Ao longo da vida, fruto da experiência ou da causa/efeito, vamos aprendendo que convém experimentar novas abordagens – se o que pretendemos são resultados diferentes – de maneira a alcançarmos o objectivo a que nos propusemos. A minha maior virtude, quando pretendo que resulte, é a humildade (seja reconhecendo o erro ou a envolvência que me levou a errar e partir daí para uma nova tentativa).
Tal como aprendemos a andar, a saber estar calados, a lidar com um casal de ladrões, também vamos constatando que começamos por tropeçar, dissemos algo inconveniente, confiamos em alguém que não merece estar neste mundo – são tudo processos de aprendizagem que nos afastam de errar novamente e excluem cancros da nossa vida quotidiana. Usamos a dor como catalisador preventivo – o alarme soa quando nos deparamos com os sinais que conduziram ao tropeção, ao comentário inconveniente ou ao sociabilizar com gatunos. Evitamos a repetição logo não repetimos a dor!
Pretender que o tempo tudo apaga, aguardar que o erro seja repetido por quem sentiu a dor ou deixar a carteira perante um casal de gatunos, só pode ser um exercício de fé de quem aguarda uma intervenção divina que tudo resolva. É uma espécie de imaturidade social, ou demasiada autoconfiança, que muito raramente dará resultados diferentes dos anteriores. Logo, e atentando a que o tempo é o nosso bem mais precioso, uma mágoa que não pretendemos repetir.
Sentado num alpendre imaginário – até um dia em que o tornarei real e pautarei os meus dias por longas caminhadas no próprio terreno, intervaladas por chuveiros de mangueira e uma dieta dos frutos da quinta – sorrio perante a adversidade do sentir mas caminhar sempre na direção contrária – que evita reencontros, tropeções, palavras inconvenientes ou roubos demasiado familiares. Com uma força Imparável e um rumo tracejado pela razão, a minha razão!
Devaneio de fim de tarde – 14/10/2025
Aos leitores: em breve alterarei todos os textos para uma página no Facebook – de maneira a evitar custos com domínio e alojamento. Nessa altura informarei qual o endereço da página. Obrigado e cumprimentos.
Abstraído do que me rodeia e completamente livre de pensamentos, decisões ou o que quer que seja que habitualmente faz o cérebro funcionar. Olhos perdidos no horizonte – sem que o enxergue – mas somente para atingir a plenitude do deixar o pensamento vaguear sem que a ação de pensar sequer exista. Olhos que se dividem entre os chapéus do cigano aqui em frente e o vestido amarelo, com tons de cinza, da mulher que se encontra em frente a mim.
Agora que constato que o texto não surgiria a menos que houvesse algum – por muito mínimo que seja – pensamento articulado que permite colocar o que se passa em palavras perceptíveis para os que, não estando presentes, consigam perceber e visualizar o desenrolar de tudo o que descrevo, entendo que é possível divagar sem pensar ou, talvez melhor descrito, pensar enquanto se divaga com o olhar perdido. Entretanto ela levanta-se e muda de lugar.
Está ligeiramente posicionada à minha direita e o sol brilha sobre ela. O vestido parece reflectir as linhas do corpo e estar perfeitamente ajustado – como que esculpindo a silhueta e revelando a nudez que esconde. Os cabelos são compridos e os chinelos condizem com o amarelo do vestido – talvez, melhor ainda, conseguem fazer perceber que há uma intenção de fazer o conjunto rimar – numa imagem poética que, sempre que tento captar mais detalhes, sou flagrantemente apanhado a delinear o que pretendo descrever.
Tem uma cara séria, não sorridente e de poucos amigos. Como que habituada a ser observada mas jamais contente por se sentir observada. Trocamos olhares mas a expressão não se dilui da dureza que ela impõe. Os minutos passam e a hora de partir está agora mais perto. Impõe-se a pergunta: tentas que sorria ou deixas a vida continuar sem que saibas a resposta a uma pergunta que não colocaste?
Numa qualquer caminhada, sem destino traçado ou cadência planeada. Num qualquer passadiço, de olhar perdido a vaguear por entre a natureza que o rodeia. Num qualquer snackbar, paragem obrigatória de um quotidiano castiço e rapioqueiro.
Uma voz que nos chama de caminheiro e nos acena para aproximar, uma mente que lentamente se desliga da abstração total e tenta perceber quem nos interpela. Um neurónio mais rápido que nos cochicha mentalmente a resposta e um gesto, que se finge inapto, que saúda o interpelador.
Uma cara sorridente responde ao reconhecer as duas caras amigas e um diálogo de recordações que nos faz recuar umas décadas, até um colégio de uma branda saudade. Um discorrer sobre quem éramos e quem somos e uma saudável saudade de simplesmente falarmos.
A constatação da provecta idade e das próteses que agora ambicionamos ter, fruto de todos os excessos que até aqui tivemos. O sorriso como forma de demonstrar que, enquanto falamos do agora e relembramos o outrora, há uma profunda saudade de todos os caminhos que percorremos juntos.
No outro dia miúdos e agora graúdos que unanimemente concordam em recordar o quanto o passado trouxe para este presente e quão recompensador é poder relembrar cada pequeno pedacinho de história que fez de nós quem somos.
Havia um número quase igual de sombras e, mercê de um qualquer impulso cuja origem desconheço, escolhi uma sombra onde poderia colocar as pernas no sol – que constituía a fronteira natural entre o fim da sombra do guarda-sol e o início do sol de primavera que já ameaçava chamar-se de verão.
Diante de mim está uma jovem dos seus trinta anos ou algo semelhante. A roupa que veste é simples e aparenta ser uma escolha de recurso para quem saiu rapidamente de casa, sem tempo para poder pensar numa indumentária mais cuidada. Claramente a totalidade da conversa pertencia-lhe e não parecia disposta a ouvir conselhos.
Ao lado esquerdo dela está sentado o que parece ser a cara-metade, de indumentária mais cuidada mas, mesmo assim, de cuecas azuis a imitar um fio dental feminino. “Ela quis foi apalpar os tomates!”, diz a mulher e eu, homem que se preza por ser vegetariano em certas situações, levantei a cabeça para ver de onde vinha a frase.
A coluna aos berros, colocada sobre a minha mesa, explicava agora o porquê de não haver ninguém a usufruir da sombra tão estrategicamente colocada – claramente há gente com um poder de análise mais rápido que evita estes inconvenientes sonoros do dia-a-dia. Olhei para a coluna e fingi que o meu interesse vinha dali e não da conversa sobre leguminosas que emanava da mesa em frente.
O dia até já havia começado com piada, com um diagnóstico de hipersensibilidade acústica que, fiando-me eu nas palavras do médico que fez o diagnóstico, me levou a uma primeira gafe no dia…uma mulher que elegantemente caminhava na minha direção e eu, com as fichas todas apostadas na hipersensibilidade acústica, a dizer “que beldade que desfila perante mim!” (no que julgava ser um sussurro) e ela a agradecer o piropo que não era suposto sê-lo!
Acreditando no formigueiro de uma ligação divinal que a ciência nega, escravizando o pensamento de modo a fugir a sonhos mundanos, totalmente apostado no conhecimento profundo e inequívoco do seu eu interior, ciente do quão agradável a jornada tem sido, antecipando a caminhada seguinte em que a chuva o acompanhará.
Sorrindo perante o pensamento que discorre na sua cabeça enquanto escreve, sorrindo perante o ter optado pela palavra cabeça e não pela palavra mente (que, numa achega simplista, poderia ser confundida com o verbo mentir), visualizando paisagens futuras com base na recordação de imagens passadas, emitindo um sorriso com gargalhada que revela satisfação.
Massajando os pés exaustos da quilometragem de hoje, sonhando com o novo percurso de amanhã. Vestindo-se mentalmente para um tempo de chuva, enquanto exibe um sorriso ternurento típico de meteorologia enxuta. Discorrendo sobre cenários a fotografar e os melhores ângulos para o fazer, recordando a ordem fundamental que dita que a visualização e interiorização vale mais do que mil palavras (e imagens também).
Apostado em colecionar sorrisos numa caderneta infinita, gargalhadas sonoras como factor distintivo. Sem necessidade de colar a beleza do que vai contemplando e com a memória a servir de elemento aglutinador. Ao fundo uma buzina de automóvel e os gritos das crianças da escola primária que, acima de qualquer adulto, possuem o dom de sonhar mais e melhor!
Por todo o lado apareciam avisos: escritos, radiofónicos, de amigos, de pessoas conhecidas, de desconhecidos. Por gestos, com olhares, reagindo ou apenas agindo antes do acontecimento, por medo ou solidariedade na hora de defrontar a natureza. Tudo se resumia a um acontecimento que, por antecipação, era visto como algo a temer.
Algures no globo a que chamamos Terra, vestidos como se estivessem de partida para os polos, religiosamente reunidos ao soar das 6:30 da madrugada, eis que começam a subir a 33, rumo ao norte do país, onde a previsão meteorológica aponta para um frio de rachar, mas sem chuva. Esfregam as mãos de contentamento e, como habitualmente, verificam se as aplicações que vão usar para lá chegar estão a funcionar correctamente.
Material fotográfico e reservas de roupa devidamente encaixadas no banco traseiro, temperatura interior definida e introduzida na consola central, baterias suplementares verificadas e colocadas por perto, ao alcance de uma mão. Um último olhar como confirmação de que podemos arrancar para o Portugal profundo e o okay de ambos para continuar rumo ao destino pelo qual optaram.
Almoço reservado para as 12:00 – a habitual entrada de alheira e presunto, seguido do primeiro prato que é uma feijoada divinal e, por último, um maravilhoso cozido a encher eventuais espaços livres que, de facto, não existem, excepto para o pudim de sobremesa. O reunir coragem para um passeio a digerir o repasto, o descer até um convento abandonado e isolado de tudo, o largar de provisões em excesso e que já não fazem o regresso, o sentir a água corrente local como uma benção numa meteorologia de merda.
O novo eu que se ergue, tão lavadinho quanto o da madrugada de início de viagem, passo firme com as botas – que claramente estão aprovadas para este tipo de eventos, subindo o caminho de volta para o carro, rumo ao destino seguinte e ciente de que, algures na natureza, esconde-se uma fotografia perfeita que um dia captarás!
A persiana é aberta e um cinzento claro saúda-me; a toalha de banho enxuta o corpo e, por entre a cortina fechada, vejo uma nesga de sol que me faz sorrir e mentalmente começar a esboçar um trilho para percorrer hoje.
Corpinho seco de toda a água que o lavou, mala fotográfica pronta, boné e água a completar as necessidades básicas do passeio mentalmente esboçado. Comboio como meio de transporte e a opção por sair numa cidade diferente da que havias pensado.
Olhos bem abertos assim que ouves o canto de um pássaro que, apesar de já ser familiar, nunca visualizaste e a procura com o pescoço bem esticado. O percorrer de todo o cenário que te rodeia e o nada achar, apesar da lente utilizada com o zoom a auxiliar. Um sorriso pela derrota sentida por ver fugir um pássaro mais veloz do que a tua destreza fotográfica.
Galochas enlameadas, fato impermeável cheio de terra molhada, umas cegonhas e um flamingo capturados fotograficamente, corpo cansado da caminhada e coração cheio pela satisfação do dia. Revês as fotografias tiradas num qualquer tasco que surge e cujo nome é sempre de uma simplicidade enorme.
Protestas, mentalmente, pelo facto de não teres usado ângulos diferentes, aqui e ali, quando o que realmente pretendes é incentivar-te a conseguires superar-te, em cada saída que tens! Usas diferentes tonalidades de cores, na revisão mental que fazes da edição que se vai seguir, como se fossem já uma fotografia impressa e pronta a emoldurar, para mais tarde recordar.
Enches os pulmões de ar, sorris com a conquista do teres deixado de fumar, sentes algo diferente no teu corpo – como se um novo início tivesse lugar, tal o grau de plenitude de satisfação. Dás uma sonora gargalhada porque imaginaste este texto e o alarme toca para que te ponhas a caminho da estação para o comboio de regresso.
Seja no acaso de chegar no mesmo comboio, no facto de ouvir uma voz que diz que vou todo esticadinho pela rua fora, ou alguém que já não vemos há anos. Seja pelo impacto que têm ou tiveram em algum momento da nossa vida, pelo pulsar que nos dão quando os revemos e, ao contrário de outrora, ao facto de agora pararmos para um pequeno mas recompensador diálogo.
Porque nem todos os campos são cultivados com belas tulipas, porque algumas planícies são mais aconchegantes do que outros topos de montanha, porque todos pensamos e agimos de forma diferente numa sociedade que procura mais a uniformidade do igual. Porque somos humanos e reagimos ao chamamento de quem nos interpela para um momento de conversa e, com a espontaneidade a prevalecer, tem um “sabor” a perfeição.
Há momentos em que, muito indiscretamente, literalmente não exalo simpatia ou vontade de participar mas, ao contrário desses momentos, esta semana foi de inspiração pela forma como colocou tanto sujeito bom, em tão pouco tempo, diante de mim. É quando o coração repousa enquanto bate, os pulmões se enchem sem que o peito se mova, os olhos emocionam-se obrigando a um pouco de racional para suster tanta emoção.
Colegas de infância, da primária, da equipa com a qual sempre treinaste e da qual foste o 55o reserva, vizinhos e até conhecidos que querem ultrapassar essa definição na relação existente. Como se o universo se tivesse conjugado para que sorrisses, despreocupado, espontaneamente, do nada.
Sem planeamento, sem visita marcada, sem o reservar de tempo para que tal aconteça e, quando assim é, olho as estrelas e, deslumbrado com o alinhamento que observo, pergunto-me como agradecer quando, sei de antemão, que os acontecimentos em si são uma forma de também agradecermos e sermos agradecidos.
Os arranjos começam com avanços e recuos, como qualquer combinação que parte do nada e ambiciona transformar-se em algo, mas rapidamente conseguimos o acerto necessário para que o algo se concretize. A logística envolve que um nortenho se desloque ao sul, de onde são naturais a maioria dos participantes, e que todos possuam uma aberta no calendário para todos estarmos juntos – parece fácil mas as probabilidades multiplicam-se pelo número de pessoas envolvidas, o local pretendido e a proximidade da época natalícia, que traz os inevitáveis jantares de natal da empresa.
Há um longo debate via WhatsApp (longo na troca de impressões, buscando a precisão democrática de quem pretende um local que agrade a todos) e os detalhes finais começam a surgir mais filtrados – com um ponto de encontro democraticamente encontrado. Segue-se a viagem para a capital do império e um “turistar” que dura até à hora de nos encontrarmos no local selecionado. O destino, este ano, conduziu-nos a uma vizinhança que foi a minha, de 1999 a 2002, e onde comprei um apartamento: onde vi o Air Force One a aterrar – sentado na piscina do topo do prédio – onde namorei e vivi casado, onde vivia numa pequena aldeia da alta de Lisboa que se confundia com uma aldeia real – tal a serenidade que transmitia.
Voltar e estar com os meus antigos colegas de trabalho, que hoje tenho como amigos, numa vizinhança que era tão minha, foi o relembrar o quanto nos divertimos enquanto estivemos juntos. O que criamos, o que investigamos, as pessoas que conhecemos ao longo de todo o percurso do projecto, o percorrer o norte e sul de Portugal enquanto não havia colega a ajudar, as pessoas que integram e gerem as maiores empresas de Portugal bem como os respectivos gestores de conta, a necessidade que tinham de ter os movimentos bancários em tempo real. Todas as diferentes culturas, ambições, cidades, vilas e locais que integravam a carteira de clientes do banco, os métodos de trabalho, a diferente gestão, a busca pelo sucesso monetário.
Os compartimentos permitem selar essas recordações, em contentores fechados nos tempos de outrora. Acedemos a eles com a certeza absoluta de que jamais voltarão, mas com a profunda convicção de que foram plenamente vividos. Com um sorriso pleno de satisfação por possuirmos memórias tão poderosas que obrigam a uma série de medidas de segurança…para que ninguém as roube e para que a saudade não nos feche num tempo que, apesar de perfeito, já não volta.
O passeio foi o de sempre, quando se trata de vaguear pela cidade em que nasceu, e hoje teve o dom de ter a lua alinhada com a segunda prancha da piscina local. Até podia ter olhado e continuado mas a memória traiu-o! Parou e recordou os inúmeros saltos da segunda prancha, um dos quais foi de cabeça e teve o dom de o convencer a nunca mais repetir a façanha – correu bem mas o tempo entre o salto e a entrada na água é algo que fica na memória.
Os dois saltos da terceira prancha – uma loucura para quem tem vertigens e, uma vez chegado ao terceiro andar, não conseguia recuar. Aí sim, recordou-se de ter encontrado o Zé e, num diálogo curto, saltou para o que pareceu uma aventura sem fim – foi o voo de uma vida. O diálogo foi de pretensos heróis e ambos os putos presentes mentiram quando afirmaram estar habituadíssimos a saltar daquelas alturas…
Senti-me voar novamente, porque quis sentí-lo e, por uns míseros segundos, estive na companhia de pessoas tão queridas de outrora. Num sonho acordado, com os pés bem assentes na terra, com os olhos bem despertos para a realidade, sorri com eles e, por entre fantasmas, senti uma boa disposição imensa, como se a mente tivesse perdido toda a razão e somente o coração pulsasse. Numa embriaguez sóbria, numa inconsciência muito presente, num voar imaginário em que não só ultrapassei Ícaro, sem asas, mas também o superei numa satisfação tão plena que nenhuma cera conseguiria suster.
Já não me recordava da última expedição punitiva que havíamos feito ou sequer qual havia sido o destino o que, em bom abono da verdade, apenas significa que fui obrigado a relembrar as fotografias para poder lembrar-me do percurso. Viana do Castelo, pois claro!
Em cima da mesa estava agora a possibilidade de visitar uma praia de outrora e, da margem oposta, captar os melhores momentos do fogo de artifício que encerra o evento. Como sempre, a aventura não se cingiria ao planeado e tencionávamos aproveitar o máximo de luz solar bem como o pôr-do-sol.
Por entre domingueiros dispostos a guiar num dia diferente do habitual e “fanáticos” armados com toda a parafernália para um mês de férias, eis-nos a reconhecer o território muito antes da hora do evento principal. O local ideal, onde fazer a inversão de marcha para evitar o trânsito no final, onde beber um copo, planos B variados…nada foi deixado ao acaso!
Um salto rápido até a uma cidade próxima, um churrasco valente a servir de repasto, um copo tranquilamente bebido num Furadouro pejado de pessoas. A hora rapidamente chegou e, munidos de todos os estudos antecipadamente elaborados, dirigimo-nos para o ponto X, definido como o ponto perfeito para captar a essência do que aconteceria do outro lado da margem.
Infelizmente, outros estudiosos já haviam descoberto o ponto X e, por entre mesas de campismo, minis a serem sorvidas e esgares de quase ódio, lá conseguimos chegar a um dos pontos alternativos previamente definidos (é treta mas fica bem no texto). Montada a parafernália fotográfica, lá conseguimos captar alguns dos momentos altos do fogo de artifício que tínhamos planeado, por entre alguns encontrões e cuidados redobrados para não pisar algum incauto.
Desde tenra idade que foi colecionando sítios que, pela tranquilidade e bem estar que transmitem, eram criteriosamente selecionados para escapadelas de reflexão e bem estar. Fosse perto de casa ou longe dela, a verdade é que esse conjunto de sítios era o segredo mais bem guardado que tinha.
Quando interrogado, sobre o destino para onde se dirigia, mentia sempre – para preservar a pacatez e o sentimento de algo seu, do qual não abdicava. Ali permitia-se ter a sua liberdade, à sua maneira, livre como um passarinho mas sem asas para voar mais alto e longe.
O caminho até ao destino implicava uma série de manobras dignas do melhor agente de contra-espionagem! Fosse o parar repentino para, fingindo apertar a sapatilha, vasculhar toda a envolvência fosse o optar por caminhos diferentes para um destino sempre igual.
Prezava tudo o que o processo envolvia mas, acima de tudo, adorava o nirvana em que lia uns capítulos de “A sombra do vento” e sonhava com um cemitério de livros onde também ele pudesse encontrar a mais bela obra literária…quase sem se dar conta que a estava a reler.
A história tinha lugar nos Campos Elísios, bem no centro de Paris, e a hora marcada há muito que havia sido ultrapassada. O primeiro sentimento que lhe ocorreu foi largar tudo e voltar pelo caminho por onde havia chegado. Um telefonema e uma justificação não plausível (não lhe cheirou bem) depois e eis o casal de pretendentes a namorados a encontrar-se – presencialmente, e nessa qualidade, pela primeira vez. Ele não apreciava os óculos dela e, homem de respostas directas, disse-lhe que pareciam uma máscara de ski e que, apesar de estarem perante um inverno rigoroso, não havia previsão de neve ou abertura de pistas pelas grandes avenidas que se reuniam no Arco do Triunfo.
O primeiro beijo, já depois de efectuado o check-in, foi um momento de rara beleza e prazer. Sentados no sofá, virados de frente um para o outro, ele pediu-lhe para fechar os olhos e, narrando o que iria acontecer, segredou-lhe que ia dar um inocente (lol) beijo na orelha – algo que imediatamente fez e que terminou com uma trinquinha no lóbulo esquerdo. Depois, continuando a narrar, explicou que iria percorrer o caminho até aos lábios – algo que fez, com pequenos beijos, enquanto a mão esquerda massajava amorosamente a maçã do rosto do lado direito dela. Chegado aos lábios, e sabendo de antemão o valor sentimental do gesto, degustou-a e deixou-se degustar, enquanto fechava os olhos à vista do Arco do Triunfo, que se encontrava a uma centena de metros de distância, nas costas dela.
Ao ser interrogado, pelas autoridades locais e internacionais, declinou recordar-se desse acontecimento. Invocou a quinta emenda, muito embora lhe tivesse sido explicado que tal emenda não existia no direito francês…Ela pediu desculpa! Era tudo o que eles queriam ouvir…e decidiram começar de novo, utilizando o respeito mútuo como varinha mágica para qualquer tipo de conflito. Porque os bons momentos eram fenomenais mas os maus eram de uma imaturidade atroz.
Foi o único dia em que todos concordamos ir à praia: havia sol apesar das nuvens, o ar estava quente apesar de ser um país em que tal raramente acontece, acordamos todos com vestimentas de praia vestidas e queríamos ver a nossa escolha reconhecida!
A reunião teve lugar na enorme sala de estar, com todos reunidos nos dois sofás que ladeavam a mesa, café quente a chegar da secção da cozinha, olhares entre o atrevido e o receoso. As opiniões tão divididas quanto a quantidade de açúcar que cada um usava.
Sem consenso, mas com bom senso, fomos para a praia mais próxima de Cork que, por sua vez, aparecia no Google Maps como isolada e sem muita gente. Obviamente não era isolada e havia um pub na entrada da praia! Foram essas pints que salvaram o dia.
