Os meus cantinhos.

Invariavelmente sentado no muro ou nas primeiras mesas, ele diz que é um poeta. Chega, bem vestidinho, durante o que eu denomino de “hora segura” e que é até às 11 da manhã, liga o wireless do telemóvel e começa a receber os seus emails. Após umas dezenas de notificações ele começa a ler o que recebeu mas não perde mais do que 2 ou 3 minutos até começar a conversar com as mulheres que passam.

Nunca gostei de pessoas autoproclamadas – porque sempre achei que o mérito deve ser concedido por outros e não pelo próprio, é algo que carece de reconhecimento público. Mas ele escreve umas cenas com piada e,, acima de tudo é um engatatão de primeira classe. Não há mulher que passe ali sem ser interpelada por ele, excepção feita às que seguem acompanhadas! Vou acompanhando a evolução do discurso e rindo-me, silenciosamente, com as táticas de engate aplicadas.

Como uma aranha, ele também tece uma teia para apanhar as mais distraídas. Normalmente interpela-as com os nomes de familiares próximos – nomeadamente netos – e, uma vez a conversa aberta, explora todo o potencial do diálogo. É um poeta, lá está! Gaba-se, perante os amigos, do valor das palavras e a maneira como as usa. Ele sabe da poda…Tira selfies, que provavelmente usa no blogue de que fala, circula de maneira a flanquear as vítimas para a teia acima descrita.

E eu? Vou curtindo a vida vendo o quanto os outros a sabem curtir. Sorvo os detalhes, seja para memória futura ou para escrever sobre eles. Delicioso o momento em que um puto, ainda em carrinho de bébé, exclamou o Awwwwww mais belo que algum dia ouvi. A honestidade da criança, ainda inocente, que sabe exclamar o seu espanto perante a impossibilidade de circular junto à areia.

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Gostos não se discutem.

Gosto das nossas conversas – escondidas e reveladoras, sensuais e com abraços. Como se estivesse num confessionário e tu fosses a pessoa do outro lado (que blasfémia). Seguros que estamos é bom ouvir a renascida que estás. Hoje, enquanto falávamos, recordei as conversas de outrora, que conduziram a umas férias de sonho, sem seguimento. Foi por falta de trincas, só pode ter sido! – admitiu, perante o juíz que o condenou a abraçar-se a ele próprio, todos os dias, nos 90 dias seguintes.

Dias de celebração, dias de conversas em dia e, acima de tudo, de claridade. Os óculos escuros como proteção suprema e o humor de volta aos níveis máximos! Ahahahahah, achei piada…
Dias de mergulhos rápidos e esplanadas longas. Jantaradas noite dentro e muita gargalhada. Dentro do que tem sido o confinamento eu diria que estamos com muito boa nota!

Noites de sono madrugador e de leituras mais do que prolongadas. Despertares ao mesmo tempo que o Sol aparece e o sorriso traquinas a abrir a persiana. Café curto no estómago vazio e um cigarro para despertar bem disposto. Noites longe do blogue mas perto de conversas recompensadoras. Noites, dias, minutos….belos, apenas.

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A vida pacata…

Talvez tenha sido no momento em que começamos a fazer os brunches em casa – há certamente uma ligação, que já vinha da primeira casa, que nos uniu ainda mais. Ou terão sido várias e tão variadas e eu nem dei por ela…mas jamais esquecerei o vosso ar de contentamento, logo após a primeira gargalhada. Da nossa desarrumação natural, a exigir uma super limpeza semanal, ao extintor arrancado para segurar a porta. As noites em que era sempre recebido por um carinho, quando chegava a casa…ou isso ou uma cerveja e a entrada numa festa que duraria até às tantas.

Banho tomado logo pelas 8 da manhã, numa praia com 2 utentes ao longe e a aguardar a chegada de milhões que, já a sair da praia, vi chegar…senti-os, ao longe e, após o banho de mangueira, confirmei pelo trânsito que se acumulou…recolhimento na casa da Matriarca e mais um Grande Prémio a gritar impropérios aos pilotos da Ferrari – o Leclerc, desta vez! E mais um fim de semana sem a Ferrari pontuar…o desastre! Ainda bem que os rojões já tinham começado a ser digeridos e o paladar ainda estava alterado pelo bom sabor da carne.

