Os mesmos maneirismos.

Ao longo da vida, fruto da experiência ou da causa/efeito, vamos aprendendo que convém experimentar novas abordagens – se o que pretendemos são resultados diferentes – de maneira a alcançarmos o objectivo a que nos propusemos. A minha maior virtude, quando pretendo que resulte, é a humildade (seja reconhecendo o erro ou a envolvência que me levou a errar e partir daí para uma nova tentativa).

Tal como aprendemos a andar, a saber estar calados, a lidar com um casal de ladrões, também vamos constatando que começamos por tropeçar, dissemos algo inconveniente, confiamos em alguém que não merece estar neste mundo – são tudo processos de aprendizagem que nos afastam de errar novamente e excluem cancros da nossa vida quotidiana. Usamos a dor como catalisador preventivo – o alarme soa quando nos deparamos com os sinais que conduziram ao tropeção, ao comentário inconveniente ou ao sociabilizar com gatunos. Evitamos a repetição logo não repetimos a dor!

Pretender que o tempo tudo apaga, aguardar que o erro seja repetido por quem sentiu a dor ou deixar a carteira perante um casal de gatunos, só pode ser um exercício de fé de quem aguarda uma intervenção divina que tudo resolva. É uma espécie de imaturidade social, ou demasiada autoconfiança, que muito raramente dará resultados diferentes dos anteriores. Logo, e atentando a que o tempo é o nosso bem mais precioso, uma mágoa que não pretendemos repetir.

Sentado num alpendre imaginário – até um dia em que o tornarei real e pautarei os meus dias por longas caminhadas no próprio terreno, intervaladas por chuveiros de mangueira e uma dieta dos frutos da quinta – sorrio perante a adversidade do sentir mas caminhar sempre na direção contrária – que evita reencontros, tropeções, palavras inconvenientes ou roubos demasiado familiares. Com uma força Imparável e um rumo tracejado pela razão, a minha razão!

Devaneio de fim de tarde – 14/10/2025

Aos leitores: em breve alterarei todos os textos para uma página no Facebook – de maneira a evitar custos com domínio e alojamento. Nessa altura informarei qual o endereço da página. Obrigado e cumprimentos.

O pássaro pensador.

A ver quem passa.

Abstraído do que me rodeia e completamente livre de pensamentos, decisões ou o que quer que seja que habitualmente faz o cérebro funcionar. Olhos perdidos no horizonte – sem que o enxergue – mas somente para atingir a plenitude do deixar o pensamento vaguear sem que a ação de pensar sequer exista. Olhos que se dividem entre os chapéus do cigano aqui em frente e o vestido amarelo, com tons de cinza, da mulher que se encontra em frente a mim.

Agora que constato que o texto não surgiria a menos que houvesse algum – por muito mínimo que seja – pensamento articulado que permite colocar o que se passa em palavras perceptíveis para os que, não estando presentes, consigam  perceber e visualizar o desenrolar de tudo o que descrevo, entendo que é possível divagar sem pensar ou, talvez melhor descrito, pensar enquanto se divaga com o olhar perdido. Entretanto ela levanta-se e muda de lugar.

Está ligeiramente posicionada à minha direita e o sol brilha sobre ela. O vestido parece reflectir as linhas do corpo e estar perfeitamente ajustado – como que esculpindo a silhueta e revelando a nudez que esconde. Os cabelos são compridos e os chinelos condizem com o amarelo do vestido – talvez, melhor ainda, conseguem fazer perceber que há uma intenção de fazer o conjunto rimar – numa imagem poética que, sempre que tento captar mais detalhes, sou flagrantemente apanhado a delinear o que pretendo descrever.

Tem uma cara séria, não sorridente e de poucos amigos. Como que habituada a ser observada mas jamais contente por se sentir observada. Trocamos olhares mas a expressão não se dilui da dureza que ela impõe. Os minutos passam e a hora de partir está agora mais perto. Impõe-se a pergunta: tentas que sorria ou deixas a vida continuar sem que saibas a resposta a uma pergunta que não colocaste? 

Incógnitas da vida – 22/6/2025

Profissional da pesca.

Message in a bottle.

Era dia de Portugal e, desde que me lembro, sempre celebrei o dia 10 de Junho. Não porque fosse a celebração do dia do nosso país mas porque a melhor amiga do mundo celebrava o aniversário nesse dia.

Era uma comemoração muito intimista, com poucos mas bons amigos, o celebrar de mais um ano de amizade e a recordação alegre dos bons momentos e o recordar de quanto os maus momentos nos haviam ensinado.

Bebíamos sobretudo sumos e afins – porque a vingança alcoólica era nocturna e ficava escondida pela escuridão do sol posto. Conversávamos sobre as aventuras de cada um, com um sorriso pela superação das adversidades.

O champanhe era o mote para um brinde, simples de gesto mas como se um abraço nos envolvesse a todos e gritássemos os parabéns, a uma só voz. A aniversariante enchia-nos o coração com o seu sorriso – pleno de honestidade, satisfação e alegria.

O restaurante era o mote para estreitarmos o diálogo, as bebidas o catalisador para uma conversa mais fluida e descomplexada, as entradas como o verdadeiro aperitivo para um momento a sós, com ela e para ela. A despesa era solenemente dividida por todos menos a festejada.

Atravessávamos a rua para um pub conhecido, que o tempo remodelou em clínica do coração, e espalhávamos a nossa magia e bem estar por inúmeras das pequenas mesas para quatro pessoas. O café era pedido a um senhor com nome de flor e a fronteira aberta para uma dimensão mais alcoolizada das celebrações.

Éramos chamados ao telefone, porque a hora do recolher já havia sido ultrapassada, e caminhávamos até à casa da matriarca da aniversariante a solicitar uma extensão temporal que o telefonema já havia negado. Descíamos novamente a rua, todos juntos, felizes por termos mais umas horas de celebração.

Éramos felizes – 12/6/2025

O egoísmo da liberdade.

Numa qualquer caminhada, sem destino traçado ou cadência planeada. Num qualquer passadiço, de olhar perdido a vaguear por entre a natureza que o rodeia. Num qualquer snackbar, paragem obrigatória de um quotidiano castiço e rapioqueiro.

Uma voz que nos chama de caminheiro e nos acena para aproximar, uma mente que lentamente se desliga da abstração total e tenta perceber quem nos interpela. Um neurónio mais rápido que nos cochicha mentalmente a resposta e um gesto, que se finge inapto, que saúda o interpelador.

Uma cara sorridente responde ao reconhecer as duas caras amigas e um diálogo de recordações que nos faz recuar umas décadas, até um colégio de uma branda saudade. Um discorrer sobre quem éramos e quem somos e uma saudável saudade de simplesmente falarmos.

A constatação da provecta idade e das próteses que agora ambicionamos ter, fruto de todos os excessos que até aqui tivemos. O sorriso como forma de demonstrar que, enquanto falamos do agora e relembramos o outrora, há uma profunda saudade de todos os caminhos que percorremos juntos.

No outro dia miúdos e agora graúdos que unanimemente concordam em recordar o quanto o passado trouxe para este presente e quão recompensador é poder relembrar cada pequeno pedacinho de história que fez de nós quem somos.

Numa qualquer esplanada – 14/5/2025

As más escolhas.

Havia um número quase igual de sombras e, mercê de um qualquer impulso cuja origem desconheço, escolhi uma sombra onde poderia colocar as pernas no sol – que constituía a fronteira natural entre o fim da sombra do guarda-sol e o início do sol de primavera que já ameaçava chamar-se de verão.

Diante de mim está uma jovem dos seus trinta anos ou algo semelhante. A roupa que veste é simples e aparenta ser uma escolha de recurso para quem saiu rapidamente de casa, sem tempo para poder pensar numa indumentária mais cuidada. Claramente a totalidade da conversa pertencia-lhe e não parecia disposta a ouvir conselhos.

Ao lado esquerdo dela está sentado o que parece ser a cara-metade, de indumentária mais cuidada mas, mesmo assim, de cuecas azuis a imitar um fio dental feminino. “Ela quis foi apalpar os tomates!”, diz a mulher e eu, homem que se preza por ser vegetariano em certas situações, levantei a cabeça para ver de onde vinha a frase.

A coluna aos berros, colocada sobre a minha mesa, explicava agora o porquê de não haver ninguém a usufruir da sombra tão estrategicamente colocada – claramente há gente com um poder de análise mais rápido que evita estes inconvenientes sonoros do dia-a-dia. Olhei para a coluna e fingi que o meu interesse vinha dali e não da conversa sobre leguminosas que emanava da mesa em frente.

O dia até já havia começado com piada, com um diagnóstico de hipersensibilidade acústica que, fiando-me eu nas palavras do médico que fez o diagnóstico, me levou a uma primeira gafe no dia…uma mulher que elegantemente caminhava na minha direção e eu, com as fichas todas apostadas na hipersensibilidade acústica, a dizer “que beldade que desfila perante mim!” (no que julgava ser um sussurro) e ela a agradecer o piropo que não era suposto sê-lo!

A quebrar rotinas desde 1970 – 14/4/2025

O abstracto.

Acreditando no formigueiro de uma ligação divinal que a ciência nega, escravizando o pensamento de modo a fugir a sonhos mundanos, totalmente apostado no conhecimento profundo e inequívoco do seu eu interior, ciente do quão agradável a jornada tem sido, antecipando a caminhada seguinte em que a chuva o acompanhará.

Sorrindo perante o pensamento que discorre na sua cabeça enquanto escreve, sorrindo perante o ter optado pela palavra cabeça e não pela palavra mente (que, numa achega simplista, poderia ser confundida com o verbo mentir), visualizando paisagens futuras com base na recordação de imagens passadas, emitindo um sorriso com gargalhada que revela satisfação.

Massajando os pés exaustos da quilometragem de hoje, sonhando com o novo percurso de amanhã. Vestindo-se mentalmente para um tempo de chuva, enquanto exibe um sorriso ternurento típico de meteorologia enxuta. Discorrendo sobre cenários a fotografar e os melhores ângulos para o fazer, recordando a ordem fundamental que dita que a visualização e interiorização vale mais do que mil palavras (e imagens também).

Apostado em colecionar sorrisos numa caderneta infinita, gargalhadas sonoras como factor distintivo. Sem necessidade de colar a beleza do que vai contemplando e com a memória a servir de elemento aglutinador. Ao fundo uma buzina de automóvel e os gritos das crianças da escola primária que, acima de qualquer adulto, possuem o dom de sonhar mais e melhor!

Saiu-me isto… – 1/4/2025

Era de manhã cedo…😂

Avisados destemidos.

Por todo o lado apareciam avisos: escritos, radiofónicos, de amigos, de pessoas conhecidas, de desconhecidos. Por gestos, com olhares, reagindo ou apenas agindo antes do acontecimento, por medo ou solidariedade na hora de defrontar a natureza. Tudo se resumia a um acontecimento que, por antecipação, era visto como algo a temer.

Algures no globo a que chamamos Terra, vestidos como se estivessem de partida para os polos, religiosamente reunidos ao soar das 6:30 da madrugada, eis que começam a subir a 33, rumo ao norte do país, onde a previsão meteorológica aponta para um frio de rachar, mas sem chuva. Esfregam as mãos de contentamento e, como habitualmente, verificam se as aplicações que vão usar para lá chegar estão a funcionar correctamente.

Material fotográfico e reservas de roupa devidamente encaixadas no banco traseiro, temperatura interior definida e introduzida na consola central, baterias suplementares verificadas e colocadas por perto, ao alcance de uma mão. Um último olhar como confirmação de que podemos arrancar para o Portugal profundo e o okay de ambos para continuar rumo ao destino pelo qual optaram.

Almoço reservado para as 12:00 – a habitual entrada de alheira e presunto, seguido do primeiro prato que é uma feijoada divinal e, por último, um maravilhoso cozido a encher eventuais espaços livres que, de facto, não existem, excepto para o pudim de sobremesa. O reunir coragem para um passeio a digerir o repasto, o descer até um convento abandonado e isolado de tudo, o largar de provisões em excesso e que já não fazem o regresso, o sentir a água corrente local como uma benção numa meteorologia de merda.

O novo eu que se ergue, tão lavadinho quanto o da madrugada de início de viagem, passo firme com as botas – que claramente estão aprovadas para este tipo de eventos, subindo o caminho de volta para o carro, rumo ao destino seguinte e ciente de que, algures na natureza, esconde-se uma fotografia perfeita que um dia captarás!

Vadiagem pelo país – 25/3/2025

Achamos neve!

Meteorologia de daltónicos.

A persiana é aberta e um cinzento claro saúda-me; a toalha de banho enxuta o corpo e, por entre a cortina fechada, vejo uma nesga de sol que me faz sorrir e mentalmente começar a esboçar um trilho para percorrer hoje. 

Corpinho seco de toda a água que o lavou, mala fotográfica pronta, boné e água a completar as necessidades básicas do passeio mentalmente esboçado. Comboio como meio de transporte e a opção por sair numa cidade diferente da que havias pensado.

Olhos bem abertos assim que ouves o canto de um pássaro que, apesar de já ser familiar, nunca visualizaste e a procura com o pescoço bem esticado. O percorrer de todo o cenário que te rodeia e o nada achar, apesar da lente utilizada com o zoom a auxiliar. Um sorriso pela derrota sentida por ver fugir um pássaro mais veloz do que a tua destreza fotográfica.

Galochas enlameadas, fato impermeável cheio de terra molhada, umas cegonhas e um flamingo capturados fotograficamente, corpo cansado da caminhada e coração cheio pela satisfação do dia. Revês as fotografias tiradas num qualquer tasco que surge e cujo nome é sempre de uma simplicidade enorme. 

Protestas, mentalmente, pelo facto de não teres usado ângulos diferentes, aqui e ali, quando o que realmente pretendes é incentivar-te a conseguires superar-te, em cada saída que tens! Usas diferentes tonalidades de cores, na revisão mental que fazes da edição que se vai seguir, como se fossem já uma fotografia impressa e pronta a emoldurar, para mais tarde recordar.

Enches os pulmões de ar, sorris com a conquista do teres deixado de fumar, sentes algo diferente no teu corpo – como se um novo início tivesse lugar, tal o grau de plenitude de satisfação. Dás uma sonora gargalhada porque imaginaste este texto e o alarme toca para que te ponhas a caminho da estação para o comboio de regresso.

Recordações intemporalmente retemperadoras – 17/3/2025

Chuvinha.

É por entre as gotas que a lembrança se dá – as “abertas” em que não há água corrente e o céu permanece ameaçador mais não são do que pausas que permitem um inspirar fundo e relembrar todo o jogo de força que percorreste e te trouxe até aqui. As gotas grossas, que fustigam as janelas de vidro, como se pretendessem chicotear-te por teres ousado. Como ousas? Pareces escutar.

Os valores, sempre eles, como expoente máximo daquilo que ambicionas ser, os erros vistos como tropelias necessárias para uma aprendizagem completa. A chuva parece acelerar o ritmo, quando recordas as circunstâncias negativas, mas a tua experiência e destreza mental colocam-te num clima equatorial e extrais da recordação o quanto ela contribuiu para a realidade do agora.

O livro que jaz aberto a teu lado, sedento por um par de olhos que descortine nas palavras o sentido que o autor lhes quis dar, o céu cinzento que, apesar da hora, parece estar ao serviço da EDP no querer que ligues a luz para uma melhor compreensão dos parágrafos. A água que jorra do telhado para o jardim e se ouve a descer com ímpeto a canalização existente para o efeito.

Como se toda a natureza existisse numa simbiose tão perfeita e profunda que o teu único objectivo no universo fosse a procura da tua função nessa engrenagem tão perfeita. Vendo ladrões como seres menores e a amizade como o vínculo que mais progresso dá. Como se uma fotografia perfeita aguardasse a captura, através da tua objectiva da vida, que apelidas de memória. Sorris perante a procura constante que é, em si mesma, a mais profunda riqueza da vida: o conhecimento.

Um aguaceiro de ideias transpostas para um agregado de palavras – 10/3/2025

No cimo da serra.

A visão lírica de um abraço.

O abraço, enquanto gesto de solidariedade carinhosa, pode ser medido pela intensidade que contém e a intencionalidade (numa espécie de superlativo de honestidade contida) que com ele transmite. Não há, disponível no mercado, um aparelho capaz de medir um ou outro, o que, em última instância, leva a que seja o devaneio do momento a, internamente e sem qualquer revelação exterior, dar um valor ao gesto.

Chegados a uma idade que é apelidada de meia, sem que as peúgas tenham qualquer conotação com ela, já sabemos – ou julgamos saber – o valor do que nos espera. Felizmente, e a vida é pródiga nisso, a única constatação é que nada sabemos e, forçados a partir da douta ignorância socrática (o reconhecimento franco de uma pessoa sobre o que ela não sabe), sentimos cada abraço como o primeiro e, tal como um virgem inexperiente, deixamo-nos voar com o sentimento que transmite e sentimos.

Abertos os braços e indefesos perante os outros braços que avançam para nós, de pensamento totalmente adjudicado ao sentimento, receosos até do quanto poderão sentir – sem que qualquer barreira seja imposta – numa liberdade de expressão em que quatro braços pulsam a dois. Flutuando acima do terreno sem que acredite no divino, totalmente entregue sem necessidade de comprovativo de entrega assinado, num tempo que é infinito na durabilidade terrena mas eterno na duração sentimental.

O abraço revela também as emoções despojadas de pudor: o querer dizer tudo sem que o tempo permita dizer nada, o querer tornar o outro um super-herói invencível a quem possamos estar abraçados até ao final dos dias, o altruísmo como expoente máximo da amizade, do amor, da felicidade que é poder ter tido a oportunidade de conhecer e viver com um abraço que durou uma vida.

Que todos tenham um abraço assim – 19/2/2025

Saudações diferenciadas.

Seja no acaso de chegar no mesmo comboio, no facto de ouvir uma voz que diz que vou todo esticadinho pela rua fora, ou alguém que já não vemos há anos. Seja pelo impacto que têm ou tiveram em algum momento da nossa vida, pelo pulsar que nos dão quando os revemos e, ao contrário de outrora, ao facto de agora pararmos para um pequeno mas recompensador diálogo.

Porque nem todos os campos são cultivados com belas tulipas, porque algumas planícies são mais aconchegantes do que outros topos de montanha, porque todos pensamos e agimos de forma diferente numa sociedade que procura mais a uniformidade do igual. Porque somos humanos e reagimos ao chamamento de quem nos interpela para um momento de conversa e, com a espontaneidade a prevalecer, tem um “sabor” a perfeição.

Há momentos em que, muito indiscretamente, literalmente não exalo simpatia ou vontade de participar mas, ao contrário desses momentos, esta semana foi de inspiração pela forma como colocou tanto sujeito bom, em tão pouco tempo, diante de mim. É quando o coração repousa enquanto bate, os pulmões se enchem sem que o peito se mova, os olhos emocionam-se obrigando a um pouco de racional para suster tanta emoção.

Colegas de infância, da primária, da equipa com a qual sempre treinaste e da qual foste o 55o reserva, vizinhos e até conhecidos que querem ultrapassar essa definição na relação existente. Como se o universo se tivesse conjugado para que sorrisses, despreocupado, espontaneamente, do nada. 

Sem planeamento, sem visita marcada, sem o reservar de tempo para que tal aconteça e, quando assim é, olho as estrelas e, deslumbrado com o alinhamento que observo, pergunto-me como agradecer quando, sei de antemão, que os acontecimentos em si são uma forma de também agradecermos e sermos agradecidos.

A chuva toldou-lhe o raciocínio – 8/2/2025

General Torres.

Sagitários 

Nunca fui gajo de me acreditar em astros e cenas – da mesma maneira que me é mais fácil acreditar num Tio Patinhas a ver alguma verdade numa bíblia lida com um espírito crítico – mas ontem, mercê da conjugação do tempo, deparei-me com um aniversariante recente e, como a boa educação obriga, dei-lhe os parabéns atrasados (já o havia feito via redes sociais mas quem é que verdadeiramente sente um abraço enviado digitalmente?)

O aniversariante recente conversava com uma amiga dele e eu, não querendo incomodar, só ia dar um abraço e continuar o caminho até casa. Saudei-o com um “os meus parabéns atrasados, ó comparsa Sagitário!”, ao que a amiga respondeu com um “Estamos três Sagitários reunidos?” (na teoria dos signos, os Sagitários são tidos como pessoas que dizem o que honestamente pensam sem pensar em consequências para as palavras que proferem; uns desbocados honestos, como outrora ouvi serem chamados).

A conversa foi de circunstância, com a piada inerente à época natalícia, e abordamos vários temas com o despudor habitual dos Sagitários. Rimos, recordamos pessoas que ainda vivem mas já não estão presentes, houve mágoa inerente ao recordar melhores dias e gargalhadas por existir no mundo quem outrora tenha trocado sandes de marmelada por testes de inglês feitos na hora. Uma conversa agradável que fez o tempo fluir mais rapidamente do que é habitual. 

E porque é no constante questionar que o conhecimento assenta, não pude deixar de soltar uma das mais sonoras gargalhadas da vida quando, após as despedidas, a amiga do meu amigo, se dirigiu a uma mulher que tentava estacionar atrás do carro dela (com espaço livre para estacionar dois autocarros) e disse “Eu já vou tirar o carro e assim já lhe facilito a manobra!!!”, num tom típico dos Sagitários que, apesar de eu não acreditar nisso, andam por aí…desbocados honestos, como outrora ouvi serem chamados!

Humor de natal – 21/12/2024

Saudades compartimentalizadas.

Os arranjos começam com avanços e recuos, como qualquer combinação que parte do nada e ambiciona transformar-se em algo, mas rapidamente conseguimos o acerto necessário para que o algo se concretize. A logística envolve que um nortenho se desloque ao sul, de onde são naturais a maioria dos participantes, e que todos possuam uma aberta no calendário para todos estarmos juntos – parece fácil mas as probabilidades multiplicam-se pelo número de pessoas envolvidas, o local pretendido e a proximidade da época natalícia, que traz os inevitáveis jantares de natal da empresa.

Há um longo debate via WhatsApp (longo na troca de impressões, buscando a precisão democrática de quem pretende um local que agrade a todos) e os detalhes finais começam a surgir mais filtrados – com um ponto de encontro democraticamente encontrado. Segue-se a viagem para a capital do império e um “turistar” que dura até à hora de nos encontrarmos no local selecionado. O destino, este ano, conduziu-nos a uma vizinhança que foi a minha, de 1999 a 2002, e onde comprei um apartamento: onde vi o Air Force One a aterrar – sentado na piscina do topo do prédio – onde namorei e vivi casado, onde vivia numa pequena aldeia da alta de Lisboa que se confundia com uma aldeia real – tal a serenidade que transmitia.

Voltar e estar com os meus antigos colegas de trabalho, que hoje tenho como amigos, numa vizinhança que era tão minha, foi o relembrar o quanto nos divertimos enquanto estivemos juntos. O que criamos, o que investigamos, as pessoas que conhecemos ao longo de todo o percurso do projecto, o percorrer o norte e sul de Portugal enquanto não havia colega a ajudar, as pessoas que integram e gerem as maiores empresas de Portugal bem como os respectivos gestores de conta, a necessidade que tinham de ter os movimentos bancários em tempo real. Todas as diferentes culturas, ambições, cidades, vilas e locais que integravam a carteira de clientes do banco, os métodos de trabalho, a diferente gestão, a busca pelo sucesso monetário.

Os compartimentos permitem selar essas recordações, em contentores fechados nos tempos de outrora. Acedemos a eles com a certeza absoluta de que jamais voltarão, mas com a profunda convicção de que foram plenamente vividos. Com um sorriso pleno de satisfação por possuirmos memórias tão poderosas que obrigam a uma série de medidas de segurança…para que ninguém as roube e para que a saudade não nos feche num tempo que, apesar de perfeito, já não volta.

As confraternizações da vida – 30/11/2024

Saudosista recorrente.

O passeio foi o de sempre, quando se trata de vaguear pela cidade em que nasceu, e hoje teve o dom de ter a lua alinhada com a segunda prancha da piscina local. Até podia ter olhado e continuado mas a memória traiu-o! Parou e recordou os inúmeros saltos da segunda prancha, um dos quais foi de cabeça e teve o dom de o convencer a nunca mais repetir a façanha – correu bem mas o tempo entre o salto e a entrada na água é algo que fica na memória.

Os dois saltos da terceira prancha – uma loucura para quem tem vertigens e, uma vez chegado ao terceiro andar, não conseguia recuar. Aí sim, recordou-se de ter encontrado o Zé e, num diálogo curto, saltou para o que pareceu uma aventura sem fim – foi o voo de uma vida. O diálogo foi de pretensos heróis e ambos os putos presentes mentiram quando afirmaram estar habituadíssimos a saltar daquelas alturas…

Senti-me voar novamente, porque quis sentí-lo e, por uns míseros segundos, estive na companhia de pessoas tão queridas de outrora. Num sonho acordado, com os pés bem assentes na terra, com os olhos bem despertos para a realidade, sorri com eles e, por entre fantasmas, senti uma boa disposição imensa, como se a mente tivesse perdido toda a razão e somente o coração pulsasse. Numa embriaguez sóbria, numa inconsciência muito presente, num voar imaginário em que não só ultrapassei Ícaro, sem asas, mas também o superei numa satisfação tão plena que nenhuma cera conseguiria suster.

Vadiagem pela cidade – 11/11/2024

A lua que salta da segunda prancha.

A mala de viagem.

Com toda a parafernália electrónica a carregar – escova de dentes incluída – sucedem-se as notas mentais como forma de tentar não esquecer nenhum detalhe que, de alguma maneira ou feitio, coloque a maratona fotográfica em causa.

Baterias antecipadamente carregadas, cartões de memória previamente formatados e prontos a salvaguardar as imagens, máquina limpa de impurezas das recentes saídas citadinas, uma revisão final por todos os botões cujas novas funções estão memorizadas.

Roupa leve e larga para as caminhadas que são inevitáveis, uma última revisão pelas notas mais importantes do curso de fotografia, um sorriso de satisfação pelas pequenas mas muito satisfatórias conquistas, o desejo de captar o outono na sua plenitude.

O farnel separado para que esteja sempre acessível, a falta da garrafa de água para que haja uma desculpa para um primeiro café já em trânsito, um soluço de agonia pela hora de partida tão madrugadora. Um visualizar mental de tudo o que há a fazer e um inspirar profundo,  face a uma aventura que antevê como o exame final de um processo de aprendizagem.

Material todo embalado e organizado, um respirar fundo a fingir que ficou cansado, um sorriso matreiro semelhante ao dos putos – que sabem que partem para a conquista, com o mesmo espírito com que conquistamos o Brasil, muito embora procurássemos a Índia.

Falso esforço – 1/11/2024

O que pinga do céu.

Cada gota um pensamento e cada sucessão de gotas uma emoção que parte e não volta. A cadência da chuva é o martelo pneumático, que afunda pensamentos nefastos numa fossa mais profunda do que as Marianas. Selados pelo cinzento do céu que, na sua cor impenetrável torna impossível qualquer regressão, eis que o sorriso se impõe como a bonança após a tempestade.

As covinhas que substituem a falta de expressão, o brilho nos olhos – com a alegria de quem desvenda o futuro numa bola de cristal que só a imaginação permite existir – enquanto o corpo se adapta a toda uma aragem, que renova o estado de espírito, e faz o miocárdio bater mais forte e mais confiante. Disposto a contagiar o mundo com o seu abraço e a destruir tudo e todos que se lhe oponham.

Como um exterminador implacável, imbuído de alegria e boa vontade, rumando sem mapa e aceitando o destino como bússola. Recordando agruras, que se esbatem em gotas, e são constantemente substituídas por abraços das folhas verdes e castanhas que, não só representam a mudança de estação mas também são o catalisador de toda uma mudança emocional. Suspiros, de alegria. 

Saído da imaginação – 2/10/2024

Gotas, folhas e sentimentos.

O ponto mais alto.

Acordar às 5:30 da madrugada, depois de uma noite “distraída” a rever o Reservoir Dogs e a emborcar mais uma cerveja do que o aconselhável, o atravessar a rua até ao vidrão – para reciclar o vidro que conteve o líquido fresco e loiro da noite anterior, o ser surpreendido pelo companheiro de trabalho e a partida para a serra.

Atravessar caminhos chamuscados e outros com pequenos reacendimentos, o cheirar o queimado que empestou a região durante a semana passada, a primeira paragem para um café e a garrafa de água de 1,5L. Uma legião de motas que nos ultrapassa e uma outra que é ultrapassada por nós, a chegada a Manteigas para um reforço do pequeno-almoço e a compra de um pão local.

O seguir o mapa de outrém, para encontrar o início do trilho, o pedir informações a alguém local – que nos indica que “é sempre a subir!!!” (como aviso para a impossibilidade de ser feito a pé), o regresso ao carro com a certeza que escapamos ao inferno da subida. Nove minutos de carro, “sempre a subir” e eis a entrada do trilho e a constatação de que o carro foi a escolha acertada!

A imersão na verdura, acompanhados de perto por borboletas e outros bichos, um toque irritante na mão que mais não é do que um gafanhoto que parece pretender ser fotografado, imensas paragens para recolher imagens da natureza que nos rodeia, palavras de incentivo – sob a forma de “isso é o que todos fotografam!!!” – como forma de me obrigar a procurar ver o que habitualmente não é visto ou fotografado.

Por caminhos municipais, na procura de uma vista para acompanhar o almoço, estacionando junto a um pastor para o repasto pleno de colesterol e boa disposição. O retomar da fotografia, na descida da montanha, a bateria da máquina que cede muito antes do previsto. O regresso pelo caminho de ida e a atenção constante a bestas quadradas que apenas guiam um dia por semana.

Domingos de trabalho – 23/9/2024

Quando se almoça com esta vista…👌

O clique que faltava.

Já não me recordava da última expedição punitiva que havíamos feito ou sequer qual havia sido o destino o que, em bom abono da verdade, apenas significa que fui obrigado a relembrar as fotografias para poder lembrar-me do percurso. Viana do Castelo, pois claro!

Em cima da mesa estava agora a possibilidade de visitar uma praia de outrora e, da margem oposta, captar os melhores momentos do fogo de artifício que encerra o evento. Como sempre, a aventura não se cingiria ao planeado e tencionávamos aproveitar o máximo de luz solar bem como o pôr-do-sol.

Por entre domingueiros dispostos a guiar num dia diferente do habitual e “fanáticos” armados com toda a parafernália para um mês de férias, eis-nos a reconhecer o território muito antes da hora do evento principal. O local ideal, onde fazer a inversão de marcha para evitar o trânsito no final, onde beber um copo, planos B variados…nada foi deixado ao acaso!

Um salto rápido até a uma cidade próxima, um churrasco valente a servir de repasto, um copo tranquilamente bebido num Furadouro pejado de pessoas. A hora rapidamente chegou e, munidos de todos os estudos antecipadamente elaborados, dirigimo-nos para o ponto X, definido como o ponto perfeito para captar a essência do que aconteceria do outro lado da margem.

Infelizmente, outros estudiosos já haviam descoberto o ponto X e, por entre mesas de campismo, minis a serem sorvidas e esgares de quase ódio, lá conseguimos chegar a um dos pontos alternativos previamente definidos (é treta mas fica bem no texto). Montada a parafernália fotográfica, lá conseguimos captar alguns dos momentos altos do fogo de artifício que tínhamos planeado, por entre alguns encontrões e cuidados redobrados para não pisar algum incauto.

O vadiar do amador – 8/9/2024

O conforto do descanso.

As palmas dos pés a ressentirem-se da distância, a garganta ligeiramente afectada apesar do lenço, um sorriso amarelo de quem cumpriu a distância mas agora jaz refém do percurso percorrido.

Agarrado ao Steinbeck, lendo muito lentamente para saborear cada palavra, cada frase, cada parágrafo. Antevendo os factos mas embriagado nas palavras usadas para a eles chegar.

Entre o prazer da sombra da varanda da frente e o calor com vento frio da varanda das traseiras, sonhando com a varanda de Amorgos e o “Love will tear us apart”, naquela madrugada em que resolveste viver uma noite completa, contigo, e te levantaste com o nascer do sol e constataste que não eras o primeiro a chegar à praia.

Entre o prazer da leitura e os momentos de alegria da vida, o primeiro que te obriga a sonhar com o que o autor deseja e o segundo que te traz o desejo de escrever para que outros possam sonhar com as tuas aventuras. Um sorriso de bem estar pleno e um coração cheio de amor próprio.

De peito cheio – 5/9/2024

A apneia da leitura.

O processo assemelha-se muito ao estar debaixo de água, sem respirar, até ao limite. O jornal diário – que já só os velhotes compram, de acordo com o senhor da papelaria que os vende – é, tal como todos os outros, constituído por diversos artigos, divididos por secções. 

Sentado na mais do que suspeita esplanada de sempre, já depois de ter atravessado a parte alta da cidade para comprar o diário, dou por mim a descascar um queque com uvas passas e a ler a última página. O descascar porque não consigo comer o queque às trincas – preferindo ir arrancando pequenos pedaços que vou mastigando – e a última página porque, apesar de todos os cuidados no tratamento do jornal, como se de o melhor livro se tratasse, poderei eventualmente ter gordura nos dedos e assim só afectarei aquela parte.

No intervalo de um dos curtos artigos contidos nessa última página faço uma pausa, como que interrompendo a apneia de leitura em que estive imerso, e ergo a cabeça para observar o que me rodeia, antes da apneia no artigo seguinte. Nas costas de alguém que entra, e pedindo licença para entrar, está uma beldade cujo nome não recordo e que abre um sorriso daqueles que o coração detecta. Não é só um sorriso, seguido de um bom dia, há ali mais substrato do que é dado a ver.

O cérebro, normalmente tão ausente nestas circunstâncias, tenta buscar informação adicional no catálogo da memória e nenhum dos resultados que retorna justificam a presença dela ali – não é vizinha, o último local de residência em que a coloca é longe dali e, ironicamente, tem um estabelecimento comercial com o mesmo tipo de serviços mesmo ao lado, o contacto visual continua durante a consulta da base de dados cerebral. Sentes-te como que observado e despido, o que te obriga a olhares para ti próprio e constatar que o calção de banho, as xanatas e a tshirt estão longe de constituir um atentado ao pudor. 

Quando ergues a cabeça novamente tudo parece não ter passado de um sonho. Talvez um efeito secundário da apneia, uma visão pela ausência de oxigenação do cérebro, um devaneio – fruto de uma uva passa psicadélica que não foi detectada no controle de qualidade. Olhas para o cartoon da última página e sorris com a piada que ele contém, ergues a cabeça como que perguntando se de facto tudo aquilo foi real, sorris com a ideia de toda a interação. Estás imerso num questionário imaginário para o qual tens todas as respostas.

Ela sai, e agora já não há dúvidas, outras pessoas, nada que perturbe o teu campo de visão. Sentes que a tua cara se prepara para derreter, num semblante enamorado e totalmente rendido a esta mulher que já não vias há uma década ou outra. Fazes um esforço por contrariar esse processo e sai-te um sorriso, ainda mais derretido do que o pensamento do semblante enamorado – que é gerido pelo coração e desprovido de racionalidade – impossível de contrariar. O raciocínio parece criar um outro eu que, tentando colocar-se entre ti e ela, te interroga “Olha que figurinha…”, “Disfarça!!!” (com uns estalos imaginários de quem tenta acordar outrém de um transe), num esforço inútil do racional perante o emocional.

Os olhos estão rendidos, as bochechas roseadas, o sorriso é a soma da felicidade com o total alheamento do racional, o corpo parece abandonar-se num abraço que, por agora metafísico, mas que urge concretizar. Há ainda um olhar brejeiro, a tirar as medidas à traseira da visão, e um olhar de 360 graus – apenas para constatar que toda a ação foi visualizada por duas funcionárias do estabelecimento, que sorriem com um olhar de quem finge nada ter visto…

Sensações imaginadas – 24/8/2024

Uma água fresca.

Porque um dia atípico merece uma continuidade atípica…

Depois de um despertar madrugador, numa tentativa de ver a lua cheia sobre o mar, ciente do número de vezes em que a neblina estraga o espectáculo, resolveu o humilde narrador fazer cinco quilómetros matinais num cenário que nunca havia visto: cinco da manhã, fotografia demasiado nublada para ser considerada, necessidade de optar por um plano B.

Cruzei-me com uma pessoa, possivelmente tão espantada quanto eu, trocamos o vulgar bom dia entre desconhecidos, continuamos em direção aos diferentes destinos. O sol nasceu e a curiosidade tomou conta do processo – tentar imitar os despertares gregos e dar um mergulho no atlântico como se fosse o mediterrâneo.

A água estava fabulosa mas o exterior estava com uma temperatura inferior! O corpo mal enxuto dentro de um fato de treino, o passo acelerado até casa, com o arrependimento e orgulho a servirem de combustível natural. O dar uma valente gargalhada, quando interrogado na chegada a casa, o sentimento de culpa por ainda fazer coisas que já devia ter deixado no passado.

O duche quente a repor a temperatura do corpo, o vestir o pijama de verão, o regresso a uma cama para sonhar com esta nova aventura tornada realidade. O despertar para um novo rol de notícias, dedos com a tinta do jornal, o recordar todos os que te levaram jornais Portugueses quando estavas rodeado de notícias gregas. O saudosismo de quem aprendeu a madrugar para andar na mais bela capital europeia para esse efeito.

Trilhos da madrugada – 20/8/2024

Antes da loucura…😂

Da infância aos dias de hoje.

Da rua, pelo facto dos pais serem amigos, da praia, das brincadeiras iniciadas por amigos comuns, porque o irmão era muito amigo…não recordo quando nos conhecemos mas recordo o sorriso, desde tenra idade, como sendo dos mais bonitos – porque honesto – com que me cruzei.

O destino, esse “eterno fundamentador” de relações humanas, colocou-nos numa mesma rotina matinal e, fruto da periodicidade, pedi-te uma coisa simples para o dia que então começava: que sorrises. E tu, com o carinho de sempre, anuíste com uma concordância dada com um rápido movimento da cabeça.

Quis o destino que nos cruzássemos, em lados opostos da mesma rua e, porque possuis uma memória incrível, sorriste. E eu, apanhado de surpresa por um segredo nosso, dei uma enorme gargalhada que, espero eu, tenha evitado que se visse que estava corado. Como cereja no topo do bolo, ainda completaste o nosso encontro com um subtil cumprimento de mão aberta, de abanar seguro e com contacto visual. E o miocárdio palpitou ainda mais…

Olhares sinceros – 13/8/2024

Trabalhadores à paisana.

Por fora, para quem espreita sem ver o miolo, dá a impressão que são apenas dois gajos, com máquinas fotográficas, a passearem e passarem um bom bocado. As montanhas, os rios, as lagoas, o povo que circula, toda uma série de cenários em que cada momento é aproveitado para aperfeiçoar o passatempo que é a fotografia.

Começa cedo e obriga a desviar dos últimos resistentes (?!) da noite de sábado. Acompanhados pela neblina, e já com o destino definido, ei-los a caminho do destino, com as habituais paragens madrugadoras onde os estranhos são os últimos seres esperados, tão cedo pela manhã.

Abastecidos de água, e com a primeira cafeína ingerida, chegam a uma Viana do Castelo onde ainda se ouvem os últimos acordes de uma festa de música electrónica – uma agonia a condizer com o nome da festa local. Numa qualquer esplanada observam um transeunte, movido a Jameson, que inventa uns novos passos de dança, com os ouvidos a tentar sincronizar a agonia sonora que se ouve ao longe…

Umas fotografias depois, por entre uma neblina que abraçava a cidade, ei-los sentados na Taberna do Poita. Um empregado bastante motivador incentiva-nos a escolher o bacalhau frito e o almoço passa bastante rápido. Tempo para visitar as Lagoas de Bertiandos e subir a serra d’Agra. Objectivos que cumprimos, com a tranquilidade necessária para fotografar o que de mais interessante encontramos, e ainda comprar umas Clarinhas, em Fão, no regresso a casa (um jantar docemente improvisado).

Foram 14 quilómetros (total da caminhada do dia) a inspirar a pura beleza portuguesa, por entre tantos detalhes de outrora que, por vezes, julgamos desaparecidos, em mais uma jornada de verdadeira reflexão, descoberta e descanso. No final, respira-se felicidade por um dia bem passado! 

Simples e recompensadoras – 12/8/2024

Serra de Arga.

Contradições.

Os pés pediam descanso mas a mente queria cansaço, a vista queria ressonar mas a mente dizia-lhe para ir ver o mar, o caminho parecia longo mas o humilde narrador transformou-o num entretenimento.

Dois pares de sapatilhas, para parecer profissional da coisa; o espírito de um caracol que se mostrou com a melhor passada deste trilho, a vontade de comer um gelado que distava onze quilómetros.

A água que hidratou, a tosta mista que saciou, o gelado que foi de guloso orgulhoso da sua nova passada, o filho que te goza pela relação exercício/comida enquanto envia umas fotografias das férias.

Um dia preenchido de pequenos mas reconfortantes gestos de amor próprio e familiar. Ser um sentimental de merda tem as suas vantagens…

O que me conforta – 5/8/2024

Os caminhos de ferro.

Porque os carris são capazes de suster toda aquela tonelagem antiga, porque a automotora é a diesel e o bronzeador passa a ser naturalmente aplicado, porque havia a curiosidade de conhecer e saborear algo novo.

Partida para Aveiro antes do meio-dia, algumas camisolas do Futebol Clube do Porto e outras de um outro clube, a massa humana reunida numa carruagem moderna a caminho da capital do distrito.

Não nos lembramos que a final da Supertaça se jogava ontem e tememos ter que enfrentar mais sociedade do que o habitualmente intolerável, almoço comido bem cedinho e, após uma volta de reconhecimento rápida, prontos para embarcar.

Calhou uma carruagem sem varandins, mas com portas de carga sempre abertas e com uma barra de segurança a separar-nos do vazio, o óleo do motor a invadir a carruagem e a sensação de que todos precisamos apenas de puxar o lustro para brilhar ainda mais. 😬🙌 O cómico sentimental de presenciar os que saudam o comboio…❤️

O detalhe de não sair em Macinhata do Vouga – indo dar a volta, com o comboio, a Sernada do Vouga e usufruindo assim da vista da ponte que une ambos os locais. O visualizar a manobra, o novo atrelar da automotora à nossa carruagem que, nesse momento, passou de ser a última para ser a primeira. ☝️

Um lanche burguês em Águeda, a voltinha para ver guarda-sóis e outra “arte” que impede o calor de se impor, o regresso ao comboio que nos trará a casa. Os carros que se acumulam, estacionados por todo o lado quando estamos a 15 minutos de Aveiro, a relembrar que é dia de jogo. O relato de um, dois, três golos de desvantagem e o grito de uma senhora, bem mais Portista do que eu “Lá vão ter que perder 3-4 e encarar a vergonha!” 💪💙

O puto, no comboio de regresso a Espinho, que cheira o chulé do próprio sapato e finge desmaiar…🙌😂

Dia de bons presságios – 4/8/2024

O batimento do músculo.

Com cinquenta quilómetros conquistados, em cinco dias úteis, começo a desconfiar que encontrei um dos trajectos ideais para o verão. O vento vem da direção contrária ao trajecto, há uma quantidade de sombra apreciável, bastantes grupos diferenciados a fazerem exactamente o mesmo.

Depois do excesso que foram os vinte quilómetros de floresta, tão longe de casa e sem a necessária leitura para desanuviar, eis que se conjuga a parte de montanha, cidade e praia – mercê de uma imaginação imparável, claro está. O chegar ao ponto de leitura completamente esgotado para, uns capítulos depois, fazer o caminho de volta.

Munido da sombra de um vento que me impulsiona, grato pelo exercício e pela qualidade da escrita, temo até que esteja mais refém da leitura do que do exercício. Ou talvez não esteja refém de absolutamente nada e, ao desfrutar de uma liberdade absurda, tente encontrar uma explicação lógica para um sorriso inapto, duradouro, parte integrante deste novo eu.

Arrisquei a vida sentimental e deixei uma página escrita, dobrada em três e com a indicação “Multa”, no pára-brisas da menina que diariamente cumprimento e, fruto do humor que a missiva continha, temos um encontro marcado. Curioso como, sem palavras e só com gestos, o diálogo flui tão bem…

Crucificado ou não, eis a questão! 😂 – 2/8/2024

Céu nublado e calor.

Foi o único dia em que todos concordamos ir à praia: havia sol apesar das nuvens, o ar estava quente apesar de ser um país em que tal raramente acontece, acordamos todos com vestimentas de praia vestidas e queríamos ver a nossa escolha reconhecida!

A reunião teve lugar na enorme sala de estar, com todos reunidos nos dois sofás que ladeavam a mesa, café quente a chegar da secção da cozinha, olhares entre o atrevido e o receoso. As opiniões tão divididas quanto a quantidade de açúcar que cada um usava.

Sem consenso, mas com bom senso, fomos para a praia mais próxima de Cork que, por sua vez, aparecia no Google Maps como isolada e sem muita gente. Obviamente não era isolada e havia um pub na entrada da praia! Foram essas pints que salvaram o dia.

Um pouco como hoje – 25/7/2024

O horário de adolescente.

O acordar brutalmente cedo para devorar as notícias do dia anterior, a farda de verão constituída por tshirt, calções e xanatas, os óculos no lugar das lentes de contacto, a toalha de praia que fica ao fundo das escadas para uma rápida mudança de notícias por mergulhos, o sorriso que se cola a uma cara avermelhada pelo sol.

A chegada ao areal e o poder decidir onde ficar, o enxergar o vizinho mais próximo a uma distância que não me permite ouvir o eventual ruído que causem, o reunir tudo dentro do chapéu e o caminhar ensonado pela água que, já não te surpreende, até uma onda que pretendes surpreender.

A rápida revisão abaixo do equador, de maneira a não trazer areia desnecessariamente, o nivelamento do calção por uma linha imaginária. O alegre regresso pela areia, com as oscilações causadas pelas ilhas de areia que se formam na maré vaza, do sentires-te muito alto ao receio de teres caído na fossa das marianas, um beliscão dissimulado para verificar se os membros ainda não gelaram.

A toalha sacudida e enrolada no corpo, a temperatura que recupera a normalidade habitual. O deitar para um banho de sol rápido, umas folhas do “Invisível” do Paul, o regresso da abstração porque o corpo requer outro mergulho. O virar do frango, continuando a leitura e adiando o banho, umas valentes gargalhadas pelo modo como os personagens literários se expressam. O largar tudo, muito rapidamente, porque o canto do olho viu a onda perfeita para mergulhar de cabeça. A alegria de viver em contradição horária!

Manhã imersa e tarde também – 24/7/2024

Recebido de alguém que me conhece.

E o mar que tudo arranja…

Durante três anos sonhei com as ondas do mar caseiro; excepção feita a Lefkada, com ondas altas e excepcionalmente azuis claras a quebrarem na praia, o restante é constituído por ondas que mal cobrem o dedo mindinho. 

Hoje, pela manhã, tive a oportunidade de ter que caminhar para ir de encontro às ondas, mercê de uma maré baixa que coloca as ondas a cerca de cem metros de terra. 

Já não me lembrava de “ter que ir ao encontro das ondas”, mas a conjugação de caminhada e mergulho é uma vigorosa terapia. Numa espécie de biatlo, conseguimos reflectir na caminhada e deixar o mar levar as impurezas de pensamento acumuladas com o mergulho.

Repito hoje passos que com 18 anos fazia diariamente. Com o mesmo objectivo de outrora e, felizmente, com o mesmo resultado. 

A água que tudo lava – 23/7/2024

Cenário hipotético de um amor pleno.

Num mundo de interrogações e demasiadas perguntas para tão pouco tempo de respostas eis que, na tranquilidade das suas manhãs de leitura, numa esplanada de uma rua que só de propósito é que se encontra, surge o cumprimento de uma voz de outrora.

Não exige recurso ao arquivo de vozes porque o sentimentalismo de merda – um catalogador muito mais rápido do que o Google a indexar resultados – imediatamente avisa a mente de quem se trata. A auto-intitulada alfa surge no canto do olho e o que se segue é o mais intenso “staring contest” a que o mundo assistiu.

De um lado o ser supremo do sexo feminino, de acordo com a própria, e do outro um sentimental de merda que não pode ceder e se interroga porque está a ser cumprimentado: boa educação? Não pode ser porque foi saneado, numa reunião familiar de outrora, em que o compromisso de não mais interagir com ele (ou a simples menção do nome) ficou assinado (segundo a “verdade” dela, anyway).

Ela passa, os olhos não cedem e demoram a assimilar a imagem dela. Pôs mamas?! Interroga-se, enquanto nota que há algo novo nela. Corta o olhar, o que a fêmea alfa deve ter encarado como uma vitória, e emite um som de desaprovação – porque esperava mais de alguém tão alto na cadeia do amor-próprio (deve haver uma cadeia assim). 

Não se pode falar de uma tensão palpável porque ela é visível! Vê-se, sente-se, tudo! Um hino aos sentidos apurados. Volta o olhar para o jornal diário, enquanto sente que – não fora um amor-próprio demasiado exacerbado, a rainha do ego – ela até podia ser o amor de uma vida. Assim, é apenas vulgar.

Num planeta imaginário – 23/7/2024

A combater calores.

Adaptar ou readaptar.

O pé está na areia, o mergulho foi rápido e esfriou bastante o corpo quente, o queixo treme porque questiona que água fria é esta, o sorriso é aberto por poder estar a fazer algo tão simples quanto escrever este texto no telemóvel.

Enterras o pé mais profundamente na areia, começas a sentir a cara a ficar quente, perguntas se não será melhor colocar o chapéu mas, ao não responderes a ti próprio, ficas na dúvida. Soltas um suspiro aliviado quando constatas que há gente mais gordinha que tu.

Mascas a goma e relembras que já passaram dois meses desde o último cigarro, sentes a necessidade de graduar os óculos escuros, constatas que talvez sem eles a realidade seja mais clara. Observas uma criança que tenta encher a piscina, com expirações que ainda não superam o ar perdido entre elas, larga tudo e vai juntar-se aos pais para um mergulho.

O exercício de leveza de mente continua, traças mentalmente um trilho para a tarde de hoje e interrogas-te se a imaturidade de outrém é algo que possa ser superado. Não perdes muito tempo com interrogações e a certeza do trilho da tarde surge para abafar pensamentos que não te cabem a ti estar a ter.

Largas a toalha e vais dar outro mergulho. No esfriar é que está o ganho!!!!

O gelo da água como arrefecimento natural – 22/7/2024

Onze horas e meia de trabalho!

Saímos uns minutos mais cedo do que é habitual, chegamos ao primeiro café com a área de serviço ainda em modo nocturno, compramos os primeiros pertences fundamentais: a água e café.

Com um início de viagem por entre nevoeiro e neblinas matinais bem cerradas – até parecia inverno. Chegamos ao meio do caminho para a primeira montanha e tiramos as primeiras fotografias numa contraluz espectacular.

Continuamos a viagem, demos uns giros para recolher mais imagens, ligamos para o restaurante a tentar reservar o almoço – é domingo e, neste dia específico, há “profissionais” que reservam mesa mais rapidamente do que nós (provavelmente de uma semana para a seguinte) pelo que fomos obrigados a recorrer ao plano alternativo – a pizzaria de Gralheira. 

Com tempo ainda disponível, e com alguns pontos de interesse situados nas imediações do restaurante, fomos fotografar a vizinhança com um olho a observar o restaurante. Um ponto de água, uma ponte comunitária, as vielas e os becos que cercam o restaurante (onde a Sabrina é quem manda).

Arranjamos mesa, encomendamos vitela e, passados uns minutos, chegou o cozido à portuguesa, seguido de vitela assada no forno e, por último, um naco de vitela (trabalham por menu e cada cliente tem direito aos três pratos). Um copo (lol) de verde branco a acompanhar e um pudim de sobremesa fecharam o modesto almoço.

O regresso foi feito via serra da freita, paragem em Arouca (para umas castanhas e uma caminhada), captura de inúmeras libelinhas que ladeavam o trilho à beira rio. 

Foi um dia de temperatura quente, com vários trilhos percorridos – com o cheiro fresco dos cavalos a acompanhar, três castanhas comidas e um almoço numa pizzaria que só vende pizza aos incautos mal informados!

Pelos trilhos de Portugal – 21/7/2024

De costas voltadas.

Os caminhos de Portugal. 🎶🇵🇹

Um dia, estava eu a coçar a cabeça a tentar encontrar a configuração perfeita para tirar uma fotografia em modo manual, quando alguém me disse: de 15 em 15 dias, grosso modo, vou por aí fora tirar fotografias dos sítios por onde vou passando. Queres vir também?

O aprender a fotografar, como tanta coisa na vida, está na tentativa e erro. As decisões pobres que dão azo a decisões mais ricas, o constatar do que estamos a fazer mal e o rectificar até ficar melhor – num trilhar a caminho da perfeição. Embarquei na aventura e passei a acordar às 5:30 da manhã de domingo.

O acordar é feito com um sorriso e, antecipando o caminho a percorrer, revejo mentalmente erros anteriores que estragaram uma dada fotografia ou, pelo menos, lhe retiraram mérito qualitativo. O duche e pequeno-almoço são rotineiros como passo enorme rumo à saída de casa e início da aventura.

A atenção ao detalhe, o bicho que não vês mas cuja presença é denunciada por outro dos presentes, o ângulo que deves usar para obter um melhor efeito de luz, a revisão rápida no LED da máquina que confirma ou desmente o que achas que alcançaste. São domingos de ação, atenção ao detalhe, esforço físico no caminhar e, porque somos lusitanos, um brutal almoço!

Momentos de felicidade – 20/7/2024

Os banhos de mangueira.

Testados que foram os pares de sapatilhas existentes, e constatado que nenhum oferece proteção sem magoar na bolha rebentada, eis o humilde narrador remetido para uma tarde de sol, banhos de mangueira e sulfadiazina para acelerar a cicatrização.

Perdido nas palavras eternas do autor de Aracataca, com descrições capazes de nos mostrar os locais por palavras, por entre sorrisos e outras expressões de reconhecimento, eis-me a desfrutar de um belo aconchego caseiro.

O café quente, a água das pedras gelada, as palavras como abraços e as descrições como algo que pretendemos alcançar, a mente que vagueia e te obriga a concentrar para que não se desgoverne em sonhos que ainda te faltam concretizar.

O melro que se senta ao teu lado, percorre o pequeno muro de cimento e, após receber uma migalha de reconhecimento, parece pavonear-se em agradecimento. Um canto bonito e fora do normal antes da partida para um destino que é só dele.

Os pintassilgos que olham para ambos os lados, antes de buscarem a migalha, sempre atentos aos gatos vadios da vizinhança. Os gatos da vizinhança que usam os vasos como forma de iludirem as presas que pretendem alcançar.

Um mundo natural – 18/7/2024

O desconhecido.

Saído da estação e após uma boleia amiga, largado num trilho desconhecido e de sorriso aberto, a fazer um passo superior ao normal, uma ligeira dor abaixo do tendão, uma curva e a paragem para descobrir o porquê da irritação no pé, uma bolha que explode e mostra a carne fresca.

O continuar com um penso improvisado, o mesmo sorriso com os dentes rilhados, estou a meio do caminho pelo que é igual regressar ou continuar. O corte pelo meio da floresta, alguns animais que se afastam sem que eu faça questão de saber quais, um ponto de referência conhecido é visto ao longe e o sorriso abre para algo normal.

O regresso a casa para um curativo bem feito, uma bolha aberta para que todo o líquido possa sair. Um misto de emoções: um penso bem feito, uma convalescença em perspectiva, o sorriso pela conquista apesar de.

Amanhã será melhor – 17/7/2024

A novidade que não o é.

A intimidade entre um casal é, quanto a mim, primariamente definida pela força que ambos colocam na sua constituição: o saber viver para nós, o saber priorizar o nós, o ter um gosto enorme em contribuir para algo novo que é só nosso. 

O processo é demasiadamente fácil para que um ser racional falhe mas o mundo está cheio de exemplos falhados. A exclusividade, o acerto de duas personalidades, o respeito pelo sempre necessário tempo do outro, o carinho e a elevação de outra pessoa acima de nós mesmos pode colidir com personalidades narcisistas, ou sem maturidade suficiente para simplesmente ser de uma honestidade simples e confessar “não sou capaz de abdicar de mim em prol de nós” – que é a mais honesta expressão de não querer pactuar mas, ao mesmo tempo, respeitar suficientemente a outra pessoa para ser capaz de o confessar.

O mundo também está cheio de pessoas cobardes que, ao invés de constatarem as suas fraquezas em prol da sua superação, optam por atitudes bélicas e de desafio que jamais encontrarão um alvo igual para as praticar. Sim, é verdade, o mundo também está cheio de potenciais alvos, logo a cobardia pode ser assim escondida, desde que o alvo seja sempre diferente e a imaturidade permaneça como volante da vontade de viver desse ou dessa personagem, como algo reciclável e partilhável pela sociedade.

A ambição desmedida fez nascer os sentimentais de merda – sujeitos para quem a intimidade é o bem maior, que os torna cegos (excepto para verem, decorarem e enxergarem, com todo o encanto que possuem, a pessoa amada). Vivem com a fusão de dois corações num só e aceitam que a partilha do miocárdio seja a mais alta aspiração do seu relacionamento. Transformam a sua singularidade num pluralismo do casal que orgulhosamente ostentam, como os veteranos ostentam as medalhas das suas conquistas – com muito orgulho!

Não há neles discussões mas sim conversas em prol de consensos – sabendo sempre que o miocárdio só é musculado se ambos estiverem em constante equilíbrio na busca de um bem comum que não conhecem e que, potencialmente, poderão nunca alcançar, mas que nunca desistem de procurar – pelo bem de ambos. O coração aberto a outrem, como se de uma cirurgia de peito aberto se tratasse, com toda a fragilidade que o processo acarreta e toda a confiança nos dois envolvidos. É difícil, há quem passe uma vida inteira na tristeza de nunca o experimentar.

Arritmia de fim de tarde – 17/7/2024

A leitura.

Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.

As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.

A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.

O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.

As manhãs, enquanto início do dia. – 17/7/2024

A leitura.

Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.

As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.

A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.

O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.

As manhãs, enquanto início do dia. – 17/7/2024

A essência sem influência.

Era o fim de uma caminhada muito simples, do ponto mais a norte até ao ponto mais a sul. Sempre focado na areia e no mar – na capacidade que possuem de nunca serem (ou permanecerem) iguais. A constante mutação como sinónimo de uma existência – sem que a personalidade seja perdida e, pelo contrário, até seja celebrada e invejada. Uma paisagem em constante transformação, que ilude os menos atentos que até a ferem quando dizem que “está sempre igual” ou “é sempre a mesma coisa” – um claro sinal de que a visão está a precisar de estímulo ou carece de uma visita urgente ao oftalmologista. Parar, olhar e saborear a vista – como um prazer que nos permite recarregar toda uma hipotética bateria chamada mente.

Os inúmeros jardins escola ou ocupação de tempos livres – um nome horrível, como que impondo a necessidade de ocupar tempos livres! Como se, enquanto seres racionais, tivéssemos a necessidade de nos ser indicado o que fazer quando o tempo livre surge, como se não soubéssemos ensinar os nossos descendentes a ler um livro, a brincar, a divagar, a saber estar. Dizia eu, enquanto me distraí com o termo, que a praia estava com bastantes crianças que se divertiam com as actividades que tinham disponíveis. Dois grupos divertiam-se a jogar futebol, replicando um jogo imaginário e alguém sugeriu que o desempate fosse feito com recurso a grandes penalidades.

Alinhados em dois grupos de adversários distintos, com os respectivos guarda-redes selecionados, abraçados como se só unidos pudessem ultrapassar esta eliminatória imaginada, alguns com garrafas de água a imitar a imagem que a comunicação social nos traz. O primeiro a falhar imediatamente recebe um grito de “Grande João Félix!”, há celebrações e muitos sorrisos com a piada feita, reunem-se todos e, cochichando, combinam algo. Começam a correr todos juntos, agora que já não há adversários, e enquanto gritam “Vamos à água!!!!”, vejo a educadora – em absoluto pânico enquanto se levanta da toalha de praia, não acreditando no que ouviu ou não sabendo como deter aquela onda de entusiasmo – a começar a correr atrás deles que, entretanto, travam aquela massa humana e, virando-se em conjunto para a educadora, exclamam “Já não se pode brincar?!”, enquanto sorriem, com uma união tal, que apenas conseguem mais um sorriso para o grupo.

Eles ensinam a brincar – 13/7/2024

Dias de sol.

O acordar e descer das catacumbas para um jornal fresco em notícias do dia anterior, o primeiro café como pontapé emocional e inicial, o lento abrir dos olhos para uma luminosidade que ameaça ser quente, as xanatas que transmitem o frio de um chão que ainda não aqueceu, o casaco de desporto como forma de não renunciar ao verão mas protegendo da temperatura matinal.

A revisão da primeira página – com notícias gordas mas cujo conteúdo tenho que vasculhar no interior – a leitura atenta de uma última página – que sabemos não conter as últimas notícias mas que tem uma importância acrescida para quem a desenvolve. Um sorriso com a “tirinha cómica” e um descanso para contemplar o que me rodeia.

O sentir a tinta, que se cola a uns dedos com pelo menos três anos de saudade de a tactear, o parar para cheirar o conjunto – e olhar à volta para me certificar que não sou visto por alguém que possa testemunhar o gesto e, num qualquer tribunal popular, aferir da intimidade presenciada, levando a uma condenação por acto erótico em público. 

O dobrar da primeira folha – que define todas as futuras dobras desse mesmo jornal, a leitura do editorial, a nova dobra que salta a enorme publicidade da página 3. Um desfolhar por entre as agruras nacionais e estrangeiras, a falta de bom senso no mundo, a desgraça humana e uma réstia de esperança na humanidade.

Uma última dobra e volto ao fim, muito perto do início, que me catapulta para um duche e o preparar da mochila para o passeio da tarde que hoje será pela invicta cidade.

Dias sem chuva – 13/7/2024

Outrora, o nascer do sol.

Constatações.

É óbvio que vejo quem entra, como se o blogue tivesse um olho mágico idêntico ao das portas. Tratando-se de um sítio público, e não carecendo de privacidade, são todos bem vindos e que desfrutem a leitura tanto quanto eu desfruto enquanto escrevo.

As vantagens de nada existir para esconder, o prazer de partilhar o que crio, a vantagem de não querer saber se o público gosta ou não porque simplesmente escrevo para mim, como se tratasse de um diário para memória futura, sem que exista um juiz, julgamento, acusação e/ou defesa.

Numa espécie de papel, onde não tenho nada a provar, vão caindo umas palavras que, quando a sorte as bafeja, ficam ordenadas,  com um significado engraçado, quando muito. As letrinhas, como se fossem uma sopa, cozidas e ordenadas pela água fervida do acaso, numa mistura que só pretende saciar o autor.

Um papel que todos podem ler e imaginar o sentido sendo que o real significado se perde na imaginação de cada um dos leitores. Uma amálgama que visa preencher uma cárie inexistente e que apenas colmata a desvitalização que a imaginação julga existir. 

Um exercício do imaginário, que julgamos ser real mas que, quando aspirando a senti-lo com o tacto, constatamos que não é palpável, sem deixar de continuar a imaginar a sua existência. Aspirando a ser um deus no uso da palavra quando sabemos que ser mortais é o máximo a que podemos aspirar.

Como tu – 11/7/2024

Uma ementa variada.

O método do discurso.

Não usaria palavras – era um risco mas, como tinha vertigens e fazer queda livre estava fora de questão – seria o seu desporto radical desse dia. Não era o método Ludovico, que Kubrick deu ao mundo, mas uma alternativa muito mais hilariante. Não implicava qualquer coação física e, quando muito, seria apelidado de louco pela tentativa de impor ao mundo um novo alfabeto…de sorrisos.

Por cada gota de água da chuva teria que sorrir e, de cada vez que interrompesse o seu passo – nessa longa caminhada, que se quer sorridente, chamada vida – teria que exteriorizar a soma de todos os sorrisos dados no percurso. Tinha consciência (teria de facto?) das diferentes interpretações que esta nova realidade poderia trazer ao seu dia-a-dia mas, colocando o científico acima da maneira de ver de quem o rodeia, destemidamente avançou!

O dia era de aguaceiros pelo que, mais cedo ou mais tarde, teria a “aberta” desejada para colocar a teoria em prática! Assim que notou umas pingas, que timidamente pintavam o chão onde pousavam, vestiu o fato com todos os sensores e dirigiu-se a um café próximo. Um sorriso tímido primeiro mas, fruto do aumento da cadência da chuva, o atrevido assumiu o lugar do tímido e o cientista sorria agora – como um puto adolescente a quem deram a chave do primeiro carro.

Baralhava as pessoas com quem se cruzava enquanto ele próprio estava baralhado e, atingindo o café que tinha definido como objectivo, soltou uma sonora gargalhada. Espantou todos os presentes que, como saudação de volta, lhe devolveram sorrisos. A empregada de balcão, ainda esboçando um sorriso, perguntou “Um café e uma água das pedras?” e ele, com os lábios invertidos e a formar um C invertido a 90 graus, anuiu. Poderia ser esta a solução para a humanidade? – perguntava interiormente a parte da sua mente, logo interessada em capitalizar o processo. Sorriu com a imagem, sem que o lucro fosse o propósito.

Entretanto parou de chover – 10/7/2024

Selfie num espelho partido.

Dia encoberto.

Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.

A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.

As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça. 

A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.

Encoberto mas possível – 9/7/2024

Dia encoberto.

Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.

A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.

As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça. 

A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.

Encoberto mas possível – 9/7/2024

Palavras submersas, umas nas outras.

Inocentemente colocando palavras, entre ideias formadas por conjuntos de palavras, denominadas frases. Com o mesmo intuito de um agente secreto que, sem que ninguém o detecte, coloca uma arma secreta, pronta a executar o inimigo, sem que alguém sequer desconfie que ele esteve presente.

Com o mais real dos cenários a servir de ficção para, na realidade, atingir os fins a que se propôs. Imbuído de uma personalidade de 007, coadjuvado pelo melhor dos cientistas e das melhores ferramentas secretas que eles providenciam, dedilhando o teclado enquanto vai corando com o conteúdo que o ecrã vai revelando.

Dedilhando mais do que a mente pretende revelar e ressalvando as partes que definitivamente o exporiam mais do que é desejável – num misto de atentado ao pudor seguido de uma corrida para encontrar uma peça de roupa que esconda a nudez. Como se as frases que se formam fossem uma corrida desenfreada para uma meta quando o pretendido é o gozo de um passeio conjunto, sem que qualquer meta se aviste.

O abrandar como forma de sustentação, a leveza do discurso como força motriz de um diálogo tão subtil que, aquando do ponto final, até o narrador fica pasmado com a alta rotação atingida. Como se o ralenti fosse uma mudança engrenada e as palavras fizessem tudo deslocar, sem que o autor se movesse. A beleza da inércia!

Assim era a dinâmica – 8/7/2024

Como se nadasse sempre para jusante.

O amadorismo do fotógrafo.

Por vicissitudes várias antecipamos o habitual domingo de fotografia para sábado e, mercê de uma equipa de planeamento sempre atenta, decidimos que Ponte de Lima seria o destino. O habitual acordar às 5:45, com uma pequena dor de cabeça do verde branco do dia anterior, quiçá abatido pela eliminação da nossa equipa nacional. 

A correria matinal para estar pronto a tempo e horas, o escutar aquele ruído tão típico do meio de transporte, uma última verificação de que está tudo dentro da mochila, o sorriso de quem vai visitar a mais antiga vila de Portugal. A paragem na área de serviço – para café e hidratação – o duelo com uma máquina de café arcaica, os goles de água que dão um novo alento ao corpo do humilde narrador.

Ser dos primeiros a chegar a um parque de estacionamento vazio, a visão dos canonistas madrugadores, a necessidade de degustar uma iguaria local, o lento caminhar até ao local do primeiro duelo gastronómico. Duelo vencido, regresso ao local de partida, o primeiro olhar pela feira e a exploração de um trilho local. Enganado amigavelmente na distância percorrida no trilho, incursão na feira do cavalo.

A visão de umas cavalonas, éguas e cavalos, num contexto despreocupado e ainda ensonado. O constante fotografar de tudo, na procura da luz perfeita para a hora do dia. A passagem por um mercado anexo onde a venda nos remete para os mercados de outrora – os sons dos animais vivos, a variedade, a proximidade e o carinho – de quem compra e de quem vende – como superlativo de relações públicas.

O almoço antes das 12, num restaurante que enche logo após as doze badaladas que marcam o meio do dia, o saborear da gastronomia minhota entremeado com o delicioso néctar verde e branco, brutalmente fresquinho e borbulhando. O fotografar das ruas e vielas, dos jovens e velhinhos, as viúvas e os viúvos que as cortejam, os sorrisos dos locais que assim nos fazem sentir uma parte integrante daquele todo que, momentaneamente, também é nosso.

O regresso ao recinto dos concursos equestres, o cumprimentar uma Maria sempre bem disposta, o reencontrar um padrinho sempre de abraço apertado no acolhimento, o beijinho de saudade à Maria que o acompanha nesta aventura chamada vida. O coração que se enche com a surpresa, de alegria que bombeia o corpo inteiro, o continuar a procura incessante por novos motivos por fotografar, sabendo agora que somos parte de uma claque que torce por uma égua de dois anos.

Uma última volta pelo recinto, a imagem de quem exagerou na festa, o regresso ao caminho de volta a casa. Mais tarde, a informação que a égua foi a vencedora, já no conforto do lar, e o delinear de um futuro encontro, para fotografar, mas, acima de tudo, guardar na gaveta das boas memórias que a vida nos dá. 

Um coração cheio – 7/7/2024

Selfie equestre.

Os pretensos sinais.

As coincidências, que na vida acontecem amiúde, são por vezes encaradas como sinais do universo ou, por outras palavras, uma forma de “o todo em que vivemos” nos dar o pré anúncio de algo que vai acontecer. Seja na nossa condição de grande amigo do patrão do outro, acionista, ou apenas demasiado bem rodeado para se importar com minimalismos, de um qualquer dia, encara-se o destino dado sem qualquer receio.

Uma música que toca e recordas quem te levou a ver o concerto ao vivo, um sonho em que acordas com a plena consciência de ter a cabeça enfiada num buraco do qual não queres sair, o encarar a amizade de outrora que insiste para que visites uma nova esplanada onde ela se sinta mais à vontade. Tudo pequenos detalhes que, sem necessidade de serem somados, te dão a aritmética do que podes ter.

Como não possuis Spotify premium és obrigado a escutar a música, sorris perante a recordação do buraco de outrora e vais espreitar a esplanada, para verificares se realmente a imagem publicitada corresponde à realidade. Uma espécie de exercício físico, aliado ao reconhecimento de uma cidade cuja construção há muito que ultrapassou o suportável, cumprimentando os amigos de sempre, capazes de arranjar sempre mais uma mesa, de frente para a ação, como forma de demonstrar o apreço mútuo.

Foram duas horas a caminhar mas podiam ter sido muito mais. Acima do exercício físico está a vontade de ter uma imagem permanentemente actualizada de como a cidade evolui e algumas pessoas também.

Retalhos de uma manhã a andar – 4/7/2024

A minha ideia de um ser supremo…

Tal como no “O ABC do Amor”, do Woody Allen, também aqui existiriam pequenos seres, dentro do nosso corpo, permanentemente em alerta. Ao contrário do episódio em que tudo se cinge ao acto sexual, aqui a totalidade do corpo humano era constantemente monitorizada, internamente, aferindo todos os níveis e, imediatamente e em tempo real, descobrindo a cura para as maleitas que afectavam o paciente monitorizado – seríamos todos pacientes e estaríamos permanentemente a ser diagnosticados.

A alegria – expoente máximo na medição da nossa caminhada humana – seria o diapasão pelo qual todos afinaríamos (numa espécie de “The Truman Show”, onde toda a realidade é idealizada para ser a ficção do actor principal). Tudo giraria à volta da alegria de cada um dos indivíduos, sem que invejas, ciúmes, ganâncias ou outros sentimentos menores influenciassem o desfecho do alegre momento de cada um, individualmente. Uma espécie de socialismo social, em que ao invés da economia seria a alegria a base do Estado.

Não haveria mortes, acidentes ou qualquer outro tipo de problemas que pudessem colocar em causa a alegria do indivíduo ou do todo, num equilíbrio só ao alcance de um juiz que, alegremente e ciente do poder da alegria, julgaria improcedente qualquer tentativa de destabilização do alegre status quo. A empatia seria a moeda de troca, com cada indivíduo a ter um saldo ilimitado, e a saída de cena uma opção que cada um tomaria, assim que achasse que a sua passagem por cá já tinha chegado ao nirvana que interiormente havia idealizado.

E depois da partida? Mercê de toda a monitorização, e feito o reset da memória, voltaríamos a ser colocados num outro espaço paralelo, enquanto éramos celebrados neste. Certos de que a passagem por cá foi apenas a afinação para a passagem para lá. Isso sim, seria uma divindade a ser celebrada, aperfeiçoada constantemente e, com uma alegria imensa, a servir de inspiração para gerações vindouras e existentes.

Divindades – 2/7/2024

As pessoas mais belas da vida.

O abraço é longo e apertado e o beijo sentido e dado com carinho e saudade. O diálogo não é comprido e, no entanto, tudo é dito. A combinação é feita, por entre ameaças não bélicas, e sorrisos de dois personagens igualmente culpados por essa falha. As despedidas são curtas mas completas, porque as expressões faciais ameaçam ser toldadas pela humidade da beira-mar.

Uma caminhada que começa, sob a voz de incentivo de quem a termina, e o humilde narrador a limpar o cisco do olho que claramente afectou a visão. Um último olhar para o mar e a sua cadência – de quem ora chega ora parte, a constatação do cansaço da distância percorrida. A subida por ruas pouco habituais, evitando ruas imaturas, e a vontade de querer encontrar soluções para todos os que padecem de problemas.

O passo rápido até uma água das pedras fresca, sob o olhar atento da mesa do lado – que gentilmente cede um lenço de papel, para que as lentes dos óculos possam ser limpas das agruras da vida. A empatia na hora de agradecer e o “de nada”, retribuído pela criança presente na mesa, tão inocente perante tantas adversidades da vida.

Num domingo qualquer, sorrimos. – 30/6/2024

Uma insónia parva.

Acordar de madrugada e perceber a futilidade do porquê – seja um bom sonho, um pesadelo com uma psicopata ou apenas para urinar – é algo que sempre me aborreceu. Porque estraga a cadência do sono, interrompe o ronco, desfaz toda uma série de ações interligadas que, em última análise, pode ser encarada como um sono com stress – quando o que se pretende do sono é precisamente o pleno alheamento de todo e qualquer stress.

Uma vez acordado, e dada a elevada massa muscular que ultimamente se apegou a mim – como um animal órfão a uma família de acolhimento – resolvi ir passear essa dita massa muscular, na tentativa de minimizar o sentimento, e caminhar para que o órfão possa encontrar outro corpo avantajado que o acolha. A caminhada madrugadora, feita para norte e até a um farol conhecido, resultou no abate de algumas calorias, no longo caminho para o equilíbrio entre as que consumo e as que queimo.

Chegado ao ponto de partida, e imbuído de um espírito de atleta olímpico, resolvi continuar até ao bairro piscatório e ver se havia saída de peixe – esse espectáculo tão antigo quanto a própria cidade e que foi o ponto de partida para que as pessoas se aproximassem do mar (pelo menos um dos pontos de partida). Cumprimentos a um amigo de infância – daqueles raros mas que nos enchem o coração, sempre que nos vemos – e, sentado no muro, constatei que o processo já tinha tido lugar.

Um rápido olhar pelo que ainda havia disponível – tal como na feira de Espinho, a melhor hora para comprar é na abertura, a constatação de que não havia nada que me fizesse palpitar o miocárdio, eis-me a caminho de casa após uma lembrança fotográfica. A constatação de que tive sorte com a meteorologia e cheguei tão seco quanto saí. 

Das caminhadas da vida – 29/6/2024

Os clientes mais atentos.

O rissol de carne.

A conversa até decorria normalmente, com decoro, e o discurso era fluido e sem falhas. O balcão tinha apenas duas pessoas, e eu observava uma delas, sendo que uma era bem conhecida e a outra uma bonita desconhecida que eu, obviamente sem querer, observava: os gestos, os jeitos, a postura e maneira de falar, as palavras que usava e a entoação que colocava. Sim, poderia ser considerado um stalking visual, tal o detalhe do observador e o cuidado da observada.

A moral e os bons costumes impuseram-se e, disfarçadamente, obriguei os olhos a deambularem pela montra da padaria, sem desligar o stalking visual mas, como um jogador profissional, tentando fintar aquela com quem estamos a jogar, sem que se trate de um jogo. Chegada a minha vez de encomendar, e ciente de que precisava de respirar fundo antes de o fazer, dei a vez a quem estava atrás de mim que, com uma certa cara de gozo, ma devolveu. 

“Um rissol de carne com fiambre, bem aquecido!”, exclamei enquanto apontava para o mostruário – que não continha mais rissois, para além de ser um pedido bizarro demais para ser verdade. A bonita desconhecida sorriu – não sei se por ter o último rissol ou por ter detectado que eu tinha perdido o fio do raciocínio ali. A conhecida deu uma gargalhada e a empregada do balcão sorriu, pois tinha assistido, de uma posição privilegiada, a todo o processo. Sorrimos todos e eu pude, finalmente e de maneira consciente, encomendar um queque com uvas passas…

O fermento expande a massa – 28/6/2024

Costa Nova, dizem.

Caminhadas por aí.

A única semelhança entre elas é o chão de madeira que cede um pouco perante os noventa e sete quilos do humilde narrador. Hipoteticamente, e como forma de motivação, gosto de pensar que elas cedem perante a minha vontade de abater esses noventa e sete…mas isso sou eu, que sou muito de auto-motivação! Mais dez quilómetros percorridos, numa cidade nova, com uma longa viagem de comboio para a alcançar mas a justificar plenamente o esforço despendido!

Chegada a hora de testar a água do atlântico, e ciente da diferença de temperatura entre o mediterrâneo e o atlântico, eis o humilde narrador dividido entre o fugir da água, logo após o mergulho, ou trincar a língua e fingir que é tudo semelhante. Optei por uma das duas e é tudo que tenho a dizer sobre o mergulho! Até a temperatura do sol é diferente e o vento, sempre ele, dificulta a rápida secagem que se pretende mas não se alcança.

A caminhada até casa, por entre caras conhecidas, a relembrar que esta é realmente a minha cidade. Revigorante o mergulho, secagem e caminhada mas melhor ainda o duche quente e a barba que fiz desaparecer. Limpo, acima de tudo.

Não foi fácil…

A fénix do moço.

Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.

Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.

Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim. 

A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.

Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!

Um gajo de apetites estranhos – 25/6/2024

O pretenso fotógrafo.

A fénix do moço.

Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.

Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.

Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim. 

A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.

Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!

Um gajo de apetites estranhos – 25/6/2024

O pretenso fotógrafo.

O santo João.

Estacionados a rodear uma mesa cheia de aperitivos de fazer babar um qualquer deus terrestre – daqueles que aparecem e que nos dignam com a sua presença – com conversas serenas sobre o passado (serenas porque sabemos rir dos erros de outrora e, ainda com a sonoridade da gargalhada no ar, explicar o que aprendemos com essa tentativa e erro), escutando aventuras do outro lado do mundo e reagindo com a opinião do que somos, a mastigar enquanto apreendemos como se pode triunfar num continente diferente, a conversar com diferentes sotaques e termos locais.

Vinho como hidratante, febras como carne e sardinhas como tradição, salada como complemento e a recordação do leitão do almoço como forma de mentalmente arranjar espaço para esta refeição. O anúncio de um balão que passa como estimulante para o lançamento local que, não tardando, tem os habituais estímulos tão lusitanos: “não é assim!”, “vira ao contrário!”, “não percebes nada disto!”. O pirómano de serviço, auxiliado por um bombeiro de folga, que calmamente orquestra a melhor forma de aquecer e largar o balão. O lançamento que, uma vez efetuado, leva um pouco de cada um dos presentes: um pouco de esforço, de saudade, de empatia e desejo de que tudo se concretize sempre melhor.

A recordação de amigos comuns de outrora, a lágrima escondida pela pessoa que tivemos a sorte de conhecer, as gargalhadas com os feitos que nos ajudaram a alcançar ou tão somente pela alegria que nos concederam. A saudade morta, ali na mesa, com o relembrar de pessoas boas, momentos ímpares, dias que nos marcaram para sempre! Uma delícia de jantar – santo, dizem.

Dia do santo João – 24/6/2024

A juíza.

Anda pródigo em reencontros este solstício de verão! A capacidade de reencontrar pessoas, tão fundamentais de outrora, tem assustado quem não está preparado para tanta azáfama social. 

Talvez se tenham passado uns 26 anos, mais um ou menos um, mas partilhamos uma história de amizade e vida quase comum, por inerências que não cabe aqui explicar. O cognome juíza porque ajuizava melhor do que os desajuizados que a rodeavam e, mercê do bom humor e experiência de vida que possuía, sabia sempre qual o melhor caminho que, enquanto rebanho que se mantinha junto, deveríamos seguir.

Nunca ordenando, porque era uma mulher de consensos estóicos (não sei se o conceito existe mas reclamo para mim a patente, caso não exista), mas sempre colocando em cima da mesa todas as opções e, racionalmente, explicando o raciocínio para chegarmos a cada uma das soluções sempre certas.

Não houve cumprimento mas uma saudação discreta – talvez porque a ausência assim o impusesse ou porque simplesmente não soubéssemos como reagir – mas o contacto visual permitiu aferir que nos reconhecemos, nos saudamos e continuamos com as nossas vidas, sem que qualquer emoção transparecesse. Sem dúvida que a atitude correcta, pois ela nunca foi capaz de algo incorrecto. 

Foi bom ver que continua bonita, fiel aos seus princípios e senhora de si mesma. Bem haja tribunal de Espinho!

Pelas ruas da cidade – 21/6/2024

Tropeções.

Andava o humilde narrador nas suas caminhadas – no caso em apreço entre a baixa e a foz do rio – quando, mercê de um desvio para evitar uma transeunte em sentido contrário, sentiu que tinha perdido o balanço do corpo. Sem controle sobre o destino, e graças a uma intervenção da transeunte, foi salvo do acidente que o destino havia programado para ele.

Ergueu a cabeça – que, até então, estava focada em ver qual seria o ponto de queda, e viu uma cara conhecida. Sorriu, porque entre eles sempre havia existido uma quantidade inigualável de sorrisos e alegria, e ouviu-a saudá-lo com a expressão de outrora: Hello crazy Portuguese!

Ainda não refeito da surpresa, e a tentar disfarçar tal facto, respondeu com o seu Hello crazy Russian! Sorriram e, com um receio que não era comum neles, abraçaram-se a medo. Olharam-se, profundamente nos olhos um do outro, e trocaram dois beijos como expressão de saudade entre eles. 

Uns metros à frente da Alfândega do Porto, num passeio que até é fácil de percorrer, o mais difícil aconteceu – curioso como o destino se impôs perante um obstáculo facilmente ultrapassável. Uma troca de palavras e contactos, toques ternos como recordação de outros tempos, o recuar até ao dia em que nos conhecemos e o dia em que tivemos de nos separar. A República da Irlanda como cenário de um amor entre um cidadão português e uma cidadã Russa, o poliglota e a cientista, o cozinheiro e a barista, o homem das caminhadas e a mulher do ioga…

Uma lágrima de amor escondida e a promessa de um contacto para muito em breve.

Tropeções de alegria – 20/6/2024

Assimilação.

A constante troca de ideias, as conclusões do passado que comprometem o futuro, o interiorizar de uma matriz, em que não acreditamos, mas que sabemos existir e que os factos comprovam. Todo um conjunto de trocas de impressões, que nos permitem distinguir o que são heranças e o que são factos indesmentíveis, as ambições desmedidas face a simples vivências – sem necessidade de ambicionar mais do que o necessário, o amor livre e desregrado a sobrepor-se ao imposto e feito de regras.

O acolhimento sem multas, o sorriso sem regras, a sonora gargalhada como selo de qualidade, o abraço que nos faz tropeçar de encontro a quem nos rodeia o corpo, o agradecimento profundo a quem amamos, não só mas também, pela forma frontal como sempre se nos dirigiu na vida. O lirismo da vida que se esbate perante a factualidade, o sorriso cúmplice como forma de agradecimento. A brincadeira como símbolo das coisas simples e boas da vida perante algumas verrugas que a sociedade contém, o elixir que desfaz as verrugas e permite a sua remoção.

As contas de todas as despesas, que não passam de um tónico para que as possamos repetir, as facturas como autógrafos do que a vida tem de melhor. O depósito atestado, antes da devolução, como sinónimo de energias repostas para a batalha seguinte e a entrega das chaves como símbolo de que todas as portas futuras estarão abertas para a tua conquista.

Dos brindes que a vida concede – 18/6/2024

Dias desiguais da rotina.

Fruto da evolução natural das coisas, em que cada pequeno pedaço de família faz crescer um novo ramo que deriva daquele que fazes parte, eis-nos juntos para mais uma celebração. 

Os pais da outrora criança, que só me recordo como namorados desde que existo, a concederem a mão do ruivo mais novo a uma Carlota que lhe cativou o miocárdio.

Se ceder um ruivo custa então imagine-se a cedência de dois ruivos que, fruto da minha velhice, sempre recordarei com um sorriso que é a soma perfeita do amor dos progenitores (algo imutável que presencio com uma enorme alegria).

Como qualquer celebração, e esta não podia ser diferente, foi um exercício de alegria. O sorriso dos progenitores é agora visível em ambos os filhos e um certo excesso de baba – sobejamente justificado – é visível nos rostos da Teresa e do Pedro. Como se ambos os filhos estivessem tão só e apenas a repetir a aventura amorosa que tem sido protagonizada pelos pais – naturalmente enamorados e de mãos bem dadas e apertadas para superar qualquer adversidade.

A orvalhada afectou-me as costas – obrigando a que os meus dotes de dançarino de renome mundial ficassem por exibir – mas também temperou toda a cerimónia que, num misto de emoções desprovidas de horário, se prolongou até ao nascer do dia. Por entre enjoos – sempre atribuíveis a uma condução de montanha mais agressiva – fizemos adormecer alguns hectolitros com que nos fomos hidratando e, fruto da alegria vivida, deitámos-nos com o sentimento de que a festa continuava em sonhos. E assim será!

Do que me lembro, foi assim… – 16/6/2024

E a Carlota o António levou…🙌❤️

Peça por peça.

O banho tomado muito fora do horário habitual, dentes escovados entre a colocação e remoção do champô, corpinho bem ensaboado e superiormente raspado de impurezas, muita água corrente a levar todas as porcarias acumuladas desde o dia anterior.

Cuequinha e meias a condizer, etiquetas da lavandaria removidas da vestimenta, sapatos brasileiros a saírem à cena, sorriso de quem revê uma barba feita no barbeiro e constata que teria conseguido fazer bem melhor. O pêlo incómodo, que se nota perfeitamente ter uma personalidade narcisista, removido para não perturbar o fotógrafo de serviço.

Gravata com um nó soberbo, também graças ao corpinho perfeito que vem rodear, mais um Nicotinell para ajudar ao tranquilo contemplar da paisagem. Um outro casamento que passa e a constatação de que o Gabo foi a leitura ideal para te acompanhar. Um passeio junto ao local da cerimónia – com um ar de quem verifica os últimos detalhes, um panado como bucha para entreter até à hora da cerimónia.

Cheguei cedo demais – 15/6/2024

Vamos lá casar os noivos! 💪

Talvez por ser dia de feira semanal.

Depois de um domingo de doze horas de trabalho – a passear, a fotografar, a comer bem e a passar por caminhos municipais que nunca sonhei que um dia pudesse encontrar, eis que a cidade recebe a feira semanal. Talvez por querer continuar a trabalhar, no seguimento de um domingo de descanso intenso, fujo para os territórios de onde provém a maior parte dos clientes da feira e consigo encontrar a tão necessária qualidade de paz que a cidade não providencia. 

Ironicamente, ou talvez confirmando a decisão tomada, sou o único passageiro que sai do comboio e, após confirmar isso mesmo, dou início ao meu passeio de descanso produtivo, como resolvi apelidá-lo. O objectivo é não ter objectivo e simplesmente deambular pelo destino enquanto, com uma espécie de costela de turista, vou procurando motivos novos para fotografar. A beleza do processo é que me permite conhecer um destino novo enquanto descanso activamente. Fica a sugestão para quem quiser experimentar.

A aplicação vai indicando os quilómetros percorridos e os olhos e corpo vão aferindo o quanto querem continuar ou parar. É um processo democrático, em que racional e emocional definem juntos qual a ementa de cada um dos passeios, sem que dois percursos se repitam. Respira-se fundo, há enganos propositados, sorrisos perante algo novo que se encontra, desabafos perante algo menos cuidado com potencial para estar bem melhor. O processo é interno e não carece de validação externa, é um jogo de gozo puro – apenas e só!

É só quando o pôr-do-sol se aproxima que tudo pára: câmara no tripé, acerto o ISO, shutter e a abertura e aguardo o momento ideal para disparar uma série interminável de fotografias de maneira a poder escolher a perfeita, tal como o dia, que começa com o nascer do sol e acaba com ele a pôr-se. Uma delícia que não engorda!

Dos passeios que dou – 27/5/2024

Deslumbrado com a natureza.

Aquele domingo para conhecer o país.

De rotineiro pouco tem, salvo a periodicidade quinzenal, e o facto de o destino ser sempre diferente incute uma curiosidade que tira o sono com a perspectiva do que vais encontrar a seguir. A partida é feita quando a noite ainda está a terminar, para alguns, e o dia começa, para outros. Não é fácil encontrar locais abertos para as coisas triviais da semana – porque é domingo – mas as que encontras reúnem, no seu íntimo, detalhes que não descortinas na rotina de segunda a sábado.

A primeira paragem é feita num local de pão famoso – Padronelo – e o facto de não podermos homenagear as Clarinhas de Fão, como nas incursões anteriores, é trocado por umas tartes de chila da região que colmatam, logo a abrir, a saudade. Digeridas as tartes, e comido um pão tradicional, continuamos a descoberta da margem direita do Douro até “desaguarmos” na Régua que, mercê de uma festa local, estava com um trânsito caótico.

Por entre paragens – de observação e cliques fotográficos – prosseguimos para a Adega da Ti Palmira, em Almodafa, que nos presenteou com um maravilhoso bacalhau na brasa que recomendo vivamente a quem pretenda um bom almoço com uma vista deslumbrante (há que reservar antecipadamente). A digestão é feita em Ucanha, por entre pontes, rio e viúvas. O sol está bastante quente; ofereço-me um café e uma água fresca enquanto o companheiro de luta fotografa as belezas locais em tons de preto e branco.

Continuamos a regressar e, mercê de um telemóvel que não carregou telepaticamente, somos obrigados a recorrer a uma outra aplicação que nos indicou o caminho (?!) correcto. Imbuídos da certeza do que a aplicação indicava, e na falta de um céu que permitisse o uso do sextante que também não possuíamos, fomos dar a um caminho municipal cujo último uso parecia recuar ao tempo da ocupação romana. 

Sensivelmente a meio do caminho encontramos um senhor de idade que, num misto de espanto e pavor (por ver o seu refúgio descoberto) lá nos indicou o caminho de volta para a civilização. Sempre em redutoras, e cruzando os animais que pareciam igualmente espantados, voltamos a encontrar a N222 para chegarmos a casa.

Por entre pinheiros, maias, muitas cerejas (que só apetece comer), viúvas, ciclistas, paisagens naturais maravilhosas e uma gastronomia de fazer água na boca, cumprimos mais uma incursão no interior de um país que merece que o saibamos explorar muito mais e melhor. Um passeio que recompensa, por todos os detalhes que une, e que nos engrandece tanto quanto a melhor das viagens que já tenhamos feito!

A desbravar Portugal – 27/5/2024

Estágio motivacional.

O acordar cedo como passo fundamental para o total aproveitamento da jornada que se adivinha, o questionar o sonho como análise e transposição do subconsciente para o consciente, a interrogação com um sorriso envergonhado, a cara de satisfação de quem sabe ser possível mas prefere encarar como impossível e partir daí para o total conhecimento – numa espécie de analogia com o reconhecer a nossa ignorância como ponto de partida para o conhecimento.

O atravessar da pequena cidade enquanto recorda o tempo em que, acordado de madrugada, resolveu fazer o mesmo numa “pequena” cidade brasileira de um milhão de habitantes e, no regresso e quando já todos pensavam o pior, foi recebido pelos anfitriões com um misto de satisfação (está vivo!) e incredulidade (porque você fez isso? Fui comprar pão!)

O sentir o acompanhamento dos pássaros, do dia a despertar, do silêncio que o início de um novo dia providencia. Num passo de turista – a visualizar cada pequeno detalhe de uma cidade que tanto tem mudado – ouvindo o ruído do motor eléctrico do carro que transporta o pão, cumprimentando o condutor enquanto acelera o passo para poder comprar algum do pão quente que agora chega. 

O regresso já com o jornal do dia, o intensificar do ruído dos pássaros – será que me seguem por umas migalhas de pão? – o largar o pão em casa e ir para a esplanada da leitura. A leitura atenta dos acontecimentos passados, o esmiuçar das opiniões e o debate com a minha opinião. O alegre virar de página e a tinta nos dedos, o café curto numa chávena fria a evitar as lágrimas de quando a chávena vem escaldada.

O constatar e debelar de uma bolha que a caminhada de ontem me deixou, a nota mental para que o máximo de apoio seja feito com o pé oposto. O reconhecer que a imagem do sonho não desapareceu porque o consciente o impede. O sorriso maroto como expressão de liberdade total numa galáxia sonhada mas que é tão real quanto o primeiro gole de café.

Um profissional do bem sonhar – 25/5/2024

A espontaneidade.

A maneira de reagir, sem que tenha havido um planeamento antecipado para a forma como o queixo cai. Mesmo quando se conhece alguém há décadas, e esse alguém ainda se volta para nos cumprimentar, com um aceno que ainda mais aprofunda o afundamento do queixo (quase tipo desenho animado).

Tem tudo de puro, sincero e expõe tudo o que a mente sente; por vezes, expõe também a totalidade do sistema circulatório, incluindo o batimento cardíaco, a arritmia causada, a vontade que temos de fazer uma massagem cardíaca a nós mesmos. Os vasos sanguíneos e a forma como os capilares se encontram irrigados – a revelação total.

O beliscão permite aferir a veracidade do momento e também ajuda a constatar que sobreviveste, muito embora temas pela força do impacto. Respiras fundo e consegues voltar a ler o jornal diário, mas a mente já vagueia com a bela imagem presenciada. Mentalmente, dás um par de estalos a ti próprio (que parece produzir mais ruído do que o sonhado) e tentas focar-te na leitura.

Passado o momento de hiperventilação (e sem necessidade de respirar para um saco), imbuído de um sexto sentido – ao nível do Homem-Aranha que “pressente o perigo” – olhas para a direita e vês que ela retorna. Procuras o jornal – que está em frente a ti – e finges ler o artigo que acabaste de ler. 

Fazes um cálculo mental de quando estará a passar em frente a ti e, num exercício tão denunciado quanto o anterior cair de queixo, levantas os olhos e vês, enxergas, memorizas e sonhas, a bela mulher que tão bem conheces. Parece sorrir mas, como é uma visão lateral, apenas podes sorrir de volta – de sorriso aberto, saudosista e com uma vontade enorme de conhecer muito melhor.

Esplanada de sonhos – 24/5/2024

A casa que envelheceu.

Assistir à sua construção foi um privilégio: a maneira como misturavam o cimento, como os tijolos eram encavalitados e os tubos de plástico introduzidos para, mais tarde, serem a autoestrada de toda a cablagem eléctrica, as peças novas que, a conta-gotas, iam chegando (quadros eléctricos, cilindros de água, aquecedores, etc), as peças de um enorme puzzle cujo aspecto final estava trancado na cabeça do arquitecto que havia desenvolvido o projecto.

A ligação de tudo, com os fios eléctricos nos tubos de plástico, num canal bem definido nas paredes, com os cilindros a funcionar, com as tomadas com energia, com as primeiras lâmpadas – somente com os casquilhos – a darem a primeira luz no novo projecto bem como a permitirem um expandir de horas, quer ao nível da possibilidade de visitar bem como de expandir as horas de trabalho. Caminhava-se para a habitabilidade a passos largos.

O cimento a cobrir as paredes, os acertos de superfície para que tudo estivesse alinhado, o aparecimento de tintas, como prenúncio de obra completa, a alcatifa como complemento do chão – conforme era normal no final dos anos 70. A chegada dos armários embutidos, a descoberta de qual a chave correcta para cada uma das fechaduras – por tentativa e erro – a ultimar as tarefas que constituíam o erguer de uma casa. Os azulejos exteriores, as tampas das chaminés, a instalação da antena no ponto mais alto.

A mudança do velho inesquecível para o moderno facilmente esquecido, a saudade do que jamais voltará sem a oportunidade de uma despedida condigna, o único amigo da vizinhança que ainda hoje perdura como recordação do saber bem receber. A falta de alegria do novo face a uma nostalgia do velho, o não poder jogar futebol (!) numa sala tão pequena, a parolice de tentar estabelecer uma sala – que só é usada quando há visitas – vetada num golpe de estado familiar.

A mobília exígua para dar a sensação que o quarto é grande, o embutido como solução. O armário “tudo em um” que não gera emoção. A procura pelo conforto exterior como forma de colmatar o desconforto interior, a alegria de poder continuar a adormecer com o ruído da chuva, a varanda extra como diversão nos dias em que a meteorologia o permite. As persianas que substituem as portadas, os horários coincidentes que geram atropelos na utilização dos quartos de banho.

Era vivo e depois envelheceu. Sem que qualquer carinho lhe fosse dado, sem que qualquer manutenção lhe pudesse fazer voltar ao início, quando eram apenas peças soltas de um puzzle arquitectónico. Jazia sem estar enterrado, não tinha sequer uma vaga recordação de quando estava a ser construído. Na realidade, tinha agora inveja da casa onde outrora tinha vivido e sido feliz.

Tijolos da vida – 22/5/2024

A abstração.

Começa por ser algo que, quando a experimentamos pela primeira vez, nos envergonha – o sentimento de ter estado ausente quando havia alguém ou algo presente. Brindado com frases como “Ouviste o que eu disse?” ou “Bem vindo de volta!” – apenas conseguimos constatar que estivemos ausentes. Com o passar do tempo, e sem necessidade de um esforço intenso, começa a ser algo a que se pode recorrer, sempre que necessário, e/ou por pura distracção.

A maturidade talvez esteja associada ao seu desenvolvimento (carece de estudo científico e eu não estou para aí virado) ou talvez seja apenas a capacidade que temos de viajar sem sair do lugar, não faço ideia. A única certeza que tenho é o quão reconfortante é e o quão saudável se torna – como se de uma droga se tratasse mas sem a necessidade de envolver narinas, pulmões ou veias. Uma espécie de homeopatia cerebral!

Trabalhado, de maneira a envolver o meio que te rodeia, é dos mais belos exercícios que podemos fazer: a mente vagueia, os olhos enxergam a paisagem, os pés conquistam o terreno. Enquanto exercitas o corpo, vais aliando imagens dos locais por onde passas, sendo que a tua mente só regressa desse vadiar intenso de abstração se algo realmente importante o justificar. Até sentes o retorno, como se abrisses um portátil e ele demorasse poucos segundos a estar num estado de prontidão total.

A profissionalização traz-nos a capacidade de o praticar sempre que queremos e, mercê desse nirvana do processo, sentimos o cérebro na sua totalidade – lá longe, durante os exercícios físicos necessários a quem pretende seguir a via profissional, e bem perto – sempre que somos obrigados a regressar ao mundo real. É o equivalente ao termos as férias anuais, para recuperar do esforço despendido durante o ano laboral.

A capacidade de interligar o alheamento a memórias é o degrau mais elevado desse conhecimento, apesar do nirvana do passo anterior. De cérebro alheado, abstraindo-nos de tudo e de todos, vamos recordando momentos realmente únicos que conquistamos. Limpos dos momentos anteriores ou posteriores, os neurónios focam-se no esplendor do que outrora sentiram, sem saber o que a eles conduziu, numa espécie de saborear a mais deliciosa refeição sem pensarmos em tudo o que conduziu a que aquela refeição específica fosse considerada para ser recordada no teu exercício de abstração…e assim sonhamos acordados.

Sou abstracto, está visto! – 22/5/2024

O céu, de onde caiem as estrelas.

Ainda e sempre a chuva.

Nadando entre as gotas de água, numa cidade qualquer longe de casa, sentindo o vigor de cada braçada e o ímpeto proporcionado, antagonizando os transeuntes que não sabem nadar e a quem falta a racionalidade para aprender, com um sorriso desmedido – que mistura um esgar de dor pelo esforço despendido e o orgulho pelo caminho ultrapassado.

Ciente de que não há sacos suficientes para recolher tantas fezes espalhadas pelo passeio da vida e certo de que, caso o número fosse suficiente, haveria um protesto social para que as fezes fossem autorizadas a permanecer, nesse mesmo passeio, até “reencarnarem” em algo que a ciência não prevê mas que mentes de merda antecipam – colocando o ónus posterior numa futura invenção da natureza, já de si cheia da convivência imposta com o ser humano.

Caminhando, por opção unilateral e obviamente própria, só. Observando o que fere a visão sem permitir que o comentário surja, desviando-se de obstáculos como um perseguido se desvia de uma perseguição policial, reclamando consigo – e só consigo – o quão degradado e podre o ambiente está, ouvindo mais um escarro enquanto acelera o passo para superar as adversidades.

Desaguando numa foz só sua, atracado à sua marina, com as águias soltas para não permitir a aproximação de quaisquer gaivotas, com o motor ao ralenti, verifica os cordames e desliga o motor, desce à cozinha e encontra um livro, sobe ao convés e, sentando-se no cadeirão com vista aberta para o mar, exclama “Agora vou navegar na leitura.” e parte, para uma galáxia distante, sem que o corpo abandone esta.

Regressa e olha-se no espelho, não reconhece o reflexo, interroga-o e só quando responde a si próprio constata que voltou uma pessoa diferente. Sorri, num abraço fraterno com a imagem reflectida.

Chuva na moleirinha – 21/5/2024

Oceano Atlântico.

O estrondo.

Quando era puto, há muitos muitos anos, a sabedoria popular falava de dois jovens, pseudo-delinquentes, de nomes estrilho e estrondo. Diz a lenda que um dos seus famosos roubos foi a uma bomba de gasolina, de onde trouxeram um enorme número de rebuçados. A polícia, avisada para o crime cometido, chegou ao local e começou a seguir a pista do invólucro dos rebuçados e, onde o trilho terminava, bateram à porta e os dois suspeitos atenderam…

Ontem, recém chegado a casa e calmamente a beber uma mini, ouvi um estrondo e senti que as janelas iam saltar dos caixilhos. A janela pequena mostrava demasiada luz para a hora da noite e tudo se assemelhava a um avião a ser pressurizado de fora para dentro. Cinco minutos depois confirmei que afinal tinha sido um cometa, quando já começava a questionar a data de validade da cerveja…

A noite foi bem tranquila e só os pássaros é que me acordaram, pela manhã. Cumpridos os dez quilómetros habituais, com umas fotografias pelo caminho, lembrei-me que era domingo – esse dia eternamente perigoso, no que a romances diz respeito. Voltei a dar de comer à passarada e fiquei a ler o jornal sob o encanto da música que eles cantaram. Embalado num domingo perfeito!

Domingos de quase preguiça – 19/5/2024

Os pássaros.

Sentado na sua cadeira, na varanda exterior existente na traseira da casa, pensava. Olhava cada pássaro que ali pousava, para abastecer-se de uma migalha ou outra de pão, e interrogava-se sobre como seria ser um pássaro. Em jeito de inveja, pensou no quão gratificante deve ser ter a possibilidade de voar e conhecer novos caminhos, lugares, cidades, mundos. Replicar aquelas viagens pela Grécia, Brasil, Argentina e atravessar o país, com uma vontade enorme de viver a vida de um local, muito embora não passasse de um turista com apetência para viagens solitárias – sem destino planeado, sem rumo, só dizendo que tinha errado no caminho se a estrada fosse sem saída e, até nesses momentos, saía do carro para fotografar o momento para mais tarde recordar e reconhecer a beleza de só ter parado por impossibilidade de seguir. A possibilidade de ser surpreendido, como aquando da viagem através do Peloponeso, em que o dono do restaurante onde parei se recusou a servir-me e me convidou para a mesa onde todos almoçavam, após o serviço de almoços ter terminado. Momento único que, para sempre, guardarei como sinal da elevada simpatia e boa disposição do povo helénico.

Imagino-me a voltar à aerogare de Buenos Aires, a voltar a ver o pôr do sol sobre o Rio de la Plata, a bater as asas até à Antárctida – com o devido cuidado e respeito pela fauna local (para não ser comido), por entre pinguins e albatrozes, a voar acima da Passagem de Drake – fotografando, com visão de falcão, todo o poder do mar daquele estreito – a observar a maneira de ser e de agir de cada um dos pinguins – individualmente, num esforço por me fartar – para, logo depois, voar até à África do Sul e visitar a Estie – não correndo o perigo de ser reconhecido mas sem deixar de lhe esboçar um sorriso. Provavelmente fazendo uma escala em Madagáscar, para um encontro – ao mais alto nível – com o Rei Juliano e os seus descendentes, voando depois até ao Bazaruto, onde pousaria, no topo da duna com vista para o Índico e para o lago dos crocodilos, apenas apreciando a beleza da natureza. Partiria, assim que saciasse o desejo pela beleza local, rumo ao Kilimanjaro, para respirar fundo o ar da montanha. Sentiria o local até sentir nas penas o frio. A etapa asiática começaria aí, já abastecido de um farnel que me permitisse sobreviver no continente da comida estranha. 

Mais pesado com o farnel, mas igualmente motivado, só aterraria no ponto mais alto da Praça Vermelha a deliciar-me com a vista. Percorreria, num ritmo frenético, todo o território russo – do mar do norte até Vladivostok – a tentar extrair o máximo da imensidão de beleza que o país tem. Com muito cuidado, desceria para Sul e visitaria a China, o caminho de Ho Chi Minh, sempre apreciando a vastidão dos arrozais e a beleza dos jardins, plantas e cores. Evitaria passar muito tempo nos territórios mais marcados pelo belicismo, sem deixar de apreciar a arte persa e a beleza dos seus territórios; seria uma circunferência enorme em voos, preparando a passagem para a América do Norte, via Alasca, onde faria questão de conhecer toda a beleza branca – de Este para Oeste. Os parques nacionais americanos seriam todos esmiuçados e aterraria no cimo da Golden Gate. Apontaria então o bico para a Nova Zelândia e Austrália onde embarcaria numa excursão privada de um só pássaro para conhecer esse maravilhoso continente. Seria assim que bateria as minhas asas, como se fosse uma auto caravana voadora, com um apetite voraz por ver, viver e fotografar sem que nada fosse publicado, seria o meu voo secreto. E tu, também tens segredos?

Se eu tivesse asas – 18/5/2024

Voos rasantes.

O conta-gotas.

Era um jogo irracional e, humoristicamente, a plenitude para o sorriso aberto, honesto e feliz que ostentava. Irracional pela percepção dos transeuntes com quem se cruzava e de pleno humor porque só ele sabia que o jogo estava a decorrer, no interior da sua cabeça, sendo um segredo verdadeiramente trancado a sete chaves.

Com os cinco sentidos bem apurados, deambulando pela cidade, tinha que ter a certeza de cada gota de água que a chuva providenciava. Cada unidade tinha que ser, imediatamente, ligada a um momento da vida passada, presente ou futura, com a obrigatoriedade de ser um momento feliz, independentemente do desfecho. Soa a loucura? Só para não praticantes!

Visto de fora, e o humilde narrador é muito dado a sugestões externas (estou a ser irónico), deve ser algo muito bom para se poder apelidar o autor de loucura mas, sentido por praticantes, é o nirvana da alegria e boa disposição. Com os aguaceiros tinha vindo a aprimorar o jogo e sentia-se agora como um grego, campeão de gamão, disposto a enfrentar qualquer adversário numa panóplia de sorrisos que desafiam a má disposição.

Foi interpelado pela polícia, numa operação stop pouco habitual e, mercê das gotas que caiam, preso para averiguações. Sorriu, obviamente, enquanto era algemado e levado para os calabouços – não porque a situação fosse divertida mas tão só e apenas porque não ousou interromper o jogo!

A chuva miudinha – 17/5/2024

A sereia temperamental.

Ao longe, muito longe, era a mais bela criatura que o oceano continha: a braçada, os contornos do rosto, a forma como as ondas pareciam ajustar-se conforme ela se movimentava, os sons – inaudíveis mas passíveis de serem imaginados, os olhos que se fundiam no objecto ou pessoa que observava…era uma sereia digna do mais belo conto de fadas.

Carecendo de conhecer a barbatana dela, para fins puramente científicos, nadei como nunca havia nadado antes. Livrei-me de todas as posses terrenas e abracei as ondas, uma após a outra, até a alcançar. A distância era muito grande e a comunicação que tínhamos era feita através de sons – como um sonar – que, apesar da distância estar a encurtar, apenas fazia o sentimento crescer.

Por entre piropos via sonar e braçadas para a alcançar havia que improvisar um primeiro beijo que fosse memorável e, como se tivesse num sofá marítimo, pedia-lhe que fechasse os olhos e descontraísse. Era tudo novo, tudo diferente, mais sentimento que racional e, apesar de toldado pela irracionalidade amorosa, comecei por beijar o cimo do pescoço, bem juntinho ao lóbulo da orelha esquerda dela. 

Expressei o único desejo que, na altura, tinha: vamos focar em conhecermo-nos! O esforço tinha que ser mútuo e não envolveria qualquer contrapartida, de parte a parte. Tinha tudo para ser perfeito, brilhante, inalcançável para o comum dos mortais – algo que o sentimento, naquela altura, não permitia que fossemos. Um tratado de entrega total, mútua e sem segredos, como se de uma fusão de dois corpos num só se tratasse.

As ondas começaram a ser tão grandes quanto o mar da Passagem de Drake e, fruto da proximidade da Antárctida, tudo arrefeceu – excepto o sonho que, cuidadosamente, foi colocado numa unidade de armazenamento mental – bem acondicionado e refrigerado – num canto do seu coração irreflectido. Fez um reboot amoroso e racional e voltou ao ponto de partida, conforme era no período anterior ao golpe de vista que o fazia ter visões de sereias.

Caixinhas de histórias – 15/5/2024

Óculos que evitam visões. 😂

O carregador da bateria.

Havia passado bastante tempo, desde a última carga, mas a verdade é que o processo tinha tido sempre contratempos – ora o carregador tinha oscilações na corrente, ora o tempo de carga não era o anunciado, ora a reserva não era cumprida conforme havia sido contratualizada. O carregador, apesar de ser o mais apetecível (por uma série de detalhes que o tornavam único), tornou-se um descarregador face aos inúmeros problemas que causava. Tinha características únicas, no que numa vida, apelidaríamos de parceiro ideal mas, apesar das inúmeras virtudes, teimava em comportar-se de forma a trair o princípio pelo qual existia, no que numa vida, chamaríamos de auto-sabotagem. Parecia querer ter vida própria e jamais ser cooperante.

Chegado a casa, e ciente da necessidade de recarregar as energias, optou pela sua tomada de sempre – no fundo da cama, com a extensão a permitir que continuasse a escrever – a parceira ideal que, apesar de não permitir que transitasse, lhe dava a carga necessária – com o complemento proximidade e sem a azáfama social de um carregador inquinado. O correspondente, na vida, ao “mais vale só que mal acompanhado” que, no sentido que para ele fazia, correspondia a tempos de reflexão e escrita. Com o sol a aquecer-lhe os pés, com a chuva a despertar a preguiça, estava um devoto na arte de retemperar-se – não que se obrigasse a tal, mas tão só e apenas porque só totalmente energizado é que fazia sentido embarcar em novas aventuras.

Desligado o carregador sentimental, e tendo transferido a energia para o lado intelectual, virou-se para a escrita de uma aventura que, apesar de descrever um cenário fictício, tinha muito do que era a sua própria vida. O azul e branco grego, os jogos de poker apoiado pela Stars and Stripes, o Vic e a Union Jack, a Ordem e Progresso com aquele mês maravilhoso, as cataratas e os estádios, a Rússia e o Eddie Vedder, a África do Sul e a melhor viagem de autocarro de uma vida, o amor de um casal recém-casado, a sorte de aterrar num aeroporto no dia anterior a um atentado. Momentos da vida ficcionados para esconder identidades mas não factos.

O plano era descansar tanto quanto um profissional do descanso ousaria fazer e, sentindo-se a caminho da profissionalização, sorriu com o quão bom tem sido este caminho de amor próprio.

O “narcisismo” de nos sentimos bem – 15/5/2024

O eterno carregador energético.

Respirar fundo.

Rodeado de verde, com um belo curso de água a passar frente a mim, levantando a cabeça para ver para onde ela se dirige. Ao fundo, num vale que nesta altura é verde e amarelo (das maias), vejo o grande rio que a água forma e, rodeado por algumas casas, percebo a sua real dimensão. Não que precisasse das casas para aferir a grandeza do rio, mas tão só porque as casas permitem, na sua pequenez na escala visível, melhor dimensionar a grandeza do rio, no seu todo. 

Sinto-me pequeno na escala e respiro profundamente, até me sentir gigante por ter a oportunidade de visualizar a obra de arte que me rodeia. O olho que tudo descortina reparte a imagem do todo em pequenos pedaços de beleza e o coração parece reagir com um batimento extra (ou sou cardíaco ou um emocional de merda). Fotografo o que vejo, revejo a imagem no ecrã da máquina fotográfica, apenas para constatar que lhe falta o sentimento.

A tentativa de aprisionar a paisagem fica aquém do que em mim ela provoca. Utilizo o Google, para tentar encontrar uma máquina que entenda o sentimento, e os resultados não correspondem à expectativa. Tento outros motores de busca mas os resultados são igualmente frustrantes…não há um produto, com inteligência artificial ou sem ela, que capte sentimentos. Bolas, pensei, sem conter um sorriso interior pelo simples facto de ser humano e conseguir obter um retorno emocional imediato do que visualizo.

A sorte de termos belas paisagens – 14/5/2024

Tenho que fazer uma dieta!

Os pretensos fotógrafos.

O planeamento começa no dia anterior e, rodeados de mapas de locais a visitar, estudam-se os melhores pontos de entrada, os melhores trilhos, as horas ideais em termos de luz. Tal como Napoleão, sabemos onde as melhores batalhas se vão travar, onde podemos encontrar munições, o local das trincheiras mais fortes. 🫣

Obviamente os mapas são, na realidade, um lanche idealizado por um dos fotógrafos, os pontos a visitar são a junção das memórias dos personagens e o cenário bélico não passa de uma subtil referência aos melhores locais para salivar e comprovar a maravilhosa gastronomia local. 🤭

Sete da manhã e já estamos a caminho, atravessamos a porta do parque uma hora e meia depois, as primeiras fotografias são tiradas com os telemóveis. Outra paragem, abre-se a mala do carro, as máquinas fotográficas aparecem como ferramenta fundamental. “Dá-se tiros”, expressão usada entre os que compõem a excursão, recebo apoio para obter os melhores ângulos de luz, reunimos todos sempre que alguém encontra algo diferente. 👌

Há pessoas que descansam de maneira diferente mas, para mim, este é o oxigénio que me limpa os pulmões da vida! Com a natureza no seu esplendor, em boa companhia e com camaradagem, com feijoada e bacalhau e um “ligeiro” pudim de dois andares que complementa a refeição. 🙌

Retalhos da vida de um eterno amador – 12/5/2024

O relacionamento e a perda da liberdade.

Estou a ultimar um panfleto para distribuir, antes do início de qualquer relacionamento. Intitulado “A beleza da perda da liberdade em prol de um relacionamento.”, o panfleto aborda temas sempre actuais e que podem, no meu ponto de vista, contribuir para uma convivência mais saudável, com menos tempo perdido, e uma abordagem mais directa de quais os objectivos considerados, por mim e na minha humilde opinião, fundamentais para uma sã convivência.

Tal como os avisos, nos maços de tabaco, terá escrito, em letra maiúscula, os dizeres “O relacionar-se com outrém pode afectar seriamente a sua individualidade em prol de uma liberdade comum a ambos os indivíduos. Pense bem antes de embarcar numa ousada jornada amorosa!” Será distribuído por todas as caixas de correio, juntamente com o anúncio mais recente dos produtos em promoção do LIDL.

Haverá, obviamente, quem reconheça vantagens em ter uma liberdade a dois e desvantagens se forem mais do que dois. Quem se auto intitule como alfa e tenha dificuldades com um simples guarda-chuva. Quem não entenda o conceito e quem fique maravilhado com ele. Haverá sempre o livre-arbítrio, e ainda bem! Interessa é a paz interior de cada um, sem que a de outrém esteja comprometida, sobretudo em termos do tempo que por cá temos.

A maturidade dá-nos a capacidade de transladar os problemas amorosos – do sistema circulatório para o sistema digestivo – e, uma vez efectuada essa transição, permite a digestão total das mazelas e posterior evacuação através do ânus. 

O intestino existe para permitir que os seus 7 a 9 metros de comprimento sejam suficientes para reduzir tudo a minúsculas partículas, não observáveis a olho nu e, uma vez limpo o traseiro (o bidé é aconselhável, para evitar que nem a mais fina partícula ouse criar raízes – num sentido figurado, obviamente), o indivíduo em causa – homem ou mulher – é considerado apto e livre para começar de novo.

Ainda estou a estudar a problemática do papel higiénico – uma vez que o bidé é aconselhado mas não obrigatório – mas, como utilizador frequente do bidé, deixo essa problemática para quem quiser participar e melhorar o processo! É assim que a ciência progride!

De coração cheio e humor afiado – 8/5/2024

A melhor pessoa do mundo.

A tarefa era simples e requeria que eu atravessasse a rua e entregasse uma bola de plástico aos alunos que com ela jogavam. O trânsito era semelhante aos finais dos anos 80 e só um carro circulava, ainda longe.

A bola veio-me parar aos pés e, consciente dos meus dotes futebolísticos, peguei nela com a mão esquerda. Após notar que era de plástico, apertei-a e, tranquilamente e com tempo, dirigi-me a uma multidão que me indicava o caminho a seguir.

Vários braços ao alto, pedindo que a bola lhes fosse entregue, o que me fez recuar até aos anos 70 e perguntar “Agora pode-se jogar à bola?”. Uma jovem respondeu que era óbvio que sim e eu devo ter feito uma cara de espanto. 

Afirmei que, no meu tempo, tal não era possível e ela, de resposta rápida e racional, disse que eu devia ser do “antes do 25 de Abril”. Devolvi a bola e escutei um “Você é a melhor pessoa do mundo!”. Sorri, com a consciência de quem sabe que tal não é verdade, mas não deixei de responder “Aquela foi a minha sala de aula.”

Parti, com a consciência de dever cumprido, e ainda consegui ouvir o grupo gritar “Muito obrigado!!!!” Não foi a mais hercúlea tarefa da vida mas os agradecimentos fizeram-me ter confiança nas gerações futuras!

Hidratado e contente – 8/5/2024

As grandes amizades que nos enchem o coração.

São as que mexem connosco, sempre que nos contactamos. Dia de festa, hoje e amanhã, com a presença de dois amorosos exemplares de como se celebra a amizade.

Já haviam passado cinco anos, desde a última vez que nos encontramos, e rever a mãe, agora acompanhada do filho, é um tónico sem igual. Ele é igual ao pai e ela continua a mesma pessoa paciente que conheci.

Cansados, depois da longa viagem desde o outro lado do Atlântico, temos todos colaborado para que a mãe possa descansar enquanto o filho nos entretém – com sorrisos, a procura constante por novas coisas para ver, com a força de quem pretende, precocemente, sair do colo e começar a viver!

Comilão, reguila, observador e muito cooperante. Um doce de criança!

Visita de quem amamos – 1/4/2024

Vamos almoçar.

O convite era inocente e despido de segundos sentidos – como as pessoas honestas tratam, nesta vida – e a resposta não surpreendeu ninguém! “Claro que sim, vamos nisso!” Obviamente, não fazia a mínima ideia onde ficava Pitões das Júnias, mas o detalhe era irrelevante! Havia um convite para almoçar e um almoço não se recusa!

O despertador tocou às 5 e meia da manhã e ainda não havia luz natural. O duche foi tomado no maior silêncio e os panados do dia anterior colocados nos pães que descongelaram pelo caminho (a “bucha” da manhã), dada a hora de inicio das “hostilidades” do dia. A partida foi feita com os primeiros raios de sol sobre a cidade e, assim que entramos na CREP, substituídos por um nevoeiro cerrado…aquilo prometia!

Chegados a Chaves, e mercê de um erro imperdoável, não compramos uns pastéis locais (daquelas coisas que nos perseguem até ao fim dos nossos dias). Saímos para umas fotografias rápidas e partimos em direção a Vilar de Perdizes. Imbuídos de um espírito de sacrifício (que não envolve animais, entenda-se) percorremos a distância sem mais demoras ou paragens.

Chegados ao local de culto do oculto eis que ainda se sente no ar o sangue do dia anterior – tratando-se de um domingo, equivale a dizer que ainda corre no ar um aroma de cerveja morna, das hostilidades tardias do dia anterior. Prosseguimos, com cuidado…recolhemos provas fotográficas, tivemos diálogo a requerer linguagem gestual, procuramos os melhores planos para capturar a beleza do local.

Partimos, rumo ao restaurante Casa do Preto, comemos que nem abades e demos uma enorme volta fotográfica, para melhor digerir a “singela” refeição. Invadimos Espanha, com o propósito pacífico de fotografar os melhores momentos, reentrando em Portugal, pelo Lindoso, com o sentimento fotográfico cumprido! Mencionei a falha gastronómica cometida em Chaves e imediatamente surgiu a alternativa pastéis de Fão (clarinhas, para os mais íntimos).

Chegados, de barriga cheia, mas ameaçando devolver os pastéis já digeridos por excesso de açúcar em pó! Vivos, cansados, com um sorriso que espelhava o sentimento de dever cumprido!

Pelos caminhos de Portugal – 29/4/2024

As pessoas belas da minha vida.

O acordar cedo, para evitar a confusão esperada, o encontro a tempo e horas e a união de vontades, o abraço matinal – tão duradouro quanto tudo o que nos une, a partida rumo ao que esperamos seja o definir de um novo ciclo para o clube a que pertencemos.

O comboio como meio de transporte, o Alameda como WC público escolhido, a mensagem enviada para o grupo de primos para uma primeira tentativa de tocar o reunir para o acto eleitoral. Estivemos todos – e viva as caras novas!!!

A oportunidade de ser empurrado para uma pessoa com tantos pontos comuns, sem drama, com uma personalidade e maturidade de adulta, o gaguejo nervoso como resposta, o rosa das bochechas alterado, o filho – a gozar com a situação – ri-se, com um piscar de olho cúmplice.

A volta para a ruralidade, o desmobilizar ao cimo da rua, o coração que treme. Um arrepio na espinha, palpitações que parecem incomodar os transeuntes, a vontade de dialogar mais. O telefonema do primo, que intermediou as “hostilidades”, a preciosa indicação sobre onde estaremos juntos novamente.

Um dia ímpar, em família – 27/4/2024

A paixão pela chuva.

Começou em criança mas não era amor; tratava-se de uma mentira que, quando inquirido pela “entidade maternal”, desculpava o facto de ter ficado a brincar para além do familiarmente aceitável. Não que a brincadeira parasse, e a chuva fosse um impedimento, mas tão só porque ingenuamente a culpava pelo estado da roupa e sapatilhas (está sujo porque tinha chovido, num passado indefinido, como se a “entidade maternal” não fosse capaz de desmontar tão ingénuo argumento). Era uma “curte”, vá…

Na adolescência era a desculpa para nos abrigarmos e chegar atrasados ao almoço. Soltos, numa quinta enorme com toda uma vasta variedade de frutas, quem é que queria almoçar? A tia, muito mais esperta do que nós, instalou um sino mais sonoro do que o da igreja e obrigou-nos a um exercício de controle contínuo. A ser “condenado”, a minha pena era ser condenado a comer canja de galinha – algo que me dá vómitos e que resultou plenamente.

Na vida adulta, o ponto alto e o momento em que me apaixonei por ela, foi em São Tomé e Príncipe. Calmamente a fumar um cigarro, na entrada principal da estância, abrigado da chuva que caia, começo a ouvir, no cais em frente, os primeiros acordes do Africa, do Toto. Dei um passo em frente, senti as gotas a inundarem a minha roupa e comecei a cantar a música. Desde então, já apanhei valentes molhas, voluntárias, em continentes opostos, com temperaturas tão diferentes, com pessoas tão peculiares e, no fim, só posso exclamar que aprendi – muito – com cada pinga que me molhou.

A chuva limpa – 26/4/2024

Dia da liberdade.

Dizem que acordei chateado e que terei pedido silêncio, para poder dormir. Há uma névoa, com pequenos detalhes que recordo desses tempos: a sala cheia, Chico Buarque a tocar, discretamente no gira-discos, ouvidos colados ao velhinho (já na altura) Blaupunkt de válvulas, a televisão a preto e branco que não acompanhava a velocidade do rádio (ver para crer), o que causava apreensão entre a alegria que já se vivia.

Disseram-me para não me preocupar com o dia seguinte “de escola” porque a história estava a ser reescrita, alguém – recentemente – me recordou essa história bem como o contentamento que o meu pai, maioritariamente reservado em termos políticos, agora exibia. 

Relembro, muito mais facilmente, os momentos de confraternização que se seguiram, os comícios em pavilhões, as férias na Fuzeta – rodeado de tantos ilustres que haviam participado activamente na revolução, o sentar a observar e questionar o que seria uma revolução, muito embora já agradecido por todas as voltas que demos pelo país. Nesse aspecto, senti mudança, liberdade sob a forma de as pessoas agora poderem estar, conversar abertamente e celebrarem esse facto, apenas estando presentes.

Mais tarde na vida tive a oportunidade de conhecer ainda mais ilustres – mercê da militância na Juventude Socialista – que olhava e idolatrava, pela coragem sem temor, pela ousadia de pensar livremente, pelo sorriso que ostentavam – como se um sorriso livre fosse a maior riqueza do ser humano. Talvez seja!

Venham muitos mais 50’s!!!!

É a ideia que tenho, preservo e celebro – 25/4/2024

As duas últimas covas.

A cerimónia estava marcada para o início da tarde mas, mercê de uma profissão com imponderáveis temporais, foi adiada uns 30 minutos – tempo suficiente para um café e um escovar de dentes. 

De botins colocados, e chegada a hora marcada, eis-me deitado, numa confortável cadeira gerida pela doutora responsável. Recordamos histórias da nossa geração – uma espécie de anestesia antes da real anestesia e, quando dou por mim, o queixo do lado direito já não dá sinal de vida.

Raspa-se, broca-se, limpa-se, aspira-se, seca-se, insere-se massa, seca-se novamente, até a cova estar novamente coberta e livre da cárie que, embora pequena, podia vir a dar problemas.

Mais umas histórias recordadas, mais umas gargalhadas trocadas, uns sorrisos como forma de recordar e demonstrar carinho por momentos ímpares das nossas vidas.

Beijinhos de despedida, agradecimento por todo o empenho no trabalho feito e eis-me, de queixo direto caído, mas sorridente como sempre.

A cáries removidas não se olha o custo – 24/4/2024

A excelência do dia.

O rever a melhor amiga, o conhecer um novo sujeito, o capturar a imagem de um melro a cantar, o dar miminhos a um orelhudo que só conhecia de vista.

O ajudar o melhor amigo, ouvir as aventuras mais recentes, sentir o amor por algo herdado. A leitura comum, a troca de impressões sobre uma aventura muito arriscada, que nos é descrita pelo grande Colombiano.

A confirmação do que não era uma dúvida, o ignorar de um ser abjecto, o foco na andorinha que passa. 

O melro que te persegue, a rôla que te saúda em busca de uma côdea de alimento, os gatos que surgem a perseguir o cheiro do peixe acabado de pescar.

Dias de natureza – 23/4/2024

Uma história da vida.

Talvez tenha começado aquando do périplo pela América do Sul, talvez tenha começado numa qualquer garagem em que se estacionavam corpos ao invés de automóveis, talvez tivesse começado há muitos anos atrás e nenhum dos envolvidos ousasse confirmar, talvez fossem as mesmas insónias de agora a providenciar o raio da conversa. Não sei e também não interessa – localizar inícios só faz sentido quando temos um fim digno para o que nos propomos fazer, digo eu que, enquanto parte envolvida, podia ter feito mais alguma coisa mas também ambicionava receber mais e agi em conformidade.

Num qualquer cenário imaginário, regressava de um dos dois mais belos passeios por Buenos Aires. Revia as fotografias, inspirando enquanto passava de uma para a seguinte, de maneira a recordar todo o momento, como se o vivesse novamente. Reuni as melhores memórias, escolhi a audiência e publiquei, não dando mais importância ao momento, ainda saboreando o delicioso bife (que havia custado meio milhão de pesos). O telemóvel produziu um ruído, anunciando uma notificação, e lá estava ela. A mensagem era inocente e, se bem recordo, acerca dos dois estádios visitados no dia em causa.

A última coisa que me apetecia, nesse dia específico e em todos os outros, num sentido geral, era debater futebol mas, a personagem em questão deve ter percebido, pois adicionou algo mais à mensagem inicial e, aí sim, o diálogo começou. Deitado na enorme cama do Panamericano, e tendo apenas caminhado uns duzentos metros desde o restaurante, respondi que o meu grande interesse não eram os estádios mas sim os bairros em que se inseriam. Havia atravessado a cidade inteira, com um magnífico taxista, marxista, cuja primeira história que me contou foi sobre a predisposição dele, quando soube que tinha um cliente no Panamericano (sendo marxista esperava encontrar um facho, da pior espécie, como há tantos na Argentina. Desenganou-se em alguns minutos).

Encostei a cabeça na almofada, o corpo debaixo do edredão, de calções de banho e tshirt vestidos (coisa típica de quem viaja de mochila), e notei que já tinha sido respondido. A conversa prolongou-se e recordo-me de dizer, baixinho para ninguém me ouvir, que ela devia gostar imenso da Argentina…Obviamente, encontramo-nos umas semanas depois – o tempo suficiente para acabar a excursão sul-americana e voltar – e descobri que o gosto, afinal, não era só pela Argentina. O tempo aproximou-nos e a falta dele afastou-nos mas, sem dúvida, foi uma das mais belas histórias de amor.

Como se fosse possível – 21/4/2024

Dois campeões.

Dia de fé, dizem.

O duche na madrugada da casa, enquanto os outros dormem, pé ante pé, com cuidados redobrados para não incomodar as que ainda descansam. 

A roupa de domingo, tão semelhante à dos restantes dias da semana, a curta caminhada até ao jornal mais próximo. A leitura com acompanhamento, a nata, o café e a água das pedras brutalmente gelada.

Os habituais que chegam, a loura que passa e cumprimenta. O olhar medido, após observação atenta, os dois detalhes ondulantes que ainda não constam no acompanhamento. O suplemento separado, após uma rápida olhadela pelos alugueres humanos dos classificados.

A análise das notícias, mais uns cumprimentos, um amigo de sempre que passa e cumprimenta com umas efusivas pancadinhas no ombro direito. Dialogamos sobre o nosso bem estar, refiro que só uma inflamação no ombro direito me aflige, sorrimos perante a inevitabilidade do cumprimento recebido “Como poderias saber?”, e sorrimos ainda mais quando recordamos onde nos conhecemos.

A mãe que perde a paciência com o filho que teimou em pegar na chávena antes da aprovação da progenitora, o filho que concorda que sempre foi assim e que realmente se precipitou, o azeiteiro que acelera na sua moto barulhenta, os carros que insistem em acelerar quando o peão se apressa para atravessar a passadeira.

As passadeiras que obrigam a um desvio do passeio para acedermos a elas e buscarmos a prioridade que o peão merece, o parolo que buzina para chamar alguém do prédio em frente. As andorinhas que cativam algumas migalhas perdidas no chão, as gaivotas que sobrevoam e observam com inveja. O canto do melro que encanta a primeira trinca na nata, a última página do jornal que te indica que é tempo de voltar.

Domingos, numa cidade qualquer – 21/4/2024

A audácia de um casal.

Adorava que existisse uma disciplina, curso superior ou técnico profissional, que abordasse o sexo feminino. Um curso intensivo – e talvez interminável – que percorresse todos os níveis da mente feminina: a forma como posiciona os cinco sentidos, como exterioriza emoções, como as interioriza também, a forma como age perante obstáculos e como se propõe superá-los.

Numa qualquer instituição de ensino, no cimo de uma montanha, com uma vista de trezentos e sessenta graus que permitisse todo um relaxamento visual, em regime de internato, e só com dois voluntários. Uma espécie de Marvão – em termos de beleza circundante – com apenas uma “case study” e sendo eu o único aluno. 

Voluntariamente deitada numa cama de rede, erguida no ponto mais alto da aldeia, o objecto de estudo seria sujeito ao que os anglo-saxões designam por “Full Disclosure”. Num diálogo tão privado quanto a altura o permite, um despir de todos os detalhes fundamentais para plantar e fazer crescer uma árvore chamada intimidade.

Esgrimindo diferenças e apelidando-as de personalidade própria, aproximando pontos de vista comuns e apelidando-os de benesses para o nosso futuro. Num contexto de abertura total, como se fôssemos católicos e quiséssemos a absolvição, uma confissão total de quem somos e o que procuramos.

O exame final seria a prova de fogo e só juntos poderíamos aspirar a concluir o curso. De olhos nos olhos, e só podendo recorrer à inteligência emocional, a mesma frase teria que ser proferida em simultâneo. A nota final começaria então a ser construída sob o nome de futuro comum. Deixo-te o ónus do contacto, porque sou apenas o estudante e não faço ideia em que ponto do percurso académico estás. 😘

“I love the rain – it washes memories off the sidewalk of life.” – 20/4/2024

A mochila das sextas.

A máquina fotográfica, a lente de 300, um rolo de papel higiénico, uma faca de mato, um boné, meias e sapatilhas extra. A tarefa, sempre executada após o final do jantar, é quase uma rotina – um automatismo enquanto se imagina os caminhos do dia seguinte. Uma vista de olhos pela meteorologia, a confirmação de que está tudo pronto, o despertador pronto para levantar a encomenda na padaria.

Sonhos feitos de passos, pesadelos com saltos para cima de pedras (elas teimam em magoar), um calção de banho e toalha adicionados. Uma revisão pelas aplicações a usar, download dos trilhos mais actualizados, uma visita rápida com o Google Earth. Sorriso de orelha a orelha, um relembrar aos parceiros de caminhada, uma gargalhada porque a ementa é tão comprida quanto o trilho.

Uma imaginação muito vasta, a recordação mental para a necessidade de comprar calçado, um encolher de ombros porque não é uma prioridade. Confere-se os cartões todos, verifica-se o saldo da conta, faz-se uma marcação de última hora. Revê tudo novamente, fecha os fechos da mochila, dá duas abanadelas e umas pancadinhas para que tudo entre nos eixos. Vamos?

Só falta chegar a hora! – 19/4/2024

Do amor próprio ao outro.

Como se partisse da douta ignorância para o conhecimento – desaparece para outro lugar no mundo, começa um exercício de introspecção, anda muitos quilómetros por dia, chega ao conhecimento das pequenas coisas que lhe agradam profundamente. Canta enquanto caminha (baixinho ou para dentro, de maneira a não perturbar a natureza que o rodeia), sorri de volta aos seres “loucos” que ainda sorriem nos dias de hoje, cumprimenta desconhecidos como resposta ao cumprimento que deles recebe.

Poder-se-á afirmar que não segue os padrões lógicos de comportamento dos demais, que destoa na maneira de ser e de agir, que tem um temperamento desigual quando confrontado com situações vulgares e com respostas universais que não toleram desvios, que caminha como se as regras da sociedade não se aplicassem a ele – não que “quebre” as regras ou aja de maneira ilegal, mas tão só e apenas porque é desigual, questiona porque quer aprender opiniões diferentes mas, estando as respostas universalmente impostas, é visto como bizarro.

Continua a trilhar o seu caminho, ciente das suas virtudes e defeitos, carente de acumular mais conhecimento – o mais abrangente possível, procurando debater com o maior número de cenários diferentes que consiga reunir, tentando absorver o maior número de opiniões que estimulem o auto-debate a que se dedicará assim que o tempo o permita. Ouve da direita à esquerda, tem muita sorte com as individualidades em quem “tropeça” na vida, é carente de leitura tanto quanto de comida, gosta de pensar sozinho de maneira a melhor poder questionar-se, sorri sempre que um dia novo nasce.

Que nunca deixemos de viver – 19/4/2024

Da necessidade ao engenho.

Após três meses de Portugal, e copiando o modelo grego, tenho aumentado bastante as distâncias percorridas sem afectar o bem estar que as mesmas providenciam. Tirando o salto para cima de uma pedra, que doeu como tudo, os passeios têm combinado um misto de emoções: cultura, exercício (obviamente), reencontros, o espanto com alguma arquitectura, a abstinência, o culto por certas cidades, o gozo de poder desfrutar sem horários.

Seja com máquina fotográfica ou sem ela, seja com a malta da fotografia, seja com a malta da pesca, seja com malta anónima, os cantos do país vão sendo descobertos ou redescobertos, esquecendo-me até de visitar a família, quando por algumas localidades passo. A respiração é funda e complementa o bem estar geral. Três pares de sapatilhas, todos igualmente gastos, as T-shirts com décadas de uso, os calções rotos mas sempre na mochila.

Praias novas mas também a habitual, rios novos mas também o habitual, pessoas novas e um grupo muito restrito de amigos de infância. Tertúlias novas, assuntos diferentes, uma fuga ideal ao marasmo que é o reino das discussões futebolísticas. Muitos livros novos, muitos créditos no cartão da Wook, muitas ideias para novos contos a submeter à Chiado Books. Um novo personagem reinventado do velho, muito mais despreocupado e muito menos disponível para perdas de tempo (esse único bem escasso de que dispomos na vida).

Tem sido a mais bela aventura de uma vida, com o prémio diário de ser pai de um jovem muito ímpar na capacidade de conquista, e que contamina todos os que o rodeiam. Um brinde ao nosso tempo na Terra!

Da satisfação – 18/4/2024

Convalescença.

Depois do exagero da caminhada, depois do esforço físico descomunal, depois de repôr calorias, depois de sorrir por ter adiantado mais uns quilómetros, eis o descanso merecido. O Parque da Cidade continua muito igual ao que era (quando lá morava) e os trilhos existentes são exactamente os mesmos. A malta do Regado presente, a troca de impressões a colocar-nos em dia, o prazer das coisas simples da vida.

Obviamente a francesinha foi o almoço, dois finos o complemento mas, o mais importante, foi o convívio – estar com os vizinhos amigos de outrora, que tão frequentemente aparecem por cá, celebrar as histórias antigas enquanto criamos múltiplas histórias novas. A esplanada do Zé, as batatas fritas de complemento, a cerveja estupidamente gelada. Os abraços duradouros, os olhares de espanto, o amargo da partida.

Caminhar pelo Porto é muito reconfortante porque permite um conjunto de coisas através de uma simples caminhada: o exercício no parque, a cultura em Serralves, o mar na Foz, a confusão na Baixa. Sorrio agora a constatar que nunca mais me lembrei de comprar as sapatilhas e que voltei muito mais pesado do que quando parti: o peso do exercício, da comida, do conforto por rever velhos amigos. Não é uma dieta que algum dia queira fazer!

Por aí, a receber e dar – 18/4/2024

Distrações do quotidiano amoroso.

Nascemos imbuídos de uma inocência que se assemelha a uma tarefa impossível de superar, com os conhecimentos de então, não passamos de um ser dependente e frágil que é obrigado a depender para superar o primeiro degrau da vida. O banho, a roupa, o sono, as primeiras regras, as primeiras palavras, os primeiros passos, são conquistas de superação em que a aprendizagem se torna uma rotina que interiorizamos e aperfeiçoamos. Saímos do berço e traçamos o nosso caminho – próprio, personalizado, sem nenhum igual porque é fruto da nossa aprendizagem e não há duas autenticamente iguais.

Na adolescência damos os primeiros passos na real aprendizagem – começa a preparação para a vida adulta, o trabalho em prol de uma independência total dos progenitores, a busca de uma felicidade que é só nossa e em que, também, não há duas iguais – quando muito, com todo o engenho e sorte, almejamos uma felicidade com outrem, em que a junção de dois é igual a um muito superior à soma dos dois (contraria os princípios da matemática mas é a mais pura realidade). Já sem tantas ajudas, com muito menos questões, com um esforço diferente – sem sabermos se maior ou menor porque estamos a transitar de uma fase de absoluta dependência.

A vida adulta traz-nos a ambição pelo conhecimento, a procura da maturidade própria, almejar o fim de toda e qualquer dependência. O semelhante a um pássaro que, após ter crescido no ninho, é largado de um local alto – que o obriga a bater as asas para sobreviver, para procurar o seu próprio alimento, para se tornar absolutamente autónomo e completo. A tentativa e erro, o assumir das melhorias que precisamos introduzir para aperfeiçoarmos tudo – na busca constante por uma engrenagem que, apesar de rotineira e que consideramos quase perfeita, pode ser sempre melhorada.

Depois vem uma onda mais impetuosa que te leva a toalha, meia dúzia de objectos, as sandálias. E é aí que te apercebes que as imperfeições a dois são a melhor forma de te recordares que estás vivo e o porquê de estares distraído.

Efeitos colaterais de uma pretensa insolação – 17/4/2024

Tropelias do imaginário.

“Dás-me licença que te cumprimente?”, assim começava o monólogo da imaginação dele. “Miúdo de muito pensar, muito sonhar, demasiado imaginar mas pouco concretizar.” – isto dava uma óptima inscrição numa lápide (e ri-se). Ri-se porque tem muito capital de egoísmo como reserva – um egoísmo que não magoa ninguém mas que o impede de ser magoado (outrora chamou-lhe “Reserva Estratégica Pessoal”, mas achou que patentear o conceito era demasiado atrevido e outros poderiam usufruir dele – obviamente, com o seu sarcasmo habitual, afirmou “É a invenção que deixo ao mundo.”, sorriu e esqueceu a ideia sem deixar de praticar o conceito).

Numa cabeça que fervilha de saudade, num corpo que transpira por antecipação, nuns membros que se intimidam com toda a emoção – como uma espécie de jogo de tabuleiro em que o dado define todo o progresso ou retrocesso, recorda cada bocadinho – porque uma manta de retalhos consegue unir tanto, em tão pouco espaço – acima de tudo, recorda a maneira peculiar como era chamado – algo que sempre teve o poder de o fazer parar (gelar, já que estamos a ser honestos) e encarar a amada,  com a mesma cara que os cachorrinhos abandonados fazem, quando os donos adoptivos os tentam encontrar – uma cara desprovida de tudo, menos atenção, num misto de amor, alegria, subserviência amorosa e total disponibilidade, sempre num contexto livre.

Pode o sonho condicionar a realidade? De que forma é possível sonhar e, poucas horas depois, enfrentar o sonho? Os movimentos sonhados são agora reais, a voz – escutada ao longe – é agora audível, os meus olhos podem agora procurar os dela. É todo um jogo de apetites: apetece-me isto e aquilo e aqueloutro, com uma fome voraz, mas sem os utensílios de coragem necessários para que a refeição gourmet realmente aconteça. Provavelmente, será o passo intermédio entre o sonho e a realidade: os couverts!

Monólogos do humilde narrador – 16/4/2024

A hidratação como parte fundamental da vida.

Rotinas não são uma alimentação saudável.

O adormecer foi fruto do esforço despendido e, ao contrário do que seria expectável, não viste o The Hateful Eight até ao fim – o que trouxe para hoje a interrogação do porquê de tal falha. O Kill Bill, um e dois, ainda vá, tolera-se, mas o The Hateful Eight é caso para te sentares num divã e debruçares-te sobre o que é que pode andar a condicionar o teu comportamento: será a caminhada, a cafeína, as águas das pedras? Não sabes a resposta, o que te leva a repetir os passos dados, imbuído de uma inconsciência fictícia, em que sabes perfeitamente o porquê mas, envergonhadamente, escolhes fingir que não.

Escreves o script mental, fazes uma antevisão de todos os cenários possíveis: deglutes no teu imaginário todo um tabuleiro de xadrez de hipóteses e quais os movimentos seguintes. Suspiras com a imagem mental do nariz perfeito, das covinhas nas bochechas, na indumentária tão condizente com a pessoa que a veste. Acordas do sonho acordado, lavas a cara – como farias se estivesses a acordar de um sonho real, sorris com a capacidade de tanto imaginar, cumprimentas-te pela falta de eficiência entre sonhos e ações. Sais de casa e vais tomar um café, uma água das pedras para ajudar a engolir tantas ideias, tantos pensamentos, tantos projectos. Não pedes um doce porque o doce já o imaginas tu.

Que as diabetes nunca me atinjam – 15/4/2024

Que a beleza nunca falte.

A grande lufada de ar fresco.

Depois da tempestade emocional, que me sugou uma parte importante do capital de resistência que vinha sendo acumulado, eis uma imersão na natureza – para fotografar o Parque Nacional Peneda-Gerês. Acompanhado de duas pessoas habituadíssimas a este tipo de eventos, dei por mim a esquecer, momentaneamente, o dia anterior (é mentira mas fica bem no texto).

Não que o pretendesse esquecer mas simplesmente porque tinha sido algo demasiado atípico para ser verdade. Se o sonho realmente comandasse a vida, o dia teria sido passado a conversar e a pensar em partilhar algo – um presente ou um futuro. Assim, tal como as natas da manhã, houve a degustação e o doce desapareceu. Como há idiotas, semelhantes a mim, que renegam os sonhos, é óbvio que a tarde e noite foram vingadas com leitura e escrita.

Adiantei o livro que nunca publicarei e perdi-me nas palavras dos cem anos de solidão. Não sendo o cenário ideal – a revisão hoje feita, dos escritos de ontem, bem o confirmou – a verdade é que é um cenário que cria resistência literária e, vagueando no que escrevo, abstraio-me no sentido que as palavras escritas ditam. Sim, é uma autocracia de frases, que culminam no fabricar de um exercito de imagens, que transportam para um paraíso literário.

O domingo começou de madrugada, o que nos permitiu apanhar as primeiras luzes e reflexos da natureza. Sem vento, com muito brilho, evitando a luz de frente, acertando a velocidade, ISO e abertura do diafragma. Capturei três centenas de imagens que, após uma revisão exaustiva, deram origem a cerca de sessenta fotografias com piada e até alguma qualidade (reconheço o meu amadorismo da mesma forma que reconheço o quanto o hobby tem amadurecido).

Andamos bastante, para cima e para baixo, houve quem molhasse o pezinho, almoçamos muito bem e com uma paisagem de perder o fôlego. Sonhei, acordado mas sonhei. Com a ideia de tudo explorar contigo a meu lado. Algo ridículo quando tanto fiz para que tal não acontecesse. A vida é uma sucessão de momentos e, os de hoje, foram a união de um sonho impossível com uma natureza digna de tudo superar. Curiosa esta natureza…supera-se! Até nos sonhos.

A respirar fundo – 14/4/2024

Mais uma bela ponte do Engenheiro Edgar Cardoso.

Poker face.

Apesar da experiência com o jogo das duas cartas escondidas, e as cinco comunitárias, a verdade é que a vida sentimental é muito mais difícil. Ao invés de apostar fichas, apostamos o miocárdio, ao invés de usarmos óculos escuros, deixamos transparecer a emoção, ao invés de apostarmos tudo, numa só jogada, apesar de não termos jogo para o fazer, desistimos temporariamente da jogada até que o par perfeito de cartas iniciais surja.

É um verdadeiro jogo sem limites – o miocárdio no meio da mesa, ciente do valor do sentimento, exposto a uma qualquer outra mão que possa desfazer a nossa aposta e revelar, sem qualquer atropina que nos salve, que o fim chegou. Não há massagem cardíaca para o segundo classificado e qualquer centro cardíaco está sempre demasiado longe para o imediatismo necessário.

Poderíamos tentar sangrar o sentimento, e receber uma transfusão de um outro sangue, mas tal não constituiria uma solução – tal a dificuldade de alcançar todo o sangue infectado pelo sentimento, e ser capaz de o substituir, com a plena certeza de que obteríamos o resultado necessário. Optar por um internamento e tentar uma diálise profunda mais não seria do que um passatempo, face ao inevitável reencontro.

A recaída é o melhor remédio: levas um tabefe emocional, andas completamente de lado e até és afectado pela visão deturpada – que parece ver hesitação nos passos da mulher amada, semelhante em todos os humanos, quando tentam impor ao corpo uma rigidez de gestos que o sentimento não permite que seja tão rígida. Lavas a cara, passas uma gota de água pelo interior de cada olho e suspiras…e, enquanto o fazes, a racionalidade impõe-te que tudo não passou de uma ilusão.

Um café e uma nata sff – 13/4/2024

Pulsação cardíaca.

Era bom poder dizer que foi como um balde de água fria, mas não havia nada de frio na circunstância. Era bom poder mentir e dizer que tudo continuou igual, mas a inteligência emocional tomou conta da racional. Era bom poder afirmar que não senti nada, mas mentir nunca fez parte de quem sou.

É verdade que o havia sonhado, justamente esta noite, mas a realidade supera sempre o sonho não palpável. Os detalhes, que não revelo e invoco a intimidade como razão para o não fazer, eram exactamente iguais ao sonho mas, a emoção, colocou o batimento cardíaco muito para além do que havia sonhado. 

Fugi, como habitualmente, para o meu canto secreto e, revendo-te mentalmente, percebo o que o coração me transmite. A sensação visual e palpável dá-me uma certeza que jaz nas palavras mais íntimas partilhadas entre um casal – que não somos mas poderíamos ser, que não existe porque eu preferi sentir o doer. Estar errado dói…mas, acima de tudo, sou honesto comigo mesmo.

Numa qualquer manhã imaginada, com imensa falta de coragem â mistura – 13/4/2024

Mar da tranquilidade absoluta.

Assim que chegas, e mercê do facto de seres de um país de marinheiros, colocas o teu barco na água. Há uma série de imponderáveis que sabes que serão desafiantes mas, como povo descobridor, já percorreste o processo demasiadas vezes para te deixares intimidar. O sorriso é tímido mas esconde ousadia, os gestos são lentos mas não escondem a garra, o alento é demasiado grande e o mar afigura-se como uma piscina olímpica a ser conquistada.

Com um automatismo que não pára de crescer, assim que ultrapassada a primeira vaga, encaras as ondas seguintes como meras repetições da primeira e, imbuído de um espírito de conquista, sobes ao mastro e apontas a rota a ser seguida. 

Dialogas com peixes, que rapidamente se tornam confidentes que imergem com a conversa partilhada – seguro de que a comunicação por borbulhas não permitirá o decifrar da mensagem, dás oito dedos de atenção a um polvo que acompanha a odisseia – na certeza de que defenderá a intimidade da conversa com toda a sua tinta, escutas um tubarão branco, que se confessa, admitindo já ter devorado alguns “dos da tua espécie”.

Utilizas a leitura como abstração, o rádio para a informação e os olhos para a satisfação plena do cérebro carente das mais belas emoções que vais vivendo. Cada dia como uma nova folha escrita de um livro fictício, cada momento vivido com a satisfação plena que só um suspiro de alegria se assemelha. Conquistas novos oceanos nas tuas caminhadas, ousas um mergulho gelado – em pelo – sem que o atentado ao pudor te prenda, percorres a areia, como se fosse a mais retemperadora alcatifa.

A mente vagueia com uma sensação de liberdade, o corpo dói com a satisfação da realidade, os olhos ardem de tanta novidade adquirida.

Um belo dia – 11/4/2023

Uma aranha que tudo conquista.

Pontos de vista…

Ao longe parecias ser tu e, à medida que aquele corpo escultural se aproximava, a minha confiança esvaía-se e diluía-se na imagem colossal que os meus olhos tinham dificuldade em transmitir ao cérebro. Num samba, entre os neurónios e as sinapses, dava-me conta que havia uma pausa – como se eles retivessem a imagem, retocassem detalhes como o ruído da imagem e o ângulo com que a luz em ti incidia.

Havia demasiadas coincidências para que não fosse verdade! Coloquei os óculos, tirei os óculos, fingi ter um cisco no olho, tentei assegurar-me que nenhuma pestana interferiria com o campo de visão, apeteceu-me roubar óculos alheios para certificar-me do óbvio, passei ambas as mãos pela cara, de maneira a assegurar que estava tudo vivo na cara e funcional para a inevitável aproximação.

Sentia-me quente e culpava as alterações climáticas, sentia-me desidratado e culpava-me por não ter água das pedras de reserva. Sentia-me num deserto de ideias e tu eras o oásis que se aproximava a passos largos, belisquei-me – discretamente – apenas para concluir que a realidade era clara e inequívoca, sentia-me encurralado e desejoso da “tortura” da tua presença.

Depois bati com o pé no fundo da cama e constatei que tudo não passava de um sonho…

Hidratem-se que a primavera é sedenta de aventuras – 5/4/2023

A quilometragem.

Extraindo todo o potencial do vento sul, na mesma passada de sempre, olhando para o mar como ele me olhava a mim – de lado e com cara de poucos amigos – enfrentando caminhos de madeira entremeados por pedaços soterrados de areia, assustado com lagartos e sentimental com a visão das mães e crianças na praia.

O dia está quente mas a forte ventania obriga a cuidados especiais: evitar caminhar de frente para a ventania – se bem que, de costas, acabo com areia colada nos braços e mãos desnudados, que agora retiro enquanto descanso. Esplanadas viradas para sul estão desertas e, as viradas para norte, demasiado cheias – como incentivo adicional para continuar…sempre, sem paragens.

Um devaneio sonhado, uma mensagem enviada, um convívio falhado. O ónus do encontro transposto para outrem, um suspiro solto, uma esperança renovada. Um grilo falante evitado, um cumprimento dado a quem o merece, um abraço apertado a quem já te fazia falta encontrar. Um sorriso como forma de agradecimento a quem te faz o coração pulsar.

E tudo enquanto exercitas…o melhor ginásio é ao ar livre!

O cansaço de uma caminhada retemperadora – 5/4/2024

O tolo no meio da ponte.

A batalha de uma vida.

De um lado – pesando uns valentes quilos cujo valor exacto prefere não revelar – estava o humilde narrador e do outro lado – com um peso ainda por apurar – um habitante do Atlântico que lutava por permanecer no seu lar e continuar a sua modesta vida, comendo umas tapas aquáticas, aqui e ali, evitando as mais brilhantes – que os peixes anciãos diziam “ser de morte”.

Entre os dois havia um pedaço de oceano e nenhum dos dois se encontrava disposto a ceder – o humilde narrador pretendia que o mar providenciasse uma refeição enquanto que a refeição pretendida lutava pela sua vida. Houve puxões, numa espécie de braço de ferro que só os profissionais da pesca entenderão, houve avanços e recuos – intercalados por lágrimas de esforço de ambos os lados, houve gritos de auto incentivo – sob a forma de borbulhas que saiam das guelras ou a plenos pulmões de um pescador que não cederia ao bicho.

No final, qual Highlander do mundo da pesca, só um poderia vencer. Apesar de não nos encontrarmos na Escócia o sentimento era frio entre ambos e, após um último esforço de parte a parte, só um venceu!

A imaginação de um peixe – 3/4/2023

A realidade como consequência da expectativa.

Há que rentabilizar uma tarde em que sabes que a cidade vai estar cheia. O planeamento é muito importante e os dados recolhidos são fundamentais para o cálculo quântico (lol) do destino a escolher: qual a proveniência dos que enchem a cidade? Quais as horas a que chegam e partem da cidade? Que tipo de transporte usam? Se viajam por etapas, como evitar os pontos de trânsito, entre etapas? Onde é que há uma boa esplanada, com sombra, onde possa ver o MotoGP em paz e sossego?

Após a introdução dos dados, no mega computador que é a tua imaginação, decides não optar por Alfarelos e rumas a Ovar. Não é o pão de ló que te conduz – muito embora a sedução por ele exista. Um simples apalpão nos seios é suficiente para te afastar da doçaria. A pergunta “porque tens uns seios pronunciados?” é suficiente para te afastar de guloseimas eróticas e conduzir o pensamento para o lanche: “um cachorro especial é apenas o colmatar de uma saudade de quem não usufrui dele há bastante tempo…”

Um par de estalos emocional – faz-se mentalmente, sem necessidade de uma auto-agressão na via pública – é suficiente para te focares no objectivo: a esplanada, a sombra, o GP de Portugal de MotoGP! A memória, essa traiçoeira, passa-te a imagem mental de um jardim que ficava perto da estação…uma revista aos azulejos da estação – que podiam estar melhor cuidados – e começas a trilhar a rua, rumo ao destino que esperas ainda corresponda à imagem mental. 

Ouves pássaros, há um rio, “é aqui perto”, exclamas com alegria. Mais uns metros e enxergas uma esplanada deserta de onde vem o som do hino nacional. Perfeito, diz-te o coração, como se aconchegasse num abraço ao corpo. “Tem multibanco?”, procurando por um terminal que não consta dos objectos presentes no balcão. Indicam-te o Santander (o banco e não a cidade da Cantábria) e partes para a recolha de um montante mínimo que te permita pagar a despesa resultante do tempo passado a ver o Grande Prémio. 

Desces a rampa que subiste e escolhes uma mesa exterior com vista central para o ecrã interior. “Perfeito!”, exclamas. Os pilotos estão a terminar a volta de reconhecimento e a partida segue-se! Corrida louca, como sempre, com alguns erros a baralharem o resultado final (o costume). Segue-se o caminho de volta e, apesar de teres planeado um regresso a pé, resolves mudar o ponto de partida para mais perto de casa. Fazes o percurso nuns 90 minutos e, comandado por um automatismo que não controlas, dás por ti a enfrentar um cachorro especial…

Porque até os domingos são especiais. – 24/3/2024

Rumo ao norte, enfrentando a nortada.

A espeleologia.

Saudações

Primeiro há todo um ritual de saudações, entre duas pessoas que se conhecem, seguido de uma pequena conversa sobre o dia-a-dia. Actualizada a actualidade, segue-se a disposição do paciente na cadeira – num filme de terror, corresponde ao momento em que, desafortunadamente, abres os olhos apenas para ouvir e ver o médico – armado com uma motosserra e um sorriso como o do Hannibal Lecter, a preparar-se para um pequeno snack – mas, na situação presente impera a calma e boa disposição, e há que diagnosticar antes de começar.

Diagnóstico

Com um olho de lince e a experiência acumulada por muitas cáries tratadas, há uma primeira conclusão, que requer confirmação do raio x, obrigando a umas fotografias do interior da cavidade oral. Conclusões alcançadas, diagnóstico atingido, eis que chega a altura da anestesia.

Anestesia

A agulha no nervo, o lábio que se despede, a boca que parece partir para uma galáxia distante. A sacramental pergunta – sarcástica quanto baste – a aferir se ainda há sensação no lábio. Resposta dada, com a sensação de ter andaimes na boca, e eis que uma enorme broca surge no campo de visão.

Escavação 

Tal como um martelo pneumático consegue atingir o seu objectivo, também a broca – ao fim de muitas voltas – consegue alcançar a gengiva. Ouvem-se termos como limpeza, há uns rolos de algodão a segurar o caminho, alguém fala em limpar o ácido – solto uma gargalhada enquanto peço, respeitosamente, que deixem ficar o ácido. Sorrimos, como se de uma piada se tratasse, e começas a cheirar a massa a chegar.

Decoração de interiores 

Começando com um interior totalmente oco e despido, a massa progride para decorar o interior do dente, outrora vazio. Não estamos numa passerele mas todo o processo é, em muito, semelhante. Mais um retoque, secador, uma trinca no papel de teste, um acerto da artista, secador, outra trinca a testar o resultado que, no final, se assemelha a um Picasso dentário.

Saudações finais 

De boca descaída, mas com uma obra de arte que pretende expor, despede-se da artista e caminha em direção à dolorosa.

Pagamento da obra 

Chega o valor a ser cobrado e eis que o subconsciente pretende gritar de dor – não por falta de concordância mas por princípio. Dá um toque com o multibanco, insere o código secreto e, orgulhoso mas sentindo-se a descair da boca, enfrenta a multidão que, sem qualquer sentido artístico, não reconhece a obra de arte que o humilde narrador carrega consigo.

Nos idos anos 70.

Sentimentalismo premeditado.

A expressão, claramente emprestada pelo maior autor Colombiano que li (até hoje e que dificilmente será destronado, porque sou eu quem decide), resume o belo dia de hoje. 

Uma bela caminhada entre a Baixa e a Foz, sem que fosse São João e o humilde narrador estivesse ébrio a caminho da praia, por entre uma neblina que teimava em não levantar, causando um efeito tão retemperador quanto a imagem mental de sentirmos cada ossinho do corpo. Um pequeno intervalo para o café e a água das pedras, os olhos constantemente desviados para tudo o que me rodeava, um passo de cinquentão – armado em gajo que gosta muito de caminhar (o que até é um facto), mochila com uma bela máquina fotográfica para recolher os momentos mais inesperados ou sensibilizadores.

Um repasto na companhia de três Portistas – nervosos, como sempre, em noite de jornada europeia. O lagarto presente lá nos impôs uma conferência de imprensa do clube dele o que nos obrigou a despender uns minutos a explicar-lhe a história do clube dele, sobretudo em termos de conquistas europeias (é sempre bom e recompensador enviarmos uma criança para casa com mais perguntas – e mais profundas – do que quando chegou. A educação é um processo sem fim!)

Conversa amiga e saudável, comida tão maravilhosa quanto o sentimento que nos une, gargalhadas honestas e de encher o fôlego de um oxigénio amoroso, por algo que ainda decorre mas do qual já sentimos saudades. Água fresca a repor a desidratação da caminhada, o cigarro que surge depois do café. 

Tradicionalmente, a visita à madrinha é um evento para o qual vestimos a nossa melhor roupinha e cuidamos da linguagem, enquanto a visita decorre. Mas, há muitos anos que ultrapassamos a tradição e o casual surge como a melhor forma de estarmos juntos. 

Muita saudade, muito amor e a certeza de que não carecia de que, realmente, tenho muita sorte da família que tenho – todos com as nossas virtudes e defeitos mas sempre prontos a corrigir tudo e todos, por entre gargalhadas e o amor que nos une.

Obrigado madrinha, é sempre indescritível o sentimento com que daí saio.

Singela homenagem a um casal maravilhoso com um neto impecável (apesar de sportinguista). – 21/2/2024

Também me agradas.

A distância, essa meretriz que tantas manifestações de afecto reduz, era substancial e o grau de desconhecimento – enorme – era apenas mais uma desculpa para te manteres afastado, amorosamente cobarde. Havia uma enorme cumplicidade de gostos – alguns manifestados por mensagens,  sem outro nexo que não fosse o simples “paquerar” – provocar (alguém) amorosamente, demonstrar interesse amoroso por – de acordo com a definição brasileira da palavra ou, de uma maneira mais portuguesa – o mostrar interesse em.

A distância reduziu-se mas a ousadia manteve-se – entre o ousado e o auto renegado – num tabuleiro imaginário em que não fazes a mínima ideia de qual a “jogada” do adversário. Verdade seja dita: havia algumas jogadas que conseguias visualizar e, numa antecipação típica de grande mestre de xadrez (que nunca jogaste), corrias (num sentido figurado pois o que adoras é andar, vaguear sem destino) na direção oposta. Numa analogia em que, figurativamente, te apetecia fazer festinhas, acariciar, conversar sem que horários houvesse e, na realidade, estivesses no extremo oposto a ler, nas margens de uma qualquer ria, rodeado de desconhecidos.

Armado em aprendiz de prisioneiro de imagens, esquecendo metade do material, caminhas com uma ideia na cabeça – como se fosse uma melga que quisesses que te picasse. Obrigas-te a parar, num pedaço de relva protegido do sol, sacas do antídoto da mochila e mergulhas a mente na leitura. Sorris, enquanto o cérebro vagueia ao sabor do mestre Gabriel García Márquez, para apenas constatar que, inevitavelmente, quem viaja contigo é ela…

Overdose de ovos moles – 18/2/2024

Transparências ou reflexos?

A rua dele possuía dois tipos de personagens: os transparentes e os reflexivos.

Desde cedo apreciou uns e acumulava o saber dos outros – um apreciar nobre, despojado de conhecimento – como se partisse da douta ignorância para o conhecimento, num exercício supremo e constante de negar tudo para melhor absorver o diálogo dos conhecedores presentes na tertúlia. Com os erros inerentes a cada ser humano que, em conjunto, superava as agruras do conhecimento singular (ou do questionamento de tudo e todos, inerentes ao singular), num exercício constante de superação, rumo a um dogma citadino que só a união permite.

Os reflexivos, fruto de um constante auto-questionamento, equiparavam-se a enciclopédias – que, na ausência da internet, precisavam das actualizações que só a cooperação dos transparentes providenciava. Uma conjugação de putos “vadios” que faziam da união a sua força. Tertúlias maioritariamente desportivas que, por entre alterações no marcador, possuíam o dom de educar, aprofundar as relações e ideias, melhorar-nos enquanto seres humanos. O resultado final era secundário face a tudo o que era apreendido.

Os transparentes, que possuíam uma presença e personalidade bem visível, eram os introvertidos de hoje em dia. Calados mas atentos, parecendo desligados mas sendo sempre os primeiros a introduzir alterações ou a fazer notar incongruências no ambiente. Capazes de discordar para melhorar o aprofundamento do assunto, sempre dispostos a questionar para que novos termos fossem introduzidos (e todos estivessem equiparados no entender do assunto em questão), eternamente atentos para que nenhum detalhe escapasse no diálogo comunitário rumo ao saber.

A união faz a força, poderá o leitor resumir mas a vida não se resume – bem pelo contrário. A vida, tal como a ciência, é o constante questionar tudo e todos até que assente numa verdade impossível de ser desmentida e os participantes possam sorrir perante a descoberta do debate de ideias.

Where the streets have no name – 10/2/2024

Vadios que nos visitam.

Os que mais amo.

Entre a obrigação e o querer vão sentimentos distintos. A obrigação é o correspondente ao “picar o ponto” – algo rotineiro, insosso, com presença mas sem algo que o poderia transformar em querer. Uma obrigação que não é natural, espontânea, real – uma espécie de reunião de actores e actrizes que seguem um guião desprovido de realidade, interesse, emoção – face a uma audiência que, provida de alguma cultura e mundo, desfaz a peça que perante si se desenrola – como um profissional de poker, a enfrentar um qualquer macho-alfa, desprovido da realidade e assente numa confiança total nos seus dotes de actor amador – tal a distopia que alimenta os seus egos (sim, no plural).

Rever primos, num ambiente tão simples e rotineiro como outrora, é um recuar no tempo. Um tempo que te traz a confirmação de que, felizmente, o tempo e o dinheiro – bem como toda a evolução familiar, de então até ao reencontro, não afecta minimamente os que são bem formados. O background familiar – pedra basilar a partir da qual se espera que progridamos – impede todo e qualquer retrocesso e dei por mim a ser mimado de vários ângulos. O bife foi encomendado por um, a água foi-me servida por outro, o diálogo fluiu como se aquela fosse a nossa rotina.

Muito embora a refeição fosse o que eu havia sonhado – demasiadas vezes numa Grécia que não se pauta pelo consumo de carne de vaca, devo confessar que a companhia é o condimento fundamental para que o miocárdio grite de alegria pela felicidade que sente. As tostinhas escondidas pelo bife, as batatas fritas redondas e fininhas, o cantinho de arroz branco e o esparregado, com o verde de esperança, foram o orgasmo gastronómico com que a minha imaginação me vinha torturando. Estamos mais velhos, com a mesma boa disposição face às adversidades, os abraços são iguais e a disponibilidade é total, de uns para os outros.

Posso não ter a família ideal mas devo confessar que estamos muito perto de o ser – com as nossas virtudes e defeitos, com a nossa solidariedade e compaixão. Foi um excelente almoço!

Porque nem sempre é só uma refeição – 6/2/2024

Um espantalho amigo.

Cantinhos por conhecer.

A maior virtude do ser humano é a sua fome de conhecimento. É a minha opinião e não desistirei dela – do conhecer e analisar o que de novo nos é dado, tudo provém: a sociabilização serena, a empatia social, o sorriso de quem dialoga com o dia-a-dia munido de uma munição de que todos dispõem mas nem todos entendem. Colocar a racionalidade em prática mais não é do que afirmar a nossa diferença para com os seres irracionais que, cada vez mais, tentam sobressair e sobreviver sem que a curiosidade seja, para esses, sequer um hobby.

Num mundo de possibilidades, a escolha de uma realidade de rebanho mais não é do que a afirmação de falta de inteligência ou, no mínimo, a simples falta de saber como interpretar algo novo, uma situação nova, uma realidade diferente do status quo a que se habituaram. Enquanto seres singulares, temos a obrigação de ter um pensamento crítico sobre tudo e cultivar-mo-nos de maneira a superar a novidade.

Acordar muito cedo, num sábado, nunca foi algo que me atraísse mas, “refém” de uma grande dose de curiosidade , assemelhou-se a um grito de Ipiranga – com a força da revolta mas sem mortes à mistura. Mais um misto de curiosidade latente e a possibilidade de colmatar uma parte dessa interminável curiosidade. O despertar foi automático, como sempre, e o modo automático tomou conta deste corpinho que os meus pais fabricaram. O duche, a vestimenta e o material a usar estavam prontos, desde a noite anterior.

Partimos num tanque de guerra, capaz de ultrapassar qualquer obstáculo terrestre, e fizemos do diálogo a “arma” ideal para passar o tempo até ao destino – sem que tivéssemos ideia de que destino se tratava. O dia correu, ou as horas passaram a correr, os detalhes – primeiro visualizados e posteriormente capturados pelo meu amadorismo fotográfico – só no final seriam analisados, a natureza parecia querer mostrar-se e a lente fotográfica parecia anuir a um relacionamento que, apesar de ser de captura, não implicava uma prisão.

Tudo era novidade para mim: os ângulos, as aberturas, a luz solar, os trilhos, o ensopado de rodovalho, a viagem, o sorriso de quem se estava a divertir, enquanto caminhava longas distâncias: como se o ginásio perfeito e ao ar livre fosse algo que eu estava a usufruir de – sem que qualquer mensalidade ou período mínimo de permanência existisse. Uma enorme lufada de ar fresco e o acordar de uma curiosidade pela fotografia.

Estou em dívida – a toda uma natureza humana, a todo um conjunto de estranhos com que nos fomos cruzando, a todos os cenários irrepetíveis com os quais sorri, a todo o ar que inspirei e que, extravasando os pulmões, satisfez a alma. Foi como “andar perdido”, pela República da Irlanda – sem chuva, sem frio, sem obstáculos que a natureza criava. Foi o desumidificar ou despertar a vontade enorme de estar em contacto com a natureza.

A frescura da natureza – 4/2/2024

Reflexos.

Coisas que nunca mudam…

Ao contrário das pessoas, incapazes de uma mudança que afecte o status quo, os locais trazem-nos um resumo de todas as vicissitudes – sobretudo sendo nortenhas.

– Esqueci-me da pasta, com testes por corrigir, em São Bento…(diz uma utente do metro)

– Tem dinheiro?, pergunta o meu vizinho de viagem.

– Não, só os testes por corrigir…

– Então não se preocupe que vão lá estar. No Porto ninguém corrige testes de borla…

Tinha saudades da empatia nortenha!!!! 💪💙

Percorri demasiados quilómetros, com o sorriso parvo e ritmo de sempre. Troquei a Acrópole pela Rua de Trinta e Um de Janeiro e, muito embora não a tenha subido, prestei-lhe a devida homenagem. Visitei ruas que já foram parte do meu dia-a-dia e conheci pessoas maravilhosamente belas – não só no profissionalismo mas também na arte de bem servir o cliente.

Confirmei o que não queria confirmar e apreciei um belo prego no prato, visitei o “meu” emblemático Tamisa e os meus ouvidos viram restituído o sentido apurado para o bom humor portuense. Senti um valente vibrar, ao passar no Pérola Negra, mas deve ter sido um espasmo da imaginação – pois a referida casa estava fechada. Andei na rua, em cima de paralelos, para sentir o chão da Invicta e ouvi a retórica dos transeuntes – num sorver de saudade imaginativa que se transformou em realidade.

Não passei muito tempo na cidade – a Baixa parece um estaleiro a céu aberto – mas senti um sentimento de justiça – por finalmente haver dinheiro para a obra. Não disse um único palavrão mas escutei imensos, não chorei de saudade mas, a ter acontecido, jamais o revelaria.

De pernas cansadas e ao alto, só me apetece exclamar, bem alto, “é uma cidade que tenho em mim entranhada!” mas, fruto do lado racional, limitei-me a apreciar – com um olhar mais voraz do que qualquer turista – todos os detalhes da cidade que, a mim, fortalece o coração (incrível como o racional se dilui num belo emocional).

Agradas-me Invicta, todos os dias! Obrigado pelo homicídio de saudade que hoje me concedeste. Bem haja.

Avenida dos Aliados e o humilde narrador. 🇵🇹

Palavras desencontradas.

Ao escrever um texto, num conjunto de palavras que, de início, só para ti fazem sentido, deparas-te com imperfeições, desilusões e ilusões. A beleza do retoque permite, não só mas também, apreciar a linha de pensamento que trilhaste e, se bem que cries um novo ciclo a partir da amálgama inicial, sabes bem que o resultado final não existiria sem que as imperfeições fossem corrigidas.

Não é tentativa e erro mas sim o escrever “ao correr da pena” – por mim traduzido – corresponde ao despejar de tudo o que a mente imagina, mas sabendo de antemão que uma revisão providenciará algo mais perfeito do que apenas a soma das palavras. Como se dissesses tudo o que tens a dizer mas, na impossibilidade de ser directo, o corrigisses com a educação recebida e suavizasses o resultado final.

O ficheiro começa em branco e o título fica para o final. O turbilhão imaginativo toma conta da tela e, qual pintor “enraivecidamente comandado”, palavras soltas chegam ao cérebro que comanda o teclado e, com um sorriso na cara, vês a composição a tomar forma. Não ligas a erros, acentuação ou gramática – pois sabes que a revisão final permitirá eliminar as toxinas do texto. Uma pintura inicial é apreciada pelo autor que, nessa altura, já está a pensar no resultado final – que em nada se assemelha a tal pintura inicial.

Recordas o objetivo inicial, enquanto revês o conjunto de frases que agora compõem o rascunho, cortas palavras, acrescentas pontuação e tentas mudar o tom – para que fique de acordo com o anteriormente revisto. Lês, relês e, sabendo de antemão que a perfeição é inalcançável, dás a tarefa por terminada. Talvez o sentido seja agora diferente, afirmas tu mas, relendo mais uma vez, constatas que o final corresponde ao inicialmente pensado, agora embelezado por regras que fazem o texto fazer sentido. Ou talvez só faça sentido para ti mas, acima de tudo, escreves para ti – tornando assim redundante saber se mais alguém aprecia.

A tela imaginária coberta por letras ordenadas em frases – 12/1/2024

Será doença ou sanidade plena?

Que se sofre por antecipação, que se torna uma realidade permanente, no teu sonho. O corpo e mente totalmente projectados no futuro, apenas e só porque a vista pretende enxergar o que sempre consideraste como “a tua terra”.

A família faz questão de estar presente e, o “convidado”, sente um calor imenso que já quase não reconhecia – por falta de prática, por falta de visão ou, como interiormente ele pulsava e uma voz associada lhe dizia “por falta da presença efectiva e próxima.”

Fazia um esforço enorme por conter manifestações de júbilo que, eventualmente, poderiam revelar e desnudar todos os sentimentos internos. Engolia em seco, como forma de agradecer a todos os que estavam presentes.

Vertia lágrimas de felicidade, derramadas internamente, sem deixar transparecer o atentado ao pudor que poderiam constituir – caso o secretismo fosse descoberto. O sorriso – sobejamente revelador – mostrava o quanto cada um dos presentes o tocava, sentimentalmente.

Por um longo momento, o humilde narrador pareceu ter uma “Out-of-body experience” e, observando todo o cenário a uma distância imaginária e próxima, exclamou “É deveras reconfortante estar em casa.” E, de volta ao mundo real, sorriu, para todos os presentes que, um por um, lhe foram retribuindo o carinho.

De Atenas a Espinho, por um caminho de carinho. – 9/1/2024

We can laugh about feelings!

O teoria do golpe de estado do P.R.R. – Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

Pela primeira vez na história do país, Portugal vai receber um montante nunca antes visto, para aplicar no desenvolvimento económico. De um lado, o governo democraticamente eleito, com o selo de aprovação de uma maioria absoluta e, do outro, uma panóplia de pessoas, camufladas em partidos políticos, dispostas a tudo – por um quinhão do imenso bolo.

Conjectura-se, sempre sob pretexto do “melhor interesse de Portugal e dos Portugueses”, a maneira mais rápida e viável para aceder a uma parte do bolo – o relógio não pára e, a cada tique-taque, o chantilly parece desaparecer, na ilusão criada pela imaginação dos envolvidos. Alguém vai começar a partir o bolo e urge termos um lugar à mesa!

Alguém sugere contornar o status quo e utilizar a PSP, sob pretexto da confidencialidade (que se dane a reputação da PJ; aproveita-se o processo para colocar três instituições em cheque! – Ministério Público, Procuradoria Geral da República e PJ) e começam a ver-se mãos a serem esfregadas, de contentamento! “Isto faz-se!”, exclama um dos presentes, que invocou o segredo de justiça, para não ser aqui identificado.

O número 1 disponibiliza os seus meios audiovisuais ao partido e a campanha começa, no século XXI, marcado por demasiadas notícias que, após a sua publicação, provaram ser falsas. Nunca um partido político teve tanto apoio dos media em Portugal…

Um último parágrafo, numa publicação online da Procuradoria Geral da República, menciona:
“no decurso das investigações surgiu (…) o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido” – uma suspeita sobre a actuação do primeiro-ministro que pode preconizar corrupção! Assim começava o dia, com uma série de buscas, efectuadas em diversas localizações, incluindo a residência oficial do primeiro-ministro. Uma humilhação para os envolvidos que, actuando em nome do país, tornam a humilhação nacional.

“As instituições funcionam.”, abrem os jornais. Curiosamente, não são as instituições do costume – e previstas para o efeito – mas uma excepção, criada “pela confidencialidade necessária ao processo”! (Um prego na reputação da PJ, cuja legitimidade é arrastada pelo “sucesso da operação”!). Houve sucesso? Qual era/é o objectivo da operação? Se a PJ não funciona, prendam-se os culpados…?

Conclusão: se o Ministério Público não conseguir engavetar o ex primeiro-ministro, estaremos perante um golpe de estado…com uma PJ diminuída e um Ministério Público/Procuradoria Geral da República desprovidos de competência! E isso é muito perigoso…normalmente o prenúncio de autocracias!

O humilde narrador frente ao monte Acrópole.

Diário de bordo

Em Evia, de pés ao alto sobre o varão da varanda, de olhar perdido na beleza do horizonte. Vinte e nove horas e meia a guiar, de queixo caído na maioria dos trajectos, de corpo salgado na totalidade das paragens – tão belas e recompensadoras as previstas e as imprevistas.

Vi inúmeros tons diferentes de água, conforme a luz nela incide, abrandei a velocidade para deixar passar ursos (quando, na vida real, devemos sempre acelerar, bem sei), ajudei um cágado a atravessar a estrada, andei misturado com o povo numa típica excursão à praia.

Saltei do topo de um barco para o “azul profundo”, com os seus vinte e sete graus de temperatura e tão transparente quanto a água da piscina. Arrisquei ficar sem gasolina, encontrei desconhecidos que já não o são. Conheci o sempre imprevisível carácter Grego, almocei com os donos de uma taverna.

Nadei como se fosse um puto e talvez tenha sido esse puto o que fez tudo isto – com um sorriso aberto, lágrimas de satisfação e alegria, um coração que parece expandir, após o inspirar obrigatório de quem suspira enquanto escreve o que se passou com uma vontade enorme de voltar a repetir, com mais tempo em cada etapa.

Não sei o que procuras, mas a Grécia tem. 🇬🇷❤️

O Rei a caminho da coroação 😂

72 horas…

Até podia ser o nome de uma nova série a estrear mas foi apenas uma conjugação de eventos felizes. O voo de ida já estava marcado, check in feito e essas burocracias todas despachadas! Era a hora de fazer a mala!

Coloquei todo o meu ar minimalista e, aspirando demonstrar ser um sábio dessas coisas, lá coloquei o básico necessário e duas peças de reserva, não fosse o Diabo tecê-las…o Diabo não teceu, o conjunto idealizado era O perfeito!

Chegada a Lisboa numa madrugada sem comboios nem autocarros…uma busca rápida por um hotel e, já alojado, uma Super Bock! Aquela lágrima de saudosismo, orgulhosamente derramada, a conscientização de que…sim…há mais! A mente perde-se por campos de cevada sem fim, o líquido fresco escorre pela garganta, o humilde narrador exclama um Ahh, curto na duração mas infinito de emoção!

Viagem até ao Porto num comboio cheio (sexta-feira), a francesinha comida no local de eleição, a casa (onde vou ficar hospedado encontrada). Umas pequenas compras, regresso a casa para desfrutar de um bom banho e uma cerveja – enquanto observo os aviões. Adormeço.

Acordo com o aviso que a hora do casamento está próxima e, já fardado a rigor, chegamos a uma belíssima capela, em cima do mar. A beleza da paisagem a complementar a espiritualidade da capela, os noivos que chegam e casam, os convidados que não pararam de chegar. Da beleza da capela e dos noivos para o local da cerimónia que, soberbamente localizado, nos recebe de copo fresco de Caipirosca…

O copo de água decorreu maravilhosamente e, tendo sido desafiado, concordei ir ao Jamor (é óbvio que não fui torturado e disse que sim, assim que sugerido). O ponto de encontro foi em Pinheiro Manso e, rodeado por quatro maravilhosos Portistas, fizemos uma viagem divertida e rápida, segura e bem sustentada, por um manjar digno de um grupo como o nosso!

Limpamos a Taça de Portugal e, findo o jogo, fiquei no Humberto Delgado. Recebi os noivos no aeroporto, voamos até Atenas e eu…vim para casa! Cansado, feliz e a pé…desde Syntagma!

As melhores 72 horas da minha vida!

Futebol Clube do Porto vence a Taça de Portugal 2022.

O despertar do sonhar acordado chama-se realidade

A expressão muda e, apesar do peito cheio de um bem-estar sem igual, já sentes a nostalgia da ilha – as noites mal dormidas a pensar, enquanto ao longe escutavas música inglesa pela noite dentro, os caminhos que percorreste, os saltos que deste face a cobras e lagartos tão rápidos que só a atenção permanente te permitiram detectar, a felicidade de poder percorrer caminhos com que sempre sonhei e a alegria permanentemente presente.

Alheado de copos, muito embrenhado no café e na água, a sede de querer conhecer tudo enquanto sentias que não tinhas conhecido nada, a vontade de tudo conquistar sem em nada tocar. O sorriso sonoro que, por momentos muito breves, te envergonhava a ser compreendido por quem te rodeia, porque o entendem. O caminhar altivo a identificar a tua vontade de fazeres esta descoberta sozinho – sem quaisquer aborrecimentos excepto tu próprio que jamais te aborreces sozinho.

A chegada ao porto de partida a ser feita pela obrigatória passagem pelo caixote do lixo onde ontem desmarcaste as provas de que havias fumado dentro do carro – recordaste o ar dançante com que saíste do carro, ao som de Peter Tosh, e o quão reconfortante foi esse momento que antecedeu a tensão normal anterior à entrega do carro alugado (há sempre algo mal quando fazes a entrega mas, com seguro contra todos os riscos, é só entregar as chaves).

Até já pensas em deixar de fumar…num devaneio típico da meia-idade! Como se, em vez de investir num cabriolet, resolvesses investir em ti….Sentes alguma vergonha pelo que sentes interiormente pois parece que roubas felicidade quando, na realidade, ela vive dentro de ti. Percebes novamente que não precisas de ninguém para ser feliz mas interrogaste-te se a felicidade não seria maior – sabes a resposta mas não a revelas ao mundo….és um egoísta no que à tua felicidade diz respeito!

E ao chegar ao porto de Katapola recebes um email com boas notícias….podia ser melhor? O futuro a mim pertence!

Até já Amorgos.

Oito horas

Mentiria se dissesse que nunca havia pensado nesta viagem – e nunca fui gajo de mentiras, mentiria se dissesse que não sinto um nervoso miudinho – desde que a vi, pela primeira vez, que o sinto…recorrentemente! Mentiria se dissesse que é o paraíso – porque muito dificilmente me tirarão da memória tudo o que vivi no Bazaruto e que, muito provavelmente, jamais terei oportunidade de repetir! Mentiria se dissesse que não sinto uma enorme vontade de já lá estar – com os meus botões, os meus livros, a minha curiosidade e os meus horários – e nisso eu sou muito egoísta e jamais mentiria!

Não são as férias de sostrice e descanso puro e duro mas sim a aventura de um Robinson Crusoe tão dedicado a conhecer que faz a ficção confundir-se com a realidade. É a leitura de um pedaço de terra, no meio do mar “plantado”, pelos olhos de um leitor que sempre desejou conhecer aqueles parágrafos, aquela pontuação, toda aquela gramática que sempre lhe encheu o coração. A deliciosa sensação de seres mais um desconhecido, entre turistas, quando na realidade és um residente!

Pensei levar um barco de pesca – para acompanhar o barco que me leva até à ilha, mas depressa me disseram que tal era impossível…pensei em nadar ao lado do barco que me leva, mas depressa me convenceram que a distância jamais havia sido alcançada…pensei em ir escrevendo, durante a viagem, o evoluir das sensações que me percorrem e, graciosamente, fui informado que tal é permitido…assim será!

A estranha sensação maravilhosa que é ambicionar chegar, ver, tocar, cheirar e, obviamente, saborear todos as iguarias locais – as audíveis, as observáveis, as comestíveis…

A lua vai ficando cheia…

Percalços da língua

A meio da refeição há um exemplar feminino que se senta na mesa em frente a ti e tu, que és um moço atento, apesar de estares a falar ao telemóvel, exclamas “Semelhante a uma boa fêvera lusitana” e, assim que a chamada termina, o dito exemplar volta-se de frente e exclama: é Português? Corado de coragem, algo imperceptível para quem não conhece, respondes com um quase mudo: sou….

Já no final de um hipotético dia de trabalho recebes uma chamada de alguém com 7 longos anos de experiência que não permite que lhe seja explicado o procedimento correcto para obter o que pretende. A experiência de 7 anos a tentar sobrepor-se a uma série de procedimentos escritos desde a fundação do negócio derrapou para um bairrismo que, sabendo existir, não pratico mas, quando desafiado, fui ensinado a responder com elegância! Dizem os 7 anos de experiência: você é do Norte, não é? Sou, respondeu o vosso humilde narrador. “No Norte sempre foram um pouco lentos de compreensão”, volta o Ronaldo da experiência à carga…”Só com a reconquista aos mouros” respondi.

Parece entediante mas é super giro! – 24/7/2021

Desejos

Desejos são objectivos que definimos como sendo tão recompensadores quanto a nossa imaginação os valoriza ou sente. É a melhor definição que me ocorre, enquanto deitado numa cama de rede que o sol teima, e bem, em aquecer!

Há desejos na vida que alcançamos, outros que continuamos a ambicionar e existem ainda os desejos que, após alcançados, não pretendemos reviver e que, prescrevem na memória enquanto aprendizagem – sendo relevante reter os sinais/sintomas que nos podem ajudar a reescrever toda uma história de desejos e melhor alcançar o pretendido – sem nos determos nos desvios a que a aprendizagem obriga mas antes focando no objectivo final que é o nosso bem estar!

Há desejos muito fortificantes, que nos relançam para o momento seguinte da vida com o fôlego de um super-herói há desejos inalcançáveis que perduram como se fossem a última tentação de um ateu (os ateus também são tentados) mas cuja temporalidade vai sendo questionada – obrigando assim a uma desvalorização em termos de importância, há os desejos simples de concretizar mas dependentes de cooperação externa – o que obriga a um trabalho de equipa para o qual não nascemos vocacionados mas que facilmente aprendemos na sociedade em que vivemos.

Talvez os desejos, aquando de um relacionamento, sejam a soma perfeita de duas vontades que exibem socialmente, mas mais até intimamente, o prazer da sincronia de duas mentes que, não sendo perfeitas, possuem a ambição de aprender de mãos dadas!

A idade do talvez – 3/5/2021

Se a vida te dá limões…

Entrei na cozinha e senti a presença amarela – olhamo-nos e, após um breve duelo de olhos nos olhos, num silêncio de intimidade, aproximamo-nos e eu toquei-lhe – suave, enquanto sentia a sua textura e muito lentamente, para mais desfrutar do momento.

Estava maduro e responsavelmente presente; pronto a dar o seu fruto ao meu paladar. Um misto de prazer antecipado e água na boca, a necessidade da presença de gelo, para manter a temperatura controlada e o açúcar, de maneira a adoçar o dia.

Desci ao jardim e colhi reforços para misturar, subi os degraus e, com múltiplas unidades, eu era um homem pronto para a obra. Começou amarga e quente mas, no final, era a limonada mais perfeita que estas papilas gustativas já degustaram. O açúcar e o gelo como complemento perfeito para algo que a natureza nos dá!

Do amargo ao doce em 4 limões – 2/5/2021

Final de tarde.

Começou inocentemente, como as coisas simples e bonitas da vida começam, mas depressa o sumo de cevada começou a libertar os presentes para um final de tarde de maravilhoso convívio, boa conversa e muitas gargalhadas.

A ausência do contacto, ou de convívio, expressão usada pelo patrão, talvez tenha contribuído mas a qualidade dos presentes era muito mais do que qualquer planeamento poderia reunir! Havia calor, saudade, carinho mas, acima de tudo, uma saudade enorme de celebrar de copo na mão, de dar gargalhadas sonoras e saudáveis.

Até o inquilino e amigo passou e deu o seu aval ao festim saudosista que no Bombar se desenrolava. Fomos putos saudáveis, num excelente final de tarde que, posteriormente e fruto do calção molhado, degenerou em resfriado bem chato de afastar – nada que a receita do mano não cure mas que me chumbou em sonos profundos dois dias seguidos!

Poder-se-ia dizer que houve de tudo um pouco – numa clara alusão ao contributo de cada um – mas seria redutor tendo em conta que só o conjunto fez o sucesso do convívio. Até o espanhol, agora residente português, compareceu para os habituais amendoins…

Foi como voltar a Buenos Aires, abraçar o Aníbal e a sua família e recordar que a amizade pode sempre acontecer…até no táxi de um Peronista que, indo buscar um cliente ao hotel mais capitalista, se surpreendeu por ele não ser tão capitalista quanto o hotel!

Memórias de um final de tarde maravilhoso – 9/4/2021

O canto do olho

Numa conotação meramente futebolística o humilde narrador havia cortado a bola pela linha final, chutando assim o assunto para canto. O árbitro apitou para o final e todo o estádio percebeu que o resultado estava manipulado pela razão, muito acima de qualquer emoção…e que bem que ele se sentiu com o resultado final. Saboreou a derrota como a mais bela vitória do palmarés do clube! Como uma dádiva da razão ao emocional do moço que escreve. Deu inúmeras voltas a um estádio vazio celebrando a razão! Parecia um filósofo grego armado em atleta…feliz e escrevendo umas cenas! ✌️

A alegria contagiou a mente e o coração bombeava melhor a cada caminhada – mesmo quando o caminho é o saboroso norte – oposto de desnorte (Ahahah). O hotel ao fundo, numa perspectiva de início de caminhada dantesca, a mente completamente liberta de pensamento, o passo que, de cada vez que penso nele, sai trocado, a madeira que cede de diferentes formas sob o peso – cada vez menor – do humilde narrador. Um respirar mais profundo a despertar a ideia de um cigarro que a mente, mentindo a si mesmo, diz ser desnecessário ao esforço em progresso. 🍺

Uma das coisas mais apetecíveis, para mim é o retornar a uma alegria egoísta – que além de ser só minha e ter a aura de intimidade própria – é o mais estimulante dos tónicos. Há quem o entenda como egoísmo ou arrogância, mas eu chamo-lhe amor-próprio. A alegria da leitura sem horários, o ver e rever aqueles documentários sobre desastres aéreos – que estão espectacularmente bem feitos – ao ponto de colocarem o humilde narrador no lugar do investigador, sem que ele se mova do cadeirão! África, sempre África, com as paisagens a perder de vista e o bichinho adormecido a acordar para te enumerar os destinos que te faltam visitar mas que, enquanto não visitas, saboreias com os olhinhos, através das imagens que sorves da televisão. A leitura e a música como instrumentos ideais para conjugar as palavras do autor com a mente do humilde narrador – num vaguear ao nível de um saltimbanco profissional, que nunca constrói algo permanente mas apenas procura a subsistência, andando até encontrar…esse tipo de vaguear da mente! ❤️

Imaginação vadia, o quanto eu gosto de ti! Eu deixo-a ir e ela, quando volta, traz os ensinamentos ao nível dos descobridores portugueses de outrora! Vou comprar uma pulseira electrónica, numa tentativa vã de conter a amplitude de movimento da imaginação! Até lá, vou amando a natureza! 😎

Chapéus há muitos – 3/4/2021

Boa Páscoa!

Os meus cantinhos.

Invariavelmente sentado no muro ou nas primeiras mesas, ele diz que é um poeta. Chega, bem vestidinho, durante o que eu denomino de “hora segura” e que é até às 11 da manhã, liga o wireless do telemóvel e começa a receber os seus emails. Após umas dezenas de notificações ele começa a ler o que recebeu mas não perde mais do que 2 ou 3 minutos até começar a conversar com as mulheres que passam.

Nunca gostei de pessoas autoproclamadas – porque sempre achei que o mérito deve ser concedido por outros e não pelo próprio, é algo que carece de reconhecimento público. Mas ele escreve umas cenas com piada e,, acima de tudo é um engatatão de primeira classe. Não há mulher que passe ali sem ser interpelada por ele, excepção feita às que seguem acompanhadas! Vou acompanhando a evolução do discurso e rindo-me, silenciosamente, com as táticas de engate aplicadas.

Como uma aranha, ele também tece uma teia para apanhar as mais distraídas. Normalmente interpela-as com os nomes de familiares próximos – nomeadamente netos – e, uma vez a conversa aberta, explora todo o potencial do diálogo. É um poeta, lá está! Gaba-se, perante os amigos, do valor das palavras e a maneira como as usa. Ele sabe da poda…Tira selfies, que provavelmente usa no blogue de que fala, circula de maneira a flanquear as vítimas para a teia acima descrita.

E eu? Vou curtindo a vida vendo o quanto os outros a sabem curtir. Sorvo os detalhes, seja para memória futura ou para escrever sobre eles. Delicioso o momento em que um puto, ainda em carrinho de bébé, exclamou o Awwwwww mais belo que algum dia ouvi. A honestidade da criança, ainda inocente, que sabe exclamar o seu espanto perante a impossibilidade de circular junto à areia.

abel

Gostos não se discutem.

Gosto das nossas conversas – escondidas e reveladoras, sensuais e com abraços. Como se estivesse num confessionário e tu fosses a pessoa do outro lado (que blasfémia). Seguros que estamos é bom ouvir a renascida que estás. Hoje, enquanto falávamos, recordei as conversas de outrora, que conduziram a umas férias de sonho, sem seguimento. Foi por falta de trincas, só pode ter sido! – admitiu, perante o juíz que o condenou a abraçar-se a ele próprio, todos os dias, nos 90 dias seguintes.

Dias de celebração, dias de conversas em dia e, acima de tudo, de claridade. Os óculos escuros como proteção suprema e o humor de volta aos níveis máximos! Ahahahahah, achei piada…
Dias de mergulhos rápidos e esplanadas longas. Jantaradas noite dentro e muita gargalhada. Dentro do que tem sido o confinamento eu diria que estamos com muito boa nota!

Noites de sono madrugador e de leituras mais do que prolongadas. Despertares ao mesmo tempo que o Sol aparece e o sorriso traquinas a abrir a persiana. Café curto no estómago vazio e um cigarro para despertar bem disposto. Noites longe do blogue mas perto de conversas recompensadoras. Noites, dias, minutos….belos, apenas.

light

Estóico

O Patch Adams retrata a vida de uma forma engraçada – um guião feito para o Robin Williams e tão brilhantemente interpretado por ele. A bondade como base para o sucesso, com uma facilidade enorme para quem não tem coração de pedra – nesses casos nem toda a bondade do mundo será suficiente para as mover da inacção emocional, da qual se alimentam e onde eventualmente se multiplicam.

A minha manhã foi de sonho: o mergulho matinal feito a sós, o do meio da manhã já com o descendente e o do meio da tarde também. Alimentamo-nos da soma dos mergulhos, dos banhos de mangueira e dos repastos maravilhosos da nossa nanny de sempre. Uns treinos de andebol pelo meio, o mais velho a ficar sem braço direito, uma espreitadela para ver se já há Grande Prémio ou se ainda chove…

Faltam-me calções secos, temos a casa de praia e a casa de montanha, a toalha de praia não consegue secar a tempo do dia seguinte! É um retornar aos 19 anos de idade, por aí, e a todo um ritual que durava 3 meses e era feito da mais bela rotina espinhense: praia-> casa-> praia. Terminando sempre na casa de montanha, após um banho de mangueira, expostos no solário até estarmos completamente secos.

O sangue corre-me de uma maneira tão livre que o pulsar é por mim sentido. Uma leveza absoluta de liberdade plena – como se todo o sistema circulatório houvesse sido acabado de criar e pulsasse de alegria e curiosidade, pela primeira vez. Cheiro o ar, sinto o vento na cara e fecho os olhos para o melhor curtir, ouço os ruídos ao longe e reduzo-os a uma beleza interior que crio na altura. Tenho um dicionário que transforma tudo mau em bom e só o bom é interiorizado – trata-se de uma publicação de 1 só exemplar que guardo no coração. Onde gosto mais de tudo sentir.

A água estava morna! – 11/7/2020

puente
Há 1 ano atrás, na Puente de los Enamorados.

As alegres insónias

Ainda a recuperar das mazelas gastronómicas do que agora sei ter sido uma experiência do chef, em termos de qual a quantidade de picante que o ser humano consegue aguentar! Digno de um Avillez…mas sem direito a ser publicado! Ahahahahahah
Dia tão madrugador quanto recompensador. Com pequeno-almoço a ver o lago da Baía dos Porcos, deslocação ao Porto, apanhar o André e termos tempo para um cafézinho…as coisas simples e boas da vida. Claro que foi na Velasquez e claro que foi no Bom Dia…e sim, ainda me conhecem!

Conhecer o Izidoro foi, sem sombra de dúvidas, o momento alto. Semelhante a um comboio de mercadorias – que apreciamos ver passar, no início, mas que se torna aborrecido porque nunca mais acaba…o Izidoro é o mais maravilhoso salsicha que eu já conheci e, em 2 minutos, roía-me a mão, no meu colo, enquanto recebia mimos na barriguinha. A cabeça dele chega à sala antes que o rabo tenha saído da cozinha…mesmo castiço…e comprido, claro está! Parabéns ao sobrinho que completou o secundário e pode agora, com toda a tranquilidade do mundo, definir o futuro.

Reunidos na “nossa igreja”, defronte ao mar, ousamos mandar vir uma esperança, sob a forma de Carlsberg…é verdinha! Rimos da vida, das danças ousadas do residente, das músicas e das indumentárias, do ruído das ondas, do silêncio nos céus. Lanchamos, vimos os adolescentes a regressar a casa, as bolas a bater no chão e as colunas bluetooth a bombar. Um agradável passeio de volta até casa e de volta ao confinamento. Umas boas gargalhadas, com uma comédia idiota, e umas 5 horas de sono até me apetecer escrever estas bacoradas. Deitar cedo e cedo erguer…

Abraçando a alegria – 7/7/2020

magic

Armado em mestre de culinária…

Num dia de algum calor, e demasiados forasteiros na cidade, decidimos confinar na casa da Vóvó. O repasto de bacalhau comido sobre a copa das nespereiras herdadas da rua 14, a água como companheira de hidratação e o café como remate perfeito para uma refeição ligeira. O Matos mais novo a mostrar as suas notas finais e os restantes a reclamarem de algumas décimas que ele falhou em algumas disciplinas, como paródia às excelentes notas que ele obteve (claramente sai à Mãe!!!). 

Vimos o Grande Prémio da Áustria juntos e ambos dirigimos impropérios, que não posso aqui reproduzir, aquando da manobra simplesmente idiota do Vettel. Acabaram 50% dos que iniciaram – o que indica bem da dureza da prova e do azar de alguns pilotos – cujos motores, suspensão ou simplesmente sorte não esteve com eles. Revimos as jogadas do campeonato inglês e ainda conseguimos ver um pouco do  Liverpool a jogar contra o Aston Villa.

Sentei-me no meu degrau e deixei a mente vaguear, num automatismo que acontece assim que o alapar da bunda se dá. Falta-me um limoeiro – num campo de visão tradicionalista – que me dizem foi acometido de um qualquer surto que passou por cá e afectou os citrinos. O outro limoeiro continua lá – velhinho mas ainda com pujança para ceder um ou outro bom limão à família. Por entre banhos de mangueira fomos aproveitando para colocar a conversa em dia e auscultar a opinião do mais novo em relação ao seu futuro.

Não há dias perfeitos mas nós conseguimos aperfeiçoar este domingo. De diálogos serenos e construtivos até aos gritos de “Idiota”, “Domingueiro” e afins, dirigidos ao Vettel. Sornei no sofá azul mas ainda não consegui dormir. Ainda recupero dos melhores bifes de cebolada de que me recordo uma vez que o picante, a mim, afecta-me profundamente. Prefiro condimentos mais directos e gostosos, que não hesitam na rampa a caminho do tacho. Condimentos emocionais que, para serem verdadeiros, simplesmente entregam-se, com todo o seu sabor, no estrugido da vida!

Pelo canto do olho vou espreitando – 5/7/2020

wonderful

Talvez fosse…

Talvez fosse da humidade da manhã ou hábitos antigos, que a memória traiçoeira teima em recordar. Talvez fosse o efeito de uma noite demasiado dormida ou apenas o alegre despertar pelo seu amor. Talvez tivesse sido o desafio para um mergulho ou a ansiedade com que ele esperava esse mesmo convite. Fosse o que fosse a verdade é que a noite havia sido dos melhores sonos das últimas décadas: absolutamente alheado de tudo, de cérebro praticamente vegetando e, a parte que não vegetava, produzia um ruído branco que me mantinha ainda mais reconfortado no sono. Foi belo…

A tarde, feita a dois tempos, passada na sede da confraria, foi um misto de recordações e planos de futuro. Ninguém abordou o presente e eu, que sou mais de aprender do que de tentar ensinar, escutava os diálogos cruzados que iam sendo criados. Desta vez não havia o lobby anti lacticínios – chegou um pouco mais tarde – pelo que conversa se centrava mais em desprezar a carga horária quase nula que um dos presentes tem. A nossa gargalhada – que só existe com o acordo dele e a nossa convicção – é um grito grupal, talvez até tribal, mas que expressa o sentimento de grupo quando o assunto divaga para a relativa carga horária do sujeito. Uma espécie de diálogos vazios em que as palavras são mais importantes do que o contexto. Uma espécie de querer estar ao invés de estar contra o estar presente.

O mergulho foi dado antes das 13 e mesmo a tempo de chegar a horas ao almoço. A segunda parte da tarde envolveu o lanche e umas Carlsberg que são sempre a loura ideal para nos satisfazer, mesmo que sejam madeixas!!!! Ahahahahahahah, rio-me porque outrora fui “condenado” por uma ex-namorada a só ter relacionamentos com cabelos com madeixas mas, quis o destino, que tal nunca tenha acontecido…bem pelo contrário!!!! #ruivasaopoder 

O sono já faz dos meus olhos algo pesado e começo a ceder ao cansaço do dia. O adolescente tem muito mais pujança do que eu pelo que, lá para Dezembro, devo estar em forma! Depois informo de que ano!!!! Ahahahahahah

Um dia dedico-me à comédia – 29/6/2020

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Semáforos

Os sinais talvez fossem evidentes mas o facto dos dias serem cinzentos era algo que não o atingia enquanto ser não daltónico. Ávido de cor, desde tenra idade, praticava pequenos exercícios mentais, brincando com a troca de cores nos elementos da natureza que ia encontrando – como que armado em artista paisagístico – questionava-se mentalmente qual a melhor cor que se aplicaria ao elemento em questão. Não que pretendesse desafiar a Natureza – ser supremo que ele ama e respeita – mas tão só e apenas para exercitar a mente em tempos de paragem do mundo.

Trincando mais uma  cereja – que sabe que vai afectar o seu tracto digestivo – pergunta-se se a mesma não seria muito mais atraente em amarelo, tipo banana a amadurecer, e, ciente da parvoíce, saboreia a maravilhosa cereja – é doce, era de um vermelho muito intenso e, muito provavelmente, já atravessou o esfíncter para o estómago! O sorriso parvo como sinónimo de um ser livre, despreocupado e de bem com a vida. Como o meme do rapaz sentado no cais a ver o pôr do Sol…

Manhã cedo depositado no canto norte da sede do partido, a tomar o pequeno-almoço, na companhia de um casal de pombas que, agressivamente, procuram o café da manhã delas. O pão serrano a dar luta aos dentes e um belo café a acompanhar. Ao longe há pranchas na água, cercadas pelo nevoeiro da manhã que só levantará quando o vento mudar – numa espécie de metáfora da vida. 

O vento muda para norte, a temperatura estabiliza nos 17 e o nevoeiro começa a dissipar….está na hora de ir preparar o almoço!

A ficção da vida só pode ser um sonho a ser realizado – 25/6/2020

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A inércia da pesca…

Quando as pessoas estão a dormir nós, enquanto observadores, devemos respeitar esse sono e não incomodar – a menos que o sonho que idealizamos seja razão mais do que suficiente para arrancar a vítima do seu descanso. Infelizmente há muitos anzóis colocados na linha dos sonhos e os “peixes” que ousam sonhar, por vezes, deixam-se levar pelo engodo e, imitando os seus primos terrenos, mordem o anzol.

Há os mais fortes, mais sortudos, mais ágeis e os que, numa soma de todas essas virtudes, conseguem libertar-se do anzol mas outros, mais curiosos em saber que bicho é aquele na ponta daquela coisa brilhante, são agarrados pelo metal retorcido sem dó ou piedade! Uma questão de curiosidade fatal – bom título para um filme – em que o simples querer saber mais do peixe se transforma na refeição do pescador. A perversão de tudo o que nos é ensinado: que devemos sempre seguir, com curiosidade, aquilo que desperta em nós esse sentimento!

Enquanto agarrado ao anzol, o peixe só pensa em libertar-se! Constata o erro, assim que morde a curiosidade e começa um bailado desenfreado pela vida! Mas, nesta luta entre a natureza e o ser humano, as probabilidades do peixe são muito baixas – nem um 60/40 é, quase que o equivalente a alguém dar call a uma bet de 4BB’s com Ax na esperança de ver um A bater no flop e, mesmo após o A não ter batido, continuar a cobrir as apostas do adversário até perder as fichas todas.

Há peixes que, mercê de um bailado que deve ser ensinado no Bolshoi dos peixes, conseguem libertar-se e outros que, para gáudio de todos nós que gostamos de peixe, não conseguem. Dependendo do baile que dão, os peixes poderão ou não sobreviver. Eventualmente até haverá peixes que, com um sorriso entre guelras, saltam de boca aberta para o anzol mas não me parece que esse seja o comportamento maioritário e, certamente, não será o que o pescador espera quando, de manhã cedo, parte para a pesca.

Os linguados, esse sim, têm uma boa vida. A virar-se de frente ou costas – conforme estão na rocha ou areia – são os camaleões do fundo do mar. Certamente sabem o quão saborosos são e daí a atitude de dupla personalidade, conforme frequentam a areia ou as rochas. Com sorte, muita sorte, qualquer um de nós pode mergulhar uma mão na areia e, apertando forte, sacar um linguado mas, o que se passa a seguir é que conta: levo o linguado e como-o ou finjo não ter força para apertar e solto-o? É nessa inércia de falta de aperto que se resume todo um dia de pesca!

Quem disse que o assunto era pesca? – 5/6/2020

Liberdade

O meu 25 de Abril de 1974 foi, no mínimo, estranho. Lembro-me que havia pessoas a horas que não eram normais e umas caras sorridentes mas tensas. Havia 22 degraus até ao cimo das escadas que davam directamente para uma sala enorme – com uma pequena varanda à direita e 3 janelas distribuídas pelo lado esquerdo. No canto direito da sala era a porta do quarto do meu irmão. Naquela sala jogamos futebol, brincamos de mil e uma maneiras e feitios e, de olho sempre colocado no que a varanda deixava ver do exterior, atento aos amigos que iam aparecendo na rua.

Foram muito bons os tempos passados naquela casa e guardo as melhores recordações de tudo. Até dos hamsters que fugiram e devem ter constituído família pois andavam indiscretamente por todo o lado. As manhãs passadas nas escadas de trás – para evitar o calor, as correrias pelas escadas abaixo – ao encontro dos vizinhos amigos, para jogar matrecos, para andar de bicicleta. A casa foi perdendo o seu brilho e definitivamente uma decisão precisava ser tomada: entre a aposta em algo que nitidamente precisava de uma intervenção ou a compra de uma nova. 

A nova casa foi sendo construída e o humilde narrador visitava-a amiúde – com que tentando ver para além do que já estava construído. O arquitecto colocou as mãos à obra e a casa ficou completa num curto espaço de tempo. A procura do ponto de água, a placa, os pilares, mais placa, mais pilares, mais placa…e, com a convicção de todos, o novo edifício surgiu e ainda assim, o estúpido humilde narrador, quis visitar a casa antiga – num assomo pouco inteligente de saudade e amor – apenas para constatar que as renovações eram mesmo fundamentais.

Vive hoje na nova casa, de braços bem abertos a quem ama. Deve ser do signo…é pouco dado a contornos nas palavras e mais dado a acções – mais frontais e não tão bem desenhadas. Numa coisa a casa antiga tinha razão…são só palavras. Em três frases, caso eu desse a palavra à casa antiga, aposto que só falaria de si própria…

Quando a nossa casa existia – 3/6/2020

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Arenosas palavras

Hoje encontrei um grão de areia da nossa época. Já sabes como são os grãos de areia…metediços como tudo. Cheio de coragem, ou apenas dirigido pelo instinto, ele perguntou onde andava a cara metade e eu expliquei-lhe a dificuldade de tempo para poderes estar presente. Não contente com a resposta, e olhando-me de baixo para cima – eu senti-me como um anão diante de um Golias que agora me interrogava – ele perguntou o que havia ocorrido. Deu-me um sermão pela minha actuação e certamente aguarda a tua presença para te dar a tua parte do sermão, assim que possas dar esse passo.

O grão bem que pode ser pequeno mas tinha uma memória de elefante para emoções – ele era mais dado a guardar os momentos pelo efeito que causavam nele do que a guardar o que originava esses momentos. Era irracionalmente sentimental e, apesar de viver rodeado de outros grãos, por vezes preferia o refúgio da areia molhada onde os primos grãos, vindos do oceano, mexiam com as suas emoções e o seu conhecimento. Embriagado por toda a informação recebida, por vezes misturava-se com conchas e pedrinhas novas que chegavam para saber mais novidades, sem que a vontade de conhecer mais e mais se desvanecesse! E, nesse aspecto, ele sabia que só tinha visto uma correspondência nos humanos: nós.

Empertigado pela lembrança que tinha de nós, o grão levantou-se – apoiado nos seus AirPods – e ordenou-me que fizesse algo! A única coisa que me ocorreu foi visitar as câimbras que por vezes te assolam e tentar descortinar esperança. Com o grão sentado no ecrã do telemóvel, ele começou a rir-se, quando leu algo sobre escrita do tipo areia – talvez porque fosse presunçoso ao ponto de pensar que lhe era dirigido ou tão só e apenas porque não acha que o actual estado das coisas seja o que ambos pretendem. Com a mente a vaguear pela música de outrora, ele resolveu dar um pequeno passo e dedicou-lha, ali…na breca do pensamento! Talvez este grão de areia merecesse ser um vidro, do mais belo que existe no mundo, mas têm que ser pelo menos dois para haver fusão, lembrou-se…

WATER

A natureza humana

Era um rio sem afluentes, com duas belas margens dos mais belos socalcos de vinha. Corria para o mar como se a sua vida dependesse disso e, sem se importunar com obstáculos, cultivava desgaste físico das rochas do leito por força da convicção com que sabia que o encontro salgado seria o pico de uma vida sentimental. O racionalismo da corrida para jusante era totalmente suportado pelo emocionante palpitar do coração do rio. Os peixes fazendo jogos com os seixos dos rios, os inertes a darem algumas dores de cabeça ao normal fluxo de água mas, perante tal força da natureza, quem ousava detê-lo? Nas margens o povo sentava-se perante o movimento constante das águas e, maravilhado pela obra da natureza, contemplavam-na num recarregar constante das baterias da vida mas igualmente num espairecer de vazio completo racional em que simplesmente levitamos no mais belo momento de repouso.

Os esquilos tomavam o seu banho, deliciando-se com a facilidade com que detinham um pouco de água e se molhavam, num movimento repetido vezes suficientes para penetrar na espessa camada de pelo. Alguns, os que frequentam bairros de alta sociedade, habituados a saber desviar-se do eventual Mustang que circula entre STOP’s, um pouco mais desenvolvidos do que os ágeis diários da natureza que, sem as benesses de uma vida mais desafogada, mostram um corpo mais musculado, fruto da luta constante pela sobrevivência e pelo cortejo constante de uma vida selvagem! Rodeados de abelhas que, aproveitando o spray da água, se deliciam com banhos que possuem tanto de delicado como de delicioso para elas. Um coyote vem caminhando para montante e fica parado a observar toda a cena. Armado em intelectual da floresta o animal parece esboçar um sorriso perante o quadro com que se depara. Nas alturas, sobrevoando todo o cenário, o condor também usufrui do spray da água, numa proporção inferior por força da altitude, mas tão recompensadora quanto o sentimento dos restantes colegas de margem; dá um ou outro grito de alegria, como se de um vegetariano se tratasse, numa convenção de mudos. É saudado pelos olhares dos animais presentes que o contemplam com respeito.

A entrada do rio no mar, semelhante apenas à entrada da zaragatoa na narina, é um primeiro encontro extremamente emocional: como o adolescente que, receoso da sua inexperiência, apesar de estar a trocar mimos com a futura cara metade (ele ainda não sabe mas nós sabemos), sente um frio receoso na espinha antes de dirigir os seus lábios aos dela. Como se fosse uma chegada internacional, dos antípodas daquele local, e a saudade conduzisse todo o processo – dos olhos fixados nas chegadas até à chegada dos lábios de ambos. Ao vigor do rio a entrar no mar associa-se o imaginário som de uma massagem cremosa após um fim de tarde a ser intencionalmente queimado pelo grande Sol. Um abraço tão extenso e duradouro que rapidamente os corpos se confundem e, fundidos num verdadeiro abraço alfa – não autoproclamado mas aplaudido pelos restantes espectadores e assim legítimo, confundem-se agora num só tão apaixonado que sorriem perante todos os que os rodeiam. Ouve-se uma onda e sente-se que se acariciam, ali perante todos, no mais belo atentado ao pudor capaz de ser presenciado pelo ser humano.

California Snowpack Survey

A idade do talvez…

Senti que cheguei e me calcaste os pés para melhor me beijares – e que grande altura ganhaste com esse detalhe – num ajuste de lábios como só nós conseguimos afinar – ao ponto de só querermos que o beijo não terminasse. Semelhante aquele abraço de outrora que, sem palavras, disse tudo e nos permitiu a chegada ao novo mês. Apesar de todas as pessoas à nossa volta, nós sempre fomos desavergonhados ao ponto de querermos estar sempre perto…muito muito perto – tentando nunca ofender quem passava…

Talvez estivéssemos num cinema ou no cimo de um monte, talvez eu estivesse a aprender a guiar com caixa automática ou seria tudo manual? A verdade é que o monte havia sido escalado sem dificuldade – inclusive, quiçá, permitindo uma pausa até para o cigarro do humilde narrador, mas a verdade é que a única coisa que verdadeiramente nos interessava era estarmos perto, muito perto.

A imaginação diz-me que somos ambos doutorados em comunicação enquanto de mãos dadas o que, traduzido, é sempre…talvez geridos pela regra de nunca nos deitarmos chateados e não cumprirmos, para propositadamente o podermos fazer na manhã seguinte. Provavelmente jogamos poker para que assim pudesses ter a certeza se era amor e eu, “infelizmente” ganhei! (Maldito provérbio…que nunca deixamos que se concretizasse).

Eventualmente terei ameaçado fazer a mala e largar tudo para, no segundo seguinte, abraçar-te até termos um aroma comum…o nosso! Talvez tenhamos reconfigurado a decoração, para a tornar mais funcional, e nos tivéssemos presenteado com a melhor esplanada, perto de casa, para um maravilhoso café! Talvez eu me sentisse local, embora não o fosse, e deambulasse por todo o lado sem receios, graças às indicações dadas.

Talvez reclamasses do pequeno-almoço na cama – porque te acordava – ou, eventualmente, até tenhas ficado satisfeita. E, na eventualidade de até já estares desperta, aquele telefonema de bom dia que tanto amacia o meu coração que, apesar de não ter 5G, se sente a banda mais larga do mundo quando o teu nome surge no ecrã do telemóvel que toca.

Era um mundo de interrogações e ele só se lembrava da Filosofia do 12º ano e de como havia deixado a cadeira para, em Setembro, triunfar!

Devaneio próximo de uma tempestade! Venha a bonança. – 13/5/2020

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Um dos maiores exercícios de introspecção da história da humanidade!

Não vos dá a impressão que o nosso planeta, de alguma maneira, está a respirar fundo? O mar tem um verde maravilhoso, o azul do céu parece mais moderado, os pássaros já só lhes falta entrarem pela janela e virem conversar connosco. Ontem o céu deu uns brutais “arrotos”, sob a forma de uns trovões diferentes do habitual, mas sempre a intimidar; hoje revela nuvens de um branco bem limpo, de um cinzento bem claro, de um cinzento escuro bem definido, lá para os lados de Anta. Ora está calor ora está frio, a lembrar a Grécia, durante o Verão, quando as tempestades aparecem para refrescar o mês diabólico de mínimas de 32 graus….nós temos a versão “light”!

Sinto que estamos na maior aula de sociologia de que há memória e ninguém pode chumbar, sob pena de morte. O estímulo não parece ser suficiente para todos, eu inclusive, porque a veia Espinhense atrai-nos muito para a beira-mar, para a nossa praia. Temos que estar mais atentos à professora, de modo a “beber” as palavras de quem tem mais experiência no estudo do quotidiano, da sociedade e das suas interações de modo a adquirirmos as rotinas necessárias para viver (ou sobreviver, porque não conhecemos o mundo de amanhã!)

Há mais gente sã a falar sozinha nas ruas, há cumprimentos a desconhecidos e de desconhecidos, há a pseudo vénia, quando alguém se afasta de nós e nós vamos fazendo o mesmo…Todo um novo protocolo de gestão de emoções em que, todos juntos sem o estar, nos vamos habituando a esta nova vida – como se estivéssemos a cultivar a terra, pela primeira vez na história da humanidade, fazendo experiências até uma colheita com sucesso!

Com jeitinho, e juntando algum lirismo à “coisa”, até pode ser que este venha a ser o passo mais significativo da história da humanidade! Que tudo o que nos falta agora possa ser celebrado, um dia, com quem mais o desejamos! Com um dedilhar muito lento, com um sorriso grandioso, num diálogo sem palavras e tão só e apenas com emoções!

 

Até lá….sonhamos! – Devaneios sonhados do dia 11 de Maio de 2020

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Da ilusão ao recomeço….

Sempre, mas mesmo sempre, tive receio de me aproximar de ti mas, no ano em que me permitiste que o silêncio cessasse, lá estava eu. Foste a maior ilusão e desilusão de 2019 mas…eu não estava preparado. Hoje, se me perguntarem, sou um homem mais regrado em tudo graças a ti mas, o mérito que te devo, é mau porque advém de uma mentira que nunca existiu.

Da imaturidade da adolescência até à idade adulta convenci-me que me tinha tornado adulto e, rodeado de ferramentas que os adultos usam, eu fui batalhar e julguei haver ganho. Mas, do amo-te ao não sei quem és vai um passo muito pequeno e, muito embora saiba assumir as ideias dos meus pecados, sei – acima de tudo – perceber demasiado bem, quais são os pecados não admitidos de outrem.

A falta de tempo, no amor e para quem realmente ama, é o maior valor que se apresenta na mesa da paixão! É simples, para quem não sente a disponibilidade, abdicar de um amor de uma vida. Com uma facilidade tão grande quanto seria o sarilho de aturar todas as vicissitudes inerentes a alguém que nem sequer sabe dominar a arte de esconder….

Não nasci para aventuras mas sim para amar e batalharei sempre para que assim seja!

Um conselho de ex-amigo? Aprende a amar e a saber reconhecer o amor e serás feliz!

O louco enamorado…-10/5/2020

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O eremita

Deixei de fazer a barba e cortar o cabelo assemelha-se a tarefa impossível – nunca desejei tanto estar no dia em que fui rapar o cabelo para ir para a Marinha! Afinal não fui para Marinha nenhuma (excesso de contingente) e ainda estive na Roda da Sorte com o couro cabeludo à mostra! Vicissitudes da vida…

Nutro muito mais empatia por este outro eu – ar de vagabundo, bem cheiroso com o banho acabado de tomar, sentado a escrevinhar junto à janela da cozinha, de café em café até ao café final….Hoje coloquei um perfume….somente para dar aquela sensação que vou sociabilizar e vai ser um dia normal…uma piada que faço amiúde comigo mesmo! Rimo-nos os dois e o dia corre melhor…

Com um bom Casablanca planeado para a tarde, um resto de arroz de polvo e muito café…nada faltará para que o sábado seja o dia mais alegre da semana! É sábado, não é? Começo a pensar entregar-me nas mãos de alguém que detenha a propriedade de uma qualquer serrilha capilar, com a medida 6, e que se apresente para tal tarefa em tempos invulgares!…caso não arranje vaga na segunda-feira! Faço figas para não agredir nenhum careca que esteja nitidamente deslocado num cabeleireiro que, por ora, tem que ser pertença dos cabeludos! Já viram imagens daquele oceano de plástico que existe no Pacífico? É algo idêntico, em termos de cabelos, o que nos espera, se as prioridades não forem atendidas!!!!

Como a positividade não é algo que procuremos – em tempos de pandemia – proponho um brinde a nós – pela resiliência e disciplina que temos mostrado! Fica a fotografia de outrora, para animar as hostes! Bom fim de semana!

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A longa caminhada…até ti.

Era longo o caminho a percorrer e o facto do pé direito estar ligeiramente indisposto não constituíam o maior dos incentivos. A encomenda do monstro de 8 tentáculos estava feita e era necessário quase atravessar a cidade para lá chegar – o exagero advém do recolhimento…qualquer caminhada constitui um desafio de planeamento cuidado, verificação de todo o equipamento e um estado moral superior.

O traje – constituído por uns calções de banho com cerca de 11 anos, uma tshirt a provocar os vegetarianos e umas havaianas compradas no Rio, por 22 Reais! Talvez levasse um ligeiro casaco azul, por cima da tshirt, uma vez que os vegetarianos têm sempre algo a dizer, e eu estava com alguma pressa mas sem ritmo a acompanhar, pelo que as medidas de segurança adicionais impunham-se! (só as vegetarianas podem levar isto a peito!). Uns óculos escuros do século passado completavam a indumentária.

Delineado o percurso menos acidentado, por causa do tal pé direito com vontade própria, decidi fazer o percurso designado “Avós”, que me permite passar pela antiga casa dos meus avós! Percorrida a rua 18, a um passo em que julgo ter visto caracóis a rirem-se, decidi-me pela 23 para passar no multibanco da 20. Descoberto que o cartão multibanco está partido (JP: sff mandas vir outro? Obrigado.), decidi tentar o multibanco da caixa de crédito que, maravilhosamente, me cedeu a quantia pretendida.

O grande Neves avistava-se ao longe e eu, que ainda não perdi o olfacto, senti o querer aquele arroz de polvo….cheirei-o e quase lhe consegui tocar…chamem-me o que quiserem mas há decididamente algo de errado na mente humana quando se trata de comida!!! Protegidos e já cumprimentados, lá fomos ( entretanto haviam chegado mais 2 clientes) confirmando as encomendas e aguardando. Como se de um salto no tempo se tratasse, tínhamos as encomendas na mão e, após as despedidas, lá veio o humilde narrador para casa.

Sem ter qualquer ideia de por onde regressar, fui arrastando o exausto pé direito até casa onde se encontra agora ao alto – como todos nós… 🙂 Os filetes colocados no prato, o arroz por cima, um toque de limão no conjunto e é ver o humilde narrador a dialogar com os dentes sem que o interlocutor possa sequer pensar em levantar um dos tentáculos…

O café e cigarrinho na janela, observando o dia nublado mas agradável, orientam a digestão enquanto um trago de Super-Bock relembra o mar. A mente vagueia…

Soltem-me….quando for seguro! – 26/4/2020

breakfast

Dar ao pé…

Se no passado dei a mão sem saber que o fazia, agora tive que dar ao pé para poder ter tudo o que me faltava em casa. Já não se consegue comprar tudo o que se pretende numa só superfície pelo que fui obrigado a dirigir-me de um Doce para um Continente. 

Bendita (sem qualquer conotação católica) cidade que, assim que entramos em algum lado, tem sempre uma cara conhecida. Desta vez foi o André que me disse onde estavam as cápsulas e, em 2 minutos, as compras estavam feitas. Por momentos parecia que estava em Cork a fazer compras com o Gabriel (alguém que conhece o Tesco melhor do que a palma da própria mão) e que, em 2 minutos, havíamos encontrado tudo o que queríamos e estávamos na caixa prontos a seguir para casa. Fui tentado por uma caixa de 24 minis Super-Bock (trocamos olhares, eu toquei-lhe, ela sorriu) mas consegui superar a tentação e sair sem comprar cerveja (o que faz todo o sentido para quem já tem o frigorífico cheio do valioso líquido).

Continuo a dizer que a Unicer devia apostar na entrega porta à porta, enquanto dura a pandemia, numa clara demonstração de que está com o povo e disposta a um pequeno sacrifício para se tornar o oásis que todos os portugueses e portuguesas almejam encontrar. Se fizerem a entrega com uns saquinhos de tremoços ou amendoins então aí, definitivamente, passam a poder cobrar um serviço gourmet, pois já inclui muito mais do que apenas a cevada líquida! Se, eventualmente, fizerem a entrega com uma tábua de queijos, umas tostas e um bom charuto a acompanhar…então aí passam para o estatuto de Deus de Leça do Balio! (e acreditem que haverá muito mais pastorinhos com visões!!!).

Acreditam que encontrei a D. Manuela – que, para mim é uma irmã que tem sempre um bom conselho para a vida – mas só na terceira vez que nos cruzamos é que notei que efectivamente era a D. Manuela? Se há característica que não escapa a ninguém, até porque a D. Manuela não deixa, é o facto de, na sala de cima do Abel, quem manda é a D. Manuela!!!! E, com toda a razão, nem precisa relembrar tal facto a quem por lá passa novamente. Um amor de pessoa que só reconheci na terceira vez (nunca tinha visto a D. Manuela a cochichar!!!!, daí a demora em compreender quem era) porque, nestes tempos de pandemia, ando completamente alheado e sem lentes de contacto pelo que, se se cruzarem comigo e eu não cumprimentar, é sinal que me esqueci das lentes de contacto que recuso usar para sair, no máximo, uns 15 minutos por dia…É bom rever caras…e D. Manuela, se me estiver a ler, um grande abraço e até breve!!! Saudades do arroz de polvo…

Chovia, na volta desse Continente, e tentei novamente o exercício de regressar a casa de cara voltada para o céu, aproveitando cada gota que a natureza me dava. Já espirrei umas centenas de vezes, estou a beber chá e de mantinha (herdada, pelos vistos) pelas pernas, a pensar que nem sempre é boa ideia levarmos com a chuvinha nas trombas! Antes uma constipação que o outro que por aí anda!

Posto isto…vou beber uma mini! Sei lá que tipo de germes poderão estar dentro de mim ambicionando uma cerveja para poderem viajar para outros locais…

Mais uma história que vos conto – 13/4/2020

 

dog

O admirável mundo novo

As ruas continuam apinhadas de pombas, gaivotas e outras aves que, ao contrário de outros tempos, agora se aproximam com uns olhos que parecem pedir uma migalha ou outra. Seguro os 2 pães e viro as migalhas do interior do saco para o chão – não se trata de poluir mas sim de anuir à vontade daqueles olhinhos esfomeados com que as aves mexem com os nossos sentimentos. Reúnem-se aos meus pés e, entre olhares para o gajo alto que virou o saco e as migalhas que vão desaparecendo eu facilmente noto que só fui olhado uma vez…Há uma luta desigual, ainda sem a presença de gaivotas, que é terminada precisamente pela chegada dessas aves de maior envergadura que espantam tudo e todos com as asas bem abertas.

Como vim por um caminho novo – fui dar uma volta mais a sul para que a caminhada fosse maior – sou obrigado a passar por passadeiras onde não costumo passar e, por instinto, paro em cada uma delas para ver se vem algum carro que me possa colocar em contacto com o além, antes da hora programada. Seguro de poder atravessar, de sacos de pão na mão e café na outra, sou ultrapassado por alguém mais acordado do que eu que, qual Português, não passa sem deixar o seu superior conselho: – nestas alturas ninguém para nas passadeiras! Observo-o, enquanto me ultrapassa e aproveito para beber mais um trago do meu café, sim…em plena passadeira e aproveitando a deixa dada pelo transeunte apressado. Um pouco mais acordado resolvi ir tomar o pequeno-almoço à praia…que, neste momento, é só minha!

Armado em gringo – vestido e calçado – entrei na praia pela rua 33 e fui andando para norte e recordando todos os bons momentos já aí vividos. Será típico de um nortenho querer sempre caminhar para norte? Se viver no Polo Norte está lixado…Sentado em frente às escadas da rua 27 espreito o saco de papel da padaria e sinto um pão quente pronto a ser devorado…cadê o recheio? Foi mesmo assim, sem recheio e seguido de um queque em que a maior dificuldade foi conseguir apanhar as várias uvas passas! O estómago agradeceu, pediu um café que aqui não há mas o cigarro ajuda a compôr a digestão. Nadegueiro já ligeiramente arrefecido pela areia – ainda um pouco humedecida da maré e da humidade nocturna, estómago sem roncos ou quaisquer outros sons que pronunciem algo urgente a tratar, pernas a temerem o caminho de volta pois pensam que será uma grande caminhada.

Com uma imensidão de tempo disponível, mas com uma agenda agora totalmente vocacionada para trabalhar fora deste país, faço 4 horas de trabalho matinal na procura de novos lugares, novos países, novas pessoas. Respondo a emails, entrevistas e telefonemas e aceito todo e qualquer país, desde que não esteja em guerra ou muito mal servido de serviços médicos! Conhecimento como prioridade face ao monetário – e aí, em termos de aprendizagem – a Grécia é sempre o primeiro destino onde quero estar, viver e morrer.

É sempre melhor começar de novo, algo 100% novo, do que estar a perder forças e tempo (essa medida das nossas vidas que não sabemos quanto dura) com multidões que não se encaixam minimamente quer nas expectativas quer na realidade que queres construir. Saber ter força para construir sozinho o futuro que desejas, com quem desejas e onde desejas! Eis o teu ano de 2020 em síntese.

Podia ter falado de coelhinhos mas…prefiro a realidade! – 12/4/2020

that's all folks

Dar a mão…

Madrugar tem tido, por estes dias – que não sabemos como são, que vamos conhecendo e aos quais nos vamos adaptando – inúmeras vantagens. O poder vadiar, durante cerca de 15 minutos mesmo antes da cidade acordar, e sentir aquele pulsar típico de quem desperta de um sono pesado para mais um dia. Os pássaros já não se limitam a árvores e telhados e são agora espectadores habituais nos degraus das portas das casa, prédios e lojas. Parecem olhar-me como os animais nos olham no Kruger Park – questionando-se: este será dos humanos de outrora? Saberá dirigir aqueles ruidosos cavalos de metal? Será que amanhã chove? Toda uma série de questões existenciais só mesmo ao nível de pássaros em que a imaginação pode, literalmente, voar!

Ao início da tarde começam a chegar uns gringos para almoçar na vizinhança: o BM com estofos de pele, a buzinadela desde as 3 esquinas anteriores, a indumentária da comunhão, os gritos aos familiares que moram a 100 metros de distância – típicos “red flags”! Não consigo perceber que parte do recolhimento é que eles não entendem e preocupa-me porque moro cercado de concelhos altamente infectados.
As vizinhas apanham-me na janela, a meio do terceiro café da manhã, e dizem-me que, a partir de amanhã, abrem uma banca de legumes frescos e caseiros! Entabulamos um diálogo de poucos minutos, a filha juntou-se ao diálogo e eu, face a uma promessa de vagens frescas, imediatamente me comprometi a ser o primeiro cliente dessa banca de legumes. No final, a senhora mais velha agradece-me o diálogo – obrigado por este bocadinho diferente – e recolhe-se na casa de onde a filha sai para limpar os estores, por fora! – estão sempre ambas acometidas de uma velocidade que nem nos filmes da Velocidade Furiosa. Estas duas mulheres, uma nos seus 90’s e outra nos seus 70’s, são de chorar a rir…

E o dia tem sido assim….primeiro a natureza deu-me a mão e eu, pelos vistos e com um pequeno diálogo, dei a mão a outrém. Que nunca nos faltem mãos para dar ou vontade sincera de o fazer.

In reclusiōne – 11/4/2020

quaran

Digestão

Agora que os scones sem tempo estão mal digeridos, eis o humilde autor diante da sertã, com as raspas de bacon prontas a fritar na gordura delas próprias, enquanto bate bem os ovos. As torradas estão a aquecer, o bacon fica pronto, o ovo entra e, bem mexido, misturam-se as raspas de bacon. As torradas ficam prontas, uma leve passagem de manteiga, colocadas no prato e prontas a levar com a mixórdia de ovos mexidos com bacon. Os espargos estão a dourar um pouco e, dentro de segundos, o brunch estará pronto. Há sumo de limão ou de laranja para acompanhar – os citrinos ao serviço da digestão de repastos mais difíceis. Um regresso à ilha porque a meteorologia está muito igual…para melhor, mesmo assim!

Ao som do Underdog, dos Kasabian, e após ouvir o Claudio Ranieri dizer que, no balneário e antes dos jogos, dizia sempre aos jogadores “Somos o Underdog, não temos nada a perder” e…ganharam o campeonato – vou transformando o brunch em bolo alimentar enquanto sorrio com o diálogo dos meus vizinhos velhotes que, dia após dia, se degladiam em palavras más que mais não conseguem demonstrar o amor de ambos…curiosa maneira de demonstrar amor!

Hoje passei pelos açambarcadores – essa raça organizada, sem clube pelo qual lute excepto pelo alargamento do próprio umbigo – e lá tive que comentar com o já habitual “um lanchezinho para a ceia?” face a 6 carrinhos cheios a deitar por fora que mais pareciam dirigidos ao Ministério da Defesa Nacional do que propriamente a uma família…e estão cá todos os dias! Desejo que se confundam completamente nas contas e tenham que congelar papel higiénico ou fantasiarem-se de múmias até ao século XXII e que, a partir daí, possam usar as máscaras e E.P.P. para se fantasiarem de enfermeiros ou médicos até ao século seguinte! (desculpem o desabafo, estava atravessada)!

Os cafés na janela são o equivalente ao curto em chávena fria do Bombar (um dia o Raúl acertará!), os cigarros fumados na janela são o mais semelhante a estar sentado na areia, bem longe de tudo e de todos, a tranquilamente curtir o cigarro enquanto o sol se põe. Por vezes recordo-me que existe uma TV mas, com antecedentes tão longos longe do aparelho, resolvo continuar a cultivar a vida de costas voltadas para a TV sem que tal signifique que vivo de costas voltadas à informação, bem pelo contrário.

Quero ver as varinas gritar “É do nosso mar!”, enquanto olho para o mar e lhe agradeço o que nos vai dando. Quero ver o sol a pôr-se enquanto bebo uma verdinha. Quero caminhar na esplanada, enquanto me desvio da multidão de gringos, como se de um videogame se tratasse. Quero sentir cada grão de areia, entre os pés, as pernas, as mãos…onde ela quiser…a chatear-me o sistema mas com um aroma a maresia que desculpa qualquer moléstia. Quero….que esta merda passe!

Desabafo que era para ser matinal mas eu, que sou um gajo com tempo disponível e sem amarras, fui alargando até agora. Que gostem. – 10/4/2020

scones

Abruptamente…

Foi um salto que me despertou….demorei uns minutos a perceber o que se passava e porque raio tinha o Keith Richards na memória…Será realidade? Já mais acordado, percebi que tinha sonhado com um noticiário de última hora, com notícias certamente inquietantes, mas cujo pivot era o Keith Richards! Tentei “puxar pela cabeça”, na tentativa de desenterrar mais detalhes da memória recente e tinha uma imagem mais ou menos completa do sonho…

O nome do canal de TV era “Anything but Fake News”, com uma decoração demasiado semelhante à decoração do estúdio da Fox News mas com notícias de eventos que realmente existiam, opiniões realmente isentas e um painel, em estúdio, capaz de debater quaisquer agruras que o planeta estivesse a sofrer.

O Keith Richards abria o noticiário anunciando “Boa noite! Não, não fui eu….eu continuo aqui” e vai anunciando os nomes dos britânicos que ainda acreditam no primeiro-ministro. Cinco a dez segundos depois, anunciando as primeiras notícias da política, é interrompido por um Mick Jagger, tornado irreverente aos 76 anos de idade e sentado como moderador do painel, que grita “Let it be!!!!”, como que querendo saltar a parte de política e querendo saber como andava a selecção Inglesa. O Paul McCartney, que estava nos bastidores, enquanto convidado VIP, não se conteve e entrou em cena! Perguntou ao Mick se aquilo era alguma piada…ao que o Mick respondeu com um ““Out of Time”. O Paul olhou para trás, viu que estava sozinho, e sentiu os olhos de todas as pedras rolantes em cima dele. Começou a trautear o “We Can Work It Out” e foi saindo de cena, de volta aos bastidores! 

No estúdio, entretanto, o Mick Jagger já era o pivot, o Keith Richards curtia uns acordes de bateria e o Charlie Watts passeava-se pelo estúdio num ritmo lento, estudado mas sem falhar um passo. O Ronnie Wood observava toda a cena, enquanto se aproximava da assistente de produção e lhe segredava “I can be your sugar grandpa” e ela, completamente louca, esquecia-se que tinha acabado de deixar de ser adolescente…

Não são os sonhos que são complicados…nós é que não podemos tentar vivê-los sem o diapasão correcto! E, com tudo bem afinado, somos sempre a melhor banda musical do mundo e arredores!

Acordei muito cedo…mas com um som divinal – 9/4/2020

stones

Mudanças…

Muito cedo, pelo meu ritmo actual, levanto-me e, como o comum mortal, vou comprar pão. Numa caminhada que tem muito mais de nostalgia do que de distância, revejo o passeio onde fazíamos corridas de bicicleta, o muro da Fosforeira (tão alto na infância e, hoje em dia, vejo bem acima dele), a casa dos avós, etc…Interrogo-me sobre pequenos detalhes (quantos loucos mais haverá no mundo a jogar futebol na sala?).

Virando à esquerda no cimo da rua, normalmente deparo-me com os primeiros seres humanos e, curiosamente, cumprimentam-me! Cumprimento de volta, claro…mas pergunto-me: quem seria? São desconhecidos que, num gesto novo de empatia, passaram a cumprimentar os transeuntes…Curioso, digo para mim mesmo e, uns metros mais à frente, o mesmo gesto, de outra pessoa que desconheço, e de quem passo ao largo…distância de segurança oblige.

Percorro a rua 18 com a certeza absoluta de que se trata de uma seita mas, por outro lado, quem criaria uma seita de empáticos matinais? Só com o patrocínio de uma multinacional de café e não havia qualquer publicidade na indumentária deles…de onde viria o retorno??? Deixei a vertente económica e debrucei-me apenas na vertente humana; passei a sorrir para todos por quem passo e, quiçá, talvez já se diga por aí que pertenço à seita…

Há um misto de empatia e pedido de absolvição quando as pessoas se cruzam, nos tempos actuais. Uma mistura de “Olha quem ele é” e “mantém-te ao largo, se faz favor” que andamos a interiorizar – uma antítese de tudo aquilo que, antigamente, perseguimos e que, em última análise, é o amor! Estamos alheados por obrigação mas não perdemos o que de mais belo fomos interiorizando e pretendemos voltar a colocar em prática!

Desabafo:
A curiosidade de sermos de um país que empurrou milhares de médicos, enfermeiros e outros, para o estrangeiro, e agora batemos palmas e ajoelhamo-nos perante o esforço – daqueles que, abdicando de um salário muito superior – ficaram para nos salvar! (E, mesmo assim, ficamos muito aquém do agradecimento que eles merecem).
Convém manter todo o parágrafo anterior bem memorizado para a enxurrada de movimentos nacionalistas que, inevitavelmente (e infelizmente), surgirão, após tudo estar resolvido, tentando colher os louros de algo que nunca plantaram (porque não existe neles semente), nunca trataram ou tentaram cooperar (porque neles não existe esforço)!

Obrigado pela visita e até breve! – 7/4/2020

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O sonho…

…pode comandar a vida!

Após 2 semanas a usufruir das entregas do Uber Eats (há uma promoção para novos clientes, em Espinho, que oferece a entrega…procurem!), o dia chegou em que fui obrigado a sair de casa se queria comer (soa a exagero, porque tenho o frigorífico cheio, mas após tanto tempo sem ver o mar….era uma obrigação). Saí, a medo e em direcção contrária ao habitual caminho para ir ao supermercado, e dei por mim a conhecer a minha cidade….novamente.

A construção civil não parou – já o havia notado aquando da saída para a compra de tabaco e constatado pelo ruído que saía da Junta de Freguesia, contei 10 pessoas (maioritariamente junto ao mar) e todos a uma distância mais do que segura! Foram os habituais 6 minutos para chegar ao Quim da Granja, pagar e trazer a vitela assada. 

A volta para casa foi feita pelo mesmo caminho da ida mas já na companhia da chuva. Se de início hesitei em iniciar o percurso de regresso a casa – porque chovia – foi ao constatar que a água da chuva estava morna que iniciei o caminho de volta. Chamem-me louco – pouco me importa – mas o caminho de regresso foi todo feito de cabeça para o ar, gotas a caírem na face e eu a esboçar um sorriso imenso! Não sacudi a água uma única vez, senti a água a pingar pela minha face e sorri, cada vez mais.

Com o vírus, com tanta notícia falsa, com tanto doutorado em vírus, com tanto receio (equilibrado entre o falso e o verdadeiro)…a chuva foi a forma que a natureza teve de me equilibrar. E não só o fez como ainda me deu um gozo enorme…a segunda melhor chuvada da minha vida! A assemelhar-se ao momento em que, apesar de não gostares de scones, comes tudo como se fosse a tua última refeição…porque amas quem os fez!

Associação de momentos maravilhosos que teimavam em não voltar! – 6/4/2020

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Aquele texto sem imagens…

…porque a nossa imaginação nos consegue transportar muito além de qualquer imagem.

Entre conversas de religião, notícias falsas que têm mais poder nestas alturas de desconfiança, uma programação merdosa nos canais portugueses, eis-me decidido a apanhar ar! Como sou um cidadão cumpridor e sempre fui (Ahahahahahahahah) – apenas achei que dava um ar mais sério ao texto – decidi arriscar tudo por um pouco de ar fresco! As janelas estão abertas, chovem umas pingas dentro de casa, na tentativa de apanhar o máximo de ar circulante no pequeno apartamento mas…não chega. Arrisco? Não arrisco?

Dou por mim na janela da cozinha, com a cabeça bem fora da janela, e tentando perceber:  porque é que fumo na janela se não partilho o canto com ninguém? Por respeito, recordei-me! Porque um dia me pediste e, porque a educação define quem somos (não só mas também)! Lembrei-me do tom da tua voz, da tua cara enquanto proferias as palavras, do teu cabelo e de toda uma saudade que só peca por uma palavra. 

Chove e, no meio das pingas de água que vão caindo, passam dois pássaros a voar a uma velocidade estonteante (as aves, ao contrário dos humanos que pilotam aviões, não precisam de gritar “V1” quando atingem uma velocidade que não lhes permite travar – dado que o comprimento da “pista” das aves é infinito – pelo que fazem um movimento de corpo, em que parecem puxar a cabeça para trás e colocam o corpo a oferecer resistência ao ar, travando assim o voo). E assim pousaram ambos na antena de TDT do prédio aqui ao lado. Chilreavam animadamente e travaram de modo a pousar em 2 lugares distintos da antena. E ali ficaram, os dois, a “conversar” animadamente.

Era capaz de jurar que éramos nós, de costas voltadas para o mar, a voar sem limites e com tempo, com todo o tempo do mundo e sem controladores aéreos que nos limitassem! De asas bem abertas, com os diferentes e maravilhosos tons de penugem a serem mostrados a quem perdesse tempo a observar-nos! A chuva? A chuva arrefecia os nossos ânimos e permitia que nos equilibrássemos na antena que ondulava à mercê do vento…

Eu gosto é do Verão… – 5/4/2020

Ai os gajos…

Um casal de velhinhos, aparece nas costas de um directo na RTP1, sobe a rua em direção a Santa Catarina. Estão de mão dada e nota-se um toque do marido na mão da mulher para seguirem pela esquerda da imagem da TV. O que à primeira vista parece ser mais um casal a tentar aparecer na TV não faz sentido numa situação destas – em que todos vemos e eles não querem ser vistos – e é, quando vejo o outro polícia, a aparecer nas costas do polícia que está em directo na TV, que percebo tudo: os velhinhos fugiam da polícia!!!!! Ambos baixam a cara, quando interpelados, e após um breve sermão da polícia…seguem o caminho. As expressões nas faces, que se conseguem ver quando o casal é “libertado do sermão” mas capturado pela câmara em directo, é semelhante ao estado de espírito dos que estavam em Woodstock em 1969! Reguilas, sem regras, a sorrir muito….

Percentualmente, segundo as estatísticas, as pessoas mais velhas já cumpriram uma percentagem superior às de menor idade (casos haverá em que, infelizmente, vicissitudes da vida o contradizem) logo, estão mais perto de terminar a odisseia que é a vida. Assim sendo, entendo perfeitamente a ânsia de andar na rua, de quebrar regras, de querer – de muito querer – não cumprir as regras e ser desregrado. Eu acho que, enquanto o casal de velhinhos passava em frente ao directo da RTP, ouvi Hendrix ao fundo….poderá ter sido a minha imaginação…

O tempo – que presentemente sentimos de maneira mais palpável – é a medida da nossa vida. Não temos acesso a qual “o comprimento” que vamos atingir mas podemos muito bem divertirmo-nos enquanto vamos crescendo, temporalmente falando! 

Acordamos, pela manhã, e fazemos a doação do nosso tempo: doamos tempo a um café que tomamos, uma torrada que comemos, uma obra que executamos!

É a falar do tempo que a gente se entende!

Devaneio matinal – 4/4/2020

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Guantanamo

Acordei cedo, pelos meus parâmetros, e fui às compras. Havia uma fila e o comportamento foi super decente, por parte dos que esperavam. É todo um novo mundo o que existe lá fora: há pessoas, olhares desconfiados, alguns sorrisos e, acima de tudo, demoramos uns valentes segundos a associar quem nos cumprimenta…ao longe, claro está! Um profeta da desgraça, à porta do Pingo Doce, anunciava toda uma série de catástrofes e eu….fui tomar 3 cafés para não ter que voltar a sair.

Chegado a casa com um cesto de compras para 2 dias, muito aquém de ter esgotado qualquer produto que seja e esquecendo outros fundamentais, coloquei o “Dancing with myself”, aos altos berros e, de mini Super Bock na mão, saltei que nem um louco! Acho que a minha passagem de ano está, finalmente, celebrada! Faltou a ressaca mas eu sou um homem comedido! 

Foi um almoço moderado, bem regado e segue-se uma “estimulante” sesta! A leitura seguir-se-á e ligar a TV para ver mais números alarmantes está fora de questão…antes ouvir Justin Bieber!!!! (estou a brincar, jamais o ouviria! Preferia umas sessões de Waterboarding em Guantanamo!). A sensação de muito calor no corpo que, afinal, não é mais do que o sol a bater no corpo do prisioneiro.

Ao final da tarde um passeio de alguns minutos, só para espreitar o sol, seguido de um recolhimento até ao dia seguinte. Há leitura suficiente, há música suficiente e há comida para uns snacks valentes e umas refeições bem para além de modestas. Tenho visões de pratos muito bem confecionados (babo-me com o pensamento), de colesterol elevado e o estómago enche-se de pensamentos eróticos em relação ao que vai digerir a seguir.

Disse-me o senhor do café que as pessoas que lá passam estão a começar a perder a paciência ao que eu respondi que mais vale isso do que perder a vida! Contundente, bem sei, mas os tempos não são de facilidades mas sim de dificuldades. 

Força aí! Todos juntos nesta odisseia não programada mas que certamente todos iremos superar!

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Rikers Island

As grades são tudo o que me limita – as janelas que me impedem de voar, a porta que nos impede de sair, a TV e o seu discurso catastrófico – quanto a mim, ainda aquém do necessário (uma opinião pessoal), que nos dá um cenário dantesco, muito para além do que conseguimos imaginar e constatar.

Fujo da solitária cerca de 30 minutos por dia – aquém do confinamento na solitária de Rikers – que permite 60 minutos de pátio – para olhar o mar, após ter fugido de todos aqueles com quem me cruzei pelo caminho. Os olhares são desconfiados, as caras são de medo e o vírus continua a ser algo desconhecido.

Notícias de uma besta quadrada, que preside a um país da América do Norte, e que tenta, a todo o custo e com recurso ao “Almighty dollar”, comprar os estudos feitos por uma companhia Alemã em prol de uma vacina, para uso exclusivo no povo a que “preside” – quanto a mim o ponto mais baixo da humanidade mas, vindo de quem vem, não me espanta que se consiga “superar”. Os “familiares” dessa besta, que presidem aos destinos do Reino Unido e do Brasil, seguem-lhe os passos…

Medo do desconhecido? Todos temos, quando somos humildes ao ponto de o reconhecer. Tentar superar o desconhecido, através de iniciativas individuais, nunca superará a força do movimento colectivo (a vida tem-nos dado inúmeros exemplos). O meu grande medo, actualmente, é a falta de um grande líder mundial que consiga unir a humanidade face a uma das maiores catástrofes com que já se deparou.

Conspirações e afins são a justificação possível para quem acredita nessas teorias mas o facto é que lidamos com o desconhecido e os únicos dados que possuímos vão sendo transmitidos dos países mais afectados para os que serão afectados em seguida. Estamos a aprender conforme o tempo vai passando, conforme a virose vai evoluindo, conforme os mortos vão destruindo a nossa confiança e os pacientes recuperados nos dão alegria (apesar das fortes mazelas com que ficam). 

E a economia? É talvez a justificação para a morosidade com que algumas nações enfrentam este flagelo – ninguém ousa sequer contabilizar os custos de algo assim até porque, nesta altura, tal seria considerado insensato. Não há material suficiente, não há conhecimento suficiente, há um esforço desmedido por parte daqueles que realmente dominam estes fenómenos epidémicos – contrariado por Governos mais preocupados com a economia e eventuais reeleições (a política é a verdadeira origem da palavra hipocrisia).

Saudades de um bom abraço, de um bom beijo, de fazer todas as coisas que nunca nos fazem falta – quando as temos – mas que se transformam em saudade, assim que a oportunidade de as termos desaparece…O humor tudo supera!

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Dreamliner

Saindo da turbulência, mas ainda sentindo o avião a abanar, as asas do Dreamliner estavam agora a recuperar a posição dinâmica em que se encontravam antes do percalço meteorológico. 

Aquela nuvem não estava nos planos – o que raramente acontece hoje em dia, dada a enorme quantidade de aplicações disponíveis – mas o imponderável fazia parte da viagem e, lenta mas seguramente, voltamos ao usufruto da jet stream que nos empurrava para o destino.

A minha mão sentia a tua unha cravada na minha carne mas, como acima de tudo estamos nós, nem um pio ouviste da minha parte. Apertei-te o cinto um pouco mais e adormeceste no meu ombro – o sorriso traquinas bem pronunciado (como se consegue dormir assim?), os olhos amorosamente bem abertos e completamente rendidos e nós os dois ainda vivos!

Sempre soubemos que qualquer viagem tem percalços – sejam eles causados por nós, pelas companhias envolvidas ou terceiros que prestam serviços a algum dos envolvidos – mas havíamos combinado que o respeito mútuo seria sempre algo que nunca nos faltaria.

O avião voa, está em piloto automático e as coordenadas inseridas no sistema, com a beleza e facilidade que os computadores de bordo proporcionam. A Comandante és tu e eu não passo de um co-piloto, com largas horas de experiência no Flight Simulator – sempre como controlador de tráfego aéreo – aguardando a hora de percorrermos a check-list e aterrarmos, sãos e salvos, num qualquer destino à nossa escolha.

Curiosamente nunca me ocorreu perguntar-te se tinhas brevet de piloto mas sempre soube confiar em quem realmente sabe estar presente na minha vida.

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Sinais vitais

Os olhos estão focados nos olhos dela e, após conseguir entrar através deles, vejo os sintomas do amor presente: as pernas estão fracas, o coração está acelerado, vê-se um nervoso miudinho por todo o lado, borboletas que voam como se fizessem o mais belo dos bailados, suores frios, planos para expressões de beleza ainda mais elaborada do que a beleza que contemplamos, ideias de abraços bem apertados e sem palavras. O apetite desvaneceu e há apenas a ideia de que realmente devia estar com fome mas….não.

Ela olha-me como se conseguisse ver através de mim e eu, ciente de que talvez existam pessoas assim – Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay – defendo-me muito mal daquele olhar que me desarma. Será este olhar algo semelhante ao meu olhar para ela? Questiono-me pois sinto que agora é ele quem descortina todos os meus segredos – num download de dados feito através de uma ligação directa olhos nos olhos? Um sentimento de conforto atravessa-me o corpo – sei que, qualquer que seja o sentido daquele olhar, o meu olhar para ela não será afectado.

Ela sorri e pede desculpa pela sua beleza. Argumenta mesmo que não sabe qual a proveniência – como se de uma maldição se tratasse – e eu, sem querer saber da proveniência mas sim do desfrutar, continuei maravilhado a contemplar. Ficamos uns minutos valentes a saudar uma das belas demonstrações que a natureza nos pode dar – o pôr do sol – e, sem palavras mas entre algumas lufadas mais profundas de ar fresco, concordamos que fazia sentido as três belezas que nós somos estarem assim unidas.

Devaneio mascarado de sonho – 24/2/2020

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A P.D.I.

Alguém muito próximo perguntou-me, por estes dias e a uma distância segura, porque é que eu nunca escrevia sobre a idade, o envelhecimento, etc…A verdade é que se trata da pessoa ideal para colocar essa questão pois andamos a envelhecer juntos desde 1988…

O Outono da nossa vida, como prefiro apelidá-lo, devido às muitas semelhanças entre a natureza e o corpo humano. Tal como as folhas se desprendem do ramo para, num bailado lento e nas mãos do vento, alcançar o solo e passar a ser um estrume adicional para a árvore de onde caiu…também nós partimos de uma estatística que nos pode deixar no lençol – sem futuro, sem dignidade e ao alcance de qualquer máquina de lavar – ou alcançar o útero e criar uma nova vida.

A vida é feita de probabilidades e nunca sabemos o tempo que nos está atribuído logo, nunca conseguimos saber, antecipadamente, o resultado correcto da equação. Mas é justamente nessa falta do valor final que reside o combustível que nos faz levantar e procurar o objectivo seguinte.

Surgem uns nervos com tiques, obviamente, nervosos, uns dentitos têm que ser substituídos, umas dores de costas que não faziam parte do roteiro habitual. Dás muito mais valor a escutar do que a falar e dá-te um gozo muito maior o processo de aprendizagem das coisas – talvez porque damos mais valor ao tempo (que realmente tem mais valor pois estamos num cronómetro regressivo e já percorremos parte do tempo definido).  

Ainda erras como antigamente e aprendes – temporariamente – com o desejo de errar novamente o mais brevemente possível. Adoro essa parte do processo de envelhecimento…dá-me a impressão que sou um “velhinho de desenho animado” que pode escapar sempre das situações, ainda de coluna bem levantada e com um sorriso traquinas que é imagem de marca.

Assim, por alto, é o que me ocorre…

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