O acordar brutalmente cedo para devorar as notícias do dia anterior, a farda de verão constituída por tshirt, calções e xanatas, os óculos no lugar das lentes de contacto, a toalha de praia que fica ao fundo das escadas para uma rápida mudança de notícias por mergulhos, o sorriso que se cola a uma cara avermelhada pelo sol.
A chegada ao areal e o poder decidir onde ficar, o enxergar o vizinho mais próximo a uma distância que não me permite ouvir o eventual ruído que causem, o reunir tudo dentro do chapéu e o caminhar ensonado pela água que, já não te surpreende, até uma onda que pretendes surpreender.
A rápida revisão abaixo do equador, de maneira a não trazer areia desnecessariamente, o nivelamento do calção por uma linha imaginária. O alegre regresso pela areia, com as oscilações causadas pelas ilhas de areia que se formam na maré vaza, do sentires-te muito alto ao receio de teres caído na fossa das marianas, um beliscão dissimulado para verificar se os membros ainda não gelaram.
A toalha sacudida e enrolada no corpo, a temperatura que recupera a normalidade habitual. O deitar para um banho de sol rápido, umas folhas do “Invisível” do Paul, o regresso da abstração porque o corpo requer outro mergulho. O virar do frango, continuando a leitura e adiando o banho, umas valentes gargalhadas pelo modo como os personagens literários se expressam. O largar tudo, muito rapidamente, porque o canto do olho viu a onda perfeita para mergulhar de cabeça. A alegria de viver em contradição horária!
Num mundo de interrogações e demasiadas perguntas para tão pouco tempo de respostas eis que, na tranquilidade das suas manhãs de leitura, numa esplanada de uma rua que só de propósito é que se encontra, surge o cumprimento de uma voz de outrora.
Não exige recurso ao arquivo de vozes porque o sentimentalismo de merda – um catalogador muito mais rápido do que o Google a indexar resultados – imediatamente avisa a mente de quem se trata. A auto-intitulada alfa surge no canto do olho e o que se segue é o mais intenso “staring contest” a que o mundo assistiu.
De um lado o ser supremo do sexo feminino, de acordo com a própria, e do outro um sentimental de merda que não pode ceder e se interroga porque está a ser cumprimentado: boa educação? Não pode ser porque foi saneado, numa reunião familiar de outrora, em que o compromisso de não mais interagir com ele (ou a simples menção do nome) ficou assinado (segundo a “verdade” dela, anyway).
Ela passa, os olhos não cedem e demoram a assimilar a imagem dela. Pôs mamas?! Interroga-se, enquanto nota que há algo novo nela. Corta o olhar, o que a fêmea alfa deve ter encarado como uma vitória, e emite um som de desaprovação – porque esperava mais de alguém tão alto na cadeia do amor-próprio (deve haver uma cadeia assim).
Não se pode falar de uma tensão palpável porque ela é visível! Vê-se, sente-se, tudo! Um hino aos sentidos apurados. Volta o olhar para o jornal diário, enquanto sente que – não fora um amor-próprio demasiado exacerbado, a rainha do ego – ela até podia ser o amor de uma vida. Assim, é apenas vulgar.
Saímos uns minutos mais cedo do que é habitual, chegamos ao primeiro café com a área de serviço ainda em modo nocturno, compramos os primeiros pertences fundamentais: a água e café.
Com um início de viagem por entre nevoeiro e neblinas matinais bem cerradas – até parecia inverno. Chegamos ao meio do caminho para a primeira montanha e tiramos as primeiras fotografias numa contraluz espectacular.
Continuamos a viagem, demos uns giros para recolher mais imagens, ligamos para o restaurante a tentar reservar o almoço – é domingo e, neste dia específico, há “profissionais” que reservam mesa mais rapidamente do que nós (provavelmente de uma semana para a seguinte) pelo que fomos obrigados a recorrer ao plano alternativo – a pizzaria de Gralheira.
Com tempo ainda disponível, e com alguns pontos de interesse situados nas imediações do restaurante, fomos fotografar a vizinhança com um olho a observar o restaurante. Um ponto de água, uma ponte comunitária, as vielas e os becos que cercam o restaurante (onde a Sabrina é quem manda).
Arranjamos mesa, encomendamos vitela e, passados uns minutos, chegou o cozido à portuguesa, seguido de vitela assada no forno e, por último, um naco de vitela (trabalham por menu e cada cliente tem direito aos três pratos). Um copo (lol) de verde branco a acompanhar e um pudim de sobremesa fecharam o modesto almoço.
O regresso foi feito via serra da freita, paragem em Arouca (para umas castanhas e uma caminhada), captura de inúmeras libelinhas que ladeavam o trilho à beira rio.
Foi um dia de temperatura quente, com vários trilhos percorridos – com o cheiro fresco dos cavalos a acompanhar, três castanhas comidas e um almoço numa pizzaria que só vende pizza aos incautos mal informados!
Testados que foram os pares de sapatilhas existentes, e constatado que nenhum oferece proteção sem magoar na bolha rebentada, eis o humilde narrador remetido para uma tarde de sol, banhos de mangueira e sulfadiazina para acelerar a cicatrização.
Perdido nas palavras eternas do autor de Aracataca, com descrições capazes de nos mostrar os locais por palavras, por entre sorrisos e outras expressões de reconhecimento, eis-me a desfrutar de um belo aconchego caseiro.
O café quente, a água das pedras gelada, as palavras como abraços e as descrições como algo que pretendemos alcançar, a mente que vagueia e te obriga a concentrar para que não se desgoverne em sonhos que ainda te faltam concretizar.
O melro que se senta ao teu lado, percorre o pequeno muro de cimento e, após receber uma migalha de reconhecimento, parece pavonear-se em agradecimento. Um canto bonito e fora do normal antes da partida para um destino que é só dele.
Os pintassilgos que olham para ambos os lados, antes de buscarem a migalha, sempre atentos aos gatos vadios da vizinhança. Os gatos da vizinhança que usam os vasos como forma de iludirem as presas que pretendem alcançar.
A intimidade entre um casal é, quanto a mim, primariamente definida pela força que ambos colocam na sua constituição: o saber viver para nós, o saber priorizar o nós, o ter um gosto enorme em contribuir para algo novo que é só nosso.
O processo é demasiadamente fácil para que um ser racional falhe mas o mundo está cheio de exemplos falhados. A exclusividade, o acerto de duas personalidades, o respeito pelo sempre necessário tempo do outro, o carinho e a elevação de outra pessoa acima de nós mesmos pode colidir com personalidades narcisistas, ou sem maturidade suficiente para simplesmente ser de uma honestidade simples e confessar “não sou capaz de abdicar de mim em prol de nós” – que é a mais honesta expressão de não querer pactuar mas, ao mesmo tempo, respeitar suficientemente a outra pessoa para ser capaz de o confessar.
O mundo também está cheio de pessoas cobardes que, ao invés de constatarem as suas fraquezas em prol da sua superação, optam por atitudes bélicas e de desafio que jamais encontrarão um alvo igual para as praticar. Sim, é verdade, o mundo também está cheio de potenciais alvos, logo a cobardia pode ser assim escondida, desde que o alvo seja sempre diferente e a imaturidade permaneça como volante da vontade de viver desse ou dessa personagem, como algo reciclável e partilhável pela sociedade.
A ambição desmedida fez nascer os sentimentais de merda – sujeitos para quem a intimidade é o bem maior, que os torna cegos (excepto para verem, decorarem e enxergarem, com todo o encanto que possuem, a pessoa amada). Vivem com a fusão de dois corações num só e aceitam que a partilha do miocárdio seja a mais alta aspiração do seu relacionamento. Transformam a sua singularidade num pluralismo do casal que orgulhosamente ostentam, como os veteranos ostentam as medalhas das suas conquistas – com muito orgulho!
Não há neles discussões mas sim conversas em prol de consensos – sabendo sempre que o miocárdio só é musculado se ambos estiverem em constante equilíbrio na busca de um bem comum que não conhecem e que, potencialmente, poderão nunca alcançar, mas que nunca desistem de procurar – pelo bem de ambos. O coração aberto a outrem, como se de uma cirurgia de peito aberto se tratasse, com toda a fragilidade que o processo acarreta e toda a confiança nos dois envolvidos. É difícil, há quem passe uma vida inteira na tristeza de nunca o experimentar.
Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.
As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.
A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.
O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.
Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.
As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.
A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.
O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.
Era o fim de uma caminhada muito simples, do ponto mais a norte até ao ponto mais a sul. Sempre focado na areia e no mar – na capacidade que possuem de nunca serem (ou permanecerem) iguais. A constante mutação como sinónimo de uma existência – sem que a personalidade seja perdida e, pelo contrário, até seja celebrada e invejada. Uma paisagem em constante transformação, que ilude os menos atentos que até a ferem quando dizem que “está sempre igual” ou “é sempre a mesma coisa” – um claro sinal de que a visão está a precisar de estímulo ou carece de uma visita urgente ao oftalmologista. Parar, olhar e saborear a vista – como um prazer que nos permite recarregar toda uma hipotética bateria chamada mente.
Os inúmeros jardins escola ou ocupação de tempos livres – um nome horrível, como que impondo a necessidade de ocupar tempos livres! Como se, enquanto seres racionais, tivéssemos a necessidade de nos ser indicado o que fazer quando o tempo livre surge, como se não soubéssemos ensinar os nossos descendentes a ler um livro, a brincar, a divagar, a saber estar. Dizia eu, enquanto me distraí com o termo, que a praia estava com bastantes crianças que se divertiam com as actividades que tinham disponíveis. Dois grupos divertiam-se a jogar futebol, replicando um jogo imaginário e alguém sugeriu que o desempate fosse feito com recurso a grandes penalidades.
Alinhados em dois grupos de adversários distintos, com os respectivos guarda-redes selecionados, abraçados como se só unidos pudessem ultrapassar esta eliminatória imaginada, alguns com garrafas de água a imitar a imagem que a comunicação social nos traz. O primeiro a falhar imediatamente recebe um grito de “Grande João Félix!”, há celebrações e muitos sorrisos com a piada feita, reunem-se todos e, cochichando, combinam algo. Começam a correr todos juntos, agora que já não há adversários, e enquanto gritam “Vamos à água!!!!”, vejo a educadora – em absoluto pânico enquanto se levanta da toalha de praia, não acreditando no que ouviu ou não sabendo como deter aquela onda de entusiasmo – a começar a correr atrás deles que, entretanto, travam aquela massa humana e, virando-se em conjunto para a educadora, exclamam “Já não se pode brincar?!”, enquanto sorriem, com uma união tal, que apenas conseguem mais um sorriso para o grupo.
O acordar e descer das catacumbas para um jornal fresco em notícias do dia anterior, o primeiro café como pontapé emocional e inicial, o lento abrir dos olhos para uma luminosidade que ameaça ser quente, as xanatas que transmitem o frio de um chão que ainda não aqueceu, o casaco de desporto como forma de não renunciar ao verão mas protegendo da temperatura matinal.
A revisão da primeira página – com notícias gordas mas cujo conteúdo tenho que vasculhar no interior – a leitura atenta de uma última página – que sabemos não conter as últimas notícias mas que tem uma importância acrescida para quem a desenvolve. Um sorriso com a “tirinha cómica” e um descanso para contemplar o que me rodeia.
O sentir a tinta, que se cola a uns dedos com pelo menos três anos de saudade de a tactear, o parar para cheirar o conjunto – e olhar à volta para me certificar que não sou visto por alguém que possa testemunhar o gesto e, num qualquer tribunal popular, aferir da intimidade presenciada, levando a uma condenação por acto erótico em público.
O dobrar da primeira folha – que define todas as futuras dobras desse mesmo jornal, a leitura do editorial, a nova dobra que salta a enorme publicidade da página 3. Um desfolhar por entre as agruras nacionais e estrangeiras, a falta de bom senso no mundo, a desgraça humana e uma réstia de esperança na humanidade.
Uma última dobra e volto ao fim, muito perto do início, que me catapulta para um duche e o preparar da mochila para o passeio da tarde que hoje será pela invicta cidade.
Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.
A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.
As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça.
A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.
Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.
A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.
As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça.
A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.
A conversa até decorria normalmente, com decoro, e o discurso era fluido e sem falhas. O balcão tinha apenas duas pessoas, e eu observava uma delas, sendo que uma era bem conhecida e a outra uma bonita desconhecida que eu, obviamente sem querer, observava: os gestos, os jeitos, a postura e maneira de falar, as palavras que usava e a entoação que colocava. Sim, poderia ser considerado um stalking visual, tal o detalhe do observador e o cuidado da observada.
A moral e os bons costumes impuseram-se e, disfarçadamente, obriguei os olhos a deambularem pela montra da padaria, sem desligar o stalking visual mas, como um jogador profissional, tentando fintar aquela com quem estamos a jogar, sem que se trate de um jogo. Chegada a minha vez de encomendar, e ciente de que precisava de respirar fundo antes de o fazer, dei a vez a quem estava atrás de mim que, com uma certa cara de gozo, ma devolveu.
“Um rissol de carne com fiambre, bem aquecido!”, exclamei enquanto apontava para o mostruário – que não continha mais rissois, para além de ser um pedido bizarro demais para ser verdade. A bonita desconhecida sorriu – não sei se por ter o último rissol ou por ter detectado que eu tinha perdido o fio do raciocínio ali. A conhecida deu uma gargalhada e a empregada do balcão sorriu, pois tinha assistido, de uma posição privilegiada, a todo o processo. Sorrimos todos e eu pude, finalmente e de maneira consciente, encomendar um queque com uvas passas…
A única semelhança entre elas é o chão de madeira que cede um pouco perante os noventa e sete quilos do humilde narrador. Hipoteticamente, e como forma de motivação, gosto de pensar que elas cedem perante a minha vontade de abater esses noventa e sete…mas isso sou eu, que sou muito de auto-motivação! Mais dez quilómetros percorridos, numa cidade nova, com uma longa viagem de comboio para a alcançar mas a justificar plenamente o esforço despendido!
Chegada a hora de testar a água do atlântico, e ciente da diferença de temperatura entre o mediterrâneo e o atlântico, eis o humilde narrador dividido entre o fugir da água, logo após o mergulho, ou trincar a língua e fingir que é tudo semelhante. Optei por uma das duas e é tudo que tenho a dizer sobre o mergulho! Até a temperatura do sol é diferente e o vento, sempre ele, dificulta a rápida secagem que se pretende mas não se alcança.
A caminhada até casa, por entre caras conhecidas, a relembrar que esta é realmente a minha cidade. Revigorante o mergulho, secagem e caminhada mas melhor ainda o duche quente e a barba que fiz desaparecer. Limpo, acima de tudo.
Num estudo nunca antes visto, com um número limitado de cobaias, carecendo de validação da comunidade científica, a hora de conhecer a criação aproximava-se. Olhando para a pipeta que continha o resultado, respirando fundo e sorrindo por antecipação, o cientista revelou os resultados do longo processo de pesquisa tendo em vista a certificação.
Havia algo de introvertido na maneira como ele interagia, sinais de arrogância e inveja e, acima de tudo, um ar de superioridade e pleno conhecimento que desafiava o mais incauto ou inteligente dos interlocutores. A imagem que transparecia era de alguém no pleno domínio de toda a realidade da experiência, um ser que não carecia de validação científica para algo que antecipara, uma certeza absoluta.
Estabeleceram um diálogo, tendo por tema o estacionamento tão mal efectuado pelo interlocutor, que suscitou um sorriso tímido como resposta – o carro impedia a entrada para uma garagem de estacionamento mas, tratando-se de algo rápido, um gesto tão comum quanto o café logo ao acordar. Houve aquele contacto visual cujo significado é fácil de perceber, um cumprimento com as mãos em forma de “isso não importa” e o sorriso que se abriu perante um diálogo que não haviam coreografado.
Foram uns segundos mas ainda houve tempo para perceber mais um sorriso, testemunhado com um olhar por cima do jornal diário, que se tornou na minha melhor notícia do dia, com a benesse de nem sequer ter sido publicado – excepto nas nossas mentes! E o dia fluiu com uma naturalidade flutuante, ousaria dizer…
Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.
Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.
Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim.
A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.
Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!
Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.
Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.
Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim.
A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.
Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!
Andava o humilde narrador nas suas caminhadas – no caso em apreço entre a baixa e a foz do rio – quando, mercê de um desvio para evitar uma transeunte em sentido contrário, sentiu que tinha perdido o balanço do corpo. Sem controle sobre o destino, e graças a uma intervenção da transeunte, foi salvo do acidente que o destino havia programado para ele.
Ergueu a cabeça – que, até então, estava focada em ver qual seria o ponto de queda, e viu uma cara conhecida. Sorriu, porque entre eles sempre havia existido uma quantidade inigualável de sorrisos e alegria, e ouviu-a saudá-lo com a expressão de outrora: Hello crazy Portuguese!
Ainda não refeito da surpresa, e a tentar disfarçar tal facto, respondeu com o seu Hello crazy Russian! Sorriram e, com um receio que não era comum neles, abraçaram-se a medo. Olharam-se, profundamente nos olhos um do outro, e trocaram dois beijos como expressão de saudade entre eles.
Uns metros à frente da Alfândega do Porto, num passeio que até é fácil de percorrer, o mais difícil aconteceu – curioso como o destino se impôs perante um obstáculo facilmente ultrapassável. Uma troca de palavras e contactos, toques ternos como recordação de outros tempos, o recuar até ao dia em que nos conhecemos e o dia em que tivemos de nos separar. A República da Irlanda como cenário de um amor entre um cidadão português e uma cidadã Russa, o poliglota e a cientista, o cozinheiro e a barista, o homem das caminhadas e a mulher do ioga…
Uma lágrima de amor escondida e a promessa de um contacto para muito em breve.
Depois de um domingo de doze horas de trabalho – a passear, a fotografar, a comer bem e a passar por caminhos municipais que nunca sonhei que um dia pudesse encontrar, eis que a cidade recebe a feira semanal. Talvez por querer continuar a trabalhar, no seguimento de um domingo de descanso intenso, fujo para os territórios de onde provém a maior parte dos clientes da feira e consigo encontrar a tão necessária qualidade de paz que a cidade não providencia.
Ironicamente, ou talvez confirmando a decisão tomada, sou o único passageiro que sai do comboio e, após confirmar isso mesmo, dou início ao meu passeio de descanso produtivo, como resolvi apelidá-lo. O objectivo é não ter objectivo e simplesmente deambular pelo destino enquanto, com uma espécie de costela de turista, vou procurando motivos novos para fotografar. A beleza do processo é que me permite conhecer um destino novo enquanto descanso activamente. Fica a sugestão para quem quiser experimentar.
A aplicação vai indicando os quilómetros percorridos e os olhos e corpo vão aferindo o quanto querem continuar ou parar. É um processo democrático, em que racional e emocional definem juntos qual a ementa de cada um dos passeios, sem que dois percursos se repitam. Respira-se fundo, há enganos propositados, sorrisos perante algo novo que se encontra, desabafos perante algo menos cuidado com potencial para estar bem melhor. O processo é interno e não carece de validação externa, é um jogo de gozo puro – apenas e só!
É só quando o pôr-do-sol se aproxima que tudo pára: câmara no tripé, acerto o ISO, shutter e a abertura e aguardo o momento ideal para disparar uma série interminável de fotografias de maneira a poder escolher a perfeita, tal como o dia, que começa com o nascer do sol e acaba com ele a pôr-se. Uma delícia que não engorda!
Começa por ser algo que, quando a experimentamos pela primeira vez, nos envergonha – o sentimento de ter estado ausente quando havia alguém ou algo presente. Brindado com frases como “Ouviste o que eu disse?” ou “Bem vindo de volta!” – apenas conseguimos constatar que estivemos ausentes. Com o passar do tempo, e sem necessidade de um esforço intenso, começa a ser algo a que se pode recorrer, sempre que necessário, e/ou por pura distracção.
A maturidade talvez esteja associada ao seu desenvolvimento (carece de estudo científico e eu não estou para aí virado) ou talvez seja apenas a capacidade que temos de viajar sem sair do lugar, não faço ideia. A única certeza que tenho é o quão reconfortante é e o quão saudável se torna – como se de uma droga se tratasse mas sem a necessidade de envolver narinas, pulmões ou veias. Uma espécie de homeopatia cerebral!
Trabalhado, de maneira a envolver o meio que te rodeia, é dos mais belos exercícios que podemos fazer: a mente vagueia, os olhos enxergam a paisagem, os pés conquistam o terreno. Enquanto exercitas o corpo, vais aliando imagens dos locais por onde passas, sendo que a tua mente só regressa desse vadiar intenso de abstração se algo realmente importante o justificar. Até sentes o retorno, como se abrisses um portátil e ele demorasse poucos segundos a estar num estado de prontidão total.
A profissionalização traz-nos a capacidade de o praticar sempre que queremos e, mercê desse nirvana do processo, sentimos o cérebro na sua totalidade – lá longe, durante os exercícios físicos necessários a quem pretende seguir a via profissional, e bem perto – sempre que somos obrigados a regressar ao mundo real. É o equivalente ao termos as férias anuais, para recuperar do esforço despendido durante o ano laboral.
A capacidade de interligar o alheamento a memórias é o degrau mais elevado desse conhecimento, apesar do nirvana do passo anterior. De cérebro alheado, abstraindo-nos de tudo e de todos, vamos recordando momentos realmente únicos que conquistamos. Limpos dos momentos anteriores ou posteriores, os neurónios focam-se no esplendor do que outrora sentiram, sem saber o que a eles conduziu, numa espécie de saborear a mais deliciosa refeição sem pensarmos em tudo o que conduziu a que aquela refeição específica fosse considerada para ser recordada no teu exercício de abstração…e assim sonhamos acordados.
Nadando entre as gotas de água, numa cidade qualquer longe de casa, sentindo o vigor de cada braçada e o ímpeto proporcionado, antagonizando os transeuntes que não sabem nadar e a quem falta a racionalidade para aprender, com um sorriso desmedido – que mistura um esgar de dor pelo esforço despendido e o orgulho pelo caminho ultrapassado.
Ciente de que não há sacos suficientes para recolher tantas fezes espalhadas pelo passeio da vida e certo de que, caso o número fosse suficiente, haveria um protesto social para que as fezes fossem autorizadas a permanecer, nesse mesmo passeio, até “reencarnarem” em algo que a ciência não prevê mas que mentes de merda antecipam – colocando o ónus posterior numa futura invenção da natureza, já de si cheia da convivência imposta com o ser humano.
Caminhando, por opção unilateral e obviamente própria, só. Observando o que fere a visão sem permitir que o comentário surja, desviando-se de obstáculos como um perseguido se desvia de uma perseguição policial, reclamando consigo – e só consigo – o quão degradado e podre o ambiente está, ouvindo mais um escarro enquanto acelera o passo para superar as adversidades.
Desaguando numa foz só sua, atracado à sua marina, com as águias soltas para não permitir a aproximação de quaisquer gaivotas, com o motor ao ralenti, verifica os cordames e desliga o motor, desce à cozinha e encontra um livro, sobe ao convés e, sentando-se no cadeirão com vista aberta para o mar, exclama “Agora vou navegar na leitura.” e parte, para uma galáxia distante, sem que o corpo abandone esta.