O degrau continua igual, na sua capacidade de me fazer levitar e pensar em tudo enquanto em nada penso. Um ritual que vem de 1990…por aí…o gostar daquele assento, daquela vista, daquele momento…o amor por algo tão simples quanto um bocado de cimento no que, para mim, é o sítio certo. A visão foi perdendo as macieiras mas ganhou a hortinha, um limoeiro cedeu mas uma laranjeira triunfa agora….o Fred desapareceu e deixamos de ter o cágado caçador de caracóis…os gatos vadios proliferam e são acolhidos, os pássaros pedem as migalhas do cesto do pão que, obviamente, cedo.

Coisas simples de uma vivência simplesmente feliz – 12/7/2020

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Talvez fosse…

Talvez fosse da humidade da manhã ou hábitos antigos, que a memória traiçoeira teima em recordar. Talvez fosse o efeito de uma noite demasiado dormida ou apenas o alegre despertar pelo seu amor. Talvez tivesse sido o desafio para um mergulho ou a ansiedade com que ele esperava esse mesmo convite. Fosse o que fosse a verdade é que a noite havia sido dos melhores sonos das últimas décadas: absolutamente alheado de tudo, de cérebro praticamente vegetando e, a parte que não vegetava, produzia um ruído branco que me mantinha ainda mais reconfortado no sono. Foi belo…

A tarde, feita a dois tempos, passada na sede da confraria, foi um misto de recordações e planos de futuro. Ninguém abordou o presente e eu, que sou mais de aprender do que de tentar ensinar, escutava os diálogos cruzados que iam sendo criados. Desta vez não havia o lobby anti lacticínios – chegou um pouco mais tarde – pelo que conversa se centrava mais em desprezar a carga horária quase nula que um dos presentes tem. A nossa gargalhada – que só existe com o acordo dele e a nossa convicção – é um grito grupal, talvez até tribal, mas que expressa o sentimento de grupo quando o assunto divaga para a relativa carga horária do sujeito. Uma espécie de diálogos vazios em que as palavras são mais importantes do que o contexto. Uma espécie de querer estar ao invés de estar contra o estar presente.

O mergulho foi dado antes das 13 e mesmo a tempo de chegar a horas ao almoço. A segunda parte da tarde envolveu o lanche e umas Carlsberg que são sempre a loura ideal para nos satisfazer, mesmo que sejam madeixas!!!! Ahahahahahahah, rio-me porque outrora fui “condenado” por uma ex-namorada a só ter relacionamentos com cabelos com madeixas mas, quis o destino, que tal nunca tenha acontecido…bem pelo contrário!!!! #ruivasaopoder 

O sono já faz dos meus olhos algo pesado e começo a ceder ao cansaço do dia. O adolescente tem muito mais pujança do que eu pelo que, lá para Dezembro, devo estar em forma! Depois informo de que ano!!!! Ahahahahahah

Um dia dedico-me à comédia – 29/6/2020

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Semáforos

Os sinais talvez fossem evidentes mas o facto dos dias serem cinzentos era algo que não o atingia enquanto ser não daltónico. Ávido de cor, desde tenra idade, praticava pequenos exercícios mentais, brincando com a troca de cores nos elementos da natureza que ia encontrando – como que armado em artista paisagístico – questionava-se mentalmente qual a melhor cor que se aplicaria ao elemento em questão. Não que pretendesse desafiar a Natureza – ser supremo que ele ama e respeita – mas tão só e apenas para exercitar a mente em tempos de paragem do mundo.

Trincando mais uma  cereja – que sabe que vai afectar o seu tracto digestivo – pergunta-se se a mesma não seria muito mais atraente em amarelo, tipo banana a amadurecer, e, ciente da parvoíce, saboreia a maravilhosa cereja – é doce, era de um vermelho muito intenso e, muito provavelmente, já atravessou o esfíncter para o estómago! O sorriso parvo como sinónimo de um ser livre, despreocupado e de bem com a vida. Como o meme do rapaz sentado no cais a ver o pôr do Sol…

Manhã cedo depositado no canto norte da sede do partido, a tomar o pequeno-almoço, na companhia de um casal de pombas que, agressivamente, procuram o café da manhã delas. O pão serrano a dar luta aos dentes e um belo café a acompanhar. Ao longe há pranchas na água, cercadas pelo nevoeiro da manhã que só levantará quando o vento mudar – numa espécie de metáfora da vida. 

