Era dia de Portugal e, desde que me lembro, sempre celebrei o dia 10 de Junho. Não porque fosse a celebração do dia do nosso país mas porque a melhor amiga do mundo celebrava o aniversário nesse dia.
Era uma comemoração muito intimista, com poucos mas bons amigos, o celebrar de mais um ano de amizade e a recordação alegre dos bons momentos e o recordar de quanto os maus momentos nos haviam ensinado.
Bebíamos sobretudo sumos e afins – porque a vingança alcoólica era nocturna e ficava escondida pela escuridão do sol posto. Conversávamos sobre as aventuras de cada um, com um sorriso pela superação das adversidades.
O champanhe era o mote para um brinde, simples de gesto mas como se um abraço nos envolvesse a todos e gritássemos os parabéns, a uma só voz. A aniversariante enchia-nos o coração com o seu sorriso – pleno de honestidade, satisfação e alegria.
O restaurante era o mote para estreitarmos o diálogo, as bebidas o catalisador para uma conversa mais fluida e descomplexada, as entradas como o verdadeiro aperitivo para um momento a sós, com ela e para ela. A despesa era solenemente dividida por todos menos a festejada.
Atravessávamos a rua para um pub conhecido, que o tempo remodelou em clínica do coração, e espalhávamos a nossa magia e bem estar por inúmeras das pequenas mesas para quatro pessoas. O café era pedido a um senhor com nome de flor e a fronteira aberta para uma dimensão mais alcoolizada das celebrações.
Éramos chamados ao telefone, porque a hora do recolher já havia sido ultrapassada, e caminhávamos até à casa da matriarca da aniversariante a solicitar uma extensão temporal que o telefonema já havia negado. Descíamos novamente a rua, todos juntos, felizes por termos mais umas horas de celebração.
Numa qualquer caminhada, sem destino traçado ou cadência planeada. Num qualquer passadiço, de olhar perdido a vaguear por entre a natureza que o rodeia. Num qualquer snackbar, paragem obrigatória de um quotidiano castiço e rapioqueiro.
Uma voz que nos chama de caminheiro e nos acena para aproximar, uma mente que lentamente se desliga da abstração total e tenta perceber quem nos interpela. Um neurónio mais rápido que nos cochicha mentalmente a resposta e um gesto, que se finge inapto, que saúda o interpelador.
Uma cara sorridente responde ao reconhecer as duas caras amigas e um diálogo de recordações que nos faz recuar umas décadas, até um colégio de uma branda saudade. Um discorrer sobre quem éramos e quem somos e uma saudável saudade de simplesmente falarmos.
A constatação da provecta idade e das próteses que agora ambicionamos ter, fruto de todos os excessos que até aqui tivemos. O sorriso como forma de demonstrar que, enquanto falamos do agora e relembramos o outrora, há uma profunda saudade de todos os caminhos que percorremos juntos.
No outro dia miúdos e agora graúdos que unanimemente concordam em recordar o quanto o passado trouxe para este presente e quão recompensador é poder relembrar cada pequeno pedacinho de história que fez de nós quem somos.
Acreditando no formigueiro de uma ligação divinal que a ciência nega, escravizando o pensamento de modo a fugir a sonhos mundanos, totalmente apostado no conhecimento profundo e inequívoco do seu eu interior, ciente do quão agradável a jornada tem sido, antecipando a caminhada seguinte em que a chuva o acompanhará.
Sorrindo perante o pensamento que discorre na sua cabeça enquanto escreve, sorrindo perante o ter optado pela palavra cabeça e não pela palavra mente (que, numa achega simplista, poderia ser confundida com o verbo mentir), visualizando paisagens futuras com base na recordação de imagens passadas, emitindo um sorriso com gargalhada que revela satisfação.
Massajando os pés exaustos da quilometragem de hoje, sonhando com o novo percurso de amanhã. Vestindo-se mentalmente para um tempo de chuva, enquanto exibe um sorriso ternurento típico de meteorologia enxuta. Discorrendo sobre cenários a fotografar e os melhores ângulos para o fazer, recordando a ordem fundamental que dita que a visualização e interiorização vale mais do que mil palavras (e imagens também).
Apostado em colecionar sorrisos numa caderneta infinita, gargalhadas sonoras como factor distintivo. Sem necessidade de colar a beleza do que vai contemplando e com a memória a servir de elemento aglutinador. Ao fundo uma buzina de automóvel e os gritos das crianças da escola primária que, acima de qualquer adulto, possuem o dom de sonhar mais e melhor!
Por todo o lado apareciam avisos: escritos, radiofónicos, de amigos, de pessoas conhecidas, de desconhecidos. Por gestos, com olhares, reagindo ou apenas agindo antes do acontecimento, por medo ou solidariedade na hora de defrontar a natureza. Tudo se resumia a um acontecimento que, por antecipação, era visto como algo a temer.
Algures no globo a que chamamos Terra, vestidos como se estivessem de partida para os polos, religiosamente reunidos ao soar das 6:30 da madrugada, eis que começam a subir a 33, rumo ao norte do país, onde a previsão meteorológica aponta para um frio de rachar, mas sem chuva. Esfregam as mãos de contentamento e, como habitualmente, verificam se as aplicações que vão usar para lá chegar estão a funcionar correctamente.
Material fotográfico e reservas de roupa devidamente encaixadas no banco traseiro, temperatura interior definida e introduzida na consola central, baterias suplementares verificadas e colocadas por perto, ao alcance de uma mão. Um último olhar como confirmação de que podemos arrancar para o Portugal profundo e o okay de ambos para continuar rumo ao destino pelo qual optaram.
Almoço reservado para as 12:00 – a habitual entrada de alheira e presunto, seguido do primeiro prato que é uma feijoada divinal e, por último, um maravilhoso cozido a encher eventuais espaços livres que, de facto, não existem, excepto para o pudim de sobremesa. O reunir coragem para um passeio a digerir o repasto, o descer até um convento abandonado e isolado de tudo, o largar de provisões em excesso e que já não fazem o regresso, o sentir a água corrente local como uma benção numa meteorologia de merda.
O novo eu que se ergue, tão lavadinho quanto o da madrugada de início de viagem, passo firme com as botas – que claramente estão aprovadas para este tipo de eventos, subindo o caminho de volta para o carro, rumo ao destino seguinte e ciente de que, algures na natureza, esconde-se uma fotografia perfeita que um dia captarás!
Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.
As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.
A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.
O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.
Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.
As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.
A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.
O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.
As coincidências, que na vida acontecem amiúde, são por vezes encaradas como sinais do universo ou, por outras palavras, uma forma de “o todo em que vivemos” nos dar o pré anúncio de algo que vai acontecer. Seja na nossa condição de grande amigo do patrão do outro, acionista, ou apenas demasiado bem rodeado para se importar com minimalismos, de um qualquer dia, encara-se o destino dado sem qualquer receio.
Uma música que toca e recordas quem te levou a ver o concerto ao vivo, um sonho em que acordas com a plena consciência de ter a cabeça enfiada num buraco do qual não queres sair, o encarar a amizade de outrora que insiste para que visites uma nova esplanada onde ela se sinta mais à vontade. Tudo pequenos detalhes que, sem necessidade de serem somados, te dão a aritmética do que podes ter.
Como não possuis Spotify premium és obrigado a escutar a música, sorris perante a recordação do buraco de outrora e vais espreitar a esplanada, para verificares se realmente a imagem publicitada corresponde à realidade. Uma espécie de exercício físico, aliado ao reconhecimento de uma cidade cuja construção há muito que ultrapassou o suportável, cumprimentando os amigos de sempre, capazes de arranjar sempre mais uma mesa, de frente para a ação, como forma de demonstrar o apreço mútuo.
Foram duas horas a caminhar mas podiam ter sido muito mais. Acima do exercício físico está a vontade de ter uma imagem permanentemente actualizada de como a cidade evolui e algumas pessoas também.
A única semelhança entre elas é o chão de madeira que cede um pouco perante os noventa e sete quilos do humilde narrador. Hipoteticamente, e como forma de motivação, gosto de pensar que elas cedem perante a minha vontade de abater esses noventa e sete…mas isso sou eu, que sou muito de auto-motivação! Mais dez quilómetros percorridos, numa cidade nova, com uma longa viagem de comboio para a alcançar mas a justificar plenamente o esforço despendido!
Chegada a hora de testar a água do atlântico, e ciente da diferença de temperatura entre o mediterrâneo e o atlântico, eis o humilde narrador dividido entre o fugir da água, logo após o mergulho, ou trincar a língua e fingir que é tudo semelhante. Optei por uma das duas e é tudo que tenho a dizer sobre o mergulho! Até a temperatura do sol é diferente e o vento, sempre ele, dificulta a rápida secagem que se pretende mas não se alcança.
A caminhada até casa, por entre caras conhecidas, a relembrar que esta é realmente a minha cidade. Revigorante o mergulho, secagem e caminhada mas melhor ainda o duche quente e a barba que fiz desaparecer. Limpo, acima de tudo.
Num estudo nunca antes visto, com um número limitado de cobaias, carecendo de validação da comunidade científica, a hora de conhecer a criação aproximava-se. Olhando para a pipeta que continha o resultado, respirando fundo e sorrindo por antecipação, o cientista revelou os resultados do longo processo de pesquisa tendo em vista a certificação.
Havia algo de introvertido na maneira como ele interagia, sinais de arrogância e inveja e, acima de tudo, um ar de superioridade e pleno conhecimento que desafiava o mais incauto ou inteligente dos interlocutores. A imagem que transparecia era de alguém no pleno domínio de toda a realidade da experiência, um ser que não carecia de validação científica para algo que antecipara, uma certeza absoluta.
Estabeleceram um diálogo, tendo por tema o estacionamento tão mal efectuado pelo interlocutor, que suscitou um sorriso tímido como resposta – o carro impedia a entrada para uma garagem de estacionamento mas, tratando-se de algo rápido, um gesto tão comum quanto o café logo ao acordar. Houve aquele contacto visual cujo significado é fácil de perceber, um cumprimento com as mãos em forma de “isso não importa” e o sorriso que se abriu perante um diálogo que não haviam coreografado.
Foram uns segundos mas ainda houve tempo para perceber mais um sorriso, testemunhado com um olhar por cima do jornal diário, que se tornou na minha melhor notícia do dia, com a benesse de nem sequer ter sido publicado – excepto nas nossas mentes! E o dia fluiu com uma naturalidade flutuante, ousaria dizer…
Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.
Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.
Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim.
A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.
Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!
Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.
Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.
Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim.
A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.
Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!
Estacionados a rodear uma mesa cheia de aperitivos de fazer babar um qualquer deus terrestre – daqueles que aparecem e que nos dignam com a sua presença – com conversas serenas sobre o passado (serenas porque sabemos rir dos erros de outrora e, ainda com a sonoridade da gargalhada no ar, explicar o que aprendemos com essa tentativa e erro), escutando aventuras do outro lado do mundo e reagindo com a opinião do que somos, a mastigar enquanto apreendemos como se pode triunfar num continente diferente, a conversar com diferentes sotaques e termos locais.
Vinho como hidratante, febras como carne e sardinhas como tradição, salada como complemento e a recordação do leitão do almoço como forma de mentalmente arranjar espaço para esta refeição. O anúncio de um balão que passa como estimulante para o lançamento local que, não tardando, tem os habituais estímulos tão lusitanos: “não é assim!”, “vira ao contrário!”, “não percebes nada disto!”. O pirómano de serviço, auxiliado por um bombeiro de folga, que calmamente orquestra a melhor forma de aquecer e largar o balão. O lançamento que, uma vez efetuado, leva um pouco de cada um dos presentes: um pouco de esforço, de saudade, de empatia e desejo de que tudo se concretize sempre melhor.
A recordação de amigos comuns de outrora, a lágrima escondida pela pessoa que tivemos a sorte de conhecer, as gargalhadas com os feitos que nos ajudaram a alcançar ou tão somente pela alegria que nos concederam. A saudade morta, ali na mesa, com o relembrar de pessoas boas, momentos ímpares, dias que nos marcaram para sempre! Uma delícia de jantar – santo, dizem.
Anda pródigo em reencontros este solstício de verão! A capacidade de reencontrar pessoas, tão fundamentais de outrora, tem assustado quem não está preparado para tanta azáfama social.
Talvez se tenham passado uns 26 anos, mais um ou menos um, mas partilhamos uma história de amizade e vida quase comum, por inerências que não cabe aqui explicar. O cognome juíza porque ajuizava melhor do que os desajuizados que a rodeavam e, mercê do bom humor e experiência de vida que possuía, sabia sempre qual o melhor caminho que, enquanto rebanho que se mantinha junto, deveríamos seguir.
Nunca ordenando, porque era uma mulher de consensos estóicos (não sei se o conceito existe mas reclamo para mim a patente, caso não exista), mas sempre colocando em cima da mesa todas as opções e, racionalmente, explicando o raciocínio para chegarmos a cada uma das soluções sempre certas.
Não houve cumprimento mas uma saudação discreta – talvez porque a ausência assim o impusesse ou porque simplesmente não soubéssemos como reagir – mas o contacto visual permitiu aferir que nos reconhecemos, nos saudamos e continuamos com as nossas vidas, sem que qualquer emoção transparecesse. Sem dúvida que a atitude correcta, pois ela nunca foi capaz de algo incorrecto.
Foi bom ver que continua bonita, fiel aos seus princípios e senhora de si mesma. Bem haja tribunal de Espinho!
Andava o humilde narrador nas suas caminhadas – no caso em apreço entre a baixa e a foz do rio – quando, mercê de um desvio para evitar uma transeunte em sentido contrário, sentiu que tinha perdido o balanço do corpo. Sem controle sobre o destino, e graças a uma intervenção da transeunte, foi salvo do acidente que o destino havia programado para ele.
Ergueu a cabeça – que, até então, estava focada em ver qual seria o ponto de queda, e viu uma cara conhecida. Sorriu, porque entre eles sempre havia existido uma quantidade inigualável de sorrisos e alegria, e ouviu-a saudá-lo com a expressão de outrora: Hello crazy Portuguese!
Ainda não refeito da surpresa, e a tentar disfarçar tal facto, respondeu com o seu Hello crazy Russian! Sorriram e, com um receio que não era comum neles, abraçaram-se a medo. Olharam-se, profundamente nos olhos um do outro, e trocaram dois beijos como expressão de saudade entre eles.
Uns metros à frente da Alfândega do Porto, num passeio que até é fácil de percorrer, o mais difícil aconteceu – curioso como o destino se impôs perante um obstáculo facilmente ultrapassável. Uma troca de palavras e contactos, toques ternos como recordação de outros tempos, o recuar até ao dia em que nos conhecemos e o dia em que tivemos de nos separar. A República da Irlanda como cenário de um amor entre um cidadão português e uma cidadã Russa, o poliglota e a cientista, o cozinheiro e a barista, o homem das caminhadas e a mulher do ioga…
Uma lágrima de amor escondida e a promessa de um contacto para muito em breve.
A constante troca de ideias, as conclusões do passado que comprometem o futuro, o interiorizar de uma matriz, em que não acreditamos, mas que sabemos existir e que os factos comprovam. Todo um conjunto de trocas de impressões, que nos permitem distinguir o que são heranças e o que são factos indesmentíveis, as ambições desmedidas face a simples vivências – sem necessidade de ambicionar mais do que o necessário, o amor livre e desregrado a sobrepor-se ao imposto e feito de regras.
O acolhimento sem multas, o sorriso sem regras, a sonora gargalhada como selo de qualidade, o abraço que nos faz tropeçar de encontro a quem nos rodeia o corpo, o agradecimento profundo a quem amamos, não só mas também, pela forma frontal como sempre se nos dirigiu na vida. O lirismo da vida que se esbate perante a factualidade, o sorriso cúmplice como forma de agradecimento. A brincadeira como símbolo das coisas simples e boas da vida perante algumas verrugas que a sociedade contém, o elixir que desfaz as verrugas e permite a sua remoção.
As contas de todas as despesas, que não passam de um tónico para que as possamos repetir, as facturas como autógrafos do que a vida tem de melhor. O depósito atestado, antes da devolução, como sinónimo de energias repostas para a batalha seguinte e a entrega das chaves como símbolo de que todas as portas futuras estarão abertas para a tua conquista.
Fruto da evolução natural das coisas, em que cada pequeno pedaço de família faz crescer um novo ramo que deriva daquele que fazes parte, eis-nos juntos para mais uma celebração.
Os pais da outrora criança, que só me recordo como namorados desde que existo, a concederem a mão do ruivo mais novo a uma Carlota que lhe cativou o miocárdio.
Se ceder um ruivo custa então imagine-se a cedência de dois ruivos que, fruto da minha velhice, sempre recordarei com um sorriso que é a soma perfeita do amor dos progenitores (algo imutável que presencio com uma enorme alegria).
Como qualquer celebração, e esta não podia ser diferente, foi um exercício de alegria. O sorriso dos progenitores é agora visível em ambos os filhos e um certo excesso de baba – sobejamente justificado – é visível nos rostos da Teresa e do Pedro. Como se ambos os filhos estivessem tão só e apenas a repetir a aventura amorosa que tem sido protagonizada pelos pais – naturalmente enamorados e de mãos bem dadas e apertadas para superar qualquer adversidade.
A orvalhada afectou-me as costas – obrigando a que os meus dotes de dançarino de renome mundial ficassem por exibir – mas também temperou toda a cerimónia que, num misto de emoções desprovidas de horário, se prolongou até ao nascer do dia. Por entre enjoos – sempre atribuíveis a uma condução de montanha mais agressiva – fizemos adormecer alguns hectolitros com que nos fomos hidratando e, fruto da alegria vivida, deitámos-nos com o sentimento de que a festa continuava em sonhos. E assim será!
O banho tomado muito fora do horário habitual, dentes escovados entre a colocação e remoção do champô, corpinho bem ensaboado e superiormente raspado de impurezas, muita água corrente a levar todas as porcarias acumuladas desde o dia anterior.
Cuequinha e meias a condizer, etiquetas da lavandaria removidas da vestimenta, sapatos brasileiros a saírem à cena, sorriso de quem revê uma barba feita no barbeiro e constata que teria conseguido fazer bem melhor. O pêlo incómodo, que se nota perfeitamente ter uma personalidade narcisista, removido para não perturbar o fotógrafo de serviço.
Gravata com um nó soberbo, também graças ao corpinho perfeito que vem rodear, mais um Nicotinell para ajudar ao tranquilo contemplar da paisagem. Um outro casamento que passa e a constatação de que o Gabo foi a leitura ideal para te acompanhar. Um passeio junto ao local da cerimónia – com um ar de quem verifica os últimos detalhes, um panado como bucha para entreter até à hora da cerimónia.
A maneira de reagir, sem que tenha havido um planeamento antecipado para a forma como o queixo cai. Mesmo quando se conhece alguém há décadas, e esse alguém ainda se volta para nos cumprimentar, com um aceno que ainda mais aprofunda o afundamento do queixo (quase tipo desenho animado).
Tem tudo de puro, sincero e expõe tudo o que a mente sente; por vezes, expõe também a totalidade do sistema circulatório, incluindo o batimento cardíaco, a arritmia causada, a vontade que temos de fazer uma massagem cardíaca a nós mesmos. Os vasos sanguíneos e a forma como os capilares se encontram irrigados – a revelação total.
O beliscão permite aferir a veracidade do momento e também ajuda a constatar que sobreviveste, muito embora temas pela força do impacto. Respiras fundo e consegues voltar a ler o jornal diário, mas a mente já vagueia com a bela imagem presenciada. Mentalmente, dás um par de estalos a ti próprio (que parece produzir mais ruído do que o sonhado) e tentas focar-te na leitura.
Passado o momento de hiperventilação (e sem necessidade de respirar para um saco), imbuído de um sexto sentido – ao nível do Homem-Aranha que “pressente o perigo” – olhas para a direita e vês que ela retorna. Procuras o jornal – que está em frente a ti – e finges ler o artigo que acabaste de ler.
Fazes um cálculo mental de quando estará a passar em frente a ti e, num exercício tão denunciado quanto o anterior cair de queixo, levantas os olhos e vês, enxergas, memorizas e sonhas, a bela mulher que tão bem conheces. Parece sorrir mas, como é uma visão lateral, apenas podes sorrir de volta – de sorriso aberto, saudosista e com uma vontade enorme de conhecer muito melhor.
Assistir à sua construção foi um privilégio: a maneira como misturavam o cimento, como os tijolos eram encavalitados e os tubos de plástico introduzidos para, mais tarde, serem a autoestrada de toda a cablagem eléctrica, as peças novas que, a conta-gotas, iam chegando (quadros eléctricos, cilindros de água, aquecedores, etc), as peças de um enorme puzzle cujo aspecto final estava trancado na cabeça do arquitecto que havia desenvolvido o projecto.
A ligação de tudo, com os fios eléctricos nos tubos de plástico, num canal bem definido nas paredes, com os cilindros a funcionar, com as tomadas com energia, com as primeiras lâmpadas – somente com os casquilhos – a darem a primeira luz no novo projecto bem como a permitirem um expandir de horas, quer ao nível da possibilidade de visitar bem como de expandir as horas de trabalho. Caminhava-se para a habitabilidade a passos largos.
O cimento a cobrir as paredes, os acertos de superfície para que tudo estivesse alinhado, o aparecimento de tintas, como prenúncio de obra completa, a alcatifa como complemento do chão – conforme era normal no final dos anos 70. A chegada dos armários embutidos, a descoberta de qual a chave correcta para cada uma das fechaduras – por tentativa e erro – a ultimar as tarefas que constituíam o erguer de uma casa. Os azulejos exteriores, as tampas das chaminés, a instalação da antena no ponto mais alto.
A mudança do velho inesquecível para o moderno facilmente esquecido, a saudade do que jamais voltará sem a oportunidade de uma despedida condigna, o único amigo da vizinhança que ainda hoje perdura como recordação do saber bem receber. A falta de alegria do novo face a uma nostalgia do velho, o não poder jogar futebol (!) numa sala tão pequena, a parolice de tentar estabelecer uma sala – que só é usada quando há visitas – vetada num golpe de estado familiar.
A mobília exígua para dar a sensação que o quarto é grande, o embutido como solução. O armário “tudo em um” que não gera emoção. A procura pelo conforto exterior como forma de colmatar o desconforto interior, a alegria de poder continuar a adormecer com o ruído da chuva, a varanda extra como diversão nos dias em que a meteorologia o permite. As persianas que substituem as portadas, os horários coincidentes que geram atropelos na utilização dos quartos de banho.
Era vivo e depois envelheceu. Sem que qualquer carinho lhe fosse dado, sem que qualquer manutenção lhe pudesse fazer voltar ao início, quando eram apenas peças soltas de um puzzle arquitectónico. Jazia sem estar enterrado, não tinha sequer uma vaga recordação de quando estava a ser construído. Na realidade, tinha agora inveja da casa onde outrora tinha vivido e sido feliz.
Nadando entre as gotas de água, numa cidade qualquer longe de casa, sentindo o vigor de cada braçada e o ímpeto proporcionado, antagonizando os transeuntes que não sabem nadar e a quem falta a racionalidade para aprender, com um sorriso desmedido – que mistura um esgar de dor pelo esforço despendido e o orgulho pelo caminho ultrapassado.
Ciente de que não há sacos suficientes para recolher tantas fezes espalhadas pelo passeio da vida e certo de que, caso o número fosse suficiente, haveria um protesto social para que as fezes fossem autorizadas a permanecer, nesse mesmo passeio, até “reencarnarem” em algo que a ciência não prevê mas que mentes de merda antecipam – colocando o ónus posterior numa futura invenção da natureza, já de si cheia da convivência imposta com o ser humano.
Caminhando, por opção unilateral e obviamente própria, só. Observando o que fere a visão sem permitir que o comentário surja, desviando-se de obstáculos como um perseguido se desvia de uma perseguição policial, reclamando consigo – e só consigo – o quão degradado e podre o ambiente está, ouvindo mais um escarro enquanto acelera o passo para superar as adversidades.
Desaguando numa foz só sua, atracado à sua marina, com as águias soltas para não permitir a aproximação de quaisquer gaivotas, com o motor ao ralenti, verifica os cordames e desliga o motor, desce à cozinha e encontra um livro, sobe ao convés e, sentando-se no cadeirão com vista aberta para o mar, exclama “Agora vou navegar na leitura.” e parte, para uma galáxia distante, sem que o corpo abandone esta.
Regressa e olha-se no espelho, não reconhece o reflexo, interroga-o e só quando responde a si próprio constata que voltou uma pessoa diferente. Sorri, num abraço fraterno com a imagem reflectida.
Sentado na sua cadeira, na varanda exterior existente na traseira da casa, pensava. Olhava cada pássaro que ali pousava, para abastecer-se de uma migalha ou outra de pão, e interrogava-se sobre como seria ser um pássaro. Em jeito de inveja, pensou no quão gratificante deve ser ter a possibilidade de voar e conhecer novos caminhos, lugares, cidades, mundos. Replicar aquelas viagens pela Grécia, Brasil, Argentina e atravessar o país, com uma vontade enorme de viver a vida de um local, muito embora não passasse de um turista com apetência para viagens solitárias – sem destino planeado, sem rumo, só dizendo que tinha errado no caminho se a estrada fosse sem saída e, até nesses momentos, saía do carro para fotografar o momento para mais tarde recordar e reconhecer a beleza de só ter parado por impossibilidade de seguir. A possibilidade de ser surpreendido, como aquando da viagem através do Peloponeso, em que o dono do restaurante onde parei se recusou a servir-me e me convidou para a mesa onde todos almoçavam, após o serviço de almoços ter terminado. Momento único que, para sempre, guardarei como sinal da elevada simpatia e boa disposição do povo helénico.
Imagino-me a voltar à aerogare de Buenos Aires, a voltar a ver o pôr do sol sobre o Rio de la Plata, a bater as asas até à Antárctida – com o devido cuidado e respeito pela fauna local (para não ser comido), por entre pinguins e albatrozes, a voar acima da Passagem de Drake – fotografando, com visão de falcão, todo o poder do mar daquele estreito – a observar a maneira de ser e de agir de cada um dos pinguins – individualmente, num esforço por me fartar – para, logo depois, voar até à África do Sul e visitar a Estie – não correndo o perigo de ser reconhecido mas sem deixar de lhe esboçar um sorriso. Provavelmente fazendo uma escala em Madagáscar, para um encontro – ao mais alto nível – com o Rei Juliano e os seus descendentes, voando depois até ao Bazaruto, onde pousaria, no topo da duna com vista para o Índico e para o lago dos crocodilos, apenas apreciando a beleza da natureza. Partiria, assim que saciasse o desejo pela beleza local, rumo ao Kilimanjaro, para respirar fundo o ar da montanha. Sentiria o local até sentir nas penas o frio. A etapa asiática começaria aí, já abastecido de um farnel que me permitisse sobreviver no continente da comida estranha.
Mais pesado com o farnel, mas igualmente motivado, só aterraria no ponto mais alto da Praça Vermelha a deliciar-me com a vista. Percorreria, num ritmo frenético, todo o território russo – do mar do norte até Vladivostok – a tentar extrair o máximo da imensidão de beleza que o país tem. Com muito cuidado, desceria para Sul e visitaria a China, o caminho de Ho Chi Minh, sempre apreciando a vastidão dos arrozais e a beleza dos jardins, plantas e cores. Evitaria passar muito tempo nos territórios mais marcados pelo belicismo, sem deixar de apreciar a arte persa e a beleza dos seus territórios; seria uma circunferência enorme em voos, preparando a passagem para a América do Norte, via Alasca, onde faria questão de conhecer toda a beleza branca – de Este para Oeste. Os parques nacionais americanos seriam todos esmiuçados e aterraria no cimo da Golden Gate. Apontaria então o bico para a Nova Zelândia e Austrália onde embarcaria numa excursão privada de um só pássaro para conhecer esse maravilhoso continente. Seria assim que bateria as minhas asas, como se fosse uma auto caravana voadora, com um apetite voraz por ver, viver e fotografar sem que nada fosse publicado, seria o meu voo secreto. E tu, também tens segredos?
Era um jogo irracional e, humoristicamente, a plenitude para o sorriso aberto, honesto e feliz que ostentava. Irracional pela percepção dos transeuntes com quem se cruzava e de pleno humor porque só ele sabia que o jogo estava a decorrer, no interior da sua cabeça, sendo um segredo verdadeiramente trancado a sete chaves.
Com os cinco sentidos bem apurados, deambulando pela cidade, tinha que ter a certeza de cada gota de água que a chuva providenciava. Cada unidade tinha que ser, imediatamente, ligada a um momento da vida passada, presente ou futura, com a obrigatoriedade de ser um momento feliz, independentemente do desfecho. Soa a loucura? Só para não praticantes!
Visto de fora, e o humilde narrador é muito dado a sugestões externas (estou a ser irónico), deve ser algo muito bom para se poder apelidar o autor de loucura mas, sentido por praticantes, é o nirvana da alegria e boa disposição. Com os aguaceiros tinha vindo a aprimorar o jogo e sentia-se agora como um grego, campeão de gamão, disposto a enfrentar qualquer adversário numa panóplia de sorrisos que desafiam a má disposição.
Foi interpelado pela polícia, numa operação stop pouco habitual e, mercê das gotas que caiam, preso para averiguações. Sorriu, obviamente, enquanto era algemado e levado para os calabouços – não porque a situação fosse divertida mas tão só e apenas porque não ousou interromper o jogo!
Rodeado de verde, com um belo curso de água a passar frente a mim, levantando a cabeça para ver para onde ela se dirige. Ao fundo, num vale que nesta altura é verde e amarelo (das maias), vejo o grande rio que a água forma e, rodeado por algumas casas, percebo a sua real dimensão. Não que precisasse das casas para aferir a grandeza do rio, mas tão só porque as casas permitem, na sua pequenez na escala visível, melhor dimensionar a grandeza do rio, no seu todo.
Sinto-me pequeno na escala e respiro profundamente, até me sentir gigante por ter a oportunidade de visualizar a obra de arte que me rodeia. O olho que tudo descortina reparte a imagem do todo em pequenos pedaços de beleza e o coração parece reagir com um batimento extra (ou sou cardíaco ou um emocional de merda). Fotografo o que vejo, revejo a imagem no ecrã da máquina fotográfica, apenas para constatar que lhe falta o sentimento.
A tentativa de aprisionar a paisagem fica aquém do que em mim ela provoca. Utilizo o Google, para tentar encontrar uma máquina que entenda o sentimento, e os resultados não correspondem à expectativa. Tento outros motores de busca mas os resultados são igualmente frustrantes…não há um produto, com inteligência artificial ou sem ela, que capte sentimentos. Bolas, pensei, sem conter um sorriso interior pelo simples facto de ser humano e conseguir obter um retorno emocional imediato do que visualizo.
O planeamento começa no dia anterior e, rodeados de mapas de locais a visitar, estudam-se os melhores pontos de entrada, os melhores trilhos, as horas ideais em termos de luz. Tal como Napoleão, sabemos onde as melhores batalhas se vão travar, onde podemos encontrar munições, o local das trincheiras mais fortes. 🫣
Obviamente os mapas são, na realidade, um lanche idealizado por um dos fotógrafos, os pontos a visitar são a junção das memórias dos personagens e o cenário bélico não passa de uma subtil referência aos melhores locais para salivar e comprovar a maravilhosa gastronomia local. 🤭
Sete da manhã e já estamos a caminho, atravessamos a porta do parque uma hora e meia depois, as primeiras fotografias são tiradas com os telemóveis. Outra paragem, abre-se a mala do carro, as máquinas fotográficas aparecem como ferramenta fundamental. “Dá-se tiros”, expressão usada entre os que compõem a excursão, recebo apoio para obter os melhores ângulos de luz, reunimos todos sempre que alguém encontra algo diferente. 👌
Há pessoas que descansam de maneira diferente mas, para mim, este é o oxigénio que me limpa os pulmões da vida! Com a natureza no seu esplendor, em boa companhia e com camaradagem, com feijoada e bacalhau e um “ligeiro” pudim de dois andares que complementa a refeição. 🙌
Ao longe parecias ser tu e, à medida que aquele corpo escultural se aproximava, a minha confiança esvaía-se e diluía-se na imagem colossal que os meus olhos tinham dificuldade em transmitir ao cérebro. Num samba, entre os neurónios e as sinapses, dava-me conta que havia uma pausa – como se eles retivessem a imagem, retocassem detalhes como o ruído da imagem e o ângulo com que a luz em ti incidia.
Havia demasiadas coincidências para que não fosse verdade! Coloquei os óculos, tirei os óculos, fingi ter um cisco no olho, tentei assegurar-me que nenhuma pestana interferiria com o campo de visão, apeteceu-me roubar óculos alheios para certificar-me do óbvio, passei ambas as mãos pela cara, de maneira a assegurar que estava tudo vivo na cara e funcional para a inevitável aproximação.
Sentia-me quente e culpava as alterações climáticas, sentia-me desidratado e culpava-me por não ter água das pedras de reserva. Sentia-me num deserto de ideias e tu eras o oásis que se aproximava a passos largos, belisquei-me – discretamente – apenas para concluir que a realidade era clara e inequívoca, sentia-me encurralado e desejoso da “tortura” da tua presença.
Depois bati com o pé no fundo da cama e constatei que tudo não passava de um sonho…
Hidratem-se que a primavera é sedenta de aventuras – 5/4/2023
Acordado cedo, com a intenção de conseguir fazer o caminho de casa até ao trabalho a pé, dou por mim numa lição de história diária – principalmente porque ainda não me adaptei a uma vizinhança que, apesar de aconchegante, ainda é um mistério para este “miúdo novo no bairro”! Os desvios constantes levam a novas ruas, novos becos, novos locais e novas realidades – como se fosse um fundo novo, numa reunião via Zoom que não existe mas cujo fundo nos dá uma nova e bela imagem, dia após dia! São cerca de cinco quilómetros, quer no percurso de ida quer no percurso de volta, que percorro com maior dificuldade (mas o mesmo prazer) no regresso a casa – influência de dias intensos de treino e o calor – que já se faz sentir – e que derrete, com maior ou menor grau de dificuldade, o esbelto corpo do humilde narrador. 😎😉😂
As horas de treino passam rapidamente e, apesar de termos algum atraso em relação ao horário planeado, estamos juntos na tarefa de superar as dificuldades que vão surgindo – inerentes a todo aquele que se propõe aprender algo novo…e eu adoro novidades, mesmo quando são amizades que nos confessam algo que já deveríamos ter cumprido e que agora podemos cumprir! É reconfortante saber que, de uma maneira diferente, tocamos no mais profundo de outrem! Ainda não existe música nos bares gregos mas, como tudo na Grécia, nada é suficiente para demover as massas populares de se reunirem, falarem e, obviamente, conspirarem! A Grécia é pródiga em personagens diferentes, pensamentos que outros não entendem ou não se esforçam por entender, pródiga em pequenos e grandes acontecimentos que nos obrigam a pensar, raciocinar, aprofundar e, em última análise, enfrentar o amor da fera grega!
As semanas são um equilíbrio entre o trabalho a desenvolver e o destino de fim de semana a escolher – num país onde não faltam destinos de sonho e onde facilmente consegues alimentar a visão com tudo de gourmet que a natureza tem para te deliciares. As horas, pós trabalho, num exercício de descanso da mente e a escrita de algumas palavras que, juntas, desejamos façam sentido. A saga para encontrar um apartamento continua sem que o humilde narrador sinta qualquer pressão no local em que se encontra – uma espécie de aguardar pela ocasião perfeita – como se de um goleador profissional se tratasse no aguardar da ocasião perfeita para aproveitar a única ocasião em que a defesa adversária comete um erro! A empregada de mesa que tem a mesma simpatia de um monge que já não vê pessoas desde o início da reclusão, o bar que sempre frequentaste e que nem sob tortura divulgarias a localização, os carros gregos que insistem em circular numa zona pejada de pessoas, os cães e gatos que merecem mais consideração do que qualquer outro ser.
São dias de aprendizagem que fazes com o mesmo sorriso de outrora, são dias de sorrisos com a mesma alegria de outrora ou, sejamos ousados, são dias felizes!
O célebre ditado popular pretende comparar duas coisas que são o oposto, uma da outra. Se a aventura começou em Omonia, por entre seres humanos que lutam pela vida enquanto esgravatam os contentores do lixo por comida, prostitutos e prostitutas – com o corpo usado para lá de quaisquer limites que anteriormente tenhas presenciado ou ouvido falar, com negociantes de produtos que não encontras nas cadeias normais de retalho, todo um mundo paralelo ao mundo real de tão surreal que é.
Se, iniciei eu o parágrafo anterior, sem que tenha feito qualquer comparação porque não há comparação possível. Como um astronauta sinto que voltei a colocar os pés na Terra! A vizinhança cumprimenta-se, as pessoas sorriem e sinto que aterrei num planeta em que há todo o potencial para ser feliz. Um quarto maravilhoso, uma senhoria que gere a casa dos seus sonhos, um hóspede que sorri de cada vez que volta a perder-se e é obrigado a recorrer ao Google Maps para voltar para casa.
Este retorno está rodeado de curiosidades que, cada vez mais, me fazem recordar o porquê do amor que me ficou gravado aquando da primeira vivência por terras gregas – as pessoas, os sítios, a meteorologia, a loucura inerente ao povo, o bem que se sobrepõe ao mal com uma naturalidade que só não existe em termos de condução – ao volante, refira-se, porque ninguém é perfeito e o Grego acelera bem mais do que utiliza os travões – numa condução que, parecendo desgovernada ou caótica, atinge sempre os seus objetivos.
O som da linguagem – um amor antigo que de aprofundou – como estímulo para uma audição que ansiava pela rotina de o escutar, a beleza constante pela qual os meus olhinhos penavam e que agora volto a ter que proteger, por trás de uns óculos escuros, as papilas gustativas que parecem festejar este regresso como se fossem tambores Taiko japoneses – por entre kebabs, pitas ou o iogurte – essa iguaria que me faz render e aguardar por permissão mental para a vez seguinte (é melhor abreviar a parte gastronómica, sob pena de engordar este texto muito para além de qualquer limite tolerável). O olfacto a espirrar de contentamento perante toda uma natureza que, doméstica ou não, parece ansiar por penetrar-nos com uma panóplia de cheiros que, apesar de não conseguires reconhecer todos, te agradam – de uma forma que é um misto de espanto, saudosismo e satisfação.
Parece ser um texto em que falo dos cinco sentidos, numa lógica de texto que faça sentido (passo a redundância) mas não posso falar do tacto. Não que exista uma proibição de o abordar mas tão só porque seria deselegante menosprezar a intimidade – algo que sempre preservei com um amor próprio primeiro e sorriso nostálgico ou presente, de seguida. Sejamos oudazes: sentir o toque ou ceder o toque a outrem é algo que o nosso íntimo guarda, numa qualquer “cloud” da memória, e eu esqueci a password de acesso (por vontade própria) – só tenho permissão de leitura mas não posso editar ou modificar, seja de que forma for! Bravo, digo a mim mesmo, de cada vez que me recordo dessa fechadura que, apesar de rudimentar, é uma solução moderna e actual.
Não sei o que é a felicidade enquanto estado de espírito permanente mas reconheço, com muito respeito e carinho, o momento presente de felicidade!