Regressa e olha-se no espelho, não reconhece o reflexo, interroga-o e só quando responde a si próprio constata que voltou uma pessoa diferente. Sorri, num abraço fraterno com a imagem reflectida.
Sentado na sua cadeira, na varanda exterior existente na traseira da casa, pensava. Olhava cada pássaro que ali pousava, para abastecer-se de uma migalha ou outra de pão, e interrogava-se sobre como seria ser um pássaro. Em jeito de inveja, pensou no quão gratificante deve ser ter a possibilidade de voar e conhecer novos caminhos, lugares, cidades, mundos. Replicar aquelas viagens pela Grécia, Brasil, Argentina e atravessar o país, com uma vontade enorme de viver a vida de um local, muito embora não passasse de um turista com apetência para viagens solitárias – sem destino planeado, sem rumo, só dizendo que tinha errado no caminho se a estrada fosse sem saída e, até nesses momentos, saía do carro para fotografar o momento para mais tarde recordar e reconhecer a beleza de só ter parado por impossibilidade de seguir. A possibilidade de ser surpreendido, como aquando da viagem através do Peloponeso, em que o dono do restaurante onde parei se recusou a servir-me e me convidou para a mesa onde todos almoçavam, após o serviço de almoços ter terminado. Momento único que, para sempre, guardarei como sinal da elevada simpatia e boa disposição do povo helénico.
Imagino-me a voltar à aerogare de Buenos Aires, a voltar a ver o pôr do sol sobre o Rio de la Plata, a bater as asas até à Antárctida – com o devido cuidado e respeito pela fauna local (para não ser comido), por entre pinguins e albatrozes, a voar acima da Passagem de Drake – fotografando, com visão de falcão, todo o poder do mar daquele estreito – a observar a maneira de ser e de agir de cada um dos pinguins – individualmente, num esforço por me fartar – para, logo depois, voar até à África do Sul e visitar a Estie – não correndo o perigo de ser reconhecido mas sem deixar de lhe esboçar um sorriso. Provavelmente fazendo uma escala em Madagáscar, para um encontro – ao mais alto nível – com o Rei Juliano e os seus descendentes, voando depois até ao Bazaruto, onde pousaria, no topo da duna com vista para o Índico e para o lago dos crocodilos, apenas apreciando a beleza da natureza. Partiria, assim que saciasse o desejo pela beleza local, rumo ao Kilimanjaro, para respirar fundo o ar da montanha. Sentiria o local até sentir nas penas o frio. A etapa asiática começaria aí, já abastecido de um farnel que me permitisse sobreviver no continente da comida estranha.
Mais pesado com o farnel, mas igualmente motivado, só aterraria no ponto mais alto da Praça Vermelha a deliciar-me com a vista. Percorreria, num ritmo frenético, todo o território russo – do mar do norte até Vladivostok – a tentar extrair o máximo da imensidão de beleza que o país tem. Com muito cuidado, desceria para Sul e visitaria a China, o caminho de Ho Chi Minh, sempre apreciando a vastidão dos arrozais e a beleza dos jardins, plantas e cores. Evitaria passar muito tempo nos territórios mais marcados pelo belicismo, sem deixar de apreciar a arte persa e a beleza dos seus territórios; seria uma circunferência enorme em voos, preparando a passagem para a América do Norte, via Alasca, onde faria questão de conhecer toda a beleza branca – de Este para Oeste. Os parques nacionais americanos seriam todos esmiuçados e aterraria no cimo da Golden Gate. Apontaria então o bico para a Nova Zelândia e Austrália onde embarcaria numa excursão privada de um só pássaro para conhecer esse maravilhoso continente. Seria assim que bateria as minhas asas, como se fosse uma auto caravana voadora, com um apetite voraz por ver, viver e fotografar sem que nada fosse publicado, seria o meu voo secreto. E tu, também tens segredos?
O convite era inocente e despido de segundos sentidos – como as pessoas honestas tratam, nesta vida – e a resposta não surpreendeu ninguém! “Claro que sim, vamos nisso!” Obviamente, não fazia a mínima ideia onde ficava Pitões das Júnias, mas o detalhe era irrelevante! Havia um convite para almoçar e um almoço não se recusa!
O despertador tocou às 5 e meia da manhã e ainda não havia luz natural. O duche foi tomado no maior silêncio e os panados do dia anterior colocados nos pães que descongelaram pelo caminho (a “bucha” da manhã), dada a hora de inicio das “hostilidades” do dia. A partida foi feita com os primeiros raios de sol sobre a cidade e, assim que entramos na CREP, substituídos por um nevoeiro cerrado…aquilo prometia!
Chegados a Chaves, e mercê de um erro imperdoável, não compramos uns pastéis locais (daquelas coisas que nos perseguem até ao fim dos nossos dias). Saímos para umas fotografias rápidas e partimos em direção a Vilar de Perdizes. Imbuídos de um espírito de sacrifício (que não envolve animais, entenda-se) percorremos a distância sem mais demoras ou paragens.
Chegados ao local de culto do oculto eis que ainda se sente no ar o sangue do dia anterior – tratando-se de um domingo, equivale a dizer que ainda corre no ar um aroma de cerveja morna, das hostilidades tardias do dia anterior. Prosseguimos, com cuidado…recolhemos provas fotográficas, tivemos diálogo a requerer linguagem gestual, procuramos os melhores planos para capturar a beleza do local.
Partimos, rumo ao restaurante Casa do Preto, comemos que nem abades e demos uma enorme volta fotográfica, para melhor digerir a “singela” refeição. Invadimos Espanha, com o propósito pacífico de fotografar os melhores momentos, reentrando em Portugal, pelo Lindoso, com o sentimento fotográfico cumprido! Mencionei a falha gastronómica cometida em Chaves e imediatamente surgiu a alternativa pastéis de Fão (clarinhas, para os mais íntimos).
Chegados, de barriga cheia, mas ameaçando devolver os pastéis já digeridos por excesso de açúcar em pó! Vivos, cansados, com um sorriso que espelhava o sentimento de dever cumprido!
Dizem que acordei chateado e que terei pedido silêncio, para poder dormir. Há uma névoa, com pequenos detalhes que recordo desses tempos: a sala cheia, Chico Buarque a tocar, discretamente no gira-discos, ouvidos colados ao velhinho (já na altura) Blaupunkt de válvulas, a televisão a preto e branco que não acompanhava a velocidade do rádio (ver para crer), o que causava apreensão entre a alegria que já se vivia.
Disseram-me para não me preocupar com o dia seguinte “de escola” porque a história estava a ser reescrita, alguém – recentemente – me recordou essa história bem como o contentamento que o meu pai, maioritariamente reservado em termos políticos, agora exibia.
Relembro, muito mais facilmente, os momentos de confraternização que se seguiram, os comícios em pavilhões, as férias na Fuzeta – rodeado de tantos ilustres que haviam participado activamente na revolução, o sentar a observar e questionar o que seria uma revolução, muito embora já agradecido por todas as voltas que demos pelo país. Nesse aspecto, senti mudança, liberdade sob a forma de as pessoas agora poderem estar, conversar abertamente e celebrarem esse facto, apenas estando presentes.
Mais tarde na vida tive a oportunidade de conhecer ainda mais ilustres – mercê da militância na Juventude Socialista – que olhava e idolatrava, pela coragem sem temor, pela ousadia de pensar livremente, pelo sorriso que ostentavam – como se um sorriso livre fosse a maior riqueza do ser humano. Talvez seja!
Venham muitos mais 50’s!!!!
É a ideia que tenho, preservo e celebro – 25/4/2024
Nascemos imbuídos de uma inocência que se assemelha a uma tarefa impossível de superar, com os conhecimentos de então, não passamos de um ser dependente e frágil que é obrigado a depender para superar o primeiro degrau da vida. O banho, a roupa, o sono, as primeiras regras, as primeiras palavras, os primeiros passos, são conquistas de superação em que a aprendizagem se torna uma rotina que interiorizamos e aperfeiçoamos. Saímos do berço e traçamos o nosso caminho – próprio, personalizado, sem nenhum igual porque é fruto da nossa aprendizagem e não há duas autenticamente iguais.
Na adolescência damos os primeiros passos na real aprendizagem – começa a preparação para a vida adulta, o trabalho em prol de uma independência total dos progenitores, a busca de uma felicidade que é só nossa e em que, também, não há duas iguais – quando muito, com todo o engenho e sorte, almejamos uma felicidade com outrem, em que a junção de dois é igual a um muito superior à soma dos dois (contraria os princípios da matemática mas é a mais pura realidade). Já sem tantas ajudas, com muito menos questões, com um esforço diferente – sem sabermos se maior ou menor porque estamos a transitar de uma fase de absoluta dependência.
A vida adulta traz-nos a ambição pelo conhecimento, a procura da maturidade própria, almejar o fim de toda e qualquer dependência. O semelhante a um pássaro que, após ter crescido no ninho, é largado de um local alto – que o obriga a bater as asas para sobreviver, para procurar o seu próprio alimento, para se tornar absolutamente autónomo e completo. A tentativa e erro, o assumir das melhorias que precisamos introduzir para aperfeiçoarmos tudo – na busca constante por uma engrenagem que, apesar de rotineira e que consideramos quase perfeita, pode ser sempre melhorada.
Depois vem uma onda mais impetuosa que te leva a toalha, meia dúzia de objectos, as sandálias. E é aí que te apercebes que as imperfeições a dois são a melhor forma de te recordares que estás vivo e o porquê de estares distraído.
Efeitos colaterais de uma pretensa insolação – 17/4/2024
“Dás-me licença que te cumprimente?”, assim começava o monólogo da imaginação dele. “Miúdo de muito pensar, muito sonhar, demasiado imaginar mas pouco concretizar.” – isto dava uma óptima inscrição numa lápide (e ri-se). Ri-se porque tem muito capital de egoísmo como reserva – um egoísmo que não magoa ninguém mas que o impede de ser magoado (outrora chamou-lhe “Reserva Estratégica Pessoal”, mas achou que patentear o conceito era demasiado atrevido e outros poderiam usufruir dele – obviamente, com o seu sarcasmo habitual, afirmou “É a invenção que deixo ao mundo.”, sorriu e esqueceu a ideia sem deixar de praticar o conceito).
Numa cabeça que fervilha de saudade, num corpo que transpira por antecipação, nuns membros que se intimidam com toda a emoção – como uma espécie de jogo de tabuleiro em que o dado define todo o progresso ou retrocesso, recorda cada bocadinho – porque uma manta de retalhos consegue unir tanto, em tão pouco espaço – acima de tudo, recorda a maneira peculiar como era chamado – algo que sempre teve o poder de o fazer parar (gelar, já que estamos a ser honestos) e encarar a amada, com a mesma cara que os cachorrinhos abandonados fazem, quando os donos adoptivos os tentam encontrar – uma cara desprovida de tudo, menos atenção, num misto de amor, alegria, subserviência amorosa e total disponibilidade, sempre num contexto livre.
Pode o sonho condicionar a realidade? De que forma é possível sonhar e, poucas horas depois, enfrentar o sonho? Os movimentos sonhados são agora reais, a voz – escutada ao longe – é agora audível, os meus olhos podem agora procurar os dela. É todo um jogo de apetites: apetece-me isto e aquilo e aqueloutro, com uma fome voraz, mas sem os utensílios de coragem necessários para que a refeição gourmet realmente aconteça. Provavelmente, será o passo intermédio entre o sonho e a realidade: os couverts!
Depois da tempestade emocional, que me sugou uma parte importante do capital de resistência que vinha sendo acumulado, eis uma imersão na natureza – para fotografar o Parque Nacional Peneda-Gerês. Acompanhado de duas pessoas habituadíssimas a este tipo de eventos, dei por mim a esquecer, momentaneamente, o dia anterior (é mentira mas fica bem no texto).
Não que o pretendesse esquecer mas simplesmente porque tinha sido algo demasiado atípico para ser verdade. Se o sonho realmente comandasse a vida, o dia teria sido passado a conversar e a pensar em partilhar algo – um presente ou um futuro. Assim, tal como as natas da manhã, houve a degustação e o doce desapareceu. Como há idiotas, semelhantes a mim, que renegam os sonhos, é óbvio que a tarde e noite foram vingadas com leitura e escrita.
Adiantei o livro que nunca publicarei e perdi-me nas palavras dos cem anos de solidão. Não sendo o cenário ideal – a revisão hoje feita, dos escritos de ontem, bem o confirmou – a verdade é que é um cenário que cria resistência literária e, vagueando no que escrevo, abstraio-me no sentido que as palavras escritas ditam. Sim, é uma autocracia de frases, que culminam no fabricar de um exercito de imagens, que transportam para um paraíso literário.
O domingo começou de madrugada, o que nos permitiu apanhar as primeiras luzes e reflexos da natureza. Sem vento, com muito brilho, evitando a luz de frente, acertando a velocidade, ISO e abertura do diafragma. Capturei três centenas de imagens que, após uma revisão exaustiva, deram origem a cerca de sessenta fotografias com piada e até alguma qualidade (reconheço o meu amadorismo da mesma forma que reconheço o quanto o hobby tem amadurecido).
Andamos bastante, para cima e para baixo, houve quem molhasse o pezinho, almoçamos muito bem e com uma paisagem de perder o fôlego. Sonhei, acordado mas sonhei. Com a ideia de tudo explorar contigo a meu lado. Algo ridículo quando tanto fiz para que tal não acontecesse. A vida é uma sucessão de momentos e, os de hoje, foram a união de um sonho impossível com uma natureza digna de tudo superar. Curiosa esta natureza…supera-se! Até nos sonhos.
Assim que chegas, e mercê do facto de seres de um país de marinheiros, colocas o teu barco na água. Há uma série de imponderáveis que sabes que serão desafiantes mas, como povo descobridor, já percorreste o processo demasiadas vezes para te deixares intimidar. O sorriso é tímido mas esconde ousadia, os gestos são lentos mas não escondem a garra, o alento é demasiado grande e o mar afigura-se como uma piscina olímpica a ser conquistada.
Com um automatismo que não pára de crescer, assim que ultrapassada a primeira vaga, encaras as ondas seguintes como meras repetições da primeira e, imbuído de um espírito de conquista, sobes ao mastro e apontas a rota a ser seguida.
Dialogas com peixes, que rapidamente se tornam confidentes que imergem com a conversa partilhada – seguro de que a comunicação por borbulhas não permitirá o decifrar da mensagem, dás oito dedos de atenção a um polvo que acompanha a odisseia – na certeza de que defenderá a intimidade da conversa com toda a sua tinta, escutas um tubarão branco, que se confessa, admitindo já ter devorado alguns “dos da tua espécie”.
Utilizas a leitura como abstração, o rádio para a informação e os olhos para a satisfação plena do cérebro carente das mais belas emoções que vais vivendo. Cada dia como uma nova folha escrita de um livro fictício, cada momento vivido com a satisfação plena que só um suspiro de alegria se assemelha. Conquistas novos oceanos nas tuas caminhadas, ousas um mergulho gelado – em pelo – sem que o atentado ao pudor te prenda, percorres a areia, como se fosse a mais retemperadora alcatifa.
A mente vagueia com uma sensação de liberdade, o corpo dói com a satisfação da realidade, os olhos ardem de tanta novidade adquirida.
Há que rentabilizar uma tarde em que sabes que a cidade vai estar cheia. O planeamento é muito importante e os dados recolhidos são fundamentais para o cálculo quântico (lol) do destino a escolher: qual a proveniência dos que enchem a cidade? Quais as horas a que chegam e partem da cidade? Que tipo de transporte usam? Se viajam por etapas, como evitar os pontos de trânsito, entre etapas? Onde é que há uma boa esplanada, com sombra, onde possa ver o MotoGP em paz e sossego?
Após a introdução dos dados, no mega computador que é a tua imaginação, decides não optar por Alfarelos e rumas a Ovar. Não é o pão de ló que te conduz – muito embora a sedução por ele exista. Um simples apalpão nos seios é suficiente para te afastar da doçaria. A pergunta “porque tens uns seios pronunciados?” é suficiente para te afastar de guloseimas eróticas e conduzir o pensamento para o lanche: “um cachorro especial é apenas o colmatar de uma saudade de quem não usufrui dele há bastante tempo…”
Um par de estalos emocional – faz-se mentalmente, sem necessidade de uma auto-agressão na via pública – é suficiente para te focares no objectivo: a esplanada, a sombra, o GP de Portugal de MotoGP! A memória, essa traiçoeira, passa-te a imagem mental de um jardim que ficava perto da estação…uma revista aos azulejos da estação – que podiam estar melhor cuidados – e começas a trilhar a rua, rumo ao destino que esperas ainda corresponda à imagem mental.
Ouves pássaros, há um rio, “é aqui perto”, exclamas com alegria. Mais uns metros e enxergas uma esplanada deserta de onde vem o som do hino nacional. Perfeito, diz-te o coração, como se aconchegasse num abraço ao corpo. “Tem multibanco?”, procurando por um terminal que não consta dos objectos presentes no balcão. Indicam-te o Santander (o banco e não a cidade da Cantábria) e partes para a recolha de um montante mínimo que te permita pagar a despesa resultante do tempo passado a ver o Grande Prémio.
Desces a rampa que subiste e escolhes uma mesa exterior com vista central para o ecrã interior. “Perfeito!”, exclamas. Os pilotos estão a terminar a volta de reconhecimento e a partida segue-se! Corrida louca, como sempre, com alguns erros a baralharem o resultado final (o costume). Segue-se o caminho de volta e, apesar de teres planeado um regresso a pé, resolves mudar o ponto de partida para mais perto de casa. Fazes o percurso nuns 90 minutos e, comandado por um automatismo que não controlas, dás por ti a enfrentar um cachorro especial…
A expressão, claramente emprestada pelo maior autor Colombiano que li (até hoje e que dificilmente será destronado, porque sou eu quem decide), resume o belo dia de hoje.
Uma bela caminhada entre a Baixa e a Foz, sem que fosse São João e o humilde narrador estivesse ébrio a caminho da praia, por entre uma neblina que teimava em não levantar, causando um efeito tão retemperador quanto a imagem mental de sentirmos cada ossinho do corpo. Um pequeno intervalo para o café e a água das pedras, os olhos constantemente desviados para tudo o que me rodeava, um passo de cinquentão – armado em gajo que gosta muito de caminhar (o que até é um facto), mochila com uma bela máquina fotográfica para recolher os momentos mais inesperados ou sensibilizadores.
Um repasto na companhia de três Portistas – nervosos, como sempre, em noite de jornada europeia. O lagarto presente lá nos impôs uma conferência de imprensa do clube dele o que nos obrigou a despender uns minutos a explicar-lhe a história do clube dele, sobretudo em termos de conquistas europeias (é sempre bom e recompensador enviarmos uma criança para casa com mais perguntas – e mais profundas – do que quando chegou. A educação é um processo sem fim!)
Conversa amiga e saudável, comida tão maravilhosa quanto o sentimento que nos une, gargalhadas honestas e de encher o fôlego de um oxigénio amoroso, por algo que ainda decorre mas do qual já sentimos saudades. Água fresca a repor a desidratação da caminhada, o cigarro que surge depois do café.
Tradicionalmente, a visita à madrinha é um evento para o qual vestimos a nossa melhor roupinha e cuidamos da linguagem, enquanto a visita decorre. Mas, há muitos anos que ultrapassamos a tradição e o casual surge como a melhor forma de estarmos juntos.
Muita saudade, muito amor e a certeza de que não carecia de que, realmente, tenho muita sorte da família que tenho – todos com as nossas virtudes e defeitos mas sempre prontos a corrigir tudo e todos, por entre gargalhadas e o amor que nos une.
Obrigado madrinha, é sempre indescritível o sentimento com que daí saio.
Singela homenagem a um casal maravilhoso com um neto impecável (apesar de sportinguista). – 21/2/2024
A distância, essa meretriz que tantas manifestações de afecto reduz, era substancial e o grau de desconhecimento – enorme – era apenas mais uma desculpa para te manteres afastado, amorosamente cobarde. Havia uma enorme cumplicidade de gostos – alguns manifestados por mensagens, sem outro nexo que não fosse o simples “paquerar” – provocar (alguém) amorosamente, demonstrar interesse amoroso por – de acordo com a definição brasileira da palavra ou, de uma maneira mais portuguesa – o mostrar interesse em.
A distância reduziu-se mas a ousadia manteve-se – entre o ousado e o auto renegado – num tabuleiro imaginário em que não fazes a mínima ideia de qual a “jogada” do adversário. Verdade seja dita: havia algumas jogadas que conseguias visualizar e, numa antecipação típica de grande mestre de xadrez (que nunca jogaste), corrias (num sentido figurado pois o que adoras é andar, vaguear sem destino) na direção oposta. Numa analogia em que, figurativamente, te apetecia fazer festinhas, acariciar, conversar sem que horários houvesse e, na realidade, estivesses no extremo oposto a ler, nas margens de uma qualquer ria, rodeado de desconhecidos.
Armado em aprendiz de prisioneiro de imagens, esquecendo metade do material, caminhas com uma ideia na cabeça – como se fosse uma melga que quisesses que te picasse. Obrigas-te a parar, num pedaço de relva protegido do sol, sacas do antídoto da mochila e mergulhas a mente na leitura. Sorris, enquanto o cérebro vagueia ao sabor do mestre Gabriel García Márquez, para apenas constatar que, inevitavelmente, quem viaja contigo é ela…
Hoje é dia de linha verde e, ao contrário do normal, revês as caras que pertencem ao “teu” horário, na linha que liga o mar (Piraeus) à montanha (Kifissia). Instalado na primeira carruagem – faço o máximo de tarefas a dormitar, até chegar ao emprego – rodeado de gregas que abanam os leques que, por esta altura, são mais uma arma no combate ao calor pirolítico que se instalou na capital grega.
A instalação sonora vai avisando os utentes – mind the gap, stay away from the doors, etc…de repente, ao sair de Omonia, ouve-se o anúncio de Viktoria, Attiki, fim da linha e por favor desembarque porque a composição está avariada e vai ser substituída (é mato, o número de vezes que acontece). Olhamos todos, uns para os outros, e saímos todos do metro, num belo gesto sincronizado, na estação de Viktoria.
Imaginem, por favor, uma estação onde o metro chega e, ao contrário do habitual, todos abandonam a composição enquanto explicam aos que estão na plataforma o que ouviram. Ouve-se uma porta a abrir e todos olhamos na direção do maquinista que, para espanto nosso, se ri, de gargalhada aberta que não lhe permite falar, ele quase chora…
Qual professora primária, ele afasta-se um pouco mais para o centro da plataforma e, por entre lágrimas de alegria, exclama algo em grego…não em tom de desculpa (um grego não comete erros) mas sim num tom autoritário. A mulher ao meu lado começa a caminhar para dentro do metro e eu sigo-a. Ela explica, assim que nos instalamos novamente, que o maquinista ordenou: o facto de termos a instalação sonora avariada não nos impede de chegar ao destino! Importam-se de voltar a entrar?
Percebem agora como tudo flui neste país? Sempre com uma gargalhada…😂
Humilde narrador esfria a moleirinha com um freddo expresso!
A vizinha saiu de casa depois de mim e, fruto de uma coincidência ou plano bem elaborado, estamos agora a lanchar, lado a lado, cada um na sua mesa. Sorrisos, falsamente envergonhados, cruzados com gestos tão espontâneos que parecem fruto de um nervosismo real, a mesma troca de olhares que temos, sempre que nos cruzamos nos espaços comuns do prédio.
Talvez seja esquecimento, ou apenas um acaso da vida de que todos podemos padecer, mas ela esqueceu-se do isqueiro (acontece bastante na Grécia, todos sabemos a que preço está o gás). Finge olhar à volta – o que, de facto faz – não conseguindo visualizar o meu maravilhoso “Clipper reusable”, finge pretender levantar-se para ir comprar um isqueiro – está a 7 passos do kiosk que os vende – mas prefere exclamar um “Oh”, quando finalmente assume enxergar o meu isqueiro.
A chama acende-se, sem que a alta temperatura sofra alterações, ela coloca a mão dela atrás da minha – obviamente para proteger de um vento que temo não sentir, a chama aproxima-se do extremo do cigarro, num movimento que me faz escutar acordes das mais belas músicas que conheço – num devaneio mental e musical que visa apenas embalar o momento. Ela agradece em inglês (como saberia) e eu respondo com um “ora essa”, em grego.
A tosta mista acaba, a Coca-Cola também já não demora muito e o calor….esse continua a ser brutal. Passa o 1 e o 5, e recordas que ambos conduzem a Sigrou. Recordas os meses aí vividos – apenas para constatar que o apartamento em Victoria foi dos melhores achados – nestas desventuras de ser um expatriado sorridente.
A maneira como era possível viver, num bairro problemático de Atenas, sem que sentisses o mínimo receio, só pode ser atribuída a um maravilhoso vizinho albanês que, fruto de ser o comandante local da noite, protegeu o meu apartamento (no único dia em que me esqueci da porta aberta), com uma simples cadeira, e sentou-se no sofá…a observar se alguém ousava desrespeitar a disciplinadora cadeira.
Acordava com um realejo ou violino, todas as semanas a biblioteca ambulante parava na rua, tinha mercado de rua duas vezes por semana!
Agora, na Boavista, tenho a avenida toda para mim, facilmente consigo fazer as compras inevitáveis, posso vegetar diante de um livro sem ser interrompido, o ruído citadino é menor e o prazer de viver exponencialmente maior!
Foi aqui que tudo começou, em 2015, e as passagens por outros locais apenas acentuam o quão diversificada a Grécia é – um amor que fica gravado onde realmente importa!
O sítio tornou-se o do costume e, sentado na mesa habitual, vou trincando o lanche encomendado. A Coca-Cola vem, erradamente, com um zero mas o erro é imediatamente corrigido e a empregada de mesa condenada a beber a dita, no refúgio seguro dela, mas que é bem visível da esplanada.
As motos de baixa cilindrada que fazem mais ruído do que os topos de gama, as conversas de trânsito – algo que pode sempre resvalar, as pessoas que se benzem quando o sino da igreja soa. Os grupos que bebem cervejas frente aos grupos que conversam, os telemóveis como alienamento permanente.
O Kiosk, frontalmente colocado, em permanente rebuliço – a servir todos os que buscam “as falhas” a caminho de casa, os casais que tentam distrair os bebés do calor, os namorados que discutem o dia que agora começa a acabar. O Lenny Kravitz que grita que quer “Fly away”, as pessoas que se abanam – numa infrutífera tentativa de se manterem frescas.
O toldo da esplanada é entretanto aberto e o humilde narrador tenta descortinar de onde chega toda esta “nova luminosidade”, a empregada de mesa que sorri – ao descortinar a procura do narrador e responde com um gesto que demonstra que é ela que está a gerir o processo, mostrando o comando do toldo.
Uma escultural grega que chega – obrigando a um discreto, mas muito forte, empurrar do queixo caído que, aproveitando a distração do dono, coloca a nu toda a indiscrição da situação. Limpados os resíduos do salivar intenso e já recomposto de mais um monumento ambulante que não conhecias. Toca o telemóvel e respondes com toda a segurança: estou em casa, a ouvir música. Pagas a conta e corres para casa!
O dia de trabalho passou sem que desses por isso e o duche frio disciplinou a moleirinha de volta ao mundo terrestre. A tosta mista na esplanada, de perna suada alçada, a Coca-Cola como refrigerante obrigatório, a água que fugiu num trago.
Música de fundo, ligeira quanto a brisa, duas beldades na mesa do lado, uma trinca como início das hostilidades; na tosta, entenda-se! O Sultans of swing salta nas colunas, conduzindo a uma reflexão pelos muitos momentos em que escutaste a música.
Recordas a frase cómica que ontem, antes do concerto, ouviste um ilustre desconhecido americano proferir “who the fuck wants to see an 80’s rock band playing in an Ancient Greek theater?”…descobri depois que era um dos teclistas do grupo! 😂👌
De sorriso em sorriso, sem roubar sorrisos alheios. Saltando de dia para dia, sem sucumbir ao calor. Sempre munido de uma garrafa de água, mantendo o esbelto corpo hidratado. Eu devia ter nascido grego e ter navegado…
A golden hour a cair, as luzes dos carros pressentem-se agora – apesar de sempre terem estado lá, pessoas que correm entre outras que, muito calmamente, observam as montras – o caos ordeiro, tanto no passeio como na estrada. Ao longe, os peões que correm na passadeira – enquanto se benzem – face a uma igreja com que se deparam.
As cores desbotadas – que se fixam perfeitamente, assim que colocas os óculos, uma brisa de 9 Km/h que a app de meteorologia afirma tornar os 30 em 31. As laranjeiras que dão a frescura a toda uma cidade, as pessoas que a animam, os animais que a habitam – com mais direitos adquiridos que muitos humanos, as luzes das farmácias que se acendem para uma eventual emergência. As famílias com o passo descoordenado, conforme o filho por que são responsáveis.
O calor chegou, e trouxe com ele a habitual adaptação da indumentária, o que – dado que estamos na Grécia – equivale a um desfile de monumentos históricos (porque imediatamente te ocorre ser um ombro amigo e ouvir todas as histórias, obedientemente), em trajes minimalistas, qual tela branca, por pintar, que clama por ser coberta por uma pluralidade de cores. Não nasci pintor, e não tenho a mínima veia para a arte, mas sei apreciar!
Imaginem um cérebro que, tirando proveito da rotina do caminho para o emprego, aproveita para deambular e apreciar “as bistas”, como se diz na minha terra. Equiparem a imagem dessa rotina à mais bela obra de arte que o vosso coração guarda e, mesmo assim, talvez não estejamos, ambos, sincronizados. Curioso, como o gosto por arte pode ser diversificado: o que é que nos conquista na arte? Porque não discutimos com ela mas sobre ela? Talvez seja precisamente esse facto que a torna tão bela…
As caras envergonhadas, as gatas assanhadas, os decotes suados, as saias que são curtas pela anca – mas que elas teimam em puxar para baixo. Os saloios e os olhares fotográficos, os encontrões do metro, o acaso da conversa, a coincidência de irmos ao mesmo concerto, a ousadia do trocar contactos, a notificação dos familiares mais próximos…
Sorrio, com um sarcasmo interior que até tenho que conter os espasmos musculares de satisfação plena, quando lhes respondo “Não dá mesmo, tenho cenas combinadas que me é impossível cancelar.” E assim tenho sido feliz ( bem sei que sou um egoista exacerbado nessa procura mas, afinal, a minha felicidade merece essa devoção!)
Recordo, sem saudade, o dia em que a curiosidade se apoderou de mim e, num misto de procura, loucura e estoicismo, embarquei na caravana dos vencedores do passatempo. Faço aqui uma pausa, para reler o escrito, e constatar que a frase anterior é muito típica do vosso humilde narrador; sendo que, normalmente, a saudade existe! Adiante, onde íamos? Sim, na caravana dos vencedores do passatempo da empresa, no camarote, com cozinha aberta.
O inverno estava a chegar, e a promessa de um jogo de futebol em que o campeão nacional estava envolvido, prometia o tipo de aventura de que normalmente um expatriado não usufrui – jantar incluído, bar aberto, umas esculturas ambulantes a servirem-nos…um jogo de futebol ao vivo, em que elas servem os comes (um ideal machista internacional que fui obrigado a usufruir de).
Estava na primeira fila, com um prato preenchido com um misto de carnes brancas e porco, ladeados por um Tzaziki maravilhoso. Os cumprimentos das equipas, umas músicas que não conheço (era o hino do visitado), começa o jogo.
Na infância e adolescência temos os sprints em busca do conhecimento – corremos curtas distâncias na ânsia de obter as respostas que esclarecem as perguntas que constantemente nos assolam. Tudo é novo, tudo pode ser experimentado e o risco é algo que nem sequer cruza o nosso pensamento. Somos apelidados de putos – sem que o arrojo seja considerado, de imaturos – porque a experiência de vida carece de erros para providenciar certezas, de pessoas em fase de crescimento – uma analogia aos países em vias de desenvolvimento que desmotiva, face a uma evolução que não vemos esses países atingirem – ficaremos assim para sempre? Em vias de desenvolvimento? Podemos aspirar a ser um país desenvolvido? É a questão que nos colocamos, na certeza de nunca desistir em tão curta etapa! É assim que vejo a competição de abertura, com a corrida dos 100 metros.
O salto em comprimento acompanha-nos pela vida fora e mais não é do que um método alternativo para cobrir a distância que nos separa do objectivo – com a virtude de nos permitir saltar para mais longe, se queremos evitar um obstáculo, ou mais perto, se o objectivo é abraçar não um obstáculo mas uma qualquer fonte do nosso prazer interior.
O lançamento de peso é constante nas nossas vidas e mais não é do que o equilíbrio em que nos pesamos e nos sentimos bem – num mundo perfeito, sem pretensos magros ou gordos, em que gerimos o nosso peso no grau de satisfação interior que ele nos dá – num menosprezo total pelo que os outros pensam! Só tu interessas; porque no fim não há céu que nos acolha ou inferno que nos mantenha quentinhos!
O salto em altura é o crescimento – a constante que nos acompanha até ao final da vida, pois o conhecimento foi feito para crescer incessantemente. Como um alpinista, que escala cada nova montanha com uma atenção redobrada, nunca confiando na solidez providenciada pela natureza e sempre atento a toda a pequena indicação de gelo – num misto de deslumbramento e satisfação, de cada vez que sobe um socalco!
Os 400 metros que encerram o primeiro dia são o primeiro ensaio no percorrer de longas distâncias – após os 100 metros, quem não se diverte com uma volta completa ao estádio? A transição do final da adolescência para a vida adulta, passos de afirmação com muita confiança, planos elaborados com maior morosidade e atenção ao detalhe, os tempos em que és um pouco burguês até…
Os 110 metros barreiras, que abrem o segundo dia, são a representação de todos os obstáculos, alguns inertes incluídos, com que nos vamos deparar: alguns iremos superar, tropeçar noutros e, muito provavelmente, hesitar demasiado nos terceiros. Uma explicação sobre como superar obstáculos voando acima deles!
O lançamento do disco é toda a música que nos embala neste processo denominado vida. De diapasão na mão, numa procura constante pelo acorde perfeito. O aceitar sugestões de novos sons, enquanto mostras o que achas ser o valor do que ouves. As pessoas que nos davam acesso a uma cave, os amigos que aí colocavam música, a recordação de todos os copos cravados – com a dor da lembrança de todos os que tiveste que pagar. Uma melodia como símbolo de um porto seguro!
O salto com vara mais não é do que a superação com a ajuda certa. O acessório como elemento fundamental para a superação – numa simbiose tão perfeita que alguns homens jamais a conseguem superar (correndo o risco, segundo a sabedoria popular, de ficar cegos) e algumas mulheres são suspeitas, dado o exagerado consumo de energia eléctrica.
O lançamento do dardo são todas as paixões que tivemos, as reais, aquelas em que somos obrigados a “deter” o nosso coração e a interrogá-lo quanto às arritmias cardíacas de que passa a padecer. A submissão ao Cupido que, invariavelmente, nos apanha distraídos, na curva.
Os 1500 metros são o puro gozo com que desfrutamos da vida, o sentido de longo versus o que já conquistamos – em termos de “armas” para estarmos sempre acompanhados de um sorriso que, não sendo idiota, parece – mas esse é apenas o meu ponto de vista…
Por entre uma corrida, “contra” o caótico trânsito Ateniense – agravado pelo facto de ser sexta-feira e uma maioria se deslocar até a uma qualquer ilha ou local de nascimento – eis o vosso humilde narrador a chegar atrasado ao início do desafio. Sim, havíamos sido desafiados e, como povo conquistador que somos, fomos, vimos e conquistamos! Não uma repetição da reconquista errónea de outrora, mas tão só e apenas uma celebração que temos como habitual, no nosso calendário desportivo.
Ouvir os comentadores desportivos a usar “massacre”, “banho de bola”, “domínio avassalador”, “uma ocasião de golo em 90 minutos”, “não foi o habitual porque o Futebol Clube do Porto não deixou” deixou-me com a habitual lágrima de emoção Portista. Belisquei-me, era mesmo na SIC.
Coisas que brotam nos primeiros anos (apesar de viver em frente ao estádio de umas designadas Panteras), as recordações de uma coleção de caixas de fósforos com Campeões Nacionais como o Gabriel, Fonseca, Freitas, Murça, Rodolfo, António Oliveira…a praça Velasquez cheia de carros abandonados (a prioridade era o jogo), a varanda de onde se via a arquibancada, o sair de casa a implicar pegar em carros – num esforço bem coordenado sob a voz de “1, 2, para o lado). Subir ao primeiro andar do 147 implicava um refúgio sempre seguro! Ponto de encontro obrigatório, seguido do fino no café Velasquez e a partida para o estádio – tudo é mágico, quando se fala de recordações de infância. Vi o Futebol Clube do Porto vencer, debaixo de todos os climas imagináveis, com vários cenários de lágrimas de alegria a tomarem a dianteira, vivi algumas amarguras – em que questionamos a nossa existência face a um empate ou, livre-nos o Papa Jorge Nuno, uma derrota. Cresci numa família Portista, ao vivo vi-os ganhar em três ocasiões, várias vezes questionei o cardiologista quanto à cor do sangue que em mim pulsava.
Entrei em casa, com o jogo a decorrer, e constatei que já fechávamos muito bem (sou apologista do fazer crescer uma equipa da defesa para o ataque). Instalei-me no sofá e assisti a um massacre em que só faltou a bolinha encarnada, no canto superior direito do ecrã! É verdade que extravasei a minha alegria, numa Atenas que deve ter-me julgado como terrorista que merecia ser escutado (não fosse eu começar a gritar por deuses, aos quais normalmente se segue uma explosão – são um povo atento). Ninguém deve ter percebido os gritos, o vocabulário profundo, as lágrimas de alegria que faziam ruído…
Soltas – como se a liberdade só pudesse ser explicada por elas, sinónimas – numa deliciosa harmonia de significados tão iguais, antónimas – numa bela dança de opostos, maiúsculas – armadas de uma maturidade típica dos começos, minúsculas – como que pequenos anões que são fundamentais para a tela final, acentuadas – a típica nobreza, cedilhadas – a recordação de outrora, em que a cedilha parecia algo tão esquisito quanto os caracteres chineses.
Rodeadas pela pontuação – num exercício tão vezes falhado, com os pontos que impõem um final, vírgulas que implicam uma pausa e a imaginação constante como agregador de um processo que a ciência não explica. Façamos um parágrafo! Ou um ponto final e continuamos com o mesmo assunto? Talvez apenas uma longa vírgula, que nos permita saltar para o próximo parágrafo e dissertar sobre algo diferente, como o relato de um pouco do que é o quotidiano grego? Vamos nisso!
Se chegaste até aqui mais vale continuares até ao final. Imagina um pequeno troço, para o qual ninguém estava preparado, em que nos é dada a oportunidade de lermos algo que nunca tínhamos lido: o suor da antecipação, a taquicardia por cada letra abraçada, numa palavra que encaixa bem, vá, num enorme puzzle que, quando completo, até sugere uma exclamação! E sim, procuro sempre a exclamação, como forma de bem estar comigo próprio (a cena narcisista 😂).
É algo muito recompensador! Olhar para uma conjugação de esforços de palavras, colocado aleatoriamente num processador de texto muito simples, olhando em volta e constatando que…cheguei! Estou na minha paragem!
Deambulava pela rua, com o queixo demasiado levantado e os olhos num constante varrimento do que o rodeava, alheado na sua rotina de tudo ver – detendo-se, se a necessidade de ver melhor o detivesse – ou armado em hiker profissional, caso a vista já estivesse em memória – admitindo algumas paragens, para a actualição e substituição do backup anterior.
O calçado era limitado a três pares de sapatilhas – mesma marca, mesmo modelo, cores diferentes e um par de botas – mais cobertos de pó de falta de uso do que propriamente as solas gastas, de tanto uso. As meias eram todas pretas, num último suspiro anarquista, e as “coquilhas”, um objecto privado só ao alcance da urologista e de algumas, agora ilustres, beldades femininas não podem aqui ser expostos, sob pena de um atentado ao pudor cibernético (desconfio que não haveria “largura de banda 😂😂😂)!
O corpo, objecto de um estudo científico que decorre desde o dia da chegada, ganha uma dimensão que desperta a obrigatoriedade mental de andar, muito, galgar, ser “cavalar” na conquista de quilómetros, debaixo das solas. Com o espírito de um comandante de avião só quer acumular quilómetros de voo, tal a visualização mental que faz no aquecimento. Sorri, enquanto uma laranja cai sobre um tejadilho “mole” e o som sai com um tom cómico.
Perguntam-lhe como é que consegue viver despreocupado assim e ele, sem que a pergunta acabe, já está a responder “como é que consegues viver preocupada assim?!” Sorriram e observaram o espaço que os rodeava e, terminado o exercício, foram juntos em direção ao pôr-do-sol, que distava uns quilómetros valentes do local onde se encontravam.
Há uma parafernália de sons, radicalmente opostos mas complementares na beleza sonora que irradiam, capazes de exercitar em nós um conjunto de novas sensações.
Tem sido, quase sempre, bastante recompensador recordar: o azeiteiro, de carro rebaixado e vidros escuros, é quem normalmente fecha a noite. Numa espécie de exibicionismo de mau gosto (devia ser punível), que vai da vestimenta até ao modo como tenta atrair a atenção de uma vizinhança mais focada na intimidade familiar. Do escape de rendimento a uma seleção musical que quase faz regurgitar.
Antes de caíres no sono nocturno, e quando já estás afectado por ele, ainda consegues ouvir uma ou outra laranja que, caindo da laranjeira, faz um som bastante engraçado ao embater no metal dos carros estacionados. Mais engraçado se torna quando a laranja salta, após o embate, num equivalente sonoro ao conseguir fazer uma pedra chapinhar inúmeras vezes.
O adormecer profundo está normalmente associado ao som das tampas dos contadores de água – são tampas metálicas, de aproximadamente 50x50cm, que estão no passeio público, frente ao prédio a que dizem respeito. Entendam as diferenças: nós temos contadores de água e luz dentro do prédio e, na Grécia, as tampas da água é onde está o contador do consumo, os contadores da luz estão na sub-cave, onde também está o enorme radiador a óleo que aquece as partes comuns do edifício. A sub-cave é um local digno de um filme do Stephen King: teias de aranha, uma corrente de ar inexplicável, escuro – mesmo com as luzes acesas, arrepiante – no sentido em que os pêlos em pé só perdem a potência quando se voltam a sentir confortáveis e longe dali.
O despertar varia, consoante os artistas disponíveis: pode ser a repetição da laranja, o azeiteiro que se atrasou no regresso a casa ou, o meu preferido, quando começam os diálogos junto da padaria em frente ao prédio (é sinal que já abriu e, abrindo as janelas, consigo “roubar” algum do cheiro a pão quente. Livrei-me da aprendiz de flautista (de quem até os ratos fugiam, numa espécie de “Hamelín”, ao contrário!), ouço agora ópera – de um vizinho velhinho que gosta de exibir o seu bom gosto musical, por vezes o vizinho do acordeão aparece. Anteriormente era o reunir dos pássaros que te despertava – reuniam-se todos no prédio em frente ao meu e, assim que o sol nascia, partiam para os seus diferentes destinos. Poucos minutos depois eram substituídos pelos papagaios dos jardins nacionais que, amantes de desportos radicais, voavam por entre as árvores.
O agir como um turista, no caminho que separa a casa do trabalho, tem as suas virtudes e defeitos – o virtuosismo fica contigo: acordas, atrasas-te, apanhas o interregional ou o autocarro, vais documentando o caminho – sem que haja um compromisso para algum dia reunir tudo, sabes a magia do que saber guardar – em termos de imagens – e o que desprezar, em termos de espaço disponível na cloud.
A secretaria é agora mais pequena mas, atrás de ti, está o departamento de informática, pelo que, qualquer pequeno distúrbio binário é rapidamente ultrapassado. Há uma clarabóia acima de ti – que te seduz pela luz natural que deixa entrar, ou faz chorar – quando reflectida no monitor. A cozinha está perto, pelo que és obrigado a superar o babar – quando o olfacto detecta o pão torrado, no ponto perfeito, entre o torrado e o perigo de causar um incêndio.
A fonte de água está a escassos passos de ti, o que te obriga a uma penitência – entre Sex Pistols, PIL, Joy Division, na tentativa de abafar o som da catarata de água, evitando despertar em ti o desejo de visitar o WC. Em frente tenho uma enciclopédia humana, ao lado uma colega permanentemente a sorrir. Não questiono nada nem ninguém – apenas usufruo das imagens das pessoas, no constante burburinho que um escritório com 3000 pessoas produz.
O cozinheiro de serviço foi um dos concorrentes do Master Chef local e, pelo que me tem sido dado a provar, não percebo como não ganhou! Tivemos um churrasco, num momento de comunhão de toda a empresa, e poder-se-ia pensar que a qualidade decresceria – dada a dimensão do evento – mas eu ousaria dizer que, mais uma vez, ele superou as expectativas! Tropeças na grande líder, cumprimentas o grande líder, estás na fila para usufruir de um pequeno lanche grego, conforme designação humorística local. Estava divino! Percebes igualmente que é hora de ponta no WC (não desse tipo de ponta mas agrada-me o teu raciocínio 😉).
O dia de trabalho chega ao fim com um alento adicional – ainda é de dia e podemos observar, bem ao fundo, o sol a cobrir o Peloponeso e a dirigir-se para o outro lado do planeta. Uma passada vigorosa, por entre conversas escutadas em grego, e estás no caminho de volta, por entre umas centenas – que te acompanham, neste regresso de final do dia.
O frio está a acabar, os dias a crescer, a vontade de planear ao rubro, fim de semana prolongado a chegar.
Começa cedo, por volta das 6 da manhã, num misto de palpação e preguiça – palpação do estómago e a natural preguiça de quem não tem grande força. A falta de força teve origem numa intoxicação alimentar, após o que eu pensava ser um delicioso bife de vaca (na altura soube muito bem), seguido de um tsunami de emoções, em que o vosso humilde narrador se viu confinado ao quarto de hotel (daqueles de 20 euros por noite, tão típico de quem procura casa e está “entre tectos”).
A palpação advém do facto de todos nós conhecermos o nosso corpo suficientemente bem para sabermos onde tocar, antes de tentar emborcar algo. Obviamente é um conhecimento fútil, descobri eu, por entre coloridos arco-íris de bílis (a agonia de padecer de uma enfermidade que, para além do desconforto corporal, ainda proporciona cores tão pouco bem sucedidas) – aquele aparte desportivo fundamental para aborrecer o lagarto mais paciente.😬
Com a preciosa colaboração de uma funcionária do café, consegui ingerir um latte e duas torradas (branquinhas), com um muito ligeiro toque de manteiga. Uma hora de check-up continuo, muito perto do “trono”, e eis o vosso humilde narrador pronto para a aventura diária que é viver neste maravilhoso país. Investido de um novo vigor, percorre a distância entre o hotel e Monastiraki, sem ressentimentos, relembrando os locais por onde passa e a associação dos amigos que recordo ter recebido em Atenas.
Monastiraki recebe-me com um misto de sonoros batuques, o ruído das mangueiras – que limpam as provas de vida da noite anterior, o cheiro a eucalipto e alguns zombies que ainda procuram a direção certa. Já que chegamos aqui, e porque o Atlantikus ainda está fechado, arrisco caminhar até Thissio (como ir de São Bento até à baixa do Porto, sem a inclinação da rua da fábrica!) Constato que estou bem, sinto-me bem e quero um café! Erro crasso ou um risco necessário? Foi uma prova dos nove, antes de atravessar a cidade! Passei…
Metro de Thissio para Kallithea e há que trabalhar: sexta-feira foi feriado (cenas fictícias ortodoxas) e não consegui mais do que contactar alguns apartamentos para alugar (o processo de alugar uma casa é algo absolutamente surreal – também o foi na República da Irlanda (Eire) e já sabia ao que vinha – tirar fotografias de potenciais alugueres e retomar o contacto na segunda-feira). Antes da parte aborrecida, resolvi antecipar a parte divertida – aferir a minha acuidade visual e comprar uma armação para suster as lentes. Descubro uma optometrista grega, de inglês duvidável, cujo marido complementa o inglês não entendido com o italiano de nascença. Por entre inglês, italiano e grego eis que atingimos a graduação necessária e, como sou alguém que “ama fazer compras”, demoro 5 minutos a escolher a armação. Estão prontos na terça-feira pelo que, agora, só tenho que evitar sentar-me em cima deles (com um corpo tão esbelto 😂, ainda hoje duvido que tenha sido o meu peso a parti-los 🙄 😉 🤥).
Parto, na procura de anúncios para fotografar (na Grécia, os alugueres são anunciados nas portas dos prédios, usando para o efeito uns autocolantes amarelos – de tamanho único – impossíveis de não serem notados) e, após fotografar um deles – e tentar o contacto telefónico, perguntei ao senhor da loja ao lado se ele poderia traduzir. Não só o fez (era um espaço comercial) como também me disse: tire uma fotografia dessa placa (que, para mim, não passava de uma placa com caracteres gregos) porque esse senhor é de uma imobiliária, que fica aqui em cima. Tirei a fotografia, liguei e lá me apareceu o homem, na sua Suzuki 125 (até hoje confiei em poucas pessoas para andar de moto – o António Pedro que me ensinou, o Chico, que me levou do liceu a casa e de volta ao liceu, em tempo recorde, e o meu irmão que, como andava a estudar ortopedia, era de confiança 😂). Montamos, vi motos de frente, andamos em sentido contrário, fizemos mudanças de sentido pela passadeira que serve de separador central, chegamos!
É um rés do chão, que aqui são alteados porque há sub-caves, tem o quarto desejado, uma sala, WC e cozinha. Está sujo (tirando Airbnb é a norma) pelo que vai requerer um esforço adicional. Voltamos ao escritório, por entre carros, passeios, pessoas e, após uma troca monetária, recebo as chaves. A alegria é tal que corri para o hotel (de metro), peguei nas cenas todas e trouxe para aqui – estava ávido por poder responder “estou em casa”! A primeira limpeza está feita, o quarto está como novo, a casa tem agora um cheiro agradável. As aventuras posteriores nada mais são do que a intimidade da casa.
Há dias em que tudo, absolutamente tudo, corre bem – 7/1/2023
Não é um prato tradicional grego e, caso optes por encomendar um bife de vaca e estejas acompanhado de um cidadão grego, ele (ou ela) dir-te-ão quão perigoso é. Tratando-se de algo invulgar – na Grécia come-se, sobretudo, carne de porco e frango. A vitela também faz parte da ementa mas, porque menos consumida, também é um prato de risco – excepção feita às tavernas, onde a comida é fresca e raramente é de risco.
Segundo dia de cama, com uma intoxicação alimentar brutal, que me fez passar a noite a expelir líquidos pelos vários canais possíveis. Obviamente só há um culpado – eu. Assumo a fraqueza que me acudiu, sabendo os riscos que corria, sobretudo porque já passei pelo mesmo em casa – chegar, num dia de verão com luz do dia até às 22, grelhar um bife e, imediatamente, ficar de cama!
Não foi gula, não foi extravagância (um bife de vaca tem um preço que começa nos 12-15 euros e que, dependendo da denominação do local onde se consome, pode encarecer bastante) – um ex-café, redenominado gastro bar (ou qualquer outra denominação azeiteira) consegue inflacionar o produto, sem que a qualidade acompanhe! Pagas o “conceito”, chegas a casa, vomitas o conceito, obras o conceito, expeles o conceito – até o estómago começar a dar mostras de conseguir suster.
Ligas para o amigo de sempre que, inevitavelmente, te recorda o número de vezes em que o prato inicialmente escolhido, acabou por não ser o da encomenda final. Recordas episódios passados – em que a luz faltava em Atenas, durante o horário laboral, e tu chegavas a casa e, sem demora, esvaziavas o congelador, tudo directamente para o lixo!
Agora, que as partes baixas do aparelho digestivo começam a conseguir suster, esboças um sorriso – numa cara pálida que caminha para a normalidade.
O voo de ida foi uma batalha para obter mas, após aquela pesquisa profunda, entre todas as apps possíveis e imaginárias, eis o vosso humilde narrador a conseguir sacar um bilhete a bom preço (obviamente o voo de volta não era só até Atenas, já que segue amanhã para Istambul, mas eu já não irei nele…usufruindo de um bilhete de volta de 91 euros)! 😉😬
O objectivo era dar dois abraços mas, mercê das circunstâncias, acabei por trocar abraços com quase todas as duas famílias que a mim se reuniram. O dia de chegada como celebração e, no segundo dia, a continuação da exploração da cidade – 43 quilómetros em dois dias! 👌 Sem quaisquer bolhas visíveis, após análise cuidada, já em Atenas.
Um paraíso de bom gosto, com a sua dose equilibrada de parolices típicas do ambiente, construção divinal – numa peça harmoniosa em que todas as partes integrantes nos fazem sorrir, de satisfação – pela bela maneira como encaixam e aumentam o volume de construção, como se de uma tela se tratasse. Uma harmonia quase divina, na fluidez do trânsito de bicicletas, aqui e ali interrompidas por discussões em que ambos partilham as culpas – traços de personalidade civilizada. 😍
Não só eles souberam conquistar terra ao mar como também o fizeram com muito bom gosto. 👍 A voltar, muito em breve!!! 🔜
Primeiro apelidei-a de primata emocional mas, com o passar do tempo, apercebi-me que havia uma só vontade, em termos emocionais, que era precisamente nunca evoluir! Uma opção voluntária ou induzida, num ambiente em que o rebanho é a forma comum de sociabilização. Como se de um filme se tratasse: de ficção científica, em que o sentimento é reprimido e ilegal.
O lado cientista tentava decifrar a fórmula científica que poderia levar a que algo se afastasse, voluntariamente, do Nirvana emocional – mas a comunidade científica mundial não acreditava que existisse prova de que alguém conseguisse, voluntariamente, repelir sentimentos e, como tal, o objecto de pesquisa caiu no esquecimento.
Testemunhas anónimas deixavam o seu testemunho, de momentos de pleno sentimento e as diferentes formas de expressão que haviam assumido para cada uma delas. Era como um livro, básico e de escola primária, em que o público tentava que o primata aprendesse, mas os ensinamentos da república das bananas prevaleciam sempre. A comunidade científica internacional tentava agora um derradeiro plano: a criação de uma rotina, na mente do primata, de maneira a que as emoções fossem estimuladas diariamente. Teletrabalho, obviamente! A uma distância segura e sem contacto! Tal era a esperança depositada no projecto!!!
Não sei se é um acto de autoflagelação ou apenas diferentes manifestações de força: se por um lado a neve destruiu grande parte das árvores fracas da rua, por outro ei-las que brotam com o dobro da força, no mínimo, que eu não sou gajo para ir lá medir…a olho, carecendo de certificação científica, vá…
Onde jaziam tocos do que outrora haviam sido árvores, olhando sem esforço, vemos agora um vigoroso tronco bébé que, claramente, não precisa de cuidados maternos. – Tens um futuro brilhante, trocamos hoje impressões. Infelizmente, talvez fruto da idade, não obtive resposta mas, o que a vista deslumbrava, era prova suficiente!
Numa fase em que não há nada palpável mas, consultando a cloud, está lá tudo – palpável, com sentimento, com o sorriso envergonhado que tanto aprecio, com os silêncios que dizem mais verdades do que qualquer Bíblia que se queira interpor no nosso caminho.
Clicando no rato consigo obter todos os detalhes de um dado ficheiro mas, a natureza humana não se deixa subjugar por um rato, independentemente do modo como conduzimos a seta na direção que pretendemos clicar. Assim, é necessário compilar todo um conjunto de instruções, cuidadosamente programadas, de maneira a extrairmos essa informação, do modo menos automatizado do mundo – porque lidamos com a natureza humana, usamos a computação como meio para, por tentativa e erro, tentarmos definir a direção aconselhada que, misturada com sentimentos frescos do miocárdio, resultam numa forma quase infalível de amar.
O cérebro tem, constantemente, uma imagem dela em memória, como uma ROM que permanentemente o desperta para um suspiro que mais não é do que um catalisador para a frequência com que pensa no assunto! Ou não será sequer racional, devaneia sem pensar! Talvez tenha existido uma primavera árabe dentro de si e ele não houvesse escutado os gritos de celebração, talvez se tivesse rendido a um sentir diferente que mais não é do que a ansiedade normal de quem aguarda o abraço seguinte…
Num raro momento em que a cabeça consegue pensar eis que tenta expirar uns ares de macho latino, numa vã filosofia de vida, que termina com mais um suspiro, este já com um misto de mal estar entre o cérebro e o miocárdio (um diálogo entre tecidos esponjosos)! E, tal como uma esponja que sorve a água do corpo, ambos tinham consciência do quão arrojados estavam a ser, tendo em conta o terreno que, ainda não haviam pisado, e já estavam apaixonados!
É bom tropeçar no desconhecido! Sobretudo quando o sentimento de partilha de ambos está perfeitamente alinhado!
É não ter dormido, num misto de antecipação e por força de uns eventuais berros, em norueguês, de um hipotético colega de casa, enquanto matava adversários num cenário virtual? É estar tão sedento, que o saciar a sede se sobrepõe ao efeito habitual dos cafés da manhã? Não faço ideia…
A viagem passa como o dia de casamento: muito rápido, mal tens tempo de abraçar todos, já é a hora da despedida…um piscar de olhos e estávamos em Páros e, eu que já conheço o caminho, sei que depois são 45 minutos…que são percorridos com o vosso humilde narrador a esfregar as mãos de contentamento por, finalmente, ir pisar esta terra!
Fui o primeiro a sair do barco (porque tinha um camião encostado à bunda e, com estímulos desses, eu fujo), sem qualquer comparação com o parolo que se levanta assim que o avião aterra, e meti uma primeira velocidade curta, logo seguida de uma segunda e a mudança do aspecto visual exterior de “turista” para “desconhecido que tem um passo decidido pelo que deve conhecer a ilha”. Qual Batman, rindo às gargalhadas por dentro, parei no que me pareceu um local de culto dos locais. Pedi um freddo expresso sem açúcar e contemplei o mar, enquanto um suspiro se soltava de mim…exactamente assim, como se eu observasse um suspiro de satisfação que se afastava de mim.
A menina do café depressa descobre quem sou, já que a amiga é quem trabalha na recepção do hotel onde vou ficar e, fruto dessa feliz coincidência, vêm-me buscar. Sou obrigado a retirar o pé da água quente do mar para conhecer o hotel que é a 100 metros de distância…
Pouso tudo, tomo um duche e saio para me perder – algo fundamental para mim, assim que chego a um local diferente (obviamente não se aplica nas viagens no continente africano, sobretudo no Krüger National Park…como o “outro”!). A praia é interligada a outras praias, de ambos os lados. O sol está a descer e há que capturar o momento – primeiro com a mente e depois com o telemóvel. Perdido vou fotografando o caminho, sem deixar de espreitar o pôr-do-sol que se prepara…
O sol já se pôs, o jantar estava maravilhoso e o iogurte de sobremesa foi o gesto desafiador para um passeio pela beira-mar…
Sentes, claramente e muito antes de acontecer, naquele primeiro momento em que os olhos se entrelaçam, que a onda de choque te vai atingir e, instintivamente, o teu corpo parece recuar perante um desejo que te impele! Há uma espécie de salto fantasma, que possivelmente só ocorre na tua imaginação (a expressão anterior carece de valor científico; não há provas factuais…a imaginação recusa-se a auto incriminar-se e o recurso aos tribunais está fora de questão!).
Avanço, com a confiança do Alex, no Madagáscar, pronto a ser lançado de uma carcaça de avião, pilotada por mamíferos superiores. O passo é seguro e, olhando à volta, pareces observar borboletas…exiges explicações à tua imaginação e tudo o que escutas são gargalhadas como resposta. Terá a primavera chegado mais cedo? Interrogas-te…e a imaginação envia o som de ainda mais gargalhadas…O cumprimento é comprido, duradouro, acariciador! A tua mente deixou de interrogar a imaginação e sorri com ela, como dois bons amigos, abraçados, a observar o desenlace.
É verde, a expressão que mais recordo dela, talvez sinónimo de uma beleza absolutamente arrebatadora. Um nariz perfeito, como que anunciando uns lábios que me chamam. Tremo de emoção perante o arrebatamento consentido, sei que dou por mim fixado nas expressões e, a qualquer momento, aguardo que entre uma qualquer polícia que nos prenda. Saberia descrever todos os detalhes que fui observando, principalmente quando sou sempre correspondido com igual atenção, finjo não saber o que sinto para, como resposta, ouvir uma duradoura e sonora gargalhada da imaginação.
A expressão muda e, apesar do peito cheio de um bem-estar sem igual, já sentes a nostalgia da ilha – as noites mal dormidas a pensar, enquanto ao longe escutavas música inglesa pela noite dentro, os caminhos que percorreste, os saltos que deste face a cobras e lagartos tão rápidos que só a atenção permanente te permitiram detectar, a felicidade de poder percorrer caminhos com que sempre sonhei e a alegria permanentemente presente.
Alheado de copos, muito embrenhado no café e na água, a sede de querer conhecer tudo enquanto sentias que não tinhas conhecido nada, a vontade de tudo conquistar sem em nada tocar. O sorriso sonoro que, por momentos muito breves, te envergonhava a ser compreendido por quem te rodeia, porque o entendem. O caminhar altivo a identificar a tua vontade de fazeres esta descoberta sozinho – sem quaisquer aborrecimentos excepto tu próprio que jamais te aborreces sozinho.
A chegada ao porto de partida a ser feita pela obrigatória passagem pelo caixote do lixo onde ontem desmarcaste as provas de que havias fumado dentro do carro – recordaste o ar dançante com que saíste do carro, ao som de Peter Tosh, e o quão reconfortante foi esse momento que antecedeu a tensão normal anterior à entrega do carro alugado (há sempre algo mal quando fazes a entrega mas, com seguro contra todos os riscos, é só entregar as chaves).
Até já pensas em deixar de fumar…num devaneio típico da meia-idade! Como se, em vez de investir num cabriolet, resolvesses investir em ti….Sentes alguma vergonha pelo que sentes interiormente pois parece que roubas felicidade quando, na realidade, ela vive dentro de ti. Percebes novamente que não precisas de ninguém para ser feliz mas interrogaste-te se a felicidade não seria maior – sabes a resposta mas não a revelas ao mundo….és um egoísta no que à tua felicidade diz respeito!
E ao chegar ao porto de Katapola recebes um email com boas notícias….podia ser melhor? O futuro a mim pertence!
Dia de entregar o carro – começa a alavancagem de emoções…fazes força e recordas tudo com saudade. Sorris quando recordas o bifteki da ilha que é tão pujante quanto uma feijoada portuguesa – obviamente o facto de acompanhares com tzaziki não ajudou muito na dieta imaginária que te esqueces sempre de colocar em prática!
Que belas férias, afirmas! Com a noção perfeita de que agora és refém do autocarro! Revês mentalmente as praias, o poder teres o teu espaço e tempo, as pedras e os tombos, o escaldão e o hidratante, as três cervejas que custaram €14….dás uma sonora gargalhada naquela que é, por estes dias, a tua padaria de eleição!
Sorves mais um pouco de freddo cappuccino sketo e, enquanto o saboreias, recordas as noites muito bem dormidas, o candeeiro que quase partiste – como um soldado descontrolado, armado de toalha molhada, a tentar matar o inimigo – um mosquito que fazia voos rasantes na tua orelha. Como um Zero japonês, que apostava a vida no alvo, também ele sucumbiu à batalha!
Constatas que já deixaste um pedacinho do coração na Fuzeta e na Oura, enquanto criança. Sabes que África ficou com um pedaço talvez maior – sendo a única porta entreaberta que deixaste, a nível sentimental. O Brasil, superiormente mostrado por dois amigos para a vida conquistou mais um pouco e, quando julgavas que te tinhas tratado, e estavas imune a sentimentalismos, eis que voltas à Grécia para mais uma jornada de pura beleza e dedicação!
De todas as minhas imperfeições talvez essa seja a melhor! Pelo menos é a que mais aprecio – o sentir um oxigénio que amas a entrar, o coração a trepidar de alegria, a emoção da vista na curva seguinte, a sede de aprender, ver e saber perfeitamente o que é amar!
Acordado desde madrugada por um sonho, resolvi abrir as portadas da varanda e buscar inspiração para voltar a dormir o que faltava! Bastou respirar fundo, constatar que havia malucos a nadar e saber onde estava! Foi-se o sonho mas veio o sono – numa perda de imaginação colmatada pela bela realidade…nada se perdeu!
Hoje foi dia de constipação mas até esse pequeno detalhe foi incapaz de travar o ímpeto e a alegria! No cimo da montanha estavam as nuvens e nevoeiro frios e, junto ao mar, o calor habitual – como para chegar a um tens que passar pelo outro o resultado foram alguns espirros que em nada mais deram!
Visitei os dois lados da ilha e constatei que é de uma beleza singular! As cabras que se atravessam na frente do carro, o preço do pequeno-almoço que diminui um euro quando pedes em grego, as três cervejas de ontem que custaram 14 euros…😂 Há uma semelhança enorme com o Algarve dos anos 80 em que, enquanto os ingleses não chegavam, éramos espoliados através de uma aritmética manhosa feita no papel da mesa ou, pior ainda, feita de cabeça e acertada pela dezena superior…nunca há preços iguais e os “recibos” são pedaços de papel retirados de uma máquina de calcular com rolo de papel….🤗😂😂😂
Antes que o sol se ponha já estou em casa e tomo aquele banho retemperador que, na maior parte das vezes, me atira para a cama logo a seguir ao jantar…geração geriátrica…Tenho a dúvida se será isso ou o querer ver mais, conhecer mais e melhor, saber tudo quando consegui ver tão pouco! Não tenho agenda e esse tem sido o grande segredo de todo este regresso!
Não é sono mas sim cansaço puro de quem só falhou uma praia hoje, por culpa própria! As havaianas, que são as mais duradouras de sempre, cederam no caminho de acesso ao barco naufragado! Começaram como chinelos de quarto e, muito provavelmente, acabam aqui a sua história! Andaram em três continentes, voltaram a casa, conheceram sítios nunca antes calcados! Bolas….tiveram um percurso feliz!
Na ressaca do dia resolvi vir para a beira-mar o que, numa ilha, é algo mais fácil de atingir. Tenho um sorriso parvo de satisfação, o peito parece irradiar felicidade e já estudo por que caminhos me vou achar amanhã! Na Grécia os carros de aluguer são entregues com gasolina suficiente para chegar ao posto mais próximo e eu, sentindo-me poderoso, atestei o depósito!
Poucas pessoas conhecem a minha paixão por esta ilha que, nem na intimidade, partilhei. Sabem apenas as que me impactam – da forma que eu prezo e protejo – e pouco mais! E essas eu guardo no coração de tal maneira aferrolhado, que só agora algumas perceberão do que falo. Ainda não saí daqui e já estou saudosista….
É um estado de embriaguez emocional – estás no barco, a alta velocidade, e só pensas na chegada – como uma criança que passa a viagem toda a perguntar se já chegamos!
Alguns dormem, as crianças correm, outros sonham acordados – como eu! Foram dois dias de despedidas que agora se reflectem num corpo sedento de aventura e querer ver, obviamente para crer!
A companheira de viagem escreve, com a mão esquerda, e apanha os cabelos que, entretanto, já se animhavam na minha face. Sorrio, porque escrevo também e não tenho preocupações com o cabelo solto – nem com o dela nem com o meu!
O barco baloiça, por entre a ondulação que vai atravessando, e vêem-se agora os primeiros enjoos de quem sofre nestas máquinas de transporte marítimo. A sensação de coração cheio, aquando da chegada ao Porto de Piraeus, ainda está bem presente – a alegria desmedida, somada com a intemporalidade típica das férias, num resultado de respiração profunda, extremamente calma, e um sorriso capaz de importunar só quem não entende a alegria de viver!
É uma Atenas rodeada de fogos – até a tua antiga praia, que só descobriste como fruto da empatia de uma grega simpática, tem chamas como cartão de visita para quem estiver a sair da água. Uma nova vizinhança, em que te fazes acompanhar pela tua melhor personalidade, novas caras – de personagens novos na tua vida, enquanto planeias a única viagem que sempre quiseste fazer, sem que ninguém possa interferir na tua felicidade. Um egoísmo saudável…
Agradeces ao teu instinto toda a intuição que te tem dado assim como o perdoas por te ter permitido, em raras ocasiões da vida, deixar as coisas chegaram a um ponto intolerável – até para ti. Sorris com amigos, com os projectos que lhes revelas e recebes uma solidariedade profundamente amigável de quem, sem lutar, também batalha por ver-te feliz. Estás rodeado de pessoas recentes que sabem, instintivamente, detectar o teu estado de espírito – ora embarcando na felicidade dele ora erguendo-te de uma melancolia passageira que uma qualquer música te possa causar!
És um bombeiro, num fogo imaginário da vida, disposto a dar-lhe um combate sem tréguas – amando ou ignorando, com a mesma paixão e sem nunca deixar a tua integridade ser afectada. Conheces e reconheces a importância dos valores que te foram incutidos e que, com o diapasão da experiência de vida, foste aperfeiçoando à tua personalidade imperfeita. Dás um grito de força e fazes a reserva e agora? Agora só falta fazer a mala e marcar o barco…algo tão simples quanto respirar vida!
Sabíamos que o caminho era longo, apesar de muito divertido e de grande beleza, sabíamos que poderíamos ir no sábado e fazer um dia e meio de carácter profissional, não sabíamos era que nos poderíamos apaixonar. Num pequeno Micra, alugado no dia anterior e intacto após o percurso de Sigrou até casa, ousamos subir em direcção a Thessaloniki, muito embora soubéssemos que o destino era anterior a essa bela cidade. Seriam umas cinco da tarde quando iniciamos uma viagem que sabíamos ser de bastantes horas mas, munidos de uma vontade desmedida, aceleramos pela A1 local.
Googlamos, para ter a certeza que havia resultados de outros Micras terem feito percursos de igual dimensão e, sem obter resultados dignos desse nome, arriscamos ser os pioneiros! A loucura, semelhante a um Pedro Álvares Cabral, fez-nos chegar a uma localidade chamada Kalabaka. Era noite quando finalmente subimos para o quarto 306 e constatamos que estávamos cercados por ruidosos Gregos. Como não somos feitos de genes que nos fazem desistir, saímos do quarto – já livres das mochilas, e fomos jantar a uma taverna que não distava mais do que uns dez passos – actos corajosos de pessoas exaustas.
Talvez tenhamos adormecido, após os Gregos se calarem na varanda exterior ou talvez estivéssemos a planear – mentalmente – o dia seguinte mas acordamos naturalmente e com um apetite voraz. Descemos para um pequeno-almoço típico de uma aldeia e, após saciarmos a fome (que nos países normais corresponde a umas três refeições completas) saímos para explorar as redondezas. O objectivo, para além de visualizar, era sentir – o que é que sentimos quando a natureza é deslumbrante? Foi a nossa pergunta matinal e saímos com a intenção clara de voltar com uma resposta clara e inequívoca!
O joelho direito havia cedido pelo que a caminhada estava fora de questão. Munidos de um Micra “capitalista” (alugado na capital), subimos ao primeiro mosteiro para, em primeira mão, constatar toda a beleza local – ousamos entrar por jardins proibidos, sem comer maçãs ou alterar a paisagem presente, de maneira a obter o melhor ângulo de visão do pequeno teleférico que….transportava mantimentos! Após constatarmos que jamais ousaríamos andar em algo semelhante, partimos para o mosteiro seguinte. Tínhamos tudo muito bem planeado e o Google Maps não passou de um acessório para a beleza e ligação natural que se estabeleceu mas, melhor do que continuar com a descrição, prefiro instigar-vos a conhecer Meteora porque é um dos mais belos locais que a natureza nos oferece! Vão, visitem!
Começou inocentemente, como as coisas simples e bonitas da vida começam, mas depressa o sumo de cevada começou a libertar os presentes para um final de tarde de maravilhoso convívio, boa conversa e muitas gargalhadas.
A ausência do contacto, ou de convívio, expressão usada pelo patrão, talvez tenha contribuído mas a qualidade dos presentes era muito mais do que qualquer planeamento poderia reunir! Havia calor, saudade, carinho mas, acima de tudo, uma saudade enorme de celebrar de copo na mão, de dar gargalhadas sonoras e saudáveis.
Até o inquilino e amigo passou e deu o seu aval ao festim saudosista que no Bombar se desenrolava. Fomos putos saudáveis, num excelente final de tarde que, posteriormente e fruto do calção molhado, degenerou em resfriado bem chato de afastar – nada que a receita do mano não cure mas que me chumbou em sonos profundos dois dias seguidos!
Poder-se-ia dizer que houve de tudo um pouco – numa clara alusão ao contributo de cada um – mas seria redutor tendo em conta que só o conjunto fez o sucesso do convívio. Até o espanhol, agora residente português, compareceu para os habituais amendoins…
Foi como voltar a Buenos Aires, abraçar o Aníbal e a sua família e recordar que a amizade pode sempre acontecer…até no táxi de um Peronista que, indo buscar um cliente ao hotel mais capitalista, se surpreendeu por ele não ser tão capitalista quanto o hotel!
Memórias de um final de tarde maravilhoso – 9/4/2021
Invariavelmente sentado no muro ou nas primeiras mesas, ele diz que é um poeta. Chega, bem vestidinho, durante o que eu denomino de “hora segura” e que é até às 11 da manhã, liga o wireless do telemóvel e começa a receber os seus emails. Após umas dezenas de notificações ele começa a ler o que recebeu mas não perde mais do que 2 ou 3 minutos até começar a conversar com as mulheres que passam.
Nunca gostei de pessoas autoproclamadas – porque sempre achei que o mérito deve ser concedido por outros e não pelo próprio, é algo que carece de reconhecimento público. Mas ele escreve umas cenas com piada e,, acima de tudo é um engatatão de primeira classe. Não há mulher que passe ali sem ser interpelada por ele, excepção feita às que seguem acompanhadas! Vou acompanhando a evolução do discurso e rindo-me, silenciosamente, com as táticas de engate aplicadas.
Como uma aranha, ele também tece uma teia para apanhar as mais distraídas. Normalmente interpela-as com os nomes de familiares próximos – nomeadamente netos – e, uma vez a conversa aberta, explora todo o potencial do diálogo. É um poeta, lá está! Gaba-se, perante os amigos, do valor das palavras e a maneira como as usa. Ele sabe da poda…Tira selfies, que provavelmente usa no blogue de que fala, circula de maneira a flanquear as vítimas para a teia acima descrita.
E eu? Vou curtindo a vida vendo o quanto os outros a sabem curtir. Sorvo os detalhes, seja para memória futura ou para escrever sobre eles. Delicioso o momento em que um puto, ainda em carrinho de bébé, exclamou o Awwwwww mais belo que algum dia ouvi. A honestidade da criança, ainda inocente, que sabe exclamar o seu espanto perante a impossibilidade de circular junto à areia.
Gosto das nossas conversas – escondidas e reveladoras, sensuais e com abraços. Como se estivesse num confessionário e tu fosses a pessoa do outro lado (que blasfémia). Seguros que estamos é bom ouvir a renascida que estás. Hoje, enquanto falávamos, recordei as conversas de outrora, que conduziram a umas férias de sonho, sem seguimento. Foi por falta de trincas, só pode ter sido! – admitiu, perante o juíz que o condenou a abraçar-se a ele próprio, todos os dias, nos 90 dias seguintes.
Dias de celebração, dias de conversas em dia e, acima de tudo, de claridade. Os óculos escuros como proteção suprema e o humor de volta aos níveis máximos! Ahahahahah, achei piada… Dias de mergulhos rápidos e esplanadas longas. Jantaradas noite dentro e muita gargalhada. Dentro do que tem sido o confinamento eu diria que estamos com muito boa nota!
Noites de sono madrugador e de leituras mais do que prolongadas. Despertares ao mesmo tempo que o Sol aparece e o sorriso traquinas a abrir a persiana. Café curto no estómago vazio e um cigarro para despertar bem disposto. Noites longe do blogue mas perto de conversas recompensadoras. Noites, dias, minutos….belos, apenas.
Tudo começou com umas costelinhas que andavam a ser adiadas e, na primeira oportunidade possível, lá combinamos ir ao Abel. Começamos dois e o terceiro logo se uniu sendo que o quarto elemento – sem dúvida uma bússola em termos de orientação – claramente foi levado por nós, de maneira a calibrar o Norte.
A natureza não podia unir este quarteto – é sempre demasiado perigoso colocar tanto combustível num só restaurante mas a natureza já não ditava as regras e a missão “Carlsberg e costelinhas” teve início! Na verdade a missão já havia começado umas horas antes – por entre umas sonoras gargalhadas, uns mergulhos salgados e algumas cervejas.
Talvez fosse do vinho verde ou apenas pelo simples facto de estarmos bem mas a verdade é que a noite se desenrolou com muita piada. Por entre gatas, cervejas e histórias de quando éramos putos e todos vizinhos, falamos de tudo em tanto detalhe que nos ríamos com a memória dos tempos de outrora – estávamos a ser adolescentes novamente.
Com a racionalidade da vida adulta fomos desmontando histórias de então que não chegaram a histórias actuais, amores antigos e as criancices todas porque passamos. Rimos, imenso, por entre copos de água, assim que a cerveja terminou. Foi um breve caminho até casa e um sono retemperador que ainda me deu a oportunidade do banho da manhã seguido de uma volta para a cama…vidas, sem horários.
Há pessoas na vida que realmente são para recordar – 14/7/2020
Talvez tenha sido no momento em que começamos a fazer os brunches em casa – há certamente uma ligação, que já vinha da primeira casa, que nos uniu ainda mais. Ou terão sido várias e tão variadas e eu nem dei por ela…mas jamais esquecerei o vosso ar de contentamento, logo após a primeira gargalhada. Da nossa desarrumação natural, a exigir uma super limpeza semanal, ao extintor arrancado para segurar a porta. As noites em que era sempre recebido por um carinho, quando chegava a casa…ou isso ou uma cerveja e a entrada numa festa que duraria até às tantas.
Banho tomado logo pelas 8 da manhã, numa praia com 2 utentes ao longe e a aguardar a chegada de milhões que, já a sair da praia, vi chegar…senti-os, ao longe e, após o banho de mangueira, confirmei pelo trânsito que se acumulou…recolhimento na casa da Matriarca e mais um Grande Prémio a gritar impropérios aos pilotos da Ferrari – o Leclerc, desta vez! E mais um fim de semana sem a Ferrari pontuar…o desastre! Ainda bem que os rojões já tinham começado a ser digeridos e o paladar ainda estava alterado pelo bom sabor da carne. O degrau continua igual, na sua capacidade de me fazer levitar e pensar em tudo enquanto em nada penso. Um ritual que vem de 1990…por aí…o gostar daquele assento, daquela vista, daquele momento…o amor por algo tão simples quanto um bocado de cimento no que, para mim, é o sítio certo. A visão foi perdendo as macieiras mas ganhou a hortinha, um limoeiro cedeu mas uma laranjeira triunfa agora….o Fred desapareceu e deixamos de ter o cágado caçador de caracóis…os gatos vadios proliferam e são acolhidos, os pássaros pedem as migalhas do cesto do pão que, obviamente, cedo. Coisas simples de uma vivência simplesmente feliz – 12/7/2020
O Patch Adams retrata a vida de uma forma engraçada – um guião feito para o Robin Williams e tão brilhantemente interpretado por ele. A bondade como base para o sucesso, com uma facilidade enorme para quem não tem coração de pedra – nesses casos nem toda a bondade do mundo será suficiente para as mover da inacção emocional, da qual se alimentam e onde eventualmente se multiplicam.
A minha manhã foi de sonho: o mergulho matinal feito a sós, o do meio da manhã já com o descendente e o do meio da tarde também. Alimentamo-nos da soma dos mergulhos, dos banhos de mangueira e dos repastos maravilhosos da nossa nanny de sempre. Uns treinos de andebol pelo meio, o mais velho a ficar sem braço direito, uma espreitadela para ver se já há Grande Prémio ou se ainda chove…
Faltam-me calções secos, temos a casa de praia e a casa de montanha, a toalha de praia não consegue secar a tempo do dia seguinte! É um retornar aos 19 anos de idade, por aí, e a todo um ritual que durava 3 meses e era feito da mais bela rotina espinhense: praia-> casa-> praia. Terminando sempre na casa de montanha, após um banho de mangueira, expostos no solário até estarmos completamente secos.
O sangue corre-me de uma maneira tão livre que o pulsar é por mim sentido. Uma leveza absoluta de liberdade plena – como se todo o sistema circulatório houvesse sido acabado de criar e pulsasse de alegria e curiosidade, pela primeira vez. Cheiro o ar, sinto o vento na cara e fecho os olhos para o melhor curtir, ouço os ruídos ao longe e reduzo-os a uma beleza interior que crio na altura. Tenho um dicionário que transforma tudo mau em bom e só o bom é interiorizado – trata-se de uma publicação de 1 só exemplar que guardo no coração. Onde gosto mais de tudo sentir. A água estava morna! – 11/7/2020
Ainda a recuperar das mazelas gastronómicas do que agora sei ter sido uma experiência do chef, em termos de qual a quantidade de picante que o ser humano consegue aguentar! Digno de um Avillez…mas sem direito a ser publicado! Ahahahahahah Dia tão madrugador quanto recompensador. Com pequeno-almoço a ver o lago da Baía dos Porcos, deslocação ao Porto, apanhar o André e termos tempo para um cafézinho…as coisas simples e boas da vida. Claro que foi na Velasquez e claro que foi no Bom Dia…e sim, ainda me conhecem! Conhecer o Izidoro foi, sem sombra de dúvidas, o momento alto. Semelhante a um comboio de mercadorias – que apreciamos ver passar, no início, mas que se torna aborrecido porque nunca mais acaba…o Izidoro é o mais maravilhoso salsicha que eu já conheci e, em 2 minutos, roía-me a mão, no meu colo, enquanto recebia mimos na barriguinha. A cabeça dele chega à sala antes que o rabo tenha saído da cozinha…mesmo castiço…e comprido, claro está! Parabéns ao sobrinho que completou o secundário e pode agora, com toda a tranquilidade do mundo, definir o futuro. Reunidos na “nossa igreja”, defronte ao mar, ousamos mandar vir uma esperança, sob a forma de Carlsberg…é verdinha! Rimos da vida, das danças ousadas do residente, das músicas e das indumentárias, do ruído das ondas, do silêncio nos céus. Lanchamos, vimos os adolescentes a regressar a casa, as bolas a bater no chão e as colunas bluetooth a bombar. Um agradável passeio de volta até casa e de volta ao confinamento. Umas boas gargalhadas, com uma comédia idiota, e umas 5 horas de sono até me apetecer escrever estas bacoradas. Deitar cedo e cedo erguer… Abraçando a alegria – 7/7/2020
Talvez fosse da humidade da manhã ou hábitos antigos, que a memória traiçoeira teima em recordar. Talvez fosse o efeito de uma noite demasiado dormida ou apenas o alegre despertar pelo seu amor. Talvez tivesse sido o desafio para um mergulho ou a ansiedade com que ele esperava esse mesmo convite. Fosse o que fosse a verdade é que a noite havia sido dos melhores sonos das últimas décadas: absolutamente alheado de tudo, de cérebro praticamente vegetando e, a parte que não vegetava, produzia um ruído branco que me mantinha ainda mais reconfortado no sono. Foi belo… A tarde, feita a dois tempos, passada na sede da confraria, foi um misto de recordações e planos de futuro. Ninguém abordou o presente e eu, que sou mais de aprender do que de tentar ensinar, escutava os diálogos cruzados que iam sendo criados. Desta vez não havia o lobby anti lacticínios – chegou um pouco mais tarde – pelo que conversa se centrava mais em desprezar a carga horária quase nula que um dos presentes tem. A nossa gargalhada – que só existe com o acordo dele e a nossa convicção – é um grito grupal, talvez até tribal, mas que expressa o sentimento de grupo quando o assunto divaga para a relativa carga horária do sujeito. Uma espécie de diálogos vazios em que as palavras são mais importantes do que o contexto. Uma espécie de querer estar ao invés de estar contra o estar presente.
O mergulho foi dado antes das 13 e mesmo a tempo de chegar a horas ao almoço. A segunda parte da tarde envolveu o lanche e umas Carlsberg que são sempre a loura ideal para nos satisfazer, mesmo que sejam madeixas!!!! Ahahahahahahah, rio-me porque outrora fui “condenado” por uma ex-namorada a só ter relacionamentos com cabelos com madeixas mas, quis o destino, que tal nunca tenha acontecido…bem pelo contrário!!!! #ruivasaopoder
O sono já faz dos meus olhos algo pesado e começo a ceder ao cansaço do dia. O adolescente tem muito mais pujança do que eu pelo que, lá para Dezembro, devo estar em forma! Depois informo de que ano!!!! Ahahahahahah
Os sinais talvez fossem evidentes mas o facto dos dias serem cinzentos era algo que não o atingia enquanto ser não daltónico. Ávido de cor, desde tenra idade, praticava pequenos exercícios mentais, brincando com a troca de cores nos elementos da natureza que ia encontrando – como que armado em artista paisagístico – questionava-se mentalmente qual a melhor cor que se aplicaria ao elemento em questão. Não que pretendesse desafiar a Natureza – ser supremo que ele ama e respeita – mas tão só e apenas para exercitar a mente em tempos de paragem do mundo.
Trincando mais uma cereja – que sabe que vai afectar o seu tracto digestivo – pergunta-se se a mesma não seria muito mais atraente em amarelo, tipo banana a amadurecer, e, ciente da parvoíce, saboreia a maravilhosa cereja – é doce, era de um vermelho muito intenso e, muito provavelmente, já atravessou o esfíncter para o estómago! O sorriso parvo como sinónimo de um ser livre, despreocupado e de bem com a vida. Como o meme do rapaz sentado no cais a ver o pôr do Sol…
Manhã cedo depositado no canto norte da sede do partido, a tomar o pequeno-almoço, na companhia de um casal de pombas que, agressivamente, procuram o café da manhã delas. O pão serrano a dar luta aos dentes e um belo café a acompanhar. Ao longe há pranchas na água, cercadas pelo nevoeiro da manhã que só levantará quando o vento mudar – numa espécie de metáfora da vida.
O vento muda para norte, a temperatura estabiliza nos 17 e o nevoeiro começa a dissipar….está na hora de ir preparar o almoço! A ficção da vida só pode ser um sonho a ser realizado – 25/6/2020
Mas que grande noite de sono…uma espécie de adormecer e acompanhar vários fusos horários a darem-me sempre um pouco mais de noite. Foi como um hino ao descanso, como ver o fictício ser ainda na manjedoura a brincar com um unicórnio de peluche e a questionar a sua existência. O Hino da Liberdade dos sonos, atrever-me-ia a dizer…porque ando atrevido, na arte de descansar e cedo vaguear.
Há mais encanto na cidade bocejante. Uma série de autómatos, movidos a cafeína, outros a imitarem o Carlos Lopes, as peixeiras que enobrecem a cidade com os gritos que nos confortam e fortalecem a nossa naturalidade “É do NOSSO mar!” As esplanadas a serem limpas e montadas, os primeiros cumprimentos ainda pouco audíveis e mais semelhantes à linguagem gestual.
É um bocejo completamente livre, sem autoritarismos de qualquer espécie, um cumprimento à boa educação que, pela manhã cedo, ainda prevalece. Tudo parece novo, virgem, terra e mar em constante movimento e um mar do mais verde que vi em algumas décadas de vida. Quase sentimos a rotação da Terra – tal o tempo que demora o despertar – e, ao sentirmos o movimento, mais não fazemos do que sorrir perante um planeta que nos surpreende…sempre que estivermos dispostos a ser surpreendidos.
Faz hoje exactamente um ano que cheguei ao Rio de Janeiro com uma mochila e o multibanco. Desde o maravilhoso hotel em frente ao mar de Copacabana até à despedida de Rio Grande do Sul foram dias de lágrimas de alegria. O casamento da Nathália e do Gabriel foi o ponto alto da viagem – só eles, naquela altura, me poderiam fazer mover como fizeram! – com que facilidade o fizeram e com que luxo me receberam.
Da primeira noite no Rio, de bunda sentada na água e a beber uma caipirinha até à partida de Porto Alegre, fui estragado com mimos. Duas famílias insuperáveis, lindas na forma de distribuir afectos e carinhos, sempre atentos a qualquer detalhe que, maioritariamente, eu nem chegava a ver – tal a prontidão com que tudo era resolvido. Noites muito curtidas e mal dormidas, banhos de piscina a horas indecentes, gargalhadas de todos os feitios e duração, sertanejo do vizinho logo pela manhã! Conheci um pouquinho de Minas Gerais (que é cerca de 8 vezes maior do que Portugal), de Belo Horizonte a Governador Valadares – da Rua do Amendoim ao miradouro de Belo Horizonte, de Governador Valadares até ao topo do Pico Da Ibituruna. Esquadrinhamos o Bar do Fred, a Ilha, o centro…não ficou muito por conhecer! Andamos de Uber e conhecemos o mais louco Felipe do mundo e o primo dele, andamos de jipe e íamos comprar tabaco Paraguaio à estação de autocarros. Tudo funciona com uma organização que, apesar de não se ver, faz do grande Brasil um destino sempre apetecível.
Partindo de Minas Gerais fui conhecer o Rio Grande do Sul. E, se já tinha reparado que os seus habitantes gostam de churrasco, nada me havia preparado para uma semana do melhor churrasco e frango palha. Com um bacalhau feito por um Português, entre churrascos, reunimo-nos todos no Portu’s Valle – Delícias Portuguesas e ouvi falar um Portuense bem achado no Rio Grande do Sul. Fui a um jantar da confraria dos médicos do Grêmio, o Gabriel organizou uma churrascada para umas 30 pessoas e vimos o Brasil-Argentina, por entre bocados de carne deliciosa e Brahma….muita e estupidamente gelada! Conheci o grupo de amigos do Gabriel e vi-o regressar ao futebol com a alegria de um miúdo que descobre uma bola de futebol pela primeira vez. Também aqui a partida foi difícil já que o carinho que vinha a receber desde o início era demasiado para mim.
Foi demasiado bom para eu poder contar todos os detalhes mas, acima de tudo, não me lembro de nenhum detalhe da viagem em que não estivesse profundamente feliz. Fosse antes do casamento, fosse a aterrar no Santos Dumont (o mais belo afunilamento para aterrar), fosse sozinho, ou em grupo, eu estava profundamente feliz. Era uma viagem totalmente definida por mim, sem voo de volta marcado e com um desejo profundo de conhecer o máximo! Nunca na vida havia chorado tantas vezes seguidas de alegria e eu sabia que tal era possível mas simplesmente nunca o havia vivido. O Brasil e a Argentina mostraram-me bem o que é o afecto, o amor, o toque, o carinho. Passei duas horas numa esplanada de Buenos Aires a simplesmente observar as interações entre Argentinos e ainda hoje, quando me apetece sorrir, basta relembrar esse momento.
Quando as pessoas estão a dormir nós, enquanto observadores, devemos respeitar esse sono e não incomodar – a menos que o sonho que idealizamos seja razão mais do que suficiente para arrancar a vítima do seu descanso. Infelizmente há muitos anzóis colocados na linha dos sonhos e os “peixes” que ousam sonhar, por vezes, deixam-se levar pelo engodo e, imitando os seus primos terrenos, mordem o anzol. Há os mais fortes, mais sortudos, mais ágeis e os que, numa soma de todas essas virtudes, conseguem libertar-se do anzol mas outros, mais curiosos em saber que bicho é aquele na ponta daquela coisa brilhante, são agarrados pelo metal retorcido sem dó ou piedade! Uma questão de curiosidade fatal – bom título para um filme – em que o simples querer saber mais do peixe se transforma na refeição do pescador. A perversão de tudo o que nos é ensinado: que devemos sempre seguir, com curiosidade, aquilo que desperta em nós esse sentimento! Enquanto agarrado ao anzol, o peixe só pensa em libertar-se! Constata o erro, assim que morde a curiosidade e começa um bailado desenfreado pela vida! Mas, nesta luta entre a natureza e o ser humano, as probabilidades do peixe são muito baixas – nem um 60/40 é, quase que o equivalente a alguém dar call a uma bet de 4BB’s com Ax na esperança de ver um A bater no flop e, mesmo após o A não ter batido, continuar a cobrir as apostas do adversário até perder as fichas todas. Há peixes que, mercê de um bailado que deve ser ensinado no Bolshoi dos peixes, conseguem libertar-se e outros que, para gáudio de todos nós que gostamos de peixe, não conseguem. Dependendo do baile que dão, os peixes poderão ou não sobreviver. Eventualmente até haverá peixes que, com um sorriso entre guelras, saltam de boca aberta para o anzol mas não me parece que esse seja o comportamento maioritário e, certamente, não será o que o pescador espera quando, de manhã cedo, parte para a pesca.
Os linguados, esse sim, têm uma boa vida. A virar-se de frente ou costas – conforme estão na rocha ou areia – são os camaleões do fundo do mar. Certamente sabem o quão saborosos são e daí a atitude de dupla personalidade, conforme frequentam a areia ou as rochas. Com sorte, muita sorte, qualquer um de nós pode mergulhar uma mão na areia e, apertando forte, sacar um linguado mas, o que se passa a seguir é que conta: levo o linguado e como-o ou finjo não ter força para apertar e solto-o? É nessa inércia de falta de aperto que se resume todo um dia de pesca! Quem disse que o assunto era pesca? – 5/6/2020
Os indícios apontavam para que fosse mas as provas inicialmente recolhidas eram inconclusivas. Armado do seu estojo, o médico forense, a olho nú, logo detectou a mentira mas, o olho treinado do detective não o tinha conseguido fazer. Debruçou-se sobre o corpo e, após um curtíssimo exame, retirou cerca de umas 30 respostas negativas, todas consecutivas, com adiamentos ou um pelo encravado no cóccix, havia de tudo. O detective havia caído na maior mentira da sua carreira – num estratagema digno de um Ocean’s 20 – e interiorizava agora tudo, muito lentamente, cada pisadela, cada nódoa negra, cada agressão…o corpo mostrava todas as provas.
Cambaleou perante a verdade dos factos e, olhando para o seu distintivo e revólver, decidiu ali pedir a demissão. O génio maquiavélico era demasiado e, embora já tivesse uma longa carreira, nada o havia preparado para esta Broadway de malvadez. O requinte, os passos repetidos exactamente da mesma forma, as frases utilizadas apenas com ligeiras alterações mas sempre, mesmo sempre, com um adiamento…até ao pêlo no cóccix! Usando-se do argumento “sei o que o irrita logo vou repetir vezes sem conta” estava bem patente no corpo e, numa análise detalhada, todos os pontos necessários haviam sido pressionados. Passou na esquadra, entregou o distintivo e arma e prometeu, a si mesmo e acima de qualquer pessoa, que jamais enfrentaria uma situação semelhante. Uma ocupação de tempos livres, em tempo de verão, não estava nos seus planos! Não iria novamente sofrer as agruras de um patrão que começou como amigo e terminou a época como a pessoa mais malvada que havia conhecido…até então.
O meu 25 de Abril de 1974 foi, no mínimo, estranho. Lembro-me que havia pessoas a horas que não eram normais e umas caras sorridentes mas tensas. Havia 22 degraus até ao cimo das escadas que davam directamente para uma sala enorme – com uma pequena varanda à direita e 3 janelas distribuídas pelo lado esquerdo. No canto direito da sala era a porta do quarto do meu irmão. Naquela sala jogamos futebol, brincamos de mil e uma maneiras e feitios e, de olho sempre colocado no que a varanda deixava ver do exterior, atento aos amigos que iam aparecendo na rua. Foram muito bons os tempos passados naquela casa e guardo as melhores recordações de tudo. Até dos hamsters que fugiram e devem ter constituído família pois andavam indiscretamente por todo o lado. As manhãs passadas nas escadas de trás – para evitar o calor, as correrias pelas escadas abaixo – ao encontro dos vizinhos amigos, para jogar matrecos, para andar de bicicleta. A casa foi perdendo o seu brilho e definitivamente uma decisão precisava ser tomada: entre a aposta em algo que nitidamente precisava de uma intervenção ou a compra de uma nova.
A nova casa foi sendo construída e o humilde narrador visitava-a amiúde – com que tentando ver para além do que já estava construído. O arquitecto colocou as mãos à obra e a casa ficou completa num curto espaço de tempo. A procura do ponto de água, a placa, os pilares, mais placa, mais pilares, mais placa…e, com a convicção de todos, o novo edifício surgiu e ainda assim, o estúpido humilde narrador, quis visitar a casa antiga – num assomo pouco inteligente de saudade e amor – apenas para constatar que as renovações eram mesmo fundamentais.
Vive hoje na nova casa, de braços bem abertos a quem ama. Deve ser do signo…é pouco dado a contornos nas palavras e mais dado a acções – mais frontais e não tão bem desenhadas. Numa coisa a casa antiga tinha razão…são só palavras. Em três frases, caso eu desse a palavra à casa antiga, aposto que só falaria de si própria…
Era um rio sem afluentes, com duas belas margens dos mais belos socalcos de vinha. Corria para o mar como se a sua vida dependesse disso e, sem se importunar com obstáculos, cultivava desgaste físico das rochas do leito por força da convicção com que sabia que o encontro salgado seria o pico de uma vida sentimental. O racionalismo da corrida para jusante era totalmente suportado pelo emocionante palpitar do coração do rio. Os peixes fazendo jogos com os seixos dos rios, os inertes a darem algumas dores de cabeça ao normal fluxo de água mas, perante tal força da natureza, quem ousava detê-lo? Nas margens o povo sentava-se perante o movimento constante das águas e, maravilhado pela obra da natureza, contemplavam-na num recarregar constante das baterias da vida mas igualmente num espairecer de vazio completo racional em que simplesmente levitamos no mais belo momento de repouso.
Os esquilos tomavam o seu banho, deliciando-se com a facilidade com que detinham um pouco de água e se molhavam, num movimento repetido vezes suficientes para penetrar na espessa camada de pelo. Alguns, os que frequentam bairros de alta sociedade, habituados a saber desviar-se do eventual Mustang que circula entre STOP’s, um pouco mais desenvolvidos do que os ágeis diários da natureza que, sem as benesses de uma vida mais desafogada, mostram um corpo mais musculado, fruto da luta constante pela sobrevivência e pelo cortejo constante de uma vida selvagem! Rodeados de abelhas que, aproveitando o spray da água, se deliciam com banhos que possuem tanto de delicado como de delicioso para elas. Um coyote vem caminhando para montante e fica parado a observar toda a cena. Armado em intelectual da floresta o animal parece esboçar um sorriso perante o quadro com que se depara. Nas alturas, sobrevoando todo o cenário, o condor também usufrui do spray da água, numa proporção inferior por força da altitude, mas tão recompensadora quanto o sentimento dos restantes colegas de margem; dá um ou outro grito de alegria, como se de um vegetariano se tratasse, numa convenção de mudos. É saudado pelos olhares dos animais presentes que o contemplam com respeito.
A entrada do rio no mar, semelhante apenas à entrada da zaragatoa na narina, é um primeiro encontro extremamente emocional: como o adolescente que, receoso da sua inexperiência, apesar de estar a trocar mimos com a futura cara metade (ele ainda não sabe mas nós sabemos), sente um frio receoso na espinha antes de dirigir os seus lábios aos dela. Como se fosse uma chegada internacional, dos antípodas daquele local, e a saudade conduzisse todo o processo – dos olhos fixados nas chegadas até à chegada dos lábios de ambos. Ao vigor do rio a entrar no mar associa-se o imaginário som de uma massagem cremosa após um fim de tarde a ser intencionalmente queimado pelo grande Sol. Um abraço tão extenso e duradouro que rapidamente os corpos se confundem e, fundidos num verdadeiro abraço alfa – não autoproclamado mas aplaudido pelos restantes espectadores e assim legítimo, confundem-se agora num só tão apaixonado que sorriem perante todos os que os rodeiam. Ouve-se uma onda e sente-se que se acariciam, ali perante todos, no mais belo atentado ao pudor capaz de ser presenciado pelo ser humano.
Senti que cheguei e me calcaste os pés para melhor me beijares – e que grande altura ganhaste com esse detalhe – num ajuste de lábios como só nós conseguimos afinar – ao ponto de só querermos que o beijo não terminasse. Semelhante aquele abraço de outrora que, sem palavras, disse tudo e nos permitiu a chegada ao novo mês. Apesar de todas as pessoas à nossa volta, nós sempre fomos desavergonhados ao ponto de querermos estar sempre perto…muito muito perto – tentando nunca ofender quem passava…
Talvez estivéssemos num cinema ou no cimo de um monte, talvez eu estivesse a aprender a guiar com caixa automática ou seria tudo manual? A verdade é que o monte havia sido escalado sem dificuldade – inclusive, quiçá, permitindo uma pausa até para o cigarro do humilde narrador, mas a verdade é que a única coisa que verdadeiramente nos interessava era estarmos perto, muito perto.
A imaginação diz-me que somos ambos doutorados em comunicação enquanto de mãos dadas o que, traduzido, é sempre…talvez geridos pela regra de nunca nos deitarmos chateados e não cumprirmos, para propositadamente o podermos fazer na manhã seguinte. Provavelmente jogamos poker para que assim pudesses ter a certeza se era amor e eu, “infelizmente” ganhei! (Maldito provérbio…que nunca deixamos que se concretizasse).
Eventualmente terei ameaçado fazer a mala e largar tudo para, no segundo seguinte, abraçar-te até termos um aroma comum…o nosso! Talvez tenhamos reconfigurado a decoração, para a tornar mais funcional, e nos tivéssemos presenteado com a melhor esplanada, perto de casa, para um maravilhoso café! Talvez eu me sentisse local, embora não o fosse, e deambulasse por todo o lado sem receios, graças às indicações dadas.
Talvez reclamasses do pequeno-almoço na cama – porque te acordava – ou, eventualmente, até tenhas ficado satisfeita. E, na eventualidade de até já estares desperta, aquele telefonema de bom dia que tanto amacia o meu coração que, apesar de não ter 5G, se sente a banda mais larga do mundo quando o teu nome surge no ecrã do telemóvel que toca.
Era um mundo de interrogações e ele só se lembrava da Filosofia do 12º ano e de como havia deixado a cadeira para, em Setembro, triunfar!
Devaneio próximo de uma tempestade! Venha a bonança. – 13/5/2020
Não vos dá a impressão que o nosso planeta, de alguma maneira, está a respirar fundo? O mar tem um verde maravilhoso, o azul do céu parece mais moderado, os pássaros já só lhes falta entrarem pela janela e virem conversar connosco. Ontem o céu deu uns brutais “arrotos”, sob a forma de uns trovões diferentes do habitual, mas sempre a intimidar; hoje revela nuvens de um branco bem limpo, de um cinzento bem claro, de um cinzento escuro bem definido, lá para os lados de Anta. Ora está calor ora está frio, a lembrar a Grécia, durante o Verão, quando as tempestades aparecem para refrescar o mês diabólico de mínimas de 32 graus….nós temos a versão “light”!
Sinto que estamos na maior aula de sociologia de que há memória e ninguém pode chumbar, sob pena de morte. O estímulo não parece ser suficiente para todos, eu inclusive, porque a veia Espinhense atrai-nos muito para a beira-mar, para a nossa praia. Temos que estar mais atentos à professora, de modo a “beber” as palavras de quem tem mais experiência no estudo do quotidiano, da sociedade e das suas interações de modo a adquirirmos as rotinas necessárias para viver (ou sobreviver, porque não conhecemos o mundo de amanhã!)
Há mais gente sã a falar sozinha nas ruas, há cumprimentos a desconhecidos e de desconhecidos, há a pseudo vénia, quando alguém se afasta de nós e nós vamos fazendo o mesmo…Todo um novo protocolo de gestão de emoções em que, todos juntos sem o estar, nos vamos habituando a esta nova vida – como se estivéssemos a cultivar a terra, pela primeira vez na história da humanidade, fazendo experiências até uma colheita com sucesso!
Com jeitinho, e juntando algum lirismo à “coisa”, até pode ser que este venha a ser o passo mais significativo da história da humanidade! Que tudo o que nos falta agora possa ser celebrado, um dia, com quem mais o desejamos! Com um dedilhar muito lento, com um sorriso grandioso, num diálogo sem palavras e tão só e apenas com emoções!
Até lá….sonhamos! – Devaneios sonhados do dia 11 de Maio de 2020
Sempre, mas mesmo sempre, tive receio de me aproximar de ti mas, no ano em que me permitiste que o silêncio cessasse, lá estava eu. Foste a maior ilusão e desilusão de 2019 mas…eu não estava preparado. Hoje, se me perguntarem, sou um homem mais regrado em tudo graças a ti mas, o mérito que te devo, é mau porque advém de uma mentira que nunca existiu.
Da imaturidade da adolescência até à idade adulta convenci-me que me tinha tornado adulto e, rodeado de ferramentas que os adultos usam, eu fui batalhar e julguei haver ganho. Mas, do amo-te ao não sei quem és vai um passo muito pequeno e, muito embora saiba assumir as ideias dos meus pecados, sei – acima de tudo – perceber demasiado bem, quais são os pecados não admitidos de outrem.
A falta de tempo, no amor e para quem realmente ama, é o maior valor que se apresenta na mesa da paixão! É simples, para quem não sente a disponibilidade, abdicar de um amor de uma vida. Com uma facilidade tão grande quanto seria o sarilho de aturar todas as vicissitudes inerentes a alguém que nem sequer sabe dominar a arte de esconder….
Não nasci para aventuras mas sim para amar e batalharei sempre para que assim seja!
Um conselho de ex-amigo? Aprende a amar e a saber reconhecer o amor e serás feliz!
Deixei de fazer a barba e cortar o cabelo assemelha-se a tarefa impossível – nunca desejei tanto estar no dia em que fui rapar o cabelo para ir para a Marinha! Afinal não fui para Marinha nenhuma (excesso de contingente) e ainda estive na Roda da Sorte com o couro cabeludo à mostra! Vicissitudes da vida…
Nutro muito mais empatia por este outro eu – ar de vagabundo, bem cheiroso com o banho acabado de tomar, sentado a escrevinhar junto à janela da cozinha, de café em café até ao café final….Hoje coloquei um perfume….somente para dar aquela sensação que vou sociabilizar e vai ser um dia normal…uma piada que faço amiúde comigo mesmo! Rimo-nos os dois e o dia corre melhor… Com um bom Casablanca planeado para a tarde, um resto de arroz de polvo e muito café…nada faltará para que o sábado seja o dia mais alegre da semana! É sábado, não é? Começo a pensar entregar-me nas mãos de alguém que detenha a propriedade de uma qualquer serrilha capilar, com a medida 6, e que se apresente para tal tarefa em tempos invulgares!…caso não arranje vaga na segunda-feira! Faço figas para não agredir nenhum careca que esteja nitidamente deslocado num cabeleireiro que, por ora, tem que ser pertença dos cabeludos! Já viram imagens daquele oceano de plástico que existe no Pacífico? É algo idêntico, em termos de cabelos, o que nos espera, se as prioridades não forem atendidas!!!! Como a positividade não é algo que procuremos – em tempos de pandemia – proponho um brinde a nós – pela resiliência e disciplina que temos mostrado! Fica a fotografia de outrora, para animar as hostes! Bom fim de semana!
Era longo o caminho a percorrer e o facto do pé direito estar ligeiramente indisposto não constituíam o maior dos incentivos. A encomenda do monstro de 8 tentáculos estava feita e era necessário quase atravessar a cidade para lá chegar – o exagero advém do recolhimento…qualquer caminhada constitui um desafio de planeamento cuidado, verificação de todo o equipamento e um estado moral superior.
O traje – constituído por uns calções de banho com cerca de 11 anos, uma tshirt a provocar os vegetarianos e umas havaianas compradas no Rio, por 22 Reais! Talvez levasse um ligeiro casaco azul, por cima da tshirt, uma vez que os vegetarianos têm sempre algo a dizer, e eu estava com alguma pressa mas sem ritmo a acompanhar, pelo que as medidas de segurança adicionais impunham-se! (só as vegetarianas podem levar isto a peito!). Uns óculos escuros do século passado completavam a indumentária.
Delineado o percurso menos acidentado, por causa do tal pé direito com vontade própria, decidi fazer o percurso designado “Avós”, que me permite passar pela antiga casa dos meus avós! Percorrida a rua 18, a um passo em que julgo ter visto caracóis a rirem-se, decidi-me pela 23 para passar no multibanco da 20. Descoberto que o cartão multibanco está partido (JP: sff mandas vir outro? Obrigado.), decidi tentar o multibanco da caixa de crédito que, maravilhosamente, me cedeu a quantia pretendida. O grande Neves avistava-se ao longe e eu, que ainda não perdi o olfacto, senti o querer aquele arroz de polvo….cheirei-o e quase lhe consegui tocar…chamem-me o que quiserem mas há decididamente algo de errado na mente humana quando se trata de comida!!! Protegidos e já cumprimentados, lá fomos ( entretanto haviam chegado mais 2 clientes) confirmando as encomendas e aguardando. Como se de um salto no tempo se tratasse, tínhamos as encomendas na mão e, após as despedidas, lá veio o humilde narrador para casa.
Sem ter qualquer ideia de por onde regressar, fui arrastando o exausto pé direito até casa onde se encontra agora ao alto – como todos nós… 🙂 Os filetes colocados no prato, o arroz por cima, um toque de limão no conjunto e é ver o humilde narrador a dialogar com os dentes sem que o interlocutor possa sequer pensar em levantar um dos tentáculos…
O café e cigarrinho na janela, observando o dia nublado mas agradável, orientam a digestão enquanto um trago de Super-Bock relembra o mar. A mente vagueia…
As ruas continuam apinhadas de pombas, gaivotas e outras aves que, ao contrário de outros tempos, agora se aproximam com uns olhos que parecem pedir uma migalha ou outra. Seguro os 2 pães e viro as migalhas do interior do saco para o chão – não se trata de poluir mas sim de anuir à vontade daqueles olhinhos esfomeados com que as aves mexem com os nossos sentimentos. Reúnem-se aos meus pés e, entre olhares para o gajo alto que virou o saco e as migalhas que vão desaparecendo eu facilmente noto que só fui olhado uma vez…Há uma luta desigual, ainda sem a presença de gaivotas, que é terminada precisamente pela chegada dessas aves de maior envergadura que espantam tudo e todos com as asas bem abertas.
Como vim por um caminho novo – fui dar uma volta mais a sul para que a caminhada fosse maior – sou obrigado a passar por passadeiras onde não costumo passar e, por instinto, paro em cada uma delas para ver se vem algum carro que me possa colocar em contacto com o além, antes da hora programada. Seguro de poder atravessar, de sacos de pão na mão e café na outra, sou ultrapassado por alguém mais acordado do que eu que, qual Português, não passa sem deixar o seu superior conselho: – nestas alturas ninguém para nas passadeiras! Observo-o, enquanto me ultrapassa e aproveito para beber mais um trago do meu café, sim…em plena passadeira e aproveitando a deixa dada pelo transeunte apressado. Um pouco mais acordado resolvi ir tomar o pequeno-almoço à praia…que, neste momento, é só minha!
Armado em gringo – vestido e calçado – entrei na praia pela rua 33 e fui andando para norte e recordando todos os bons momentos já aí vividos. Será típico de um nortenho querer sempre caminhar para norte? Se viver no Polo Norte está lixado…Sentado em frente às escadas da rua 27 espreito o saco de papel da padaria e sinto um pão quente pronto a ser devorado…cadê o recheio? Foi mesmo assim, sem recheio e seguido de um queque em que a maior dificuldade foi conseguir apanhar as várias uvas passas! O estómago agradeceu, pediu um café que aqui não há mas o cigarro ajuda a compôr a digestão. Nadegueiro já ligeiramente arrefecido pela areia – ainda um pouco humedecida da maré e da humidade nocturna, estómago sem roncos ou quaisquer outros sons que pronunciem algo urgente a tratar, pernas a temerem o caminho de volta pois pensam que será uma grande caminhada.
Com uma imensidão de tempo disponível, mas com uma agenda agora totalmente vocacionada para trabalhar fora deste país, faço 4 horas de trabalho matinal na procura de novos lugares, novos países, novas pessoas. Respondo a emails, entrevistas e telefonemas e aceito todo e qualquer país, desde que não esteja em guerra ou muito mal servido de serviços médicos! Conhecimento como prioridade face ao monetário – e aí, em termos de aprendizagem – a Grécia é sempre o primeiro destino onde quero estar, viver e morrer. É sempre melhor começar de novo, algo 100% novo, do que estar a perder forças e tempo (essa medida das nossas vidas que não sabemos quanto dura) com multidões que não se encaixam minimamente quer nas expectativas quer na realidade que queres construir. Saber ter força para construir sozinho o futuro que desejas, com quem desejas e onde desejas! Eis o teu ano de 2020 em síntese.
Podia ter falado de coelhinhos mas…prefiro a realidade! – 12/4/2020
Madrugar tem tido, por estes dias – que não sabemos como são, que vamos conhecendo e aos quais nos vamos adaptando – inúmeras vantagens. O poder vadiar, durante cerca de 15 minutos mesmo antes da cidade acordar, e sentir aquele pulsar típico de quem desperta de um sono pesado para mais um dia. Os pássaros já não se limitam a árvores e telhados e são agora espectadores habituais nos degraus das portas das casa, prédios e lojas. Parecem olhar-me como os animais nos olham no Kruger Park – questionando-se: este será dos humanos de outrora? Saberá dirigir aqueles ruidosos cavalos de metal? Será que amanhã chove? Toda uma série de questões existenciais só mesmo ao nível de pássaros em que a imaginação pode, literalmente, voar!
Ao início da tarde começam a chegar uns gringos para almoçar na vizinhança: o BM com estofos de pele, a buzinadela desde as 3 esquinas anteriores, a indumentária da comunhão, os gritos aos familiares que moram a 100 metros de distância – típicos “red flags”! Não consigo perceber que parte do recolhimento é que eles não entendem e preocupa-me porque moro cercado de concelhos altamente infectados. As vizinhas apanham-me na janela, a meio do terceiro café da manhã, e dizem-me que, a partir de amanhã, abrem uma banca de legumes frescos e caseiros! Entabulamos um diálogo de poucos minutos, a filha juntou-se ao diálogo e eu, face a uma promessa de vagens frescas, imediatamente me comprometi a ser o primeiro cliente dessa banca de legumes. No final, a senhora mais velha agradece-me o diálogo – obrigado por este bocadinho diferente – e recolhe-se na casa de onde a filha sai para limpar os estores, por fora! – estão sempre ambas acometidas de uma velocidade que nem nos filmes da Velocidade Furiosa. Estas duas mulheres, uma nos seus 90’s e outra nos seus 70’s, são de chorar a rir…
E o dia tem sido assim….primeiro a natureza deu-me a mão e eu, pelos vistos e com um pequeno diálogo, dei a mão a outrém. Que nunca nos faltem mãos para dar ou vontade sincera de o fazer.
Agora que os scones sem tempo estão mal digeridos, eis o humilde autor diante da sertã, com as raspas de bacon prontas a fritar na gordura delas próprias, enquanto bate bem os ovos. As torradas estão a aquecer, o bacon fica pronto, o ovo entra e, bem mexido, misturam-se as raspas de bacon. As torradas ficam prontas, uma leve passagem de manteiga, colocadas no prato e prontas a levar com a mixórdia de ovos mexidos com bacon. Os espargos estão a dourar um pouco e, dentro de segundos, o brunch estará pronto. Há sumo de limão ou de laranja para acompanhar – os citrinos ao serviço da digestão de repastos mais difíceis. Um regresso à ilha porque a meteorologia está muito igual…para melhor, mesmo assim!
Ao som do Underdog, dos Kasabian, e após ouvir o Claudio Ranieri dizer que, no balneário e antes dos jogos, dizia sempre aos jogadores “Somos o Underdog, não temos nada a perder” e…ganharam o campeonato – vou transformando o brunch em bolo alimentar enquanto sorrio com o diálogo dos meus vizinhos velhotes que, dia após dia, se degladiam em palavras más que mais não conseguem demonstrar o amor de ambos…curiosa maneira de demonstrar amor!
Hoje passei pelos açambarcadores – essa raça organizada, sem clube pelo qual lute excepto pelo alargamento do próprio umbigo – e lá tive que comentar com o já habitual “um lanchezinho para a ceia?” face a 6 carrinhos cheios a deitar por fora que mais pareciam dirigidos ao Ministério da Defesa Nacional do que propriamente a uma família…e estão cá todos os dias! Desejo que se confundam completamente nas contas e tenham que congelar papel higiénico ou fantasiarem-se de múmias até ao século XXII e que, a partir daí, possam usar as máscaras e E.P.P. para se fantasiarem de enfermeiros ou médicos até ao século seguinte! (desculpem o desabafo, estava atravessada)!
Os cafés na janela são o equivalente ao curto em chávena fria do Bombar (um dia o Raúl acertará!), os cigarros fumados na janela são o mais semelhante a estar sentado na areia, bem longe de tudo e de todos, a tranquilamente curtir o cigarro enquanto o sol se põe. Por vezes recordo-me que existe uma TV mas, com antecedentes tão longos longe do aparelho, resolvo continuar a cultivar a vida de costas voltadas para a TV sem que tal signifique que vivo de costas voltadas à informação, bem pelo contrário.
Quero ver as varinas gritar “É do nosso mar!”, enquanto olho para o mar e lhe agradeço o que nos vai dando. Quero ver o sol a pôr-se enquanto bebo uma verdinha. Quero caminhar na esplanada, enquanto me desvio da multidão de gringos, como se de um videogame se tratasse. Quero sentir cada grão de areia, entre os pés, as pernas, as mãos…onde ela quiser…a chatear-me o sistema mas com um aroma a maresia que desculpa qualquer moléstia. Quero….que esta merda passe! Desabafo que era para ser matinal mas eu, que sou um gajo com tempo disponível e sem amarras, fui alargando até agora. Que gostem. – 10/4/2020
Após 2 semanas a usufruir das entregas do Uber Eats (há uma promoção para novos clientes, em Espinho, que oferece a entrega…procurem!), o dia chegou em que fui obrigado a sair de casa se queria comer (soa a exagero, porque tenho o frigorífico cheio, mas após tanto tempo sem ver o mar….era uma obrigação). Saí, a medo e em direcção contrária ao habitual caminho para ir ao supermercado, e dei por mim a conhecer a minha cidade….novamente.
A construção civil não parou – já o havia notado aquando da saída para a compra de tabaco e constatado pelo ruído que saía da Junta de Freguesia, contei 10 pessoas (maioritariamente junto ao mar) e todos a uma distância mais do que segura! Foram os habituais 6 minutos para chegar ao Quim da Granja, pagar e trazer a vitela assada.
A volta para casa foi feita pelo mesmo caminho da ida mas já na companhia da chuva. Se de início hesitei em iniciar o percurso de regresso a casa – porque chovia – foi ao constatar que a água da chuva estava morna que iniciei o caminho de volta. Chamem-me louco – pouco me importa – mas o caminho de regresso foi todo feito de cabeça para o ar, gotas a caírem na face e eu a esboçar um sorriso imenso! Não sacudi a água uma única vez, senti a água a pingar pela minha face e sorri, cada vez mais.
Com o vírus, com tanta notícia falsa, com tanto doutorado em vírus, com tanto receio (equilibrado entre o falso e o verdadeiro)…a chuva foi a forma que a natureza teve de me equilibrar. E não só o fez como ainda me deu um gozo enorme…a segunda melhor chuvada da minha vida! A assemelhar-se ao momento em que, apesar de não gostares de scones, comes tudo como se fosse a tua última refeição…porque amas quem os fez!
Associação de momentos maravilhosos que teimavam em não voltar! – 6/4/2020
Acordei cedo, pelos meus parâmetros, e fui às compras. Havia uma fila e o comportamento foi super decente, por parte dos que esperavam. É todo um novo mundo o que existe lá fora: há pessoas, olhares desconfiados, alguns sorrisos e, acima de tudo, demoramos uns valentes segundos a associar quem nos cumprimenta…ao longe, claro está! Um profeta da desgraça, à porta do Pingo Doce, anunciava toda uma série de catástrofes e eu….fui tomar 3 cafés para não ter que voltar a sair.
Chegado a casa com um cesto de compras para 2 dias, muito aquém de ter esgotado qualquer produto que seja e esquecendo outros fundamentais, coloquei o “Dancing with myself”, aos altos berros e, de mini Super Bock na mão, saltei que nem um louco! Acho que a minha passagem de ano está, finalmente, celebrada! Faltou a ressaca mas eu sou um homem comedido!
Foi um almoço moderado, bem regado e segue-se uma “estimulante” sesta! A leitura seguir-se-á e ligar a TV para ver mais números alarmantes está fora de questão…antes ouvir Justin Bieber!!!! (estou a brincar, jamais o ouviria! Preferia umas sessões de Waterboarding em Guantanamo!). A sensação de muito calor no corpo que, afinal, não é mais do que o sol a bater no corpo do prisioneiro.
Ao final da tarde um passeio de alguns minutos, só para espreitar o sol, seguido de um recolhimento até ao dia seguinte. Há leitura suficiente, há música suficiente e há comida para uns snacks valentes e umas refeições bem para além de modestas. Tenho visões de pratos muito bem confecionados (babo-me com o pensamento), de colesterol elevado e o estómago enche-se de pensamentos eróticos em relação ao que vai digerir a seguir.
Disse-me o senhor do café que as pessoas que lá passam estão a começar a perder a paciência ao que eu respondi que mais vale isso do que perder a vida! Contundente, bem sei, mas os tempos não são de facilidades mas sim de dificuldades.
Força aí! Todos juntos nesta odisseia não programada mas que certamente todos iremos superar!
Saindo da turbulência, mas ainda sentindo o avião a abanar, as asas do Dreamliner estavam agora a recuperar a posição dinâmica em que se encontravam antes do percalço meteorológico.
Aquela nuvem não estava nos planos – o que raramente acontece hoje em dia, dada a enorme quantidade de aplicações disponíveis – mas o imponderável fazia parte da viagem e, lenta mas seguramente, voltamos ao usufruto da jet stream que nos empurrava para o destino.
A minha mão sentia a tua unha cravada na minha carne mas, como acima de tudo estamos nós, nem um pio ouviste da minha parte. Apertei-te o cinto um pouco mais e adormeceste no meu ombro – o sorriso traquinas bem pronunciado (como se consegue dormir assim?), os olhos amorosamente bem abertos e completamente rendidos e nós os dois ainda vivos!
Sempre soubemos que qualquer viagem tem percalços – sejam eles causados por nós, pelas companhias envolvidas ou terceiros que prestam serviços a algum dos envolvidos – mas havíamos combinado que o respeito mútuo seria sempre algo que nunca nos faltaria.
O avião voa, está em piloto automático e as coordenadas inseridas no sistema, com a beleza e facilidade que os computadores de bordo proporcionam. A Comandante és tu e eu não passo de um co-piloto, com largas horas de experiência no Flight Simulator – sempre como controlador de tráfego aéreo – aguardando a hora de percorrermos a check-list e aterrarmos, sãos e salvos, num qualquer destino à nossa escolha.
Curiosamente nunca me ocorreu perguntar-te se tinhas brevet de piloto mas sempre soube confiar em quem realmente sabe estar presente na minha vida.
Os olhos estão focados nos olhos dela e, após conseguir entrar através deles, vejo os sintomas do amor presente: as pernas estão fracas, o coração está acelerado, vê-se um nervoso miudinho por todo o lado, borboletas que voam como se fizessem o mais belo dos bailados, suores frios, planos para expressões de beleza ainda mais elaborada do que a beleza que contemplamos, ideias de abraços bem apertados e sem palavras. O apetite desvaneceu e há apenas a ideia de que realmente devia estar com fome mas….não.
Ela olha-me como se conseguisse ver através de mim e eu, ciente de que talvez existam pessoas assim – Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay – defendo-me muito mal daquele olhar que me desarma. Será este olhar algo semelhante ao meu olhar para ela? Questiono-me pois sinto que agora é ele quem descortina todos os meus segredos – num download de dados feito através de uma ligação directa olhos nos olhos? Um sentimento de conforto atravessa-me o corpo – sei que, qualquer que seja o sentido daquele olhar, o meu olhar para ela não será afectado.
Ela sorri e pede desculpa pela sua beleza. Argumenta mesmo que não sabe qual a proveniência – como se de uma maldição se tratasse – e eu, sem querer saber da proveniência mas sim do desfrutar, continuei maravilhado a contemplar. Ficamos uns minutos valentes a saudar uma das belas demonstrações que a natureza nos pode dar – o pôr do sol – e, sem palavras mas entre algumas lufadas mais profundas de ar fresco, concordamos que fazia sentido as três belezas que nós somos estarem assim unidas.
Na aventura que tem sido o buscar emprego em diferentes países há detalhes que afectam sempre a tua escolha. Falhaste redondamente no passar 860 dias num ambiente dos mais agrestes que há por perto. Perguntam-se vocês se eu contei os dias? Obviamente!!!!
Se no início chegas a um país com uma vontade enorme de descobrir tudo e todos, muito rapidamente a meteorologia começa a “afectar-te” e começas a esmorecer sempre que tens que sair da casa – impecavelmente isolada – para um tempo que muito raramente tem sol. Os detalhes, que sempre tão cuidadosamente analisados, antes de partir, e andam sempre à volta de detalhes como a meteorologia, o poder de compra que posso ter e o saber qual a melhor área para habitar (perto, muito perto, do mar).
Se na Grécia o tempo só tinha 2 meses de Inverno forte então, na comparação com a Irlanda, posso dizer que nem uma semana de calor existe e, caso a mesma apareça, terá que ser atribuído a um estranho fenómeno meteorológico típico dos dias actuais. Foram 860 dias a tentar superar uma vontade enorme de largar tudo e voltar para Portugal e escolher o destino seguinte.
Um dia, porque tinha um dente que me doía, fui à dentista local e arranquei o doloroso companheiro..por EUR 180 (!)!!!! Assim que saí do dentista, e ainda entorpecido pela anestesia que havia recebido, disse para mim mesmo: se chegares à próxima esquina e seguires em frente….vais trabalhar mas, se chegares a essa mesma esquina e virares à direita, então colocas um ponto final em tudo isto.
Assim que cheguei a casa – sim, virei à direita, com um sorriso do tamanho do mundo, sem peso nenhum nos ombros – liguei para os meus colegas de casa e contei-lhes a decisão. Tratando-se de pessoas muito amigas e perspicazes, o jovem casal ainda tentou demover-me com a visita ao Brasil que se iria iniciar, daí a uns dias…mas a decisão estava tomada e a viagem ao Brasil seria o primeiro passo num merecido descanso de chuva, frio, neve, gelo, etc…
Não censuro (como poderia?) quem se aguenta na Irlanda e triunfa – são os meus heróis – mas eu não fui talhado para sofrer tanto com a meteorologia e, gradualmente, o trabalho foi-se tornando cada vez menos apetecível e, quando encurralado entre a indisposiçao de ir trabalhar ou o alento de procurar algo novo….a resposta é óbvia.
Chegado do Brasil – e assim que retornei a Cork (outra coisa irritante do país é que não há voos entre Dublin e Cork o que obriga a uma viagem de 3 horas e meia de autocarro que ainda te massacra mais) – falei com os meus colegas de casa e ficou decidido que eu partiria e outras pessoas surgiriam para ocupar a minha vaga. Correu tudo muito bem e cheguei a Espinho a 25 de Julho de 2019.
Como sempre na vida, conheces pessoas espectaculares com as quais gostarias de continuar a partilhar o teu tempo e outras com as quais não gastas um milésimo de segundo (sim, tenho que trabalhar melhor na cara hipócrita que tenho que fazer quando estou perante alguém de que não gosto). Já consigo esboçar uns sorrisos em frente ao espelho mas imediatamente sai uma gargalhada pelo facto de não ser espontâneo…antes assim! A Irlanda foi uma aventura saudável, fiquemos assim!
Havia, desde a chegada, uma data definida para começar a procurar algo novo – Janeiro de 2020 – e assim foi. As entrevistas continuam e vocês ririam muito se soubessem quais os países, quais os salários e quais as actividades a que concorro! Faço figas e estudo que nem um louco (expressão deveras apropriada) para conseguir um novo país, novas aventuras, novo conhecimento e, quase que me esquecia, um novo emprego.
Em breve certamente partirei, muito provavelmente para um país da UE, mas sempre de olho na América Latina e Central (daí dizer acima que louco é uma expressão apropriada). Não busco a riqueza do mundo mas tão só e apenas a oportunidade de visualizar algumas das maravilhas que o mundo contém! Louco? Sim, por novas aventuras, novos países, novas pessoas e, acima de tudo, a oportunidade de conhecer algo diferente!
Benditos EUR 180 que gastei na remoção do dente….aquilo andava a afectar a engrenagem da alegria!!!! 🙂
Há muito que aprendeste a ultrapassar as agruras da vida e, apesar delas, este foi realmente o melhor período de férias que alguma vez tive na vida adulta. Chegado a 1 de Setembro, depois de apanhar o metro e o comboio, subi a rua e encontrei o jovem de 12 anos e 364 dias a correr para os meus braços. Ele já havia ido 2 vezes à estação para ver se eu chegava…sem sucesso! Cheguei no terceiro comboio e o Samsung continuava sem conseguir registar-se numa rede portuguesa…incontactável!
Foi um abraço como só os pais que amam os filhos sabem dar e receber. Foi um agradecimento de um Pai a um filho por todo o esforço que ele tem colocado naquilo que é o emprego dele – os estudos – bem como na forma como tem evoluído socialmente, desportivamente e a maneira como define os seus objectivos futuros. Obviamente o jantar foi escolha dele e as pizzas do Tomate foram a escolha…culpa da menina Paula que lhe mostrou o sabor das ditas e imediatamente o colocou a fazer a sua própria pizza – não estive contigo desta vez, mas nunca és esquecida.
Adaptar-me a Espinho é algo que faço com um gosto que me sai naturalmente! Talvez não seja o que esperam de mim, mas o que eu quero…a t-shirt, as havaianas e o calção de banho são a indumentária mais utilizada! Furando por entre os “rurales” ainda conseguimos um dia de bastantes mergulhos e, com grande alegria, constato que já não fico gelado após o primeiro mergulho – está perdida a adaptação às águas Gregas e recuperada a adaptação às águas espinhenses.
Ri-me, como sempre o fiz, com o Luís Pires e chegamos à conclusão que já só faltam aproximadamente 28 meses até os Pais voltarem a dormir como outrora o fizeram. Debatemos os velhos métodos para adormecer crianças – o aspirador, o exaustor da cozinha, etc…apenas para chegar à conclusão que o rebento dele e da Henrieta consegue triunfar e não cede a métodos velhos de adormecimento.
Coloquei a conversa em dia com a Carla Lacerda e com o Ricardo Tavares e, retomando onde havíamos ficado da última vez, progredimos no conhecimento daquilo e daqueles que nos rodeiam. Muito recompensador e libertador. Bem hajam.
Passei tempos deliciosos com os meus primos, mãe, irmão, madrinha e padrinho “adoptado” e não consigo encontrar palavras suficientes para lhes agradecer. Terá que ser por acções. O Pedro a.k.a. “Careca” foi, como sempre, o impecável animador daquelas noites espinhenses que todos julgam que não vão dar em nada e.…dão sempre! Sempre com o acompanhamento do Roger Waters e alguns discos pedidos – alguns mesmo pirosos – de outrora. Vi a factura detalhada ser introduzida no Bombar e chorei à gargalhada com o detalhe a que se pode chegar!
Gosto muito da minha cidade e de um certo número de pessoas que a habitam. Muitos ainda procuram a sua vocação, mas, acima de tudo, são pessoas que sabem dar tudo em prol dessa palavra que é a amizade. São o que nos faz voltar e ter saudades. Bem hajam.
Sair no aeroporto de Dublin e encontrar o Quim Tó à espera da Mãe dele demonstrou-me que os espinhenses estão em todo o lado, mas os bons…merecem sempre um abraço!
Nunca digo adeus e, quem me conhece, sabe que me despeço com um “Até já”. É mais demonstrativo do desejo de voltar e de estar com aqueles que nos dizem tudo e eu não consegui estar com todos. Com os meus erros e uma ou outra virtude sempre estarei cá para vós. Se me esqueci de mencionar alguém foi por puro descuido meu, perdoem-me!
Disse-me um amigo, muito recentemente, que eu sou uma pessoa que sabe – com a minha maneira própria – trabalhar para a minha própria paz. Tratando-se de alguém que me tem acompanhado de perto – fruto da amizade que nos une e que já nos fez percorrer caminhos agrestes, soalheiros e, acima de tudo, rendeu uma tremenda dose de experiência – tomei a frase como um elogio.
Ele ainda tentou desconcertar-me e, tipo ratoeira e num interrogatório (existem interrogatórios entre amigos ou, quando confiamos e contamos tudo são apenas conversas?) muito bem planeado, abordar temas de outrora e, pacificamente (!) arrancou-me uns sorrisos e, bem-dispostos, brindamos com um fino.
Conseguiu, esse amigo, afirmar que eu sempre soube imiscuir-me nos mais diversos meios e, ao mesmo tempo, manter salvaguardados os valores que mais me são queridos. Achei bastante bonita a forma como ele colocou a questão e acabamos a conversa comparando tais tempos a alguém que tem que usar o salto alto da Joana Vasconcelos e, ainda por cima, com uma pedra que, entretanto, se alojou entre o pé e o azeiteiro salto alto. A dor provocada pela pedra aliada ao fraco gosto de ter que usar aquele salto alto específico.
Agora que estou a poucos dias da partida, e salvo algum imprevisto de maior, vou levar no coração estas férias como das melhores que tive até hoje. Uma proximidade com as amizades que me dizem tudo, a habitual visita a todos os restantes familiares, o FCP a ser goleado no Dragão e ainda os inesquecíveis mergulhos com o meu rebento na Baía dos Porcos!
Vou partir de coração cheio e desejoso de repetir muitas mais vezes este mesmo cenário. Não sei se fui eu que mudei (também), não sei se tudo mudou ou se, muito provavelmente, tudo se manteve, mas uma certeza eu tenho: é bom ter poucos amigos com uma riqueza tão grande como os que tenho!
Não haverá Natal em “casa”, mas muito provavelmente teremos uma Páscoa muito especial – sobretudo para o mais novo membro da família. Por enquanto são desejos, mas assim que se tornem realidade, ouvir-me-ão sorrir porque quererei acordar todos e exclamar a plenos pulmões: voltei!!!!!!
O blog recebe aquela visita de França que teima em não voltar a Cork – será que algo ainda há para dizer? Para fazer? Para concretizar? Os dias de confraternização familiar continuam e os repastos alongam-se em tempo e amena cavaqueira.
Reservas um dia específico para os copos, outro para o almoço com os primos, ainda um para a praia – que grande tareia a que levaste do Atlântico…fazes o teu caminho habitual, respiras fundo, vês pessoas que não sabias ter saudades de ver – dos teus tempos de pretenso jogador de voleibol, sorris com as histórias, dissecas as vivências e rimos em conjunto do quanto caminhamos até termos chegado aqui.
Espinho é uma cidade em que podes fazer tudo a pé e só um parolo é que usa carro (salvo pessoas com necessidades especiais). É uma cidade em que a praia dista, no máximo, uns 10 minutos a pé – para o residente mais afastado. Analisas cada novidade, fazes o teu juízo de valor que interiorizas sem revelar e continuas, de cabeça sempre voltada à procura de novos detalhes – desde a última visita.
Andas trôpego com as palavras reveladas pelos professores do teu filho – em que todos o querem ter na equipa mesmo se houver necessidade de lutar por ele – todos gostam da sua atitude, da sua sabedoria e da sua inteligência. Ressalta nas palavras deles o seu sarcasmo – do qual sou Pai – e a sua inteligência na maneira como aborda as problemáticas de vários ângulos e com várias possibilidades.
Estás contente por estares na tua terra, puto. É só isso que interessa! Diverte-te.
É nos pequenos detalhes que nascem as grandes obras… digo eu…😂 Ironicamente foi o alho que nos aproximou! Nenhum dos dois concebia uma refeição sem primeiro estar certo da existência de alho suficiente para levar a cabo a obra!
Viram juntos o pôr do sol, puseram a conversa em dia e a outra personagem, agora mais morena que loura, tinha muito para contar. Tentavam avançar capítulos, por entre beijos de saudade, e muitas vezes não conseguiam ir muito além da primeira letra do capítulo seguinte.
O encaixe era perfeito, ao nível da melhor engenharia, e pouco ficou por ser feito. Apesar do hálito ser maioritariamente de alho, nada os impediu de até se rirem – aquando de um comentário de um transeunte que referiu sentir um odor a alho no ar de Cork…
Uma maneira muito imperfeita de não sair de casa! Na proporção directa do prazer obtido.