O vento muda para norte, a temperatura estabiliza nos 17 e o nevoeiro começa a dissipar….está na hora de ir preparar o almoço!

A ficção da vida só pode ser um sonho a ser realizado – 25/6/2020

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Há um ano…

Faz hoje exactamente um ano que cheguei ao Rio de Janeiro com uma mochila e o multibanco. Desde o maravilhoso hotel em frente ao mar de Copacabana até à despedida de Rio Grande do Sul foram dias de lágrimas de alegria. O casamento da Nathália e do Gabriel foi o ponto alto da viagem – só eles, naquela altura, me poderiam fazer mover como fizeram! – com que facilidade o fizeram e com que luxo me receberam. 

Da primeira noite no Rio, de bunda sentada na água e a beber uma caipirinha até à partida de Porto Alegre, fui estragado com mimos. Duas famílias insuperáveis, lindas na forma de distribuir afectos e carinhos, sempre atentos a qualquer detalhe que, maioritariamente, eu nem chegava a ver – tal a prontidão com que tudo era resolvido. Noites muito curtidas e mal dormidas, banhos de piscina a horas indecentes, gargalhadas de todos os feitios e duração, sertanejo do vizinho logo pela manhã!

Conheci um pouquinho de Minas Gerais (que é cerca de 8 vezes maior do que Portugal), de Belo Horizonte a Governador Valadares – da Rua do Amendoim ao miradouro de Belo Horizonte, de Governador Valadares até ao topo do Pico Da Ibituruna. Esquadrinhamos o Bar do Fred, a Ilha, o centro…não ficou muito por conhecer! Andamos de Uber e conhecemos o mais louco Felipe do mundo e o primo dele, andamos de jipe e íamos comprar tabaco Paraguaio à estação de autocarros. Tudo funciona com uma organização que, apesar de não se ver, faz do grande Brasil um destino sempre apetecível. 

Partindo de Minas Gerais fui conhecer o Rio Grande do Sul. E, se já tinha reparado que os seus habitantes gostam de churrasco, nada me havia preparado para uma semana do melhor churrasco e frango palha. Com um bacalhau feito por um Português, entre churrascos, reunimo-nos todos no Portu’s Valle – Delícias Portuguesas e ouvi falar um Portuense bem achado no Rio Grande do Sul. Fui a um jantar da confraria dos médicos do Grêmio, o Gabriel organizou uma churrascada para umas 30 pessoas e vimos o Brasil-Argentina, por entre bocados de carne deliciosa e Brahma….muita e estupidamente gelada! Conheci o grupo de amigos do Gabriel e vi-o regressar ao futebol com a alegria de um miúdo que descobre uma bola de futebol pela primeira vez. Também aqui a partida foi difícil já que o carinho que vinha a receber desde o início era demasiado para mim.

Foi demasiado bom para eu poder contar todos os detalhes mas, acima de tudo, não me lembro de nenhum detalhe da viagem em que não estivesse profundamente feliz. Fosse antes do casamento, fosse a aterrar no Santos Dumont (o mais belo afunilamento para aterrar), fosse sozinho, ou em grupo, eu estava profundamente feliz. Era uma viagem totalmente definida por mim, sem voo de volta marcado e com um desejo profundo de conhecer o máximo! Nunca na vida havia chorado tantas vezes seguidas de alegria e eu sabia que tal era possível mas simplesmente nunca o havia vivido. O Brasil e a Argentina mostraram-me bem o que é o afecto, o amor, o toque, o carinho. Passei duas horas numa esplanada de Buenos Aires a simplesmente observar as interações entre Argentinos e ainda hoje, quando me apetece sorrir, basta relembrar esse momento.

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A melhor descrição para a minha religiosidade…

Projecto 2020

Amesterdão, sem dúvida. Na luta, todos os dias desde manhã cedo, na tentativa de extrair o máximo desta retoma de mercado que se avizinha. Há quem veja o desemprego e pense que vai ser parte dele e eu vejo oportunidades pelo mundo e a melhor maneira de fazer parte delas. Se as Caraíbas pagassem melhor…se a Costa Rica associasse o certificado de residência às propostas de emprego, se a Grécia estivesse melhor, se a Irlanda tivesse melhor meteorologia…essas questões existenciais de quem não teme fazer malas e desaparecer para outro país, num misto de novas amizades e curiosidade!

A noite já havia começado húmida – chovia imenso e ouvia-se bem a força da natureza. A manhã foi mais preguiçosa do que num dia normal já que, atempadamente, fui informado que era feriado e comportei-me de acordo com os padrões definidos para tais dias. É bom ter-se recebido educação que nos conduz por caminhos que produzem momentos de imensa felicidade – que pode ser tão simples quanto o bater de uma das abas laterais do guarda-sol do Bombar a atirar-nos uma quantidade imensa de água para a cara. Porque a higiene é fundamental e uma chamada de despertar sabe sempre bem.

Depois do Verão de 2019 passado em casa, ciente de que há novos mundos à espera que eu os descubra, imbuído do espírito de Fernão de Magalhães e a força de um quarentão que sempre foi mais curioso do que os demais, bato-me agora por um de vários lugares disponíveis na capital da Holanda. Sem fazer figas e apostando tudo apenas num singelo currículo construído em torno de vendas a grandes clientes e suporte a clientes, floreado com umas centenas de certificações – a maioria das quais caducada, eis-me de cabeça levantada para conhecer uma cidade da qual só conheço o aeroporto…

Se aguentei a meteorologia da Irlanda por dois anos e meio então certamente aguentarei melhor a Holanda.

Só a aguardar que as fronteiras abram – 11/6/2020

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A inércia da pesca…

Quando as pessoas estão a dormir nós, enquanto observadores, devemos respeitar esse sono e não incomodar – a menos que o sonho que idealizamos seja razão mais do que suficiente para arrancar a vítima do seu descanso. Infelizmente há muitos anzóis colocados na linha dos sonhos e os “peixes” que ousam sonhar, por vezes, deixam-se levar pelo engodo e, imitando os seus primos terrenos, mordem o anzol.

Há os mais fortes, mais sortudos, mais ágeis e os que, numa soma de todas essas virtudes, conseguem libertar-se do anzol mas outros, mais curiosos em saber que bicho é aquele na ponta daquela coisa brilhante, são agarrados pelo metal retorcido sem dó ou piedade! Uma questão de curiosidade fatal – bom título para um filme – em que o simples querer saber mais do peixe se transforma na refeição do pescador. A perversão de tudo o que nos é ensinado: que devemos sempre seguir, com curiosidade, aquilo que desperta em nós esse sentimento!

Enquanto agarrado ao anzol, o peixe só pensa em libertar-se! Constata o erro, assim que morde a curiosidade e começa um bailado desenfreado pela vida! Mas, nesta luta entre a natureza e o ser humano, as probabilidades do peixe são muito baixas – nem um 60/40 é, quase que o equivalente a alguém dar call a uma bet de 4BB’s com Ax na esperança de ver um A bater no flop e, mesmo após o A não ter batido, continuar a cobrir as apostas do adversário até perder as fichas todas.

Há peixes que, mercê de um bailado que deve ser ensinado no Bolshoi dos peixes, conseguem libertar-se e outros que, para gáudio de todos nós que gostamos de peixe, não conseguem. Dependendo do baile que dão, os peixes poderão ou não sobreviver. Eventualmente até haverá peixes que, com um sorriso entre guelras, saltam de boca aberta para o anzol mas não me parece que esse seja o comportamento maioritário e, certamente, não será o que o pescador espera quando, de manhã cedo, parte para a pesca.

Os linguados, esse sim, têm uma boa vida. A virar-se de frente ou costas – conforme estão na rocha ou areia – são os camaleões do fundo do mar. Certamente sabem o quão saborosos são e daí a atitude de dupla personalidade, conforme frequentam a areia ou as rochas. Com sorte, muita sorte, qualquer um de nós pode mergulhar uma mão na areia e, apertando forte, sacar um linguado mas, o que se passa a seguir é que conta: levo o linguado e como-o ou finjo não ter força para apertar e solto-o? É nessa inércia de falta de aperto que se resume todo um dia de pesca!

Quem disse que o assunto era pesca? – 5/6/2020

Verdade seja dita: era mentira.

Os indícios apontavam para que fosse mas as provas inicialmente recolhidas eram inconclusivas. Armado do seu estojo, o médico forense, a olho nú, logo detectou a mentira mas, o olho treinado do detective não o tinha conseguido fazer. Debruçou-se sobre o corpo e, após um curtíssimo exame, retirou cerca de umas 30 respostas negativas, todas consecutivas, com adiamentos ou um pelo encravado no cóccix, havia de tudo. O detective havia caído na maior mentira da sua carreira – num estratagema digno de um Ocean’s 20 – e interiorizava agora tudo, muito lentamente, cada pisadela, cada nódoa negra, cada agressão…o corpo mostrava todas as provas.

Cambaleou perante a verdade dos factos e, olhando para o seu distintivo e revólver, decidiu ali pedir a demissão. O génio maquiavélico era demasiado e, embora já tivesse uma longa carreira, nada o havia preparado para esta Broadway de malvadez. O requinte, os passos repetidos exactamente da mesma forma, as frases utilizadas apenas com ligeiras alterações mas sempre, mesmo sempre, com um adiamento…até ao pêlo no cóccix! Usando-se do argumento “sei o que o irrita logo vou repetir vezes sem conta” estava bem patente no corpo e, numa análise detalhada, todos os pontos necessários haviam sido pressionados.

Passou na esquadra, entregou o distintivo e arma e prometeu, a si mesmo e acima de qualquer pessoa, que jamais enfrentaria uma situação semelhante. Uma ocupação de tempos livres, em tempo de verão, não estava nos seus planos! Não iria novamente sofrer as agruras de um patrão que começou como amigo e terminou a época como a pessoa mais malvada que havia conhecido…até então.

Liberdade

O meu 25 de Abril de 1974 foi, no mínimo, estranho. Lembro-me que havia pessoas a horas que não eram normais e umas caras sorridentes mas tensas. Havia 22 degraus até ao cimo das escadas que davam directamente para uma sala enorme – com uma pequena varanda à direita e 3 janelas distribuídas pelo lado esquerdo. No canto direito da sala era a porta do quarto do meu irmão. Naquela sala jogamos futebol, brincamos de mil e uma maneiras e feitios e, de olho sempre colocado no que a varanda deixava ver do exterior, atento aos amigos que iam aparecendo na rua.

Foram muito bons os tempos passados naquela casa e guardo as melhores recordações de tudo. Até dos hamsters que fugiram e devem ter constituído família pois andavam indiscretamente por todo o lado. As manhãs passadas nas escadas de trás – para evitar o calor, as correrias pelas escadas abaixo – ao encontro dos vizinhos amigos, para jogar matrecos, para andar de bicicleta. A casa foi perdendo o seu brilho e definitivamente uma decisão precisava ser tomada: entre a aposta em algo que nitidamente precisava de uma intervenção ou a compra de uma nova. 

A nova casa foi sendo construída e o humilde narrador visitava-a amiúde – com que tentando ver para além do que já estava construído. O arquitecto colocou as mãos à obra e a casa ficou completa num curto espaço de tempo. A procura do ponto de água, a placa, os pilares, mais placa, mais pilares, mais placa…e, com a convicção de todos, o novo edifício surgiu e ainda assim, o estúpido humilde narrador, quis visitar a casa antiga – num assomo pouco inteligente de saudade e amor – apenas para constatar que as renovações eram mesmo fundamentais.

Vive hoje na nova casa, de braços bem abertos a quem ama. Deve ser do signo…é pouco dado a contornos nas palavras e mais dado a acções – mais frontais e não tão bem desenhadas. Numa coisa a casa antiga tinha razão…são só palavras. Em três frases, caso eu desse a palavra à casa antiga, aposto que só falaria de si própria…

Quando a nossa casa existia – 3/6/2020

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A natureza humana

Era um rio sem afluentes, com duas belas margens dos mais belos socalcos de vinha. Corria para o mar como se a sua vida dependesse disso e, sem se importunar com obstáculos, cultivava desgaste físico das rochas do leito por força da convicção com que sabia que o encontro salgado seria o pico de uma vida sentimental. O racionalismo da corrida para jusante era totalmente suportado pelo emocionante palpitar do coração do rio. Os peixes fazendo jogos com os seixos dos rios, os inertes a darem algumas dores de cabeça ao normal fluxo de água mas, perante tal força da natureza, quem ousava detê-lo? Nas margens o povo sentava-se perante o movimento constante das águas e, maravilhado pela obra da natureza, contemplavam-na num recarregar constante das baterias da vida mas igualmente num espairecer de vazio completo racional em que simplesmente levitamos no mais belo momento de repouso.

Os esquilos tomavam o seu banho, deliciando-se com a facilidade com que detinham um pouco de água e se molhavam, num movimento repetido vezes suficientes para penetrar na espessa camada de pelo. Alguns, os que frequentam bairros de alta sociedade, habituados a saber desviar-se do eventual Mustang que circula entre STOP’s, um pouco mais desenvolvidos do que os ágeis diários da natureza que, sem as benesses de uma vida mais desafogada, mostram um corpo mais musculado, fruto da luta constante pela sobrevivência e pelo cortejo constante de uma vida selvagem! Rodeados de abelhas que, aproveitando o spray da água, se deliciam com banhos que possuem tanto de delicado como de delicioso para elas. Um coyote vem caminhando para montante e fica parado a observar toda a cena. Armado em intelectual da floresta o animal parece esboçar um sorriso perante o quadro com que se depara. Nas alturas, sobrevoando todo o cenário, o condor também usufrui do spray da água, numa proporção inferior por força da altitude, mas tão recompensadora quanto o sentimento dos restantes colegas de margem; dá um ou outro grito de alegria, como se de um vegetariano se tratasse, numa convenção de mudos. É saudado pelos olhares dos animais presentes que o contemplam com respeito.

A entrada do rio no mar, semelhante apenas à entrada da zaragatoa na narina, é um primeiro encontro extremamente emocional: como o adolescente que, receoso da sua inexperiência, apesar de estar a trocar mimos com a futura cara metade (ele ainda não sabe mas nós sabemos), sente um frio receoso na espinha antes de dirigir os seus lábios aos dela. Como se fosse uma chegada internacional, dos antípodas daquele local, e a saudade conduzisse todo o processo – dos olhos fixados nas chegadas até à chegada dos lábios de ambos. Ao vigor do rio a entrar no mar associa-se o imaginário som de uma massagem cremosa após um fim de tarde a ser intencionalmente queimado pelo grande Sol. Um abraço tão extenso e duradouro que rapidamente os corpos se confundem e, fundidos num verdadeiro abraço alfa – não autoproclamado mas aplaudido pelos restantes espectadores e assim legítimo, confundem-se agora num só tão apaixonado que sorriem perante todos os que os rodeiam. Ouve-se uma onda e sente-se que se acariciam, ali perante todos, no mais belo atentado ao pudor capaz de ser presenciado pelo ser humano.

California Snowpack Survey

A idade do talvez…

Senti que cheguei e me calcaste os pés para melhor me beijares – e que grande altura ganhaste com esse detalhe – num ajuste de lábios como só nós conseguimos afinar – ao ponto de só querermos que o beijo não terminasse. Semelhante aquele abraço de outrora que, sem palavras, disse tudo e nos permitiu a chegada ao novo mês. Apesar de todas as pessoas à nossa volta, nós sempre fomos desavergonhados ao ponto de querermos estar sempre perto…muito muito perto – tentando nunca ofender quem passava…

Talvez estivéssemos num cinema ou no cimo de um monte, talvez eu estivesse a aprender a guiar com caixa automática ou seria tudo manual? A verdade é que o monte havia sido escalado sem dificuldade – inclusive, quiçá, permitindo uma pausa até para o cigarro do humilde narrador, mas a verdade é que a única coisa que verdadeiramente nos interessava era estarmos perto, muito perto.

A imaginação diz-me que somos ambos doutorados em comunicação enquanto de mãos dadas o que, traduzido, é sempre…talvez geridos pela regra de nunca nos deitarmos chateados e não cumprirmos, para propositadamente o podermos fazer na manhã seguinte. Provavelmente jogamos poker para que assim pudesses ter a certeza se era amor e eu, “infelizmente” ganhei! (Maldito provérbio…que nunca deixamos que se concretizasse).

Eventualmente terei ameaçado fazer a mala e largar tudo para, no segundo seguinte, abraçar-te até termos um aroma comum…o nosso! Talvez tenhamos reconfigurado a decoração, para a tornar mais funcional, e nos tivéssemