Semelhanças com os salões de sábado são nulas – excepção feita a todas as ameaças que são proferidas, numa demonstração clara da pedagogia de outrora (assente, maioritariamente, em disciplina sob a forma de cana – que mais se assemelhava a sentir um raio a embater nas pernas).
Não havia paizinhos a levar os meninos ao colégio e, elementos do sexo feminino, só atravessando a N1 (uma combinação entre tensão (sem o n) e risco de morte (atravessar a principal via de trânsito, na altura, do país).
A camioneta das 8:15, chegada ao colégio às nove. Entrar por uma porta principal que nunca utilizavas para, num passo semelhante a um prisioneiro de guerra a quem é negada a Convenção de Genebra, subires ao segundo andar. Uns calafrios, ao seres reconhecido por uns internos convidados a passar o fim de semana no colégio (obviamente como prémio de bom comportamento…), olhares solidários na preparação para o início da pena.
Não há fila para o croissant, os corredores estão silenciosos, o prefeito marca, no quadro de ardósia, a hora de saída com um gigantesco 13 (como se não soubéssemos ou não tivéssemos relógio). Saltam os livros da mochila, abre-se numa página qualquer, coloca-se o olhar perdido – no pouco que se consegue observar – começam-se a contar os segundos…
Camioneta de volta pelas 13:15 para uma chegada a Espinho pelas 14. Começava então o fim de semana…
Que os alarmes vieram resolver muitos dos problemas, sobretudo daqueles que assumem não ser omnipresentes, também é verdade que trouxeram com eles um nível de poluição sonora que não existia. Atenas tem várias redes criminosas – uma das quais especializada em pequenas motorizadas (outras existem, obviamente, para “cobrir” todo o “mercado”) – o que leva a que, a bem da segurança, esses motociclos tenham um alarme – para dissuadir qualquer criminoso mais expedito!
Para uma maior proximidade, deduzo que por razões sentimentais, os proprietários colocam os veículos motorizados mesmo junto à porta de entrada do prédio que habitam (independentemente do as andar em que habitam), possibilitando assim a reunião amorosa, entre proprietários e veículos, assim que atravessam a porta de entrada comum do edifício.
Recordo que existem em Atenas cerca de 2 milhões de motorizadas – dos vários tipos e feitios – que permitem o normal funcionamento da economia local (uns recolhem metais e reciclam, outros recolhem plástico para o mesmo efeito, uns deslocam-se para o emprego enquanto outros fazem da condução o emprego…).
Tentem recordar sons de brinquedos dos vossos filhos e certamente recordarão um ruído histérico – que é uma mescla de vários sons de veículos de emergência – que vocês, muito provavelmente, também odiavam e se peniticiavam pela compra do dito. É esse o som que a maioria das motocicletas possui! Num volume que supera a chegada do avião de Thessaloniki e faz estremecer o mais incauto dos transeuntes – que não consegue esboçar uma reação melhor do que um salto aflito, perante um som que faz estremecer o mais forte dos humanos! Há um modo “ARTILHARIA” nos alarmes gregos…
Pela primeira vez na história do país, Portugal vai receber um montante nunca antes visto, para aplicar no desenvolvimento económico. De um lado, o governo democraticamente eleito, com o selo de aprovação de uma maioria absoluta e, do outro, uma panóplia de pessoas, camufladas em partidos políticos, dispostas a tudo – por um quinhão do imenso bolo.
Conjectura-se, sempre sob pretexto do “melhor interesse de Portugal e dos Portugueses”, a maneira mais rápida e viável para aceder a uma parte do bolo – o relógio não pára e, a cada tique-taque, o chantilly parece desaparecer, na ilusão criada pela imaginação dos envolvidos. Alguém vai começar a partir o bolo e urge termos um lugar à mesa!
Alguém sugere contornar o status quo e utilizar a PSP, sob pretexto da confidencialidade (que se dane a reputação da PJ; aproveita-se o processo para colocar três instituições em cheque! – Ministério Público, Procuradoria Geral da República e PJ) e começam a ver-se mãos a serem esfregadas, de contentamento! “Isto faz-se!”, exclama um dos presentes, que invocou o segredo de justiça, para não ser aqui identificado.
O número 1 disponibiliza os seus meios audiovisuais ao partido e a campanha começa, no século XXI, marcado por demasiadas notícias que, após a sua publicação, provaram ser falsas. Nunca um partido político teve tanto apoio dos media em Portugal…
Um último parágrafo, numa publicação online da Procuradoria Geral da República, menciona: “no decurso das investigações surgiu (…) o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido” – uma suspeita sobre a actuação do primeiro-ministro que pode preconizar corrupção! Assim começava o dia, com uma série de buscas, efectuadas em diversas localizações, incluindo a residência oficial do primeiro-ministro. Uma humilhação para os envolvidos que, actuando em nome do país, tornam a humilhação nacional.
“As instituições funcionam.”, abrem os jornais. Curiosamente, não são as instituições do costume – e previstas para o efeito – mas uma excepção, criada “pela confidencialidade necessária ao processo”! (Um prego na reputação da PJ, cuja legitimidade é arrastada pelo “sucesso da operação”!). Houve sucesso? Qual era/é o objectivo da operação? Se a PJ não funciona, prendam-se os culpados…?
Conclusão: se o Ministério Público não conseguir engavetar o ex primeiro-ministro, estaremos perante um golpe de estado…com uma PJ diminuída e um Ministério Público/Procuradoria Geral da República desprovidos de competência! E isso é muito perigoso…normalmente o prenúncio de autocracias!
Todos temos algo ou alguém que nos inspira, pela manhã, num cocktail semântico, que nos coloca no degrau mais alto de um pódio imaginário. Uns é o Jota, outros ouvem vozes, alguns possuem animais de estimação inusitados…eu tenho a companhia do Senhor Nash.
Aquando da mudança de apartamento, no dia 7 de Janeiro deste ano, e depois de uma semana a viver no enclave de Omonia, descobri que, sempre que usava o duche, se me juntava um irritante mosquito – mosquitinho, dada a pequenez do voador, apenas e só para marcar território.
Conforme o tempo foi decorrendo, e porque ele se tornou uma presença muito assídua e pontual, apelidei-o de Senhor Nash – por mais vezes que eu tentasse o homicídio qualificado do dito, com um belo de um jacto de água quente, ele voltava sempre, no duche seguinte.
Questionei-me se poderia existir o mais asseado dos mosquitos, e se o Senhor Nash seria o único exemplar. Ele usufruía de toda a minha parafernália de produtos de banho, era vítima de uma tentativa de homicídio voluntário (obviamente com dolo), e regressava sempre com o que me começou a parecer um sorriso.
Convivo com o Highlander dos mosquitos e ele nem sequer se digna partilhar a renda…temo que um dia ele grite “There can be only one!”
Hoje é dia de linha verde e, ao contrário do normal, revês as caras que pertencem ao “teu” horário, na linha que liga o mar (Piraeus) à montanha (Kifissia). Instalado na primeira carruagem – faço o máximo de tarefas a dormitar, até chegar ao emprego – rodeado de gregas que abanam os leques que, por esta altura, são mais uma arma no combate ao calor pirolítico que se instalou na capital grega.
A instalação sonora vai avisando os utentes – mind the gap, stay away from the doors, etc…de repente, ao sair de Omonia, ouve-se o anúncio de Viktoria, Attiki, fim da linha e por favor desembarque porque a composição está avariada e vai ser substituída (é mato, o número de vezes que acontece). Olhamos todos, uns para os outros, e saímos todos do metro, num belo gesto sincronizado, na estação de Viktoria.
Imaginem, por favor, uma estação onde o metro chega e, ao contrário do habitual, todos abandonam a composição enquanto explicam aos que estão na plataforma o que ouviram. Ouve-se uma porta a abrir e todos olhamos na direção do maquinista que, para espanto nosso, se ri, de gargalhada aberta que não lhe permite falar, ele quase chora…
Qual professora primária, ele afasta-se um pouco mais para o centro da plataforma e, por entre lágrimas de alegria, exclama algo em grego…não em tom de desculpa (um grego não comete erros) mas sim num tom autoritário. A mulher ao meu lado começa a caminhar para dentro do metro e eu sigo-a. Ela explica, assim que nos instalamos novamente, que o maquinista ordenou: o facto de termos a instalação sonora avariada não nos impede de chegar ao destino! Importam-se de voltar a entrar?
Percebem agora como tudo flui neste país? Sempre com uma gargalhada…😂
Humilde narrador esfria a moleirinha com um freddo expresso!
A vizinha saiu de casa depois de mim e, fruto de uma coincidência ou plano bem elaborado, estamos agora a lanchar, lado a lado, cada um na sua mesa. Sorrisos, falsamente envergonhados, cruzados com gestos tão espontâneos que parecem fruto de um nervosismo real, a mesma troca de olhares que temos, sempre que nos cruzamos nos espaços comuns do prédio.
Talvez seja esquecimento, ou apenas um acaso da vida de que todos podemos padecer, mas ela esqueceu-se do isqueiro (acontece bastante na Grécia, todos sabemos a que preço está o gás). Finge olhar à volta – o que, de facto faz – não conseguindo visualizar o meu maravilhoso “Clipper reusable”, finge pretender levantar-se para ir comprar um isqueiro – está a 7 passos do kiosk que os vende – mas prefere exclamar um “Oh”, quando finalmente assume enxergar o meu isqueiro.
A chama acende-se, sem que a alta temperatura sofra alterações, ela coloca a mão dela atrás da minha – obviamente para proteger de um vento que temo não sentir, a chama aproxima-se do extremo do cigarro, num movimento que me faz escutar acordes das mais belas músicas que conheço – num devaneio mental e musical que visa apenas embalar o momento. Ela agradece em inglês (como saberia) e eu respondo com um “ora essa”, em grego.
A tosta mista acaba, a Coca-Cola também já não demora muito e o calor….esse continua a ser brutal. Passa o 1 e o 5, e recordas que ambos conduzem a Sigrou. Recordas os meses aí vividos – apenas para constatar que o apartamento em Victoria foi dos melhores achados – nestas desventuras de ser um expatriado sorridente.
A maneira como era possível viver, num bairro problemático de Atenas, sem que sentisses o mínimo receio, só pode ser atribuída a um maravilhoso vizinho albanês que, fruto de ser o comandante local da noite, protegeu o meu apartamento (no único dia em que me esqueci da porta aberta), com uma simples cadeira, e sentou-se no sofá…a observar se alguém ousava desrespeitar a disciplinadora cadeira.
Acordava com um realejo ou violino, todas as semanas a biblioteca ambulante parava na rua, tinha mercado de rua duas vezes por semana!
Agora, na Boavista, tenho a avenida toda para mim, facilmente consigo fazer as compras inevitáveis, posso vegetar diante de um livro sem ser interrompido, o ruído citadino é menor e o prazer de viver exponencialmente maior!
Foi aqui que tudo começou, em 2015, e as passagens por outros locais apenas acentuam o quão diversificada a Grécia é – um amor que fica gravado onde realmente importa!
O sítio tornou-se o do costume e, sentado na mesa habitual, vou trincando o lanche encomendado. A Coca-Cola vem, erradamente, com um zero mas o erro é imediatamente corrigido e a empregada de mesa condenada a beber a dita, no refúgio seguro dela, mas que é bem visível da esplanada.
As motos de baixa cilindrada que fazem mais ruído do que os topos de gama, as conversas de trânsito – algo que pode sempre resvalar, as pessoas que se benzem quando o sino da igreja soa. Os grupos que bebem cervejas frente aos grupos que conversam, os telemóveis como alienamento permanente.
O Kiosk, frontalmente colocado, em permanente rebuliço – a servir todos os que buscam “as falhas” a caminho de casa, os casais que tentam distrair os bebés do calor, os namorados que discutem o dia que agora começa a acabar. O Lenny Kravitz que grita que quer “Fly away”, as pessoas que se abanam – numa infrutífera tentativa de se manterem frescas.
O toldo da esplanada é entretanto aberto e o humilde narrador tenta descortinar de onde chega toda esta “nova luminosidade”, a empregada de mesa que sorri – ao descortinar a procura do narrador e responde com um gesto que demonstra que é ela que está a gerir o processo, mostrando o comando do toldo.
Uma escultural grega que chega – obrigando a um discreto, mas muito forte, empurrar do queixo caído que, aproveitando a distração do dono, coloca a nu toda a indiscrição da situação. Limpados os resíduos do salivar intenso e já recomposto de mais um monumento ambulante que não conhecias. Toca o telemóvel e respondes com toda a segurança: estou em casa, a ouvir música. Pagas a conta e corres para casa!
O dia de trabalho passou sem que desses por isso e o duche frio disciplinou a moleirinha de volta ao mundo terrestre. A tosta mista na esplanada, de perna suada alçada, a Coca-Cola como refrigerante obrigatório, a água que fugiu num trago.
Música de fundo, ligeira quanto a brisa, duas beldades na mesa do lado, uma trinca como início das hostilidades; na tosta, entenda-se! O Sultans of swing salta nas colunas, conduzindo a uma reflexão pelos muitos momentos em que escutaste a música.
Recordas a frase cómica que ontem, antes do concerto, ouviste um ilustre desconhecido americano proferir “who the fuck wants to see an 80’s rock band playing in an Ancient Greek theater?”…descobri depois que era um dos teclistas do grupo! 😂👌
De sorriso em sorriso, sem roubar sorrisos alheios. Saltando de dia para dia, sem sucumbir ao calor. Sempre munido de uma garrafa de água, mantendo o esbelto corpo hidratado. Eu devia ter nascido grego e ter navegado…
A golden hour a cair, as luzes dos carros pressentem-se agora – apesar de sempre terem estado lá, pessoas que correm entre outras que, muito calmamente, observam as montras – o caos ordeiro, tanto no passeio como na estrada. Ao longe, os peões que correm na passadeira – enquanto se benzem – face a uma igreja com que se deparam.
As cores desbotadas – que se fixam perfeitamente, assim que colocas os óculos, uma brisa de 9 Km/h que a app de meteorologia afirma tornar os 30 em 31. As laranjeiras que dão a frescura a toda uma cidade, as pessoas que a animam, os animais que a habitam – com mais direitos adquiridos que muitos humanos, as luzes das farmácias que se acendem para uma eventual emergência. As famílias com o passo descoordenado, conforme o filho por que são responsáveis.
O calor chegou, e trouxe com ele a habitual adaptação da indumentária, o que – dado que estamos na Grécia – equivale a um desfile de monumentos históricos (porque imediatamente te ocorre ser um ombro amigo e ouvir todas as histórias, obedientemente), em trajes minimalistas, qual tela branca, por pintar, que clama por ser coberta por uma pluralidade de cores. Não nasci pintor, e não tenho a mínima veia para a arte, mas sei apreciar!
Imaginem um cérebro que, tirando proveito da rotina do caminho para o emprego, aproveita para deambular e apreciar “as bistas”, como se diz na minha terra. Equiparem a imagem dessa rotina à mais bela obra de arte que o vosso coração guarda e, mesmo assim, talvez não estejamos, ambos, sincronizados. Curioso, como o gosto por arte pode ser diversificado: o que é que nos conquista na arte? Porque não discutimos com ela mas sobre ela? Talvez seja precisamente esse facto que a torna tão bela…
As caras envergonhadas, as gatas assanhadas, os decotes suados, as saias que são curtas pela anca – mas que elas teimam em puxar para baixo. Os saloios e os olhares fotográficos, os encontrões do metro, o acaso da conversa, a coincidência de irmos ao mesmo concerto, a ousadia do trocar contactos, a notificação dos familiares mais próximos…
O despertar e o lento interiorizar o quão bem dormiste…acenas a ti próprio um sinal de concordância, após visualizar umas preguiçosas 8:30 no despertador – para quem habitualmente acorda às 5, há que celebrar estes eventos.
Sonhaste, e dás um sorriso envergonhado, assim que te ocorre o porquê de um sono tão retemperador. Olhas-te ao espelho, ciente de que não podes estar envergonhado contigo mesmo, isso não acontece…
Talvez o amadurecimento da vida traga estas mudanças de comportamento! Sei que havia duas covas que havia que transpor, após um galanteio mal dissimulado, e uma pergunta que havia que fazer. A pergunta libertava e soltava o humilde narrador para a tarefa seguinte.
Talvez tenha havido alguma palpação, para um duplo sentido de estímulo e a celebração da conquista daquelas duas adversárias, com tanto de ameaçador quanto erótico. Recordar, com saudade, que a louça ficou por lavar; apesar de bem esfregada, a gordura não se libertava e houve necessidade de recorrer a um desengordurante original, o sentimento de pleno a preencher os dotes de lavador de pratos do vosso humilde narrador…
Acordas, lavas a cara, atiras um bocado de desodorizante, lavas os dentes e sais.
A 20 metros da porta está um vizinho, que aguarda que o cão obre. Olhamo-nos e eu fico a pensar na situação do gajo: cerca de 2 metros de altura, uma trela enorme (só para chegar à manápula do gajo…), um cão que se assemelha a um coelho anão…que ladra e, salvo se não tivermos desenvolvimentos à vista, também obra!
O pensamento de merda esfuma-se e reduzo o ritmo (já de si bastante lento) para olhar a fotografia do grego irritado – há um fotógrafo grego, na esquina, que tem uma fotografia de um bebé irritado com o banho que o obrigam a tomar…dobro a esquina, como um verdadeiro super-herói, e vejo um café abandonado no orelhão da vizinhança…
Aproximo-me – o que, na Grécia, significa que fui para a rua e mantive uma distância segura – e vejo uma T-shirt, que descai de um suporte que o orelhão possui. No chão jazem calças e meias…apalpo-me e sinto o casaco vestido…não pode ter sido um golpe de calor, penso eu! 😂 Fotografo o momento, para a posteridade.
O caminho até ao café é longo e assemelha-se a uma travessia no deserto – quando, após umas centenas de quilómetros montado nas costas de um camelo, finalmente chegas ao oásis – apenas para constatares que tens que ir urinar, o que te obrigará a seres o último na fila de água do oásis (não é nada disto, fica a 100 metros de casa, mas há que enquadrar…😂😎). A areia são os passeios irregulares, a tempestade de areia é a possibilidade de levares com uma laranja nos cornos, ressalvo, couro cabeludo, o café é o almejado oásis…
Freddo espresso sketo, parakalo!
Um pequeno gole para o café, um enorme despertar para o Henrique!
Na infância e adolescência temos os sprints em busca do conhecimento – corremos curtas distâncias na ânsia de obter as respostas que esclarecem as perguntas que constantemente nos assolam. Tudo é novo, tudo pode ser experimentado e o risco é algo que nem sequer cruza o nosso pensamento. Somos apelidados de putos – sem que o arrojo seja considerado, de imaturos – porque a experiência de vida carece de erros para providenciar certezas, de pessoas em fase de crescimento – uma analogia aos países em vias de desenvolvimento que desmotiva, face a uma evolução que não vemos esses países atingirem – ficaremos assim para sempre? Em vias de desenvolvimento? Podemos aspirar a ser um país desenvolvido? É a questão que nos colocamos, na certeza de nunca desistir em tão curta etapa! É assim que vejo a competição de abertura, com a corrida dos 100 metros.
O salto em comprimento acompanha-nos pela vida fora e mais não é do que um método alternativo para cobrir a distância que nos separa do objectivo – com a virtude de nos permitir saltar para mais longe, se queremos evitar um obstáculo, ou mais perto, se o objectivo é abraçar não um obstáculo mas uma qualquer fonte do nosso prazer interior.
O lançamento de peso é constante nas nossas vidas e mais não é do que o equilíbrio em que nos pesamos e nos sentimos bem – num mundo perfeito, sem pretensos magros ou gordos, em que gerimos o nosso peso no grau de satisfação interior que ele nos dá – num menosprezo total pelo que os outros pensam! Só tu interessas; porque no fim não há céu que nos acolha ou inferno que nos mantenha quentinhos!
O salto em altura é o crescimento – a constante que nos acompanha até ao final da vida, pois o conhecimento foi feito para crescer incessantemente. Como um alpinista, que escala cada nova montanha com uma atenção redobrada, nunca confiando na solidez providenciada pela natureza e sempre atento a toda a pequena indicação de gelo – num misto de deslumbramento e satisfação, de cada vez que sobe um socalco!
Os 400 metros que encerram o primeiro dia são o primeiro ensaio no percorrer de longas distâncias – após os 100 metros, quem não se diverte com uma volta completa ao estádio? A transição do final da adolescência para a vida adulta, passos de afirmação com muita confiança, planos elaborados com maior morosidade e atenção ao detalhe, os tempos em que és um pouco burguês até…
Os 110 metros barreiras, que abrem o segundo dia, são a representação de todos os obstáculos, alguns inertes incluídos, com que nos vamos deparar: alguns iremos superar, tropeçar noutros e, muito provavelmente, hesitar demasiado nos terceiros. Uma explicação sobre como superar obstáculos voando acima deles!
O lançamento do disco é toda a música que nos embala neste processo denominado vida. De diapasão na mão, numa procura constante pelo acorde perfeito. O aceitar sugestões de novos sons, enquanto mostras o que achas ser o valor do que ouves. As pessoas que nos davam acesso a uma cave, os amigos que aí colocavam música, a recordação de todos os copos cravados – com a dor da lembrança de todos os que tiveste que pagar. Uma melodia como símbolo de um porto seguro!
O salto com vara mais não é do que a superação com a ajuda certa. O acessório como elemento fundamental para a superação – numa simbiose tão perfeita que alguns homens jamais a conseguem superar (correndo o risco, segundo a sabedoria popular, de ficar cegos) e algumas mulheres são suspeitas, dado o exagerado consumo de energia eléctrica.
O lançamento do dardo são todas as paixões que tivemos, as reais, aquelas em que somos obrigados a “deter” o nosso coração e a interrogá-lo quanto às arritmias cardíacas de que passa a padecer. A submissão ao Cupido que, invariavelmente, nos apanha distraídos, na curva.
Os 1500 metros são o puro gozo com que desfrutamos da vida, o sentido de longo versus o que já conquistamos – em termos de “armas” para estarmos sempre acompanhados de um sorriso que, não sendo idiota, parece – mas esse é apenas o meu ponto de vista…
Por entre uma corrida, “contra” o caótico trânsito Ateniense – agravado pelo facto de ser sexta-feira e uma maioria se deslocar até a uma qualquer ilha ou local de nascimento – eis o vosso humilde narrador a chegar atrasado ao início do desafio. Sim, havíamos sido desafiados e, como povo conquistador que somos, fomos, vimos e conquistamos! Não uma repetição da reconquista errónea de outrora, mas tão só e apenas uma celebração que temos como habitual, no nosso calendário desportivo.
Ouvir os comentadores desportivos a usar “massacre”, “banho de bola”, “domínio avassalador”, “uma ocasião de golo em 90 minutos”, “não foi o habitual porque o Futebol Clube do Porto não deixou” deixou-me com a habitual lágrima de emoção Portista. Belisquei-me, era mesmo na SIC.
Coisas que brotam nos primeiros anos (apesar de viver em frente ao estádio de umas designadas Panteras), as recordações de uma coleção de caixas de fósforos com Campeões Nacionais como o Gabriel, Fonseca, Freitas, Murça, Rodolfo, António Oliveira…a praça Velasquez cheia de carros abandonados (a prioridade era o jogo), a varanda de onde se via a arquibancada, o sair de casa a implicar pegar em carros – num esforço bem coordenado sob a voz de “1, 2, para o lado). Subir ao primeiro andar do 147 implicava um refúgio sempre seguro! Ponto de encontro obrigatório, seguido do fino no café Velasquez e a partida para o estádio – tudo é mágico, quando se fala de recordações de infância. Vi o Futebol Clube do Porto vencer, debaixo de todos os climas imagináveis, com vários cenários de lágrimas de alegria a tomarem a dianteira, vivi algumas amarguras – em que questionamos a nossa existência face a um empate ou, livre-nos o Papa Jorge Nuno, uma derrota. Cresci numa família Portista, ao vivo vi-os ganhar em três ocasiões, várias vezes questionei o cardiologista quanto à cor do sangue que em mim pulsava.
Entrei em casa, com o jogo a decorrer, e constatei que já fechávamos muito bem (sou apologista do fazer crescer uma equipa da defesa para o ataque). Instalei-me no sofá e assisti a um massacre em que só faltou a bolinha encarnada, no canto superior direito do ecrã! É verdade que extravasei a minha alegria, numa Atenas que deve ter-me julgado como terrorista que merecia ser escutado (não fosse eu começar a gritar por deuses, aos quais normalmente se segue uma explosão – são um povo atento). Ninguém deve ter percebido os gritos, o vocabulário profundo, as lágrimas de alegria que faziam ruído…
Sentado no autocarro, com uma morena voluptuosa e linda sentada ao meu lado. A vontade de deixar descair o corpo, para sentir o dela, a tornar-se em algo sem sentido, quando ela deixa descair o corpo dela sobre o meu. Na imaginação dos transportes públicos tudo é possível e, cada vez mais imbuído desse espírito, sinto que os olhares trocados, ao longo das últimas semanas, dão agora o esperado fruto.
Quanto mais afasto o corpo para a janela mais sinto a pulsação do corpo dela, como um oposto que se atrai, ou uma alma inteligente que sabe tirar partido da inércia inerente a qualquer transporte público em movimento? A Grécia contém questões filosóficas profundas, não ao alcance do comum mortal. Planos maquiavelicamente amorosos são escrevinhados mentalmente, sem que os meios de defesa do estado sejam suficientes para os deter! Bem haja!
O tique nervoso do cabelo – bolas, ela fica ainda mais bonita quando o faz, a maneira como oscila a perna cruzada, que inevitavelmente embate em mim, a troca de contactos – agora que dialogamos e já nos conhecemos! Bom fim de semana e boa Páscoa!
Soltas – como se a liberdade só pudesse ser explicada por elas, sinónimas – numa deliciosa harmonia de significados tão iguais, antónimas – numa bela dança de opostos, maiúsculas – armadas de uma maturidade típica dos começos, minúsculas – como que pequenos anões que são fundamentais para a tela final, acentuadas – a típica nobreza, cedilhadas – a recordação de outrora, em que a cedilha parecia algo tão esquisito quanto os caracteres chineses.
Rodeadas pela pontuação – num exercício tão vezes falhado, com os pontos que impõem um final, vírgulas que implicam uma pausa e a imaginação constante como agregador de um processo que a ciência não explica. Façamos um parágrafo! Ou um ponto final e continuamos com o mesmo assunto? Talvez apenas uma longa vírgula, que nos permita saltar para o próximo parágrafo e dissertar sobre algo diferente, como o relato de um pouco do que é o quotidiano grego? Vamos nisso!
Se chegaste até aqui mais vale continuares até ao final. Imagina um pequeno troço, para o qual ninguém estava preparado, em que nos é dada a oportunidade de lermos algo que nunca tínhamos lido: o suor da antecipação, a taquicardia por cada letra abraçada, numa palavra que encaixa bem, vá, num enorme puzzle que, quando completo, até sugere uma exclamação! E sim, procuro sempre a exclamação, como forma de bem estar comigo próprio (a cena narcisista 😂).
É algo muito recompensador! Olhar para uma conjugação de esforços de palavras, colocado aleatoriamente num processador de texto muito simples, olhando em volta e constatando que…cheguei! Estou na minha paragem!
A sexta-feira, por falta de planeamento ou insónias (selecionar o que preferir), fugiu a uma rotina que existe – porque foi outrora delineada – mas que jamais teve existência prática. Há vários alarmes: 7, 7:30, 8, 8:15, com diferentes títulos: água quente, mexe-te, põe-te a andar, last call motherfucker – para um verdadeiro grito que me empurre para os transportes públicos.
Cheguei cedo demais ao autocarro e, daqui até Fix, viajei sozinho, no canto esquerdo do autocarro (em cima do motor, o assento mais quente do autocarro – não só pela minha presença…). Após Fix fiquei com um mastodonte do lado direito e o autocarro cheio. Arrancamos, não se esqueçam que a porta é o local de eleição para o utente grego, independentemente da paragem em que vão sair (obviamente um “case study” que a comunidade cientifica deveria investigar), e uma senhora, entre outros, resolveu validar o bilhete. Encostou o papel plastificado na máquina de validação e ouviu-se um som semelhante a um traque. Olhou para os que a rodeavam e eu sorria, porque ainda recordava o som engraçado da máquina ao não aceitar o bilhete. Passado uns minutos, testou novamente o bilhete e um novo traque surgiu (as probabilidades de aparecer um fiscal são baixas, mas acontece). A viagem prosseguiu tranquilamente até ao destino.
Há uma caminhada, de cerca de dez minutos, que separam a paragem de autocarro e a empresa. Um exercício físico diário a que me obrigo, saindo na paragem “antiga” quando existem paragens mais próximas.
O supermercado fica no meu caminho e, pedido o café no balcão do lado direito da entrada, sigo para o croissant quente, que fica já dentro do supermercado mas pode ser pago na caixa da cafeteria.
Foi ao voltar, com o croissant e aguardando o café pronto, que reparei que ela estava agora no primeiro lugar da caixa (a opção era ser segundo). Olhei-a, ela olhou-me e eu tomei a segunda posição como o meu novo lugar na fila. Abanava um saco plástico transparente que deixava ver o vapor de um croissant que almejava ser trincado.
Ela olhou-me novamente, do contacto visual aos olhos dela a percorrerem o meu corpo e, ao nível da anca, a pararem. Assim que me apercebi dos olhos esfomeados dela, tomei a única decisão sensata que qualquer homem na minha posição tomaria: escondi o croissant atrás de mim. Sorrimos, com os olhos ainda colados, e não ouvimos a senhora do café a perguntar o que queríamos. Fui indigno da minha educação “nos melhores colégios suíços” e respondi “freddo expresso sketo” e, apercebendo-me da minha indelicadeza, expliquei por gestos que ela era , de facto, a primeira da fila. Ela agradeceu-me com um olhar perdoador, eu anui a que ela fosse buscar croissants sem perder o lugar na fila.
Despedimo-nos, de uma forma pouco convencional para quem acaba de se conhecer, com o encontro marcado para um outro pequeno-almoço no futuro.
Deambulava pela rua, com o queixo demasiado levantado e os olhos num constante varrimento do que o rodeava, alheado na sua rotina de tudo ver – detendo-se, se a necessidade de ver melhor o detivesse – ou armado em hiker profissional, caso a vista já estivesse em memória – admitindo algumas paragens, para a actualição e substituição do backup anterior.
O calçado era limitado a três pares de sapatilhas – mesma marca, mesmo modelo, cores diferentes e um par de botas – mais cobertos de pó de falta de uso do que propriamente as solas gastas, de tanto uso. As meias eram todas pretas, num último suspiro anarquista, e as “coquilhas”, um objecto privado só ao alcance da urologista e de algumas, agora ilustres, beldades femininas não podem aqui ser expostos, sob pena de um atentado ao pudor cibernético (desconfio que não haveria “largura de banda 😂😂😂)!
O corpo, objecto de um estudo científico que decorre desde o dia da chegada, ganha uma dimensão que desperta a obrigatoriedade mental de andar, muito, galgar, ser “cavalar” na conquista de quilómetros, debaixo das solas. Com o espírito de um comandante de avião só quer acumular quilómetros de voo, tal a visualização mental que faz no aquecimento. Sorri, enquanto uma laranja cai sobre um tejadilho “mole” e o som sai com um tom cómico.
Perguntam-lhe como é que consegue viver despreocupado assim e ele, sem que a pergunta acabe, já está a responder “como é que consegues viver preocupada assim?!” Sorriram e observaram o espaço que os rodeava e, terminado o exercício, foram juntos em direção ao pôr-do-sol, que distava uns quilómetros valentes do local onde se encontravam.
Nunca acreditei no sobrenatural mas, depois de ter visto a beldade grega a subir para o autocarro, confesso que há algo endeusado nela. Enquanto aguardamos para virar para Sigrou, consigo um olhar de soslaio, por cima do oligofrénico que se sentou à minha esquerda.
É alta, calça um número grande (provavelmente para suster toda aquela beleza), tem um sorriso discreto que, muito provavelmente, até um cego faz sorrir. O inevitável cabelo encaracolado, uns olhos profundos, de um azul capaz de se confundir (novatos talvez) com a mais bela imagem do mar Mediterrâneo! O ruivo despenteado, enrolada num casaco perfeito para o dia de hoje – de um verde de esperança que reforça toda a convicção na raça humana!
Esperança!, grita a voz humorística da tua mente. Respondes com um “enquanto há vida!”, e sorris – perante o olhar alucinado do gajo que está ao teu lado! Apetece-te cochichar ao ouvido do gajo e, com um tom de Charles Manson, dizeres “You picked the wrong day to seat by my side!”, assim, enigmático mas com um desejo profundo que a paragem dele chegue!
Ela, entretanto, sorve mais um pouco do freddo expresso e o sorriso natural dela parece derreter o gelo do café – tornando-o ainda mais saboroso. A segurança envergonhada da beleza que possui é directamente proporcional à beleza que efectivamente magnetiza quem a pode apreciar! Se fosse de gesso certamente estaria num museu mas, tratando-se de um ser humano, está apenas sorridente, divertida e a pensar em toda a beleza que uma sexta-feira pode conter!
Ela já se apercebeu que as travagens do autocarro são por mim aproveitadas e, tirando partido do embalo, aproveito para arriscar o torcicolo, olhando para a esquerda! Curioso como, visto por quem não conhece o contexto, a cena pode ser hilariante: autocarro trava, a inércia actua e olhamos um para o outro.
Ouve-se muito, em Portugal, a expressão “isto é que me revolta” e, tendo em conta o acidente ocorrido, só me resta concordar! Revolta ver um dos países mais lindos da Europa, quiçá do mundo, devorado por canibais financeiros, cuja única consideração é o dinheiro. Em 2015, as principais estruturas gregas foram desbaratadas em função do que a Alemanha oferecia. O Porto de Piraeus, um colosso que se estende por quilómetros, foi um desses casos. A ferrovia, sempre a dar prejuízo, foi entregue às Rodovias do estado italiano (desconheço em que termos).
Todos os dias acordava cedo, apanhava boleia e ia trabalhar. Simples, barato (o passe mensal custa 27 euros) e eficaz (duas horas diárias a comutar). Hoje cheguei a casa às 21 horas (saí de casa às 8) 5 horas a comutar! Não me arrependo, pois sei que nunca mais entrarei num comboio grego (a viagem Atenas-Thessaloniki era algo que vinha planeando e que só não aconteceu neste fim de semana por um acaso, um feliz acaso).
Enquanto utilizador do suburbano, não era raro termos que parar para que o “rápido”, que liga Atenas a Thessaloniki, passasse. O meu plano era apanhar o primeiro comboio da manhã, já de merenda pronta, para curtir as 6 horas de viagem a fazer algo que adoro – apreciar a paisagem (sim, há tolinhos assim)!
A confiança foi abalada, pela primeira vez, quando o comboio que eu aguardava, em Doukissis Plakentias, chegou do lado errado – maquinista aos berros para que embarcássemos rapidamente. O abalo seguinte foi algo que fui notando: de cada vez que demorávamos mais um bocadinho, parados numa qualquer estação, era possível ouvir o maquinista, a falar, no sentido de obter autorização para prosseguir (sempre tomei a informação que me era dada como uma piada…que, afinal, não o era).
Aborrecem-me estas nódoas que, de alguma forma, afectam a tela mental que tinha idealizado…
Há uma parafernália de sons, radicalmente opostos mas complementares na beleza sonora que irradiam, capazes de exercitar em nós um conjunto de novas sensações.
Tem sido, quase sempre, bastante recompensador recordar: o azeiteiro, de carro rebaixado e vidros escuros, é quem normalmente fecha a noite. Numa espécie de exibicionismo de mau gosto (devia ser punível), que vai da vestimenta até ao modo como tenta atrair a atenção de uma vizinhança mais focada na intimidade familiar. Do escape de rendimento a uma seleção musical que quase faz regurgitar.
Antes de caíres no sono nocturno, e quando já estás afectado por ele, ainda consegues ouvir uma ou outra laranja que, caindo da laranjeira, faz um som bastante engraçado ao embater no metal dos carros estacionados. Mais engraçado se torna quando a laranja salta, após o embate, num equivalente sonoro ao conseguir fazer uma pedra chapinhar inúmeras vezes.
O adormecer profundo está normalmente associado ao som das tampas dos contadores de água – são tampas metálicas, de aproximadamente 50x50cm, que estão no passeio público, frente ao prédio a que dizem respeito. Entendam as diferenças: nós temos contadores de água e luz dentro do prédio e, na Grécia, as tampas da água é onde está o contador do consumo, os contadores da luz estão na sub-cave, onde também está o enorme radiador a óleo que aquece as partes comuns do edifício. A sub-cave é um local digno de um filme do Stephen King: teias de aranha, uma corrente de ar inexplicável, escuro – mesmo com as luzes acesas, arrepiante – no sentido em que os pêlos em pé só perdem a potência quando se voltam a sentir confortáveis e longe dali.
O despertar varia, consoante os artistas disponíveis: pode ser a repetição da laranja, o azeiteiro que se atrasou no regresso a casa ou, o meu preferido, quando começam os diálogos junto da padaria em frente ao prédio (é sinal que já abriu e, abrindo as janelas, consigo “roubar” algum do cheiro a pão quente. Livrei-me da aprendiz de flautista (de quem até os ratos fugiam, numa espécie de “Hamelín”, ao contrário!), ouço agora ópera – de um vizinho velhinho que gosta de exibir o seu bom gosto musical, por vezes o vizinho do acordeão aparece. Anteriormente era o reunir dos pássaros que te despertava – reuniam-se todos no prédio em frente ao meu e, assim que o sol nascia, partiam para os seus diferentes destinos. Poucos minutos depois eram substituídos pelos papagaios dos jardins nacionais que, amantes de desportos radicais, voavam por entre as árvores.
O agir como um turista, no caminho que separa a casa do trabalho, tem as suas virtudes e defeitos – o virtuosismo fica contigo: acordas, atrasas-te, apanhas o interregional ou o autocarro, vais documentando o caminho – sem que haja um compromisso para algum dia reunir tudo, sabes a magia do que saber guardar – em termos de imagens – e o que desprezar, em termos de espaço disponível na cloud.
A secretaria é agora mais pequena mas, atrás de ti, está o departamento de informática, pelo que, qualquer pequeno distúrbio binário é rapidamente ultrapassado. Há uma clarabóia acima de ti – que te seduz pela luz natural que deixa entrar, ou faz chorar – quando reflectida no monitor. A cozinha está perto, pelo que és obrigado a superar o babar – quando o olfacto detecta o pão torrado, no ponto perfeito, entre o torrado e o perigo de causar um incêndio.
A fonte de água está a escassos passos de ti, o que te obriga a uma penitência – entre Sex Pistols, PIL, Joy Division, na tentativa de abafar o som da catarata de água, evitando despertar em ti o desejo de visitar o WC. Em frente tenho uma enciclopédia humana, ao lado uma colega permanentemente a sorrir. Não questiono nada nem ninguém – apenas usufruo das imagens das pessoas, no constante burburinho que um escritório com 3000 pessoas produz.
O cozinheiro de serviço foi um dos concorrentes do Master Chef local e, pelo que me tem sido dado a provar, não percebo como não ganhou! Tivemos um churrasco, num momento de comunhão de toda a empresa, e poder-se-ia pensar que a qualidade decresceria – dada a dimensão do evento – mas eu ousaria dizer que, mais uma vez, ele superou as expectativas! Tropeças na grande líder, cumprimentas o grande líder, estás na fila para usufruir de um pequeno lanche grego, conforme designação humorística local. Estava divino! Percebes igualmente que é hora de ponta no WC (não desse tipo de ponta mas agrada-me o teu raciocínio 😉).
O dia de trabalho chega ao fim com um alento adicional – ainda é de dia e podemos observar, bem ao fundo, o sol a cobrir o Peloponeso e a dirigir-se para o outro lado do planeta. Uma passada vigorosa, por entre conversas escutadas em grego, e estás no caminho de volta, por entre umas centenas – que te acompanham, neste regresso de final do dia.
O frio está a acabar, os dias a crescer, a vontade de planear ao rubro, fim de semana prolongado a chegar.
Começa cedo, por volta das 6 da manhã, num misto de palpação e preguiça – palpação do estómago e a natural preguiça de quem não tem grande força. A falta de força teve origem numa intoxicação alimentar, após o que eu pensava ser um delicioso bife de vaca (na altura soube muito bem), seguido de um tsunami de emoções, em que o vosso humilde narrador se viu confinado ao quarto de hotel (daqueles de 20 euros por noite, tão típico de quem procura casa e está “entre tectos”).
A palpação advém do facto de todos nós conhecermos o nosso corpo suficientemente bem para sabermos onde tocar, antes de tentar emborcar algo. Obviamente é um conhecimento fútil, descobri eu, por entre coloridos arco-íris de bílis (a agonia de padecer de uma enfermidade que, para além do desconforto corporal, ainda proporciona cores tão pouco bem sucedidas) – aquele aparte desportivo fundamental para aborrecer o lagarto mais paciente.😬
Com a preciosa colaboração de uma funcionária do café, consegui ingerir um latte e duas torradas (branquinhas), com um muito ligeiro toque de manteiga. Uma hora de check-up continuo, muito perto do “trono”, e eis o vosso humilde narrador pronto para a aventura diária que é viver neste maravilhoso país. Investido de um novo vigor, percorre a distância entre o hotel e Monastiraki, sem ressentimentos, relembrando os locais por onde passa e a associação dos amigos que recordo ter recebido em Atenas.
Monastiraki recebe-me com um misto de sonoros batuques, o ruído das mangueiras – que limpam as provas de vida da noite anterior, o cheiro a eucalipto e alguns zombies que ainda procuram a direção certa. Já que chegamos aqui, e porque o Atlantikus ainda está fechado, arrisco caminhar até Thissio (como ir de São Bento até à baixa do Porto, sem a inclinação da rua da fábrica!) Constato que estou bem, sinto-me bem e quero um café! Erro crasso ou um risco necessário? Foi uma prova dos nove, antes de atravessar a cidade! Passei…
Metro de Thissio para Kallithea e há que trabalhar: sexta-feira foi feriado (cenas fictícias ortodoxas) e não consegui mais do que contactar alguns apartamentos para alugar (o processo de alugar uma casa é algo absolutamente surreal – também o foi na República da Irlanda (Eire) e já sabia ao que vinha – tirar fotografias de potenciais alugueres e retomar o contacto na segunda-feira). Antes da parte aborrecida, resolvi antecipar a parte divertida – aferir a minha acuidade visual e comprar uma armação para suster as lentes. Descubro uma optometrista grega, de inglês duvidável, cujo marido complementa o inglês não entendido com o italiano de nascença. Por entre inglês, italiano e grego eis que atingimos a graduação necessária e, como sou alguém que “ama fazer compras”, demoro 5 minutos a escolher a armação. Estão prontos na terça-feira pelo que, agora, só tenho que evitar sentar-me em cima deles (com um corpo tão esbelto 😂, ainda hoje duvido que tenha sido o meu peso a parti-los 🙄 😉 🤥).
Parto, na procura de anúncios para fotografar (na Grécia, os alugueres são anunciados nas portas dos prédios, usando para o efeito uns autocolantes amarelos – de tamanho único – impossíveis de não serem notados) e, após fotografar um deles – e tentar o contacto telefónico, perguntei ao senhor da loja ao lado se ele poderia traduzir. Não só o fez (era um espaço comercial) como também me disse: tire uma fotografia dessa placa (que, para mim, não passava de uma placa com caracteres gregos) porque esse senhor é de uma imobiliária, que fica aqui em cima. Tirei a fotografia, liguei e lá me apareceu o homem, na sua Suzuki 125 (até hoje confiei em poucas pessoas para andar de moto – o António Pedro que me ensinou, o Chico, que me levou do liceu a casa e de volta ao liceu, em tempo recorde, e o meu irmão que, como andava a estudar ortopedia, era de confiança 😂). Montamos, vi motos de frente, andamos em sentido contrário, fizemos mudanças de sentido pela passadeira que serve de separador central, chegamos!
É um rés do chão, que aqui são alteados porque há sub-caves, tem o quarto desejado, uma sala, WC e cozinha. Está sujo (tirando Airbnb é a norma) pelo que vai requerer um esforço adicional. Voltamos ao escritório, por entre carros, passeios, pessoas e, após uma troca monetária, recebo as chaves. A alegria é tal que corri para o hotel (de metro), peguei nas cenas todas e trouxe para aqui – estava ávido por poder responder “estou em casa”! A primeira limpeza está feita, o quarto está como novo, a casa tem agora um cheiro agradável. As aventuras posteriores nada mais são do que a intimidade da casa.
Há dias em que tudo, absolutamente tudo, corre bem – 7/1/2023
Não é um prato tradicional grego e, caso optes por encomendar um bife de vaca e estejas acompanhado de um cidadão grego, ele (ou ela) dir-te-ão quão perigoso é. Tratando-se de algo invulgar – na Grécia come-se, sobretudo, carne de porco e frango. A vitela também faz parte da ementa mas, porque menos consumida, também é um prato de risco – excepção feita às tavernas, onde a comida é fresca e raramente é de risco.
Segundo dia de cama, com uma intoxicação alimentar brutal, que me fez passar a noite a expelir líquidos pelos vários canais possíveis. Obviamente só há um culpado – eu. Assumo a fraqueza que me acudiu, sabendo os riscos que corria, sobretudo porque já passei pelo mesmo em casa – chegar, num dia de verão com luz do dia até às 22, grelhar um bife e, imediatamente, ficar de cama!
Não foi gula, não foi extravagância (um bife de vaca tem um preço que começa nos 12-15 euros e que, dependendo da denominação do local onde se consome, pode encarecer bastante) – um ex-café, redenominado gastro bar (ou qualquer outra denominação azeiteira) consegue inflacionar o produto, sem que a qualidade acompanhe! Pagas o “conceito”, chegas a casa, vomitas o conceito, obras o conceito, expeles o conceito – até o estómago começar a dar mostras de conseguir suster.
Ligas para o amigo de sempre que, inevitavelmente, te recorda o número de vezes em que o prato inicialmente escolhido, acabou por não ser o da encomenda final. Recordas episódios passados – em que a luz faltava em Atenas, durante o horário laboral, e tu chegavas a casa e, sem demora, esvaziavas o congelador, tudo directamente para o lixo!
Agora, que as partes baixas do aparelho digestivo começam a conseguir suster, esboças um sorriso – numa cara pálida que caminha para a normalidade.
Agora, que já ultrapassaste os 10% de ilhas habitadas – Aegina, Kea, Hydra, Zakynthos (Zante), Rhodes, Santorini, Amorgos, Naxos, Milos, Lefkada, Kefalonia, Skorpios, Ithaca, Meganisi, Madouri, Evia (Euboea) – começas a planear as visitas de 2023! Será num“trilho” repetido – mas com mais detalhe para dispensar.
Paros e Koufonissia? Certamente! Há aquela necessidade de – como se de um daltónico se tratasse – ver cores diferentes, num caminho marítimo que termina em Amorgos! O processo de acostumar os olhinhos ao deslumbramento é moroso e convém que seja gradual, para bem dos músculos do queixo que, habituado a ceder ao espanto com um deslocamento vertical, pode gradualmente fortalecer-se para as aventuras que se avizinham!
A parte do orgulhoso observador:
Falemos dos transportes públicos na Grécia! Leiam atentamente porque eu, como dizia o outro, não duro sempre!
O lugar mais cobiçado, nos transportes públicos gregos, é junto à porta! Não me perguntem porquê, confunde-me tanto como a vocês. Um exemplo? Entras no metro, autocarro ou comboio e, caso não estejas atento, o cidadão da frente trava e tu bates directamente nele/a (isto são lições que proveem da Grécia antiga e são transmitidas de geração em geração!!!!). O ser humano entrou no transporte público, viu uma oportunidade de viajar como VIP, e não hesitou em travar a fundo para o conquistar! Ainda bem que nos aviões vamos todos sentados…😬
Novo ano, novo IKA? Vê-se logo que não me conheces… – 1/1/2023
O humilde narrador a descer ao mais profundo de Atenas.
Não tinha nada para ser especial ou diferente de uma normal ligação do ponto A ao ponto B. É verdade que levantamos voo com cerca de trinta minutos de atraso, o que nos concedeu tempo suficiente para nos conhecermos. Marialena, Henrique…how are you? e o questionário habitual de sondagem de opinião.
Nem o facto de já só haver menu vegetariano afastou o vosso humilde narrador da conversa. Moramos em cidades separadas, temos gostos muito semelhantes e a linha de pensamento muito alinhada, numa espécie de acorde perfeito que enfeitiça ambos os envolvidos. De mão dada, por causa da turbulência e não com qualquer conotação amorosa (pelo menos admitida pelos envolvidos), decidimos ser amigos e, sem que qualquer troca de contactos tenha ocorrido, despedimo-nos com um “até um dia destes”, tendo ela acrescentado: estou certa que acontecerá!
Curioso como uma novidade pode começar com um “this shithole?” mútuo. Agora vou ter que ir a Thessaloniki, numa aposta cega num encontro inesperado. Haja loucura e tempo para nos divertirmos com ela. Cheers!
Há folhas caídas e assam-se castanhas na rua (algo muito cómico, quando comparado com o método português do fogareiro), estão 22 graus e há corajosos na praia (com potencial para criar um bom ajuntamento de carros, no retorno à capital).
As tabernas estão cheias e o cheiro a vitela estufada com ervilhas consegue embriagar o teu palato estomacal, os degraus estão secos e bem seguros, pelo que os chinelos foram uma boa opção, no que a locomoção diz respeito. Olham-te porque estás com a habitual indumentária, cumprimentam-te porque te reconhecem nessa mesma indumentária.
Cumpres os teus rituais sociais e sobes a rua, acompanhado do teu Freddo e dos biscoitos do Veneti. Observas tudo o que te rodeia, como método de estimular a mente enquanto mecanicamente regressas a casa. Vês as diferenças nos prédios da vizinhança, cumprimentas as velhinhas na janela ou varanda, ouves a música de uma flauta, ao longe – questionas-te se vais obedecer à flauta, numa fábula rápida que te cruza o raciocínio.
Cedeste, quando passaste por outra taberna, e agora aqui estamos – a dizer bem do saganaki, das batatas fritas, da vitela estufada…por vezes é bom ceder emocionalmente! É o mais racional a fazer…
Foi uma promessa secreta, ou com o pretensiosismo de o ser. Uma jura solitária, profunda, com o valor de honra, caso pretendam obter uma escala de valores. Um pacto de tal maneira sólido que não haviam ainda inventado um antídoto para a sua solidez.
Assim que o combinado e acordado foi colocado em prática eis que os resultados imediatamente começaram a surgir – como se o escondido pudesse ser mais forte por simplesmente ignorar a nossa presença ou, melhor ainda, tendo a certeza da nossa ausência.
Há a certeza de uma melhor saúde, menor emoção mas muito mais serenidade, no global, daquilo que é a vida em sociedade. É verdade que nunca deixo de espreitar o desenvolvimento, sempre após o acontecimento mais próximo, mas com um carácter meramente informativo, onde quase diria: não existe emoção.
Os dias passam, acontecimentos são superados com enorme elevação e distinção, acabas por ser informado sem que tenhas feito um esforço para isso. Sentes um enorme orgulho interior, que guardas para ti – num exercício de inveja. Aplaudes, enquanto sozinho e sem testemunhas, e continuas a cumprir.
Assim são os dias de jogo do Futebol Clube do Porto…💙
Cachecol da final da Taça UEFA * 21 de Maio de 2003 * (Futebol Clube do Porto 3 – Celtic Glasgow 2)
As sextas-feiras possuem, no seu núcleo, uma aura de boa disposição que se alarga ou retrai, conforme o dia decorre. Em Atenas, tal significa que tanto podes acordar com um dos milhares de sinos de igrejas que te rodeiam ou continuar o teu sono, até que algum pássaro – obviamente aterrado junto à tua janela – comece a canção que definirá a sua tarde.
Saída de casa, a vizinha passeia o cão, a passagem obrigatória pelo contentor do lixo. Um barulho estranho, uma velhinha que me estica a mão, enquanto me deseja bom dia. Pergunto, em grego, se fala inglês, uma vez que o meu grego é limitado (estou na fase do “só sei que nada sei”). Para minha surpresa (e agora também para espanto dos 7,753 biliões de subscritores deste blogue) a conversa continuou em inglês! E o inglês da senhora é brilhante!
É a senhora que alimenta os rafeiros da vizinhança. Atenas tem cerca de 4 milhões de cães e gatos de rua e, quando o governo propôs um programa de esterilização, todos os veterinários do país entraram em greve. Imagine-se um grego sem acesso ao veterinário! Há tantos animais domésticos quanto população logo, basta imaginar.
Enquanto a senhora conversava sobre os gatos, cumprimentou a vizinha com o cão e eu também, continuei a ouvir a explicação sobre o método utilizado para alimentar a gataria toda da vizinhança. Havia o sentimento de estar a ser flanqueado e, rodando a cabeça, apercebo-me que estou rodeado de uns 20 gatos (ninjas, que nem um ruído fizeram com aquelas pantufas calçadas). Ela sorri, perante o meu espanto, e exclama, com orgulho grego “São os meus meninos, eles reconhecem-me”. Ambos sorrimos, enquanto os ninjas começam a miar “despachem lá a conversa que nós estamos com fome”!
Despedimo-nos, com o sentimento que nos voltaremos a encontrar. Entretanto, no cimo das escadas, está a equipa de jardinagem que cumprimento – da última vez tive que ouvir 15 minutos com o homem a explicar-me que o 15 de Agosto era dia da Madonna…e eu, inculto, nem sabia que uma estrela pop dava direito a feriado…
Primeiro apelidei-a de primata emocional mas, com o passar do tempo, apercebi-me que havia uma só vontade, em termos emocionais, que era precisamente nunca evoluir! Uma opção voluntária ou induzida, num ambiente em que o rebanho é a forma comum de sociabilização. Como se de um filme se tratasse: de ficção científica, em que o sentimento é reprimido e ilegal.
O lado cientista tentava decifrar a fórmula científica que poderia levar a que algo se afastasse, voluntariamente, do Nirvana emocional – mas a comunidade científica mundial não acreditava que existisse prova de que alguém conseguisse, voluntariamente, repelir sentimentos e, como tal, o objecto de pesquisa caiu no esquecimento.
Testemunhas anónimas deixavam o seu testemunho, de momentos de pleno sentimento e as diferentes formas de expressão que haviam assumido para cada uma delas. Era como um livro, básico e de escola primária, em que o público tentava que o primata aprendesse, mas os ensinamentos da república das bananas prevaleciam sempre. A comunidade científica internacional tentava agora um derradeiro plano: a criação de uma rotina, na mente do primata, de maneira a que as emoções fossem estimuladas diariamente. Teletrabalho, obviamente! A uma distância segura e sem contacto! Tal era a esperança depositada no projecto!!!
Em Evia, de pés ao alto sobre o varão da varanda, de olhar perdido na beleza do horizonte. Vinte e nove horas e meia a guiar, de queixo caído na maioria dos trajectos, de corpo salgado na totalidade das paragens – tão belas e recompensadoras as previstas e as imprevistas.
Vi inúmeros tons diferentes de água, conforme a luz nela incide, abrandei a velocidade para deixar passar ursos (quando, na vida real, devemos sempre acelerar, bem sei), ajudei um cágado a atravessar a estrada, andei misturado com o povo numa típica excursão à praia.
Saltei do topo de um barco para o “azul profundo”, com os seus vinte e sete graus de temperatura e tão transparente quanto a água da piscina. Arrisquei ficar sem gasolina, encontrei desconhecidos que já não o são. Conheci o sempre imprevisível carácter Grego, almocei com os donos de uma taverna.
Nadei como se fosse um puto e talvez tenha sido esse puto o que fez tudo isto – com um sorriso aberto, lágrimas de satisfação e alegria, um coração que parece expandir, após o inspirar obrigatório de quem suspira enquanto escreve o que se passou com uma vontade enorme de voltar a repetir, com mais tempo em cada etapa.
Sentado numa taverna, onde acidentalmente vim parar no primeiro dia, vou relembrando o que já passou.
O primeiro passeio exploratório, sempre feito sem mapa para propositadamente me perder, terminou aqui. Seriam umas 18 horas e, após virar à esquerda (contra a indicação do GPS que indicava o caminho em frente como sendo o correcto), parei porque o empregado se atravessou na estrada e exclamou “Look no further, this is the spot!”
Não conhecendo as certezas dos outros, fiz o obséquio de obedecer e, após largar o carro no meio da rua (“está perfeitamente estacionado”, disse o empregado, enquanto me abria a porta para eu sair), dei por mim num ambiente tipicamente Grego: comida, amena cavaqueira e bebida.
Um freddo expresso sem açúcar, uma garrafa de água, e eis o vosso humilde narrador alegremente a observar o que o rodeia, os cheiros que chegam do grelhador, a moussaka que passa, os copos que voltam a ser enchidos – numa coreografia genial cujo único propósito é a boa disposição!
Esta ilha é muito bonita e uma só visita fica aquém de tudo o que certamente não vi (há muitos lugares acessíveis só por caminhos de cabras, que obrigam ao aluguer de um 4×4), outros que tive a felicidade de encontrar e outros que só um diálogo profundo com os locais permite encontrar (mesmo que interrompam o domingo de Páscoa para levar o turista a locais que são um exclusivo Grego).
O sentimento, antes do regresso a Atenas, é sempre o mesmo: uma felicidade imensa por ter colecionado mais uma ilha ao mesmo tempo que uma estranha angústia nos questiona: porque não ficas? Sim, para sempre!
O coração cheio de felicidade por tudo o que os olhinhos viram, os aromas que o nariz cheirou, o que pudeste tocar, o que pudeste saborear, os inúmeros pássaros que escutaste – mesmo durante o desafio de Páscoa (que consiste no lançamento de petardos, entre as 11 e as 12, de maneira a aferir qual a aldeia que produz mais ruído…),
Há algo de profundamente recompensador em cada uma destas ilhas – talvez o reconhecimento de que há sempre mais para aprender – num exercício de conhecimento que não queremos que termine nunca….pelo simples estímulo de satisfação que produz.
Rodeado de água por todos os lados, num exercício de solidão autoinfligido, abastecido com o mínimo necessário, percorro o caminho dos comuns enquanto, pelo canto do olho, vou procurando um canto tranquilo para ler, junto ao mar, com café gelado e água. “Não tem de ser obrigatoriamente um canto”, dou por mim a pensar, um sítio minimamente agradável onde possa largar a mochila, abrir o livro e, com a paisagem visível pelo canto do olho, desfrutar de toda a atmosfera criada.
Sorrio, ao pensar no porquê do canto do parágrafo anterior, enquanto largo tudo num sítio bem protegido do vento, de frente para o sol e com o Porto visível. Não é o melhor sítio do mundo – não possui nenhuma das comodidades a que estamos habituados e, visto ao longe, poderá haver quem, tal como eu, consiga ver um oásis de paz só superada pela Fortaleza da Solidão que, como todos sabemos, não passa de ficção. Assim, e ciente de que a realidade que tenho é perfeita para a leitura, sento-me, de pés virados para o mar e com as costas almofadadas por uma duna, num conforto de total imersão na natureza, enquanto à tona, posso agora submergir no livro.
A transferência de lugar dá-se quando o vento resolve mostrar toda a sua força e, como uma folha que ondula por entre brisas cruzadas, o humilde narrador está agora a ler numa esplanada, em frente ao Porto, enquanto saboreia uma Heineken (a primeira de 2022). O anfitrião puxa pela conversa e pergunta o que faço ali (há sempre uma pergunta existencialista na calha de curiosidade de cada um de nós mas os Gregos são mais tenazes na forma como questionam). Respondo que busco a paz de uma esplanada, o devaneio de um bom livro e a hidratação de uma cerveja. Ele olha-me, do cabelo aos pés, e exclama “The Greek way” e eu, com um gesto afirmativo com a cabeça, concordei com ele.
Devaneios de uma tarde de total ausência de esforço – 26/3/2022
Uma das primeiras preocupações, de qualquer expatriado que se preze, é a sincronia entre o intestino e o local onde agora se encontram. Em Portugal temos produtos lácteos maravilhosos mas que em nada se assemelham a uma República da Irlanda ou Grécia (são diferentes, não estamos a aferir qualidade).
Num país que deu a democracia ao mundo, nem a prisão de ventre é permitida! Numa dieta improvisada, que normalmente começa numa quinta-feira, eis o vosso humilde narrador a consumir iogurte, com nozes e mel, que nem um esquilo a almoçar com um urso, num planeamento cuidadosamente delineado, de maneira a ter um fim-de-semana de “plenos poderes”, sentado no trono, orgulhosamente obrando tudo o que a semana reuniu até então.
O poder de todo um filme de aventuras, que começa com o primeiro take e só termina após o herói principal desaparecer. Toda uma limpeza interior que supera qualquer meditação, os sons que se assemelham a taças tibetanas que, muito depois de manuseadas, prolongam o seu som até uma última vibração muito ténue. O amontoado de todas as virtudes e insucessos da semana para, com uma purga turbinada, enfrentar a nova semana.
O autoclismo que encerra todo o devaneio merdoso, enquanto o nadegueiro culpa o Gameboy pela baixa temperatura a que se encontra. Porque és um homem de prioridades, terminas o Super Mário em 45 minutos e, após uma cuidadosa limpeza de toda a zona de batalha, exclamas, enquanto gentilmente bates na barriguinha: Ahhhhhh
E sabes que estás pronto para um novo dia…
“Do not touch” must be one of the scariest things to read in Braille.
Não sei se é um acto de autoflagelação ou apenas diferentes manifestações de força: se por um lado a neve destruiu grande parte das árvores fracas da rua, por outro ei-las que brotam com o dobro da força, no mínimo, que eu não sou gajo para ir lá medir…a olho, carecendo de certificação científica, vá…
Onde jaziam tocos do que outrora haviam sido árvores, olhando sem esforço, vemos agora um vigoroso tronco bébé que, claramente, não precisa de cuidados maternos. – Tens um futuro brilhante, trocamos hoje impressões. Infelizmente, talvez fruto da idade, não obtive resposta mas, o que a vista deslumbrava, era prova suficiente!
É não ter dormido, num misto de antecipação e por força de uns eventuais berros, em norueguês, de um hipotético colega de casa, enquanto matava adversários num cenário virtual? É estar tão sedento, que o saciar a sede se sobrepõe ao efeito habitual dos cafés da manhã? Não faço ideia…
A viagem passa como o dia de casamento: muito rápido, mal tens tempo de abraçar todos, já é a hora da despedida…um piscar de olhos e estávamos em Páros e, eu que já conheço o caminho, sei que depois são 45 minutos…que são percorridos com o vosso humilde narrador a esfregar as mãos de contentamento por, finalmente, ir pisar esta terra!
Fui o primeiro a sair do barco (porque tinha um camião encostado à bunda e, com estímulos desses, eu fujo), sem qualquer comparação com o parolo que se levanta assim que o avião aterra, e meti uma primeira velocidade curta, logo seguida de uma segunda e a mudança do aspecto visual exterior de “turista” para “desconhecido que tem um passo decidido pelo que deve conhecer a ilha”. Qual Batman, rindo às gargalhadas por dentro, parei no que me pareceu um local de culto dos locais. Pedi um freddo expresso sem açúcar e contemplei o mar, enquanto um suspiro se soltava de mim…exactamente assim, como se eu observasse um suspiro de satisfação que se afastava de mim.
A menina do café depressa descobre quem sou, já que a amiga é quem trabalha na recepção do hotel onde vou ficar e, fruto dessa feliz coincidência, vêm-me buscar. Sou obrigado a retirar o pé da água quente do mar para conhecer o hotel que é a 100 metros de distância…
Pouso tudo, tomo um duche e saio para me perder – algo fundamental para mim, assim que chego a um local diferente (obviamente não se aplica nas viagens no continente africano, sobretudo no Krüger National Park…como o “outro”!). A praia é interligada a outras praias, de ambos os lados. O sol está a descer e há que capturar o momento – primeiro com a mente e depois com o telemóvel. Perdido vou fotografando o caminho, sem deixar de espreitar o pôr-do-sol que se prepara…
O sol já se pôs, o jantar estava maravilhoso e o iogurte de sobremesa foi o gesto desafiador para um passeio pela beira-mar…
O dicionário dá, como significado de abrasador, “que queima, ou abrasa” e “ardente” – o que, em abono da verdade, fica aquém do que estes dias têm sido! Acho que só me recordo de algo semelhante aquando da visita à África do Sul. Dias escaldantes, lá está, com temperaturas mínimas sempre acima dos trinta graus! Sim, um banho nocturno aqui é bem mais recompensador do que um banho na Baía dos Porcos espinhense, num voltar a recordar os 22 anos e a loucura permanente de então – dividida em partes iguais entre sensatez e insensatez! (Talvez não fossem partes iguais mas há que manter a ficção do blogue e, por vezes, mentir inocentemente)!!!!
Deitar cedo para aproveitar o facto de estarem apenas 30 graus e acordar cedo porque a temperatura já disparou acima dos 30 graus! Duches gelados para esfriar a moleirinha que parece diluir-se, num regresso ao estado de um recém-nascido. Ventoinhas, ar condicionado, água gelada, freddo expresso … Sonho com locais frescos e ocorre-me a ideia de adormecer num hotel de gelo que, perante a temperatura actual, se vai diluindo lentamente, adormecendo-me mais e mais profundamente, num equilíbrio perfeito entre calor e frescura.
Caminhadas madrugadoras, longe de casa, regressos efusivamente festejados com quantidades anormais de água. Sonhos eróticos com a partida para uma ilha quebrados pela lotação esgotada dos barcos, a observação da população de Atenas a sair bem cedo para a praia e a confirmação telefónica de que, às 8 da manhã, já há engarrafamentos para aceder às praias.
Almoços Luso-Gregos a manter o equilíbrio gastronómico, com acesso a saladas tão completas que todo o restante é apenas uma série de cerejas no cimo de um bolo de felicidade. A celebração da amizade, antiga e recente, como tónico para uma vida que tem demasiados sorrisos para o vulgar invejoso. A constatação de que foi a melhor decisão da última década!
Obrigado Grécia por tudo o que de novo me dás, dia após dia! – 27/6/2021
Já em casa da mãe há uma predileção por um degrau – não há nada de especial com ele mas, se aprofundarmos a relação, um degrau pode ser tudo na vida – um assento improvisado, o último ou o primeiro a ser conquistado, um exercício de cardio, um ponto de encontro. Quando aprofundado tudo pode ser o que nós quisermos que seja…
Uma viagem de 4 horas e meia transformou-se numa aventura de 40 horas – a obrigatoriedade de dormir em Istambul porque o Governo Grego obriga a um registo prévio de todos os cidadãos que chegam e eu cingi-me ao teste negativo de Covid….Quando soube só pude sorrir e, ao telefone com um cidadão local, rirmo-nos porque a chegada é feita com o amor grego – só entra se cumprir – e está de tal forma enraizado que os países de partida se recusam a deixar voar, quem quer que seja, sem o Passenger Locator Form!
Nada nervoso mas ansioso por fazer o que neste momento faço – beber uma limonada nos degraus de Plaka! O local de reunião que sempre usamos, o ponto de encontro onde anda sempre um amigo, o meio caminho entre as pitas 🥙 e o prazer de aperitivar, entre o ócio criativo anterior ao jantar e o visualizar o passado com o respeito e intimidade que ele merece. As flores que enchem o quadro visual de cores, os gatos que se passeiam como os verdadeiros donos disto tudo que realmente são.
A Grécia não é igual a nenhum país por onde eu tenha passado – há um orgulho imenso na república mas também gozam os percalços de que a mesma sofre, há uma solidariedade sem igual mas, no mínimo, exige-se uma conversa como método de “pagamento” dessa mesma solidariedade – e há conversas profundas sobre todos os temas, tal como a que me foi “exigida” quando a limonada me foi servida (obviamente o método de elaboração do sumo foi o tema).
Há um prazer simples em conversar, aprender, crescer como pessoa e isso, perdoem-me, faz muita falta em qualquer lugar do mundo! E sim, eles também são fanáticos por futebol…
Não me recordo como me tornei adepto do Futebol Clube do Porto mas o primeiro momento, a primeira recordação de afecto clubístico que tenho é o momento da celebração do título, após 19 anos de jejum.
Na varanda da Velasquez, rodeado por família, recordo-me de ver a praça completamente cheia de carros estacionados – nesse dia a fluidez do trânsito podia esperar – as pessoas que tinham um sorriso aberto, muito perto do verter a lágrima.
Alegria indescritível, talvez seja esse o termo que procurava – a sensação de que tudo vai passar pela Bulgária, República Checa ou Roménia e, no final, estou a caminho de Atenas! A vida é feita de pequenos detalhes mas há os pequenos que se agigantam e, apesar de nascerem detalhes, tornam-se a opção de vida da qual já tinhas saudades.
Pequenos percalços no caminho, a obrigar a uma noite passada em Istambul, a dar ainda mais força à vontade de chegar, ir ver o apartamento e começar a viver Helenicamente! (Inventei o termo)!
Já desço os jardins nacionais, já subi ao Philopappos inúmeras vezes, já tomei café como um louco! Já visto roupa de verão, já me banhei em duas ilhas diferentes, já….já sonhei que nunca tinha partido! O visualizar tantas coisas a repetir como método para melhor lidar com a saudade!