade da casa.
Há dias em que tudo, absolutamente tudo, corre bem – 7/1/2023
Não tinha nada para ser especial ou diferente de uma normal ligação do ponto A ao ponto B. É verdade que levantamos voo com cerca de trinta minutos de atraso, o que nos concedeu tempo suficiente para nos conhecermos. Marialena, Henrique…how are you? e o questionário habitual de sondagem de opinião.
Nem o facto de já só haver menu vegetariano afastou o vosso humilde narrador da conversa. Moramos em cidades separadas, temos gostos muito semelhantes e a linha de pensamento muito alinhada, numa espécie de acorde perfeito que enfeitiça ambos os envolvidos. De mão dada, por causa da turbulência e não com qualquer conotação amorosa (pelo menos admitida pelos envolvidos), decidimos ser amigos e, sem que qualquer troca de contactos tenha ocorrido, despedimo-nos com um “até um dia destes”, tendo ela acrescentado: estou certa que acontecerá!
Curioso como uma novidade pode começar com um “this shithole?” mútuo. Agora vou ter que ir a Thessaloniki, numa aposta cega num encontro inesperado. Haja loucura e tempo para nos divertirmos com ela. Cheers!
Há folhas caídas e assam-se castanhas na rua (algo muito cómico, quando comparado com o método português do fogareiro), estão 22 graus e há corajosos na praia (com potencial para criar um bom ajuntamento de carros, no retorno à capital).
As tabernas estão cheias e o cheiro a vitela estufada com ervilhas consegue embriagar o teu palato estomacal, os degraus estão secos e bem seguros, pelo que os chinelos foram uma boa opção, no que a locomoção diz respeito. Olham-te porque estás com a habitual indumentária, cumprimentam-te porque te reconhecem nessa mesma indumentária.
Cumpres os teus rituais sociais e sobes a rua, acompanhado do teu Freddo e dos biscoitos do Veneti. Observas tudo o que te rodeia, como método de estimular a mente enquanto mecanicamente regressas a casa. Vês as diferenças nos prédios da vizinhança, cumprimentas as velhinhas na janela ou varanda, ouves a música de uma flauta, ao longe – questionas-te se vais obedecer à flauta, numa fábula rápida que te cruza o raciocínio.
Cedeste, quando passaste por outra taberna, e agora aqui estamos – a dizer bem do saganaki, das batatas fritas, da vitela estufada…por vezes é bom ceder emocionalmente! É o mais racional a fazer…
A aguardar que os vizinhos de outrora voltem a Atenas, para um jantar de convívio e celebração, como só eles sabem gerar. De livro aberto e sol no corpo, eis o vosso humilde narrador a relaxar, no último dia do fim de semana.
É aquele sol, com a temperatura do equador mas sem a humidade, com o brilho do verão mas somente a energia do outono, a abrilhantar sem magoar, a acompanhar sempre solidariamente – como um verdadeiro companheiro de aventuras.
Hidratando constantemente, até um cúmulo de me sentir uma picota humana que, gota após gota, se vê transformado num intermediário humano entre a fonte e a sanita. De cabeça enfiada na leitura despede-se de ti, com um abraço apertado.
Primeiro apelidei-a de primata emocional mas, com o passar do tempo, apercebi-me que havia uma só vontade, em termos emocionais, que era precisamente nunca evoluir! Uma opção voluntária ou induzida, num ambiente em que o rebanho é a forma comum de sociabilização. Como se de um filme se tratasse: de ficção científica, em que o sentimento é reprimido e ilegal.
O lado cientista tentava decifrar a fórmula científica que poderia levar a que algo se afastasse, voluntariamente, do Nirvana emocional – mas a comunidade científica mundial não acreditava que existisse prova de que alguém conseguisse, voluntariamente, repelir sentimentos e, como tal, o objecto de pesquisa caiu no esquecimento.
Testemunhas anónimas deixavam o seu testemunho, de momentos de pleno sentimento e as diferentes formas de expressão que haviam assumido para cada uma delas. Era como um livro, básico e de escola primária, em que o público tentava que o primata aprendesse, mas os ensinamentos da república das bananas prevaleciam sempre. A comunidade científica internacional tentava agora um derradeiro plano: a criação de uma rotina, na mente do primata, de maneira a que as emoções fossem estimuladas diariamente. Teletrabalho, obviamente! A uma distância segura e sem contacto! Tal era a esperança depositada no projecto!!!
Em Evia, de pés ao alto sobre o varão da varanda, de olhar perdido na beleza do horizonte. Vinte e nove horas e meia a guiar, de queixo caído na maioria dos trajectos, de corpo salgado na totalidade das paragens – tão belas e recompensadoras as previstas e as imprevistas.
Vi inúmeros tons diferentes de água, conforme a luz nela incide, abrandei a velocidade para deixar passar ursos (quando, na vida real, devemos sempre acelerar, bem sei), ajudei um cágado a atravessar a estrada, andei misturado com o povo numa típica excursão à praia.
Saltei do topo de um barco para o “azul profundo”, com os seus vinte e sete graus de temperatura e tão transparente quanto a água da piscina. Arrisquei ficar sem gasolina, encontrei desconhecidos que já não o são. Conheci o sempre imprevisível carácter Grego, almocei com os donos de uma taverna.
Nadei como se fosse um puto e talvez tenha sido esse puto o que fez tudo isto – com um sorriso aberto, lágrimas de satisfação e alegria, um coração que parece expandir, após o inspirar obrigatório de quem suspira enquanto escreve o que se passou com uma vontade enorme de voltar a repetir, com mais tempo em cada etapa.
Não sei se é um acto de autoflagelação ou apenas diferentes manifestações de força: se por um lado a neve destruiu grande parte das árvores fracas da rua, por outro ei-las que brotam com o dobro da força, no mínimo, que eu não sou gajo para ir lá medir…a olho, carecendo de certificação científica, vá…
Onde jaziam tocos do que outrora haviam sido árvores, olhando sem esforço, vemos agora um vigoroso tronco bébé que, claramente, não precisa de cuidados maternos. – Tens um futuro brilhante, trocamos hoje impressões. Infelizmente, talvez fruto da idade, não obtive resposta mas, o que a vista deslumbrava, era prova suficiente!
Numa fase em que não há nada palpável mas, consultando a cloud, está lá tudo – palpável, com sentimento, com o sorriso envergonhado que tanto aprecio, com os silêncios que dizem mais verdades do que qualquer Bíblia que se queira interpor no nosso caminho.
Clicando no rato consigo obter todos os detalhes de um dado ficheiro mas, a natureza humana não se deixa subjugar por um rato, independentemente do modo como conduzimos a seta na direção que pretendemos clicar. Assim, é necessário compilar todo um conjunto de instruções, cuidadosamente programadas, de maneira a extrairmos essa informação, do modo menos automatizado do mundo – porque lidamos com a natureza humana, usamos a computação como meio para, por tentativa e erro, tentarmos definir a direção aconselhada que, misturada com sentimentos frescos do miocárdio, resultam numa forma quase infalível de amar.
O cérebro tem, constantemente, uma imagem dela em memória, como uma ROM que permanentemente o desperta para um suspiro que mais não é do que um catalisador para a frequência com que pensa no assunto! Ou não será sequer racional, devaneia sem pensar! Talvez tenha existido uma primavera árabe dentro de si e ele não houvesse escutado os gritos de celebração, talvez se tivesse rendido a um sentir diferente que mais não é do que a ansiedade normal de quem aguarda o abraço seguinte…
Num raro momento em que a cabeça consegue pensar eis que tenta expirar uns ares de macho latino, numa vã filosofia de vida, que termina com mais um suspiro, este já com um misto de mal estar entre o cérebro e o miocárdio (um diálogo entre tecidos esponjosos)! E, tal como uma esponja que sorve a água do corpo, ambos tinham consciência do quão arrojados estavam a ser, tendo em conta o terreno que, ainda não haviam pisado, e já estavam apaixonados!
É bom tropeçar no desconhecido! Sobretudo quando o sentimento de partilha de ambos está perfeitamente alinhado!
A promessa havia sido feita, perante si mesmo, de que tal não voltaria a acontecer! A insensibilidade iria ser a poção mágica, que o livraria do efeito da magia negra, que fingia sentir padecer. Havíamos ultrapassado a fase do fingimento, dada a forma como havíamos sido atingidos, e o despudor da conversa só era mantido porque somos produtos de famílias, que dispensaram o seu tempo e dinheiro, na nossa evolução como seres humanos socialmente integrados!
Já não eram calafrios mas sim todo um corpo humano que cedia, já eram bandos de pássaros que o acompanhavam, com escoltas das mais belas borboletas que a natureza é capaz de gerar. Havia uma falta de apetite que, logo depois, era contrastada por um apetite insaciável que o obrigava a respirar fundo – muito rapidamente, para não deixar o cérebro pensar e deixar apenas o coração fluir. A pulsação era mentalmente medida, no único esforço para o qual o músculo era solicitado, de forma a manter todo o restante conjunto livre para desfrutar.
Sem palavras e com imensos silêncios nas respostas, com voyeurismo cibernético a acirrar, com palavras simples e, no entanto, tão reveladoras quanto quem as usa para se revelar, com gestos distantes que são superiormente sentidos e com movimentos firmes e bem direcionados, que obrigam a uma rendição emocional para, juntos, construírem a sua história, a fénix emocional de um casal muito bonito.
Como se de uma feira popular se tratasse, os caracóis são a montanha russa perfeita para os meus olhos se regalarem; são inúmeros os caminhos que eles percorrem e, com a ajuda da natureza, já os vi ondular – de uma forma tão ousada que, pela primeira vez na vida, exclamei: estes cabelos intimidam-me…ao ponto de eu desejar que os meus olhos não me traiam! Mas eles, cobardemente apaixonados pela emoção do que presenciam, imediatamente fixam-se na forma perfeita de uns lábios que, em detalhe, parecem ansiar pelos meus!
Sobejamente traído por todo o bem estar da situação, ciente – tal como um espião, um qualquer agente duplo num qualquer país do mundo – de ter sido desmascarado, de sorriso inocentemente apaixonado no rosto, de pensamento completamente arrebatado pelo sentimento, a dar uma boa inspiradela, antes de voltar a fixar-me naqueles lábios tão bem definidos, tão carentes dos meus, tão traídos pela vida própria que possuem, aquando observados!
Observo as linhas das orelhas, num planeamento minucioso do melhor ângulo para as saborear, prevejo a ponta do nariz húmida – como início de uma brincadeira com comichão, o pescoço está totalmente reconhecido e, após análise dos dados apurados, o ponto de união de ambos os corpos perfeitamente apurado – num ângulo que permite a troca de mimos enquanto encaixado em outrem.
Os ombros não serão suficientes para suster o ímpeto, e também não serão poupados a uma apurada análise de sensibilidade! Já o peito despido, dita o decoro, obriga-nos a saltar a descrição para o umbigo – uma covinha amorosa, sabiamente colocada numa barriguinha perfeita.
As coxas percorridas pelas pontas dos dedos, como um sonar humano que reage ao toque, os corpos totalmente rendidos, um no outro!
Chegou pela esquerda e vimo-nos! Mas fingimos não ter visto – num jogo de fingimento que nasceu nos tempos mais antigos da civilização. Continuamos a olhar-nos, mas desta vez já com uma audiência de espectadores casuais que mais pareciam esfomeados do que propriamente predispostos a aprofundar conhecimento. Indiferentes a tudo e a todos acabamos na mesma mesa…por vicissitudes várias da noite talvez se tenham até beijado mas, arrolado como testemunha, o kiosk nada confessou!
Talvez a conversa fosse interessante para ambos ou talvez fosse apenas uma noite de verão na Boavista mas, por momentos, senti paixão pelo sentido que tudo fazia naquela conversa! Continuamos a partilha de informação e sorrimos das incoerências que faziam tudo ser coerente, do diálogo fluido que parecia ter décadas de entrosamento, das gargalhadas sincronizadas que parecíamos ter inventado.
Era como uma brisa agradável numa noite de verão Ateniense – refrescava-me a mente ao mesmo tempo que a visão turvava, arrefecia-me o corpo ao mesmo tempo que ele aquecia, enchia-me o coração ao mesmo tempo que ele pulsava!
É um estado de embriaguez emocional – estás no barco, a alta velocidade, e só pensas na chegada – como uma criança que passa a viagem toda a perguntar se já chegamos!
Alguns dormem, as crianças correm, outros sonham acordados – como eu! Foram dois dias de despedidas que agora se reflectem num corpo sedento de aventura e querer ver, obviamente para crer!
A companheira de viagem escreve, com a mão esquerda, e apanha os cabelos que, entretanto, já se animhavam na minha face. Sorrio, porque escrevo também e não tenho preocupações com o cabelo solto – nem com o dela nem com o meu!
O barco baloiça, por entre a ondulação que vai atravessando, e vêem-se agora os primeiros enjoos de quem sofre nestas máquinas de transporte marítimo. A sensação de coração cheio, aquando da chegada ao Porto de Piraeus, ainda está bem presente – a alegria desmedida, somada com a intemporalidade típica das férias, num resultado de respiração profunda, extremamente calma, e um sorriso capaz de importunar só quem não entende a alegria de viver!
Sentado num balcão, que combina a temperatura exterior com a brisa fresca que vem do ar condicionado interior, munido de um copo de água e um Freddo expresso sketo, de olhar perdido na esplanada e com um sorriso aberto – esta é a melhor definição do meu domingo.
A patroa da casa que assombra as funcionárias, o café que sai a um ritmo inversamente proporcional à água, as beldades gregas que quase se atropelam para obter o melhor ângulo da esplanada. Os pombos que lutam por migalhas enquanto os humanos reclamam porque a conta está errada, enquanto as motorizadas, sempre kitadas com escapes de rendimento, dão uma sonoridade tão irritante quanto típica na Grécia.
Num canto está o “Abrumhosa”, assim designado porque nunca tira os óculos escuros, no centro a patroa continua, tão exuberante quanto irrequieta, a tentar controlar tudo o que se passa sem deixar transparecer estar tão perdida quanto as funcionárias. Param tudo e sincronizam o que está a ser facturado a cada mesa – num exercício de racionalidade tão atípico nestes negócios – tentando evitar que a Grega, de mão na cintura, volte a reclamar estar a ser cobrada em excesso.
Ao longe, em termos de distância mas não do olhar, está uma diva semelhante à Claire Forlani – numa versão mais humana, mais acessível e de uma beleza ainda mais calorosa do que o “original”! Sai uma mota para fazer as entregas e os nossos olhares cruzam-se, envergonhados mas sinceros, a demora em desviar o olhar deixa a imaginação a transpirar e, cuidadoso como sempre, aproximo o banco alto do balcão de forma a usufruir de mais ar condicionado interior!
Um sorriso, ao longe, obriga-nos a um novo cruzar de olhares e a adoptar uma postura mais defensiva – cruza os braços enquanto acaricia a mão – num gesto de carícia própria que parece acalmar a ideia de carícias menos próprias, conforme definido socialmente.
O corpo está afastado da mesa, uns dois palmos, e apoia o queixo sob as mãos, delicadamente sobrepostas. Braços estendidos e esculturais, cabelo castanho claro que brilha com o impacto do sol. A iluminação natural faz sobressair toda uma simplicidade de uma pessoa que, sem pudor, fixa o olhar no meu! Será um desafio de olhares? Não ouso dizer mas constato que não quero perder! É de olhares fixos que somos “apanhados” por quem nos acompanha mas, sem temermos ser autuados, afundamos os olhos um no outro sem que qualquer lei possa ser aplicada! Uns fora-da-lei sem pudor!
É a única destemida, de um grupo de três pessoas, que enfrenta o sol, com um ímpeto muito mais radiante do que o astro, com os óculos escuros no cimo da cabeça, com um cabelo que, conforme o ângulo vai variando, parece tornar-se mais belo, mais atraente, mais digno de ser tocado. A mão esquerda sobre o braço direito – como que refrigerando a temperatura, o vestido que parece colar-se, mais e mais, a um corpo desenhado por um Da Vinci da anatomia…a forma como lentamente sorve a água, depois do café terminado, é de uma beleza simples mas descomprometida – como se tudo nela fosse simples e, ao mesmo tempo, de uma beleza indescritível que apenas se pode tentar descrever….
Talvez seja uma conjugação de factores que me traz aqui – a cara bonita, a simpatia singular, o facto de colocarem a música grega num volume anormalmente alto, os olhares que trocamos ou as cervejas com que me vai mantendo aqui…não sei! Ou talvez tenha a certeza mas não quero admitir o óbvio! A cerveja é servida a uma temperatura próxima do congelamento que, para mim, é a temperatura ideal – as noites já não são frescas como outrora, ao longe ouço The Cure a tocar bem alto e, de forma envergonhada mas sentida, finjo não ouvir – para não prejudicar o romance envergonhado!
A alteração manual das músicas é feita por cima do balcão – o que prejudica bastante a lucidez de qualquer heterossexual assumido! A indumentária é a armar ao simples e despretensiosa mas perfeitamente ajustada a um corpo que se assemelha bastante a uma ideia antiga – agora tornada realidade – de como uma deusa grega é! Ouvem-se petardos ao longe e, tratando-se da Grécia, não sabemos se me leram e estão a celebrar ou se começou uma guerra civil! Ela aproxima-se e sussurra-me que é normal…como se o normal existisse na Grécia….eu finjo não ouvir muito bem e recebo um sorriso tão empático que acabo por corar. Ela sorri e afasta-se com o sentimento de dever cumprido….por me ter acalmado, julga ela, como se eu estivesse concentrado no ruído!!!!
Interrompe a música que tocava, debruçará sobre o balcão, com um top do qual só existe o topo e um mostrar atrevido de um traseiro que nem esculpido poderia ser criado de forma tão perfeita! Continuo sem conseguir ouvir, finjo apenas que o faço, qual impostor da audição! Só a visão e o coração funcionam – num sincronismo que apenas é interrompido pelo final da música! Não que eu consiga escutar….é a visão que me mantém informado!!!!
Talvez fosse da pele morena ou da altura dela mas o facto é que os nossos olhos colam-se, quando os olhares se interceptam. A dada altura viraste-me as costas da maneira mais sexy do mundo e fiquei diante do teu rabo, levantado ao nível dos meus olhos. Senti-me um cãozinho, obedientemente de cabeça baixa enquanto olhava de esguelha. Acabamos sempre a sorrir, quando os olhares se cruzam…será alegria ou um simples jogo de olhos? O futuro o dirá… É verdade que maioritariamente somos nós a força motriz daquele local, tão escondido quanto à vista de todos, e o teu andar e sorriso são um bom alento a querer ser ainda mais adepto daquele clube de bons amigos e conhecidos. De norte surge mais uma verdinha fresca e dou por nós fixados nos olhos um do outro. Talvez também tivesses pedido uma cerveja e julgasses que fosse a tua…
Subimos e descemos nas cadeiras, procurando o melhor ângulo de observação, de tal maneira que qualquer dia as cadeiras, com o desgaste, não passarão de pequenos bancos…ahahahahah. Estavam todos presentes e foi um gozo enorme a celebração espontânea que teve lugar. Saí antes do final porque o final costuma ser uma mistura de álcool e falta de bom senso e, nessas coisas, já tive a minha quota parte de azar.
A vida vai-nos sorrindo e ter sabido o teu primeiro nome foi um passo agradável para esse sorriso.
Havia muito tempo que mentalmente estavam planeadas! Uma espécie – para não usar a palavra “tipo” – de descanso do guerreiro que mais não é do que levar o guerreiro a prestar vassalagem ao Sol.
Partir do aeroporto de Cork assemelha-se, em muito, a partir do aeroporto de São Tomé: as máquinas são ligadas para inspeccionar as bagagens, há muitos sorrisos – por parte dos passageiros que sabem que vão evoluir, pelo menos, uns 20 graus centígrados em termos de temperatura, a boa disposição impera e contagia!
Voo tranquilo, apesar da histérica que seguia a meu lado e que, a cada pedaço de turbulência, se agarrava a mim…fosse a Claudia Maria Schiffer e a história teria sido diferente! Sem turbulência, claro está! A chegada foi tardia e as primeiras impressões de uma semelhança brutal com a Gran Canaria – entre a Playa del Ingles e a Playa de Las Americas há semelhanças tão incontornáveis quanto a relação de vizinhança das 2 ilhas!
Dias passados maioritariamente entre o Papagayo e a praia! Papagayo para hidratar e a praia para plena satisfação da necessidade vital para quem nasceu tão perto do mar! A temperatura da água não seria a ideal – de acordo com os padrões Gregos – mas, para um Espinhense habituado a estas lides…estava fresca!
Festejamos a amizade Luso-Helénica, em todos os momentos em que pudemos estar juntos, e descobrimos que temos maneiras de ser bastante idênticas – sempre sem afectar a amizade ou respeito que nos unem.
Maravilhoso voo de volta para Cork – que estava 21 graus abaixo da temperatura da ilha – e o tabaco a ser capturado na fronteira, por um troglodita da alfândega (que não a discoteca em Caminha….antes fosse!!!!) que só exclamava que a Espanha nunca tinha pertencido à União Europeia! Um intelectual, claro está!
Após pedir uma qualquer declaração, atestando que o tabaco tinha sido apreendido, resolvi dar meia volta e seguir para casa – onde me esperava uma mudança para o apartamento novo!
A ironia da vida é agora tentar perceber como é que 4 dias apenas te colocam na cara um sorriso tão duradouro….
Prometeste-te (sim, está bem escrito…prometes a ti próprio) um fim de semana tranquilo, cumprindo somente a tradição habitual do brunch e pouco mais. Compras só algumas Super-Bock para acompanhar e sabes que o fim de semana vai ser de descanso.
Se a sexta-feira foi de música, amendoins e Super-Bock, enjaulado entre as quatro paredes da casa do Altus que te permitem vencer o frio, já o mesmo não se pode dizer dos dias seguintes…viver com Brasileiros é um samba constante!
Não só a Super-Bock desapareceu como o frigorífico apareceu cheio de Heineken!
Um homem nunca se deixa derrotar e, por entre uns hambúrgueres maravilhosamente confeccionados, a Heineken foi escorregando pelo esófago. Acho que tanto o sábado como o domingo foram momentos ímpares de confraternização, gargalhadas – com e sem sentido – e uma dor de cabeça no dia seguinte.
O que tem realmente piada na casa é o facto de conseguirmos sempre mais uma gargalhada, mais um sorriso, mais uma situação inesperada – com que todos nos rimos – sem atrapalhar a harmonia diária.
Sentado no sofá e refém da sua caneca de café. Mentalmente analisando a evolução do percurso: começou num pequeno curto pela manhã, evoluiu para dois curtos pela manhã para, finalmente, voltar ao conforto da cafeteira de sempre – a quantidade ideal, o aroma possível para a tecnologia utilizada, a temperatura ideal!
Revê os emails recebidos, analisa cada proposta como uma oportunidade de ir conhecer outras paragens, responde no messenger e sorri. Ainda não está funcional e a audácia leva-o a uma segunda cafeteira de café. Recorda a combinação que fizeram na casa e, caso tudo corra bem, em breve terão uma máquina de café para todos!
Liga a TV e acompanha o pequeno-almoço das várias emissoras: os programas simples feitos para uma audiência fácil de cativar e ainda mais fácil de manipular. Muda para a CNN e dá de caras com o Jim Acosta, de sorriso renovado, que me dá as últimas notícias da Casa Branca.
Levanta-se do sofá, desliga a TV e chega à conclusão inicial: deveria haver uma fórmula mágica que, analisando o estado do paciente, indicasse imediatamente a dose de café necessária para o equilíbrio diário! Ora….aí está uma invenção digna e capaz de gerar lucros por muitas gerações.
Está frio, exclama enquanto abre a porta para sair de casa! A diferença de temperatura entre o interior e o exterior é elevada e o choque térmico leva-o a bater a porta, ficando dentro de casa!
Devaneios matinais de quem precisa de um edredão eléctrico para se deslocar…
Se me perguntasses como viver um sonho eu respondia: entra com o pé que te apetecer, distribui as coisas como o consenso dos habitantes o ditar, faz uma primeira refeição de sonho, lavem a louça juntas, sentem-se no sofá a digerir à volta de um bom jogo de caixa dos antigos…chamem-lhe o baptismo, se quiserem!
Como não perguntaste…também não te conto! 😉 Ahahahahahahah. Apenas feliz, sabendo que estás bem! Medos, receios e afins não constam nas tuas batalhas passadas e certamente não ousarão marcar presença na vida presente e futura! Ri, despropositadamente, e espalha essa “virose” por todos os habitantes. Estabeleçam consensos, distribuam tarefas, criem laços de equipa e vivam sem imaginar o gozo que é a vossa vida!
Na mesma situação eu recordo que dei uma festa para todos os meus vizinhos – não, não conhecia nenhum! A casa acabou de pantanas mas a surpresa maior estava reservada para o dia seguinte quando, saídos do nada, todos os convidados do dia anterior se apresentaram para ajudar na faxina!
A vida está cheia de feitos inesperados e tu és o mais bonito que me aconteceu!
Ainda caíam gotas dela….notava-se que estava a precisar de descanso mas a hora era de acção e o descanso passou para um segundo plano.
Toquei-lhe com a gentileza possível de quem toca algo húmido e a precisar de repouso. A minha mão rodeou-a e apertei-a um pouco para que não me fugisse.
Coloquei aquilo que ela gosta bem dentro dela e fiz uma ligeira pressão para ter a certeza que estava conforme fui ensinado. Sim, estava.
Aqueci-a até obter dela os primeiros acordes de sucesso. Assim que ouvi a sua manifestação de dever cumprido, imediatamente peguei nela e, manipulando-a cuidadosamente, virei-a!
É um prazer diário. Adoro a minha máquina de café!
É verdade, não devemos nunca ficar alegres com a tristeza alheia. Sim, eu sei. Tratando-se de uma batalha pela felicidade, não sinto que esteja alegre com tristeza alguma! Quando se batalha por algo, da forma – pausada mas racional – como o fazes, só posso estar alegre por ter-te perto de mim.
Falaste do meu coração como se o conhecesses. Muito provavelmente porque ele tem a estranha mania de controlar as minhas acções românticas e, após as suas acções, sai de fininho – rindo como o Muttley. Não que se ria do sentimento mas apenas se ri de satisfação por estar mais perto de um coração semelhante.
Nem só de semelhanças é feita a vida mas, e aqui dou um voto de louvor a nós os dois, que nós temos tido a nossa dose de semelhanças…não há como negá-lo. Somos o fruto de uma série de coincidências que nos colocou no caminho um do outro. A mais bela série de coincidências, ousaria dizer.
O teu texto de hoje tem tudo o que eu gostaria de receber de ti: honestidade, pragmatismo, receio…acima de tudo, tem uma dose de força tua para enfrentares as adversidades com que te deparares.
Quero poder dizer-te ao ouvido palavras que nunca te escreverei mas que ousarei tentar fazer-te sentir, sempre!
Mais do que um beijo, o maior abraço amoroso do mundo!
A cara, linda como sempre, aparece no canto superior direito acompanhada de uma bola verde à sua direita. Respiro fundo, trocamos breves impressões e a cara linda e a bola verde cedem o lugar a outros que continuam ligados. 😦
Questionas-te se faz sentido ficar corado perante uma imagem que aparece e desaparece…são questões que te são respondidas de dentro para fora e, sem dares conta que estás com o teu sorriso traquinas (sorriso traquinas é uma marca registada por mim e qualquer utilização requer autorização prévia). 🙂
Conheces o sorriso traquinas e sabes demasiado bem o que ele significa para ti. Não dominas os momentos em que ele aparece mas é algo que sabes que estar a acontecer pois começas quase a fumegar das faces coradas. Sabes perfeitamente que colocar uma cara de quem acabou de ser bafejado pela fuligem de uma locomotiva não é a melhor maneira de disfarçar o que sentes. Nunca disfarçaste nada, não comeces agora! Diz-te o Zé… 🙂 🙂
Apresento-vos o Zé! Provavelmente já tinham lido algo sobre ele mas hoje eu apresento-o à sociedade. Não vai debutar no Ateneu Comercial do Porto mas as redes socias, blogs e afins parecem-me um cenário muito mais digno de iniciar a sua vida em sociedade!
O Zé, indivíduo de uns quarenta e qualquer coisa anos de idade, é o mais assertivo dos seres sem existẽncia física! Dá-te conselhos que não acatas, dá-te sugestões que raramente segues mas, acima de tudo, é o teu maior confidente – aquele tipo de pessoa que, apesar de apresentarmos à sociedade, sabemos que colocamos a nossa vida nas mãos dele (se ele as tivesse).
Aquela vozinha, no fundo da tua cabeça, que sempre te incentivou quanto te faltava incentivo, sempre te empurrou quando não querias andar, obrigou-te a correr quando querias descansar. Obrigado Zé! 🙂
Numa galáxia perto de si, a apenas alguns milhões de anos-luz, os sujeitinhos locais argumentavam sobre qual a melhor maneira de comunicar. Os sons que emitiam não formavam uma linguagem perceptível por ambos e as faces alteradas pela cor da emoção não disfarçavam o sentimento.
De um lado o macho, sem quaisquer pretensões alfa (nunca é demais salientar), abanava o seu corpo – numa espécie de dança inventada para o efeito: corpo muito atabalhoado no movimento, face corada pela falta de movimento natural mas cheio de convicção que o objectivo da dança seria alcançado. Do outro lado a donzela – a face linda que ele havia memorizado havia tantos anos, os olhos concisos e mordazes, a face dourada aos olhos de quem a olhava, o sorriso escondido pela face obrigada a estar séria.
Ao tocar na mão dela – talvez porque fosse a primeira vez que o faziam com o sentimento presente – estremeceu. Ela perguntou-lhe se ele estava nervoso e ele, quase a hiperventilar e desesperadamente procurando um saco para repôr o ritmo respiratório normal, respondeu que estava “apenas” emocionado…(ele era mentiroso nas situações em que sabia que seria imediatamente apanhado).
Para quem olhava ao longe eles nitidamente pareciam alinhados mas, para ambos, eles estavam apenas sintonizados numa mesma onda, obviamente larga, mas a maré ora enchia ora vazava. Era na praia-mar que estavam mais juntos – quando percorriam a areia do conhecimento que pretendiam ter um do outro e, ora molhando o pé na água salgada e fria ora voltando à areia, debatiam o que os separava.
Foi no debater o que os separava que descobriram o que os unia…e foram felizes para sempre!
O Zé lutava contra os pontos finais. O máximo que ele algum dia arriscou foi um ponto e vírgula que, posteriormente, substituiu por reticências. Nunca mais voltou ao assunto, olhou à volta e viu que o mundo continuava alegre e pronto a abraçá-lo. Abraçou-o de volta e submergiu no seu novo mundo.
Foi a busca de abraços que o levou a uma pausa que não havia programado. Recordava aquela conversa, no muro das Sereias, como se haviam encontrado, as vicissitudes do encontro e a que agora se tornou a “habitual espia” – que rondava como um perdigueiro que sente o odor da presa mas anda perdida na procura para a entregar ao dono.
Se havia algo que eu notava no Zé era a grande evolução em termos de inteligência emocional – ele não sabia a quem atribuir o mérito e eu ousei perguntar-lhe se o facto de se ter rodeado dos melhores e ter tido as ervas daninhas afastadas não teria contribuído para o belo prado verdejante em que a sua vida se tornara. Ficou no ar, como pergunta retórica, pois o Zé é um homem de poucas respostas…
O Zé olhou-me nos olhos e disse: arrisquei uma vírgula! A cara estava corada e, em termos de Zé, isso significa que a vírgula tinha sido deliberadamente colocada para sugerir o que lhe ia no pensamento. Não se desculpou com o uso da vírgula pois sabia que o diálogo, em que a havia usado, era com a escolha pessoal dele.
Arrisquei perguntar ao Zé…é mútuo? O Zé mudou de expressão e, com cara de garoto que se sente encurralado por uma sugestão que pode ser a verdade, confessou: não sei. Queria que fosse, disse. Faço o que posso para que seja mas temo demasiado o que possa ser. Temes?, perguntei eu. Não, respondeu-me o Zé, com as bochechas ainda ruborizadas…
O Zé aproximou-se do meu ouvido e segredou-me: sempre gostei dela! Daquelas linhas artísticas que ela tem, do dom linguístico que aplica de cada vez que se expressa, da sua maneira de agir e de pensar. Subiu o tom de voz para dizer: isto dura desde os 17 anos…haverá cura? – perguntou como se estivesse perante uma pandemia em que ele é a única real vítima.
Zé, perguntei com um tom de quem precisa de saber a verdade para continuar a conversa de amigos: porque achas que se trata de uma doença se tu tens a vacina…tudo o que tens que fazer é perguntar-lhe! O Zé assimilou a resposta – ou fingiu assimilar porque este homem já sabe as respostas às perguntas que coloca – olhou-me nos olhos e disse-me: é bom ter-te como amigo porque permites que a conversa flua sem que todas as respostas estejam presentes…
Levantou-se, deu-me um abraço e, quando já caminhava para casa, voltou-se para trás e exclamou: um dia vamo-nos rir disto! Sorri-lhe de volta e percebi que a vírgula não tinha sido usada como pausa mas como catalizador…o Zé havia sido directo e tinha agora um pretenso receio da sua acção.
Foi com uma sonora gargalhada que reagimos ao “um dia vamo-nos rir disto”! Já passamos por tanto juntos que os segredos de um não passavam, para o outro, de um intervalo de tempo em que toda a história seria revelada…
Dia de celebração, de contentamento, de Super-Bock, de tempestade e de muita televisão. Porquê? Porque agora o menino “Callum” está a atravessar a cidade de Cork – ventos estupidamente fortes, chuva de toda e qualquer direcção, frio, algumas enchentes na cidade e um mal estar…
Enquanto Irlandês herdado temporariamente pela República da Irlanda, telefonei para o Off Licence e reservei oito Super-Bocks para o fim de semana (4 litros de cerveja para entreter estes dias de reclusão). Preso em casa mas com a mente solta a navegar por ideias que nem sempre ouso escrever, gritos que não vou dar e abraços que, estando em stock, terei que entregar.
Após ter passado o dia de ontem a desfilar o casaco novo pela herdade de Altus, hoje é dia de melhorar as prestações no Fortnite! Começar uns treinos após o jantar, pausa para uma trinca rápida e de volta ao treino. O gozo inerente ao já não conseguir jogar o que outrora jogava e ver outros, com a idade que outrora tive, a darem verdadeiras lições de como jogar o jogo.
A vida é igual…mas real e sem armas! Combate-se com o coração…
Talvez uma palavra a ser censurada do dicionário português! Trata-se de um acto violento – para ambos os sexos – e o seu uso deveria assentar numa autorização prévia de um qualquer organismo público que supervisionasse a sua utilização.
O homem nasce e agarra-se às mamas para sobreviver, quando muito ainda tem direito a um suplemento – já fora da mama – mas enganado por objectos que apenas simulam o mamilo. Assim, desde tenra idade o recém-nascido habitua-se à ideia que a mama é fonte de alimento. Precisa delas para sobreviver, para se desenvolver e crescer. A natureza humana sobrepõe-se a qualquer preconceito e a Mãe alimenta o filho(a) em qualquer ocasião em que tal seja necessário.
O fascínio, todavia, não termina por aí e, apesar de um hiato de tempo em que o outrora recém-nascido esquece a beleza da sua fonte de energia, depressa as protuberâncias femininas voltam a fazer parte do quotidiano do adolescente. Deixam de ver a fonte de energia de uma forma para a passarem a ver como fonte de energia para actos mais apaixonantes, não tão recompensadores energeticamente – bem pelo contrário – mas demasiado recompensadores de outras formas e feitios (porque a beleza provém também da diversidade existente).
Existem as ameaçadoras – que gritam por alguma acção no perímetro delas, existem as sensíveis – que se exaltam quando “sofrem” um afecto mais enérgico, existem as ultra sensíveis – que clamam que qualquer tipo de acção que interrompa o status quo é passível de conduzir a algo mais (eu, pessoalmente, designo estas por falsos positivos).
Existem de vários tamanhos e feitios e é isso que talvez conduza a que o homem não resista a olhar – o homem tem esse gesto não como voyeur mas porque apenas pretende saber em que pasta do seu arquivo deverá colocar a memória do que acabou de visualizar. O homem, como ser estudioso que é, procura o maior número de modelos de maneira a produzir um catálogo que possa passar a gerações futuras, numa procura insaciável (belo termo) pelo par perfeito.
Curioso é constatar que é um trabalho que nunca acaba! Saúdo os homens que todos os dias saem de casa – quais columbófilos – na procura da melhor ave. Umas voam, outras são estáticas mas, acima de tudo, todas nos deixam recordações.
O simples Porto-> Faro e Faro-> Porto transforma-se num Porto-> Amesterdão e Amesterdão-> Dublin. Assim começou o domingo de retorno a Cork…voo cancelado e a opção a não ser a melhor mas a possível. A KLM dá-me a protecção de preço e o voo passa a ser Porto-> Madrid e Madrid-> Dublin…menos mal mas ainda tens 3 horas e meia de autocarro entre o aterrar em Dublin e chegares a casa em Cork. O voo ideal, marcado com meses de antecedência, por uns míseros EUR 92 transforma-se numa saga de EUR 260 e mais EUR 20 para o autocarro…ninguém merece mas a Ryanair faz questão de dar estas “ofertas”.
Chegas a Madrid e tens 20 minutos para apanhar o Madrid-> Dublin, o joelho cede quando começas a tentar um passo mais acelerado e, graças ao feliz encontro com o homem do carrinho de golfe – que apoia os menos válidos (o trocadilho aqui aplia-se porque em espanhol se diz mesmo assim) – que te leva à porta H4 quando o relógio assinala as 15:55 (hora de partida do voo). Cais no lugar do meio e só acordas em Dublin…haja algo de bom na viagem de regresso! Chegado a Dublin eis que a Aircouch está a minutos de chegar e tu já tens bilhete para as 3 horas e meia seguintes…chegas a casa às 23 horas quando tinhas tudo previsto para ter chegado às 15:30 a Cork!
Sentes diferentes vazios…um porque é a tua amizade mais próxima e merece todo o carinho e atenção do mundo, outro porque não deste continuidade a algo que gostavas que tivesse continuidade e um último porque uma viagem que deveria ter sido tranquila se tornou em algo tão atribulado. Levantas o nariz e enfrentas as adversidades! Verificas o email e vês que recebeste uma notificação com os nomes das tempestades para 2018/19 e exclamas “voltei, já tenho informação privilegiada para enfrentar o clima!” Sorrio mas não é um sorriso de felicidade…é apenas uma exclamação sob a forma de sorriso, talvez tenha sido um suspiro…quem sabe?
De volta à cidade e pronto para as vicissitudes da semana irlandesa. Haja virtuosismo e boa disposição!!!! Até já!
Ela falava com pontos finais e de exclamação e eu respondia com pontos e vírgulas e interrogações. Semelhante a um interrogatório dos tempos da Gestapo, o suposto espião desviava-se das questões mais pertinentes (soariam a acusações?) sem nunca colocar um final na cadência do diálogo: como se se tratasse de um sádico, que adora aquecer debaixo do holofote potente dirigido aos seus olhos.
Ela fazia analogias e ele teorizava sobre ambos os lados a serem comparados. Ela fazia parágrafos e ele abandonou a pontuação e, ao melhor estilo de Saramago, perguntou-lhe se ela seria a Pilar del Río dele…A pergunta devia ser retórica, sem que o autor se apercebesse, pois recebeu como resposta mais uma série de pontos finais.
Ele lutava por vírgulas, pontos e vírgulas, reticências e ela respondia-lhe com pontos finais, pontos de exclamação e parágrafos. Parágrafos sem que houvesse qualquer discurso directo de seguida, apenas soando a uma pausa no diálogo imposta pelo bom senso feminino.
Falaram de tudo sem nunca aprofundar nada e, no final, ficaram com a sensação que poderiam ter aprofundado tudo sem falar quase nada. Talvez não seja a distância que os separa mas apenas e só as diferentes maneiras que usam para pontuar as frases…
O reencontro com o meu descendente foi tão recompensador quanto o reencontro entre dois melhores amigos. Obviamente que me perguntou se a prenda de aniversário da Mãe tinha chegado e eu entreguei-lha…fugiu para um canto para testar o seu novo som e era vê-lo colocar o polegar ao alto para me informar que estava de acordo com as expectativas.
Na primeira noite ainda corri para o cantinho húmido do costume: Jorge a dar o seu melhor, Fellaini a rasgar com o seu rock alternativo todo e a Super-Bock a saltar geladinha. Recordo-me apenas que optei por não sair de dentro do Bombar e ter optado por ficar a delirar – sim, delirar – com todo o metal com que o Fellaini nos brindou – até Wolfmother nos entreteve! Eram 2 da manhã quando cheguei e a polícia acabou com a festa por volta das 3 e meia – o que acabou por resultar muito bem porque me permitiu passar pela padaria e engordar mais um pouco!
No dia seguinte corri para o porto seguro de sempre onde a mãe adoptiva estava com o seu filho e a minha melhor amiga. Abraçamo-nos como sempre e retomamos a conversa onde a tínhamos deixado: não havia novidades que eu não soubesse mas apenas uma necessidade de reforçar o apoio a quem mais significou e significa – sempre – em termos de amizade, dedicação e carinho. És insuperável na tua maneira de seres minha amiga, Obrigado!
O inesperado serviu para darmos uma lição de amizade a todos os que nos rodeiam e, mais uma vez, superamos a “prova” com distinção. Num momento infeliz houve uma equipa de amigos que conseguiu, com toda a naturalidade do mundo, proteger uma pessoa que sempre nos disse e diz tanto, ensinou e ensina tanto, dedicou e dedica tanto tempo. Há amizades insuperáveis e esta é e será sempre a minha. Sei que estás em boas mãos pois vi o quanto todos queremos o teu bem e quanto naturalmente damos para que tal aconteça! Nunca conseguiremos ser tão completos quanto tu és mas sempre te serviremos com a mesma dedicação com que nos ensinaste e estamos sempre aqui para ti! Mereces todo o bem do mundo.
Muitas vezes, ao longo da minha vida, conseguiste milagres: roubei-te uma amiga com quem casei e de quem sou um grande amigo, mostraste-me sempre um sentido mais amplo e calmo das coisas e das pessoas, és e sempre serás a minha inspiração para o que de mais belo há no mundo – uma das raras pessoas que existem no mundo capaz de o fazer e que eu, cedo na vida, tive a sorte de ter encontrado. Sempre juntos!
Obrigado a todos pelos bons momentos e pela forma como juntos superamos os momentos menos felizes nesta curta passagem por Espinho. Vocês mostraram-me que a união faz a força e que grande força nós somos!
Mudei o ângulo em que tinha a cadeira e observei ambas. Havia uma expressão comum nas duas: eram lutadoras como eu nunca havia visto na vida real, estavam numa pose de descanso, mas descortinava-se nas suas faces as chagas das batalhas e o olhar pensava no fim da guerra sem nunca descurar que a batalha seguinte estava a minutos de distância.
A soma de anos de amizade comigo aproxima-se de 100 e eu, um pouco afastado mentalmente da conversa, só pensava nas voltas que a vida realmente dá. Haviam concretizado os seus sonhos, mas com grandes custos. São mulheres com ideais muito semelhantes aos meus e não demorou muito até que eu fosse criticado por outrora me ter misturado com gente sem ideais.
Adoro ambas num sentido completamente diferente: de um lado a melhor amiga que nasceu comigo e, do outro, a primeira paixão que nunca deixou de me fazer corar sempre que a vejo. Sinto-me um puto reguila quando estamos juntos – não pelas traquinices da juventude, mas pela sorte que tenho por tê-las perto de mim. Fico com a mesma cara de um recém-nascido após a primeira gargalhada…quando o bebé tem o primeiro sorriso e, porque talvez tenha gostado da sensação que o sorriso lhe provocou, o repete vezes sem conta.
Adorava poder conceder a ambas tudo o que desejassem – mesmo se eu não estivesse incluído – pelo simples prazer de voltar a ver os sorrisos de outrora nas faces delas. Abertos, sonoros, vindos do mais profundo de dentro delas e de fazer as multidões corar de inveja.
Não tendo o dom de mudar as coisas eu aproveito para passar o meu tempo com elas: as palavras são ditas com mais facilidade que os actos, disse-lhes. Todos temos uma maturidade diferente de quando crescemos juntos, aceitamos partes do destino sem nunca deixar de o enfrentar, rimos com a consciência de que o minuto seguinte poderá ser de lágrimas mas nunca deixaremos de ser o que sempre fomos: bons amigos.
Adoro-vos! E esse sentimento nunca deixarei que mude.
Havia muito tempo que o Zé não se cruzava com esta amiga para quem se dirigia agora. De facto, o Zé não tinha a certeza de ser considerado um amigo, mas acima de tudo, ele sabia que ela é das caras mais bonitas da sua vizinhança. Ele nunca a havia esquecido; bem pelo contrário, ele recordava-se amiúde dela.
Haviam confidenciado detalhes das suas vidas e, de alguma maneira, haviam-se ajudado mutuamente. Havia, pelo menos, um carinho implícito nas palavras que haviam trocado. Trajado de desconhecido, na visão que ele imaginava que a amiga tivesse, ele caminhou ao encontro dela. Havia borboletas no estômago, recordações muito vagas na sua mente, mas também muita coragem no querer – de facto – estar com a amiga em questão.
A coragem misturava-se com a cobardia e a coragem ganhou. Saiu de casa, caminhou pela rua abaixo e chegou ao destino sem que conseguisse encontrar a amiga que o fazia mexer nesse início de tarde. Fazia muito calor, mas o Zé – homem outrora sediado na cidade de Atenas – sabia bem superar as agruras do calor extremo. Havia descartado a camisa de algodão ateniense em prol de uma camisa mais clara e em tons azuis que combinavam com os calções de banho azuis que trajava. As sandálias eram as habituais Havaianas a que se havia rendido aquando da sua passagem pela Grécia.
Encontrou um amigo de longa data, que o chamou, para logo de seguida encontrar um outro. Pensou estar, de certa maneira, cercado por testemunhas, mas, calmamente, percorreu mentalmente todo o percurso e rapidamente chegou à conclusão que estaria mais perto de um ataque de pânico do que propriamente cercado.
Ela chegou, ele despediu-se do amigo e partiu com ela. Trocaram palavras simples, mas acerca de um assunto complexo. Sentaram-se no muro da praia que outrora foi sua e aprofundaram o diálogo. Não havia nada de romântico no que falavam e o tema era absurdamente oposto a qualquer romantismo. O Zé olhava mais para ela do que escutava a conversa. O Zé estava claramente ofuscado pela beleza que havia diante dele.
Decidem trocar de local e caminham pela cidade acima. São dois seres que gostam da sua cidade e ele leva-a até à rua que a conduzirá até ao supermercado onde faz as suas compras. Abandona-a no meio de uma feira de usados, após ter indicado o caminho correcto, e desce para casa. Olha para trás duas vezes e questiona-se sobre o que aconteceu. Não sabe a resposta e não sabe sequer se havia essa pergunta.
Interroga-se agora em casa e decidiu ligar-me. O Zé tem sempre prioridade no meu atendimento e, juntos, debatemos o tema. O Zé acha que não é nada e eu acho que pode ser tudo. Estamos em extremos opostos em termos do que achamos que a situação é.
O Zé adormece no sofá e eu vejo o sorriso dele a abrir enquanto vai perdendo a luta com o sono. Eu já vi o Zé assim.…ele está com dúvidas, mas feliz.
Passei toda a minha vida sempre com uma amizade que designei como sendo a melhor. Melhor porque é superior em tudo: na bondade, na presença, na cooperação, na partilha de momentos únicos, nas gargalhadas que ainda hoje demos, no medo e receio que tínhamos com desafios que enfrentamos, na praia e no campo, no mar e na terra. Este bem poderia transformar-se o maior parágrafo alguma vez escrito se eu fosse enumerar todas as tuas virtudes! Não o farei porque é a intimidade da nossa amizade que prevalecerá – contra tudo e contra todos.
Não tenho a receita mágica para te devolver todas as forças de que precisas, mas dou-te toda a minha força para que triunfes…sempre! Sempre foi assim e sempre será! Essa é uma certeza que terás que viver sempre com.
Num mundo perfeito jamais te terias cruzado com as adversidades com que te cruzaste e que eu presenciei. Num mundo perfeito o povo ansiaria por ser como tu, trabalharia para conseguir tanto como tu sem nada pedir em troca. Num mundo perfeito tu irias sentir-te envergonhada com todo o reconhecimento que te seria dispensado, mas, como tens a certeza do teu valor, saberias superar o reconhecimento para, como sempre o fazes, superar-te cada vez mais.
Vejo-te como o desenho perfeito da amizade – sem qualquer necessidade de retoque ou edição. Nunca conseguirei sequer estar perto de um esboço desse desenho perfeito de amizade que és, mas a simples tarefa de tentar dá-me a certeza da tua grandeza e do teu engrandecer constante.
Tudo em ti parece fácil de executar – porque és tu que executas! Se, após ter memorizado como o executas, tentar o mesmo exercício eu apenas consigo sorrir, desistir de tentar e, com o meu sorriso malandro, sentir o maior orgulho do mundo de cada vez que me chamas de amigo.
Amar é possível na amizade e eu sempre soube que amava a nossa amizade pela simplicidade com que sempre a executamos. Uma espécie de engrenagem que se encaixa e se mantém em movimento muito para além do tempo em que estamos juntos.
Tentei, mas acho que ainda não consegui a descrição ideal da nossa amizade. Continuarei a tentar! Sempre juntos!!!
Bastaria levantar-se e sair pelo lado esquerdo. A lógica, vista pelo meu ponto de vista, assim o dita. Todavia, levanta-se e vira-se de frente, dá um jeito na silhueta e, escolhendo o lado esquerdo de agora – oposto ao lado esquerdo de quando estava de costas – passa pela minha frente.
Sem lentes de contacto, mas a fazer um esforço por equilibrar o astigmatismo e a ligeira miopia, utilizo o canto do olho para marcar a trajectória. Assemelho-me a um central que, aquando da marcação do pontapé de canto, se ergue para cabecear como mandam as regras….de cima para baixo!
Faz deslizar a sua silhueta, por um “relvado” de alcatifa, num estilo semelhante aos melhores pontas de lança quando se dirigem isolados para a baliza…não falha a marcação e a convicção com que se isolou já o determinou.
Volta do intervalo com um sorriso renovado, solta o cabelo com os dedos, concentra-se na segunda parte. Está na frente do marcador e os segundos 45 minutos decidirão quem ganhará o jogo. O equipamento ainda tem provas do esforço despendido no primeiro tempo – colado ao corpo, revelando as formas e o quão em forma está.
Dá um jeito às chuteiras, puxa as meias até ao joelho, respira fundo e começa a segunda parte…