Natureza

Os domingos têm a fama de serem um dia muito calmo, passado na tranquilidade da família, com um bom convívio e uma amena cavaqueira.

Não foi o caso específico deste domingo. Depois das celebrações de ontem, foi com grande esforço que subi a Saint Patrick’s Hill e cheguei ao parque, com uma semana de atraso, que tão bem me haviam descrito.

Foi a primeira vez que saí de casa de manga curta, desci para um almoço que conseguisse providenciar energia suficiente para a subida e, logo após a refeição, comecei a escalada das inúmeras escadas que conduzem a um dos topos de Cork.

Fiz exactamente o mesmo que os Irlandeses: deitei-me na relva a ler enquanto o sol tratava do meu bronzeado de camionista. Não dei pelo tempo a passar, somente via os capítulos a subirem de número, e relaxei num sítio que realmente é no centro da cidade mas longe do ruído por ela produzido.

Aos poucos vou descobrindo quem és e constatando que temos muitos gostos em comum – o salmão, os copos, a mesma maneira de gostar de apreciar a natureza. Tenho saudades tuas mas sei que estás a fazer algo que aprecias pelo que me resta aguardar pelo teu regresso.

A Irlanda tem realmente muita qualidade de vida e a minha missão é descobrir, com a ajuda dos locais, os sítios escondidos com mais qualidade para serem apreciados. Trata-se de apreender informação, com muita pesquisa, enquanto me vou mexendo nesta ilha.

Aquele abraço.

As manhãs

Acordas com o ruído dos vizinhos a sair de casa, espreguiças o corpo ao som da passarada (anda pela vizinhança um novo som e, mais tarde, irás averiguar de que nova ave se trata).

Abres os olhos com a ajuda dos dedos, numa espécie de espreguiçar ocular, arrastas o corpo até á cozinha e tens a primeira imagem erótica do dia – a máquina de café está lavada e pronta a ser usada.

Colocas água até á medida, café até ao cimo, limpas toda a área circundante do reservatório de café e atarrachas a parte superior. Salivas por antecipação, colocas os corn flakes no prato e acrescentas uma dose generosa do maravilhoso leite fresco irlandês.

Comes ao ritmo de quem ainda não tomou café, terminas no momento em que a máquina de café começa a emitir o ruído típico de quem está pronta e sentes uma alegria tua pelo ritmo perfeito da tua “orquestra” matinal.

Tomas o chuveiro já mais desperto e cobres o corpo com alguma roupa que tiras do armário. Desces à cidade e relaxas enquanto bebes o teu cappuccino. Questionas-te se devias ter ficado um pouco mais na cama mas, enquanto dono do teu tempo, fazes uma gestão atempada de tudo…

Aquele abraço.

Vida no campo

É quando vives num país como a Irlanda que o teu sentimento de querer estar em contacto com a natureza mais se revela.

Recordas São Tomé e Príncipe, onde para chegares a uma roça tinhas que sair do 4×4 e, munido de uma catana como os locais, abrias caminho por entre a verdura que, em escassas horas, estaria exactamente igual.

Recordas Moçambique e o facto de não poderes ter ido para Villanculos de avião – alguém havia plantado uma horta no meio da pista de aterragem.

Recordas imensos paraísos africanos, onde nada é artificial, e começas a ter a certeza de que esse é talvez o continente mais próximo do que consideras ser o teu conceito de beleza.

Continuas a tua viagem no autocarro e contemplas os cenários verdes que a Irlanda te dá. Sonhas acordado com a força de quem quer executar e sabes que estás mais perto de concretizar esse sonho.

Divagações reais ou sonhadas mas, sobretudo, matinais.

Aquela pergunta…

Não gosto quando me fazem aquela pergunta! Muito embora para alguns seja de fácil resposta eu não dou respostas fáceis e raramente não tento expandir para lá da pergunta feita. Seja: tenho um feitio complexo e talvez por isso nunca tenha dado apenas uma resposta mas sim iniciado, quase sempre, um debate à volta da questão. Ora, afinal és um chato, dirão alguns…Não, não me considero chato (eu sei que sou suspeito ao afirmar isto) mas talvez apenas estejamos todos mergulhados num marasmo de respostas simples (Sim ou Não) e voltemos para o conforto do ecrãs do nosso smartphone, tablet, portátil ou computador…sem que o emissor mereça a consideração de uma resposta, de um pouco do nosso tempo…Emissor esse que até é, inúmeras vezes, aquele que mais procuramos no referido ecrã!

O tempo é-nos concedido mal nascemos – qual cronómetro regressivo que nunca sabemos quando chegará ao zero final – a pancada nas costas e o choro marcam o início da vida. Considero-o a maior dádiva que temos neste mundo e tento equilibrar as cedências que faço do meu tempo com pessoas que me ajudam a sorrir, a melhorar, a conhecer, etc…Em resumo: a fazer de mim alguém mais capaz perante mim, acima de tudo, e perante a sociedade. Pessoas que, respeitando o seu tempo da mesma maneira, escolhem despender comigo uma parte da dádiva que a elas lhes coube. Já me senti imensamente alegre e realizado com algumas pessoas e completamente destroçado e destruído com outras – mas esse é um processo de aprendizagem pelo qual, por vezes, temos que passar mais do que uma vez.

Não acredito em positivismo ou negativismo, não acredito em fugir de pessoas tristes com a vida para ir de encontro às alegres com ela. Acredito, acima de tudo, que cada um de nós tem força suficiente para tudo! Num mundo subjugado pelo dinheiro eu acredito na amizade sem interesse e enoja-me – sem que perca muito tempo com isso – o mundo de valores em que o rico é considerado intelectual e o “pobre” um infeliz e pessoa negativa. Sempre vi um melhor raciocínio no “pobre” que luta face ao rico que herdou o título de intelectual. Gosto de pessoas que lutam pelo intelecto que possuem face a pessoas que se aproveitam apenas de falhas do sistema.

Tenho fé – numa altura em cada vez mais a fé é contestada; de cada vez que é diferente daquela em que acreditamos – eu tenho fé em mim próprio e naqueles e naquelas que escolho para me rodearem. Acredito em mim e lutarei sempre por mim – nos momentos bons farei sorrir os outros e partilharei o segredo do meu sorriso e nos momentos maus não os farei chorar mas explicar-lhes-ei o porquê das lágrimas.

Não sou narcisista, mas tenho o meu orgulho e auto-estima. Evito perder tempo – mas estou longe de ser perfeito nesse capitulo – com trivialidades que inevitavelmente me encaminham para tormentas. Mas, sou de um país de descobridores, e as tormentas fazem parte da descoberta da boa esperança que todos desejamos e passamos a vida a procurar – incessantemente – e essa procura é a mais bela odisséia de todo o ser humano.

Por duas vezes na vida me perguntaram: gostas de viver nesta cidade? E eu, sem sequer recordar as duas cidades em que estava, respondi sempre: Adoro! Porquê? Porque o sítio é irrelevante quando se está com quem se ama. Talvez não devesse expandir para lá da pergunta feita…

Aquele abraço.

Henrique Milheiro da Costa Correia de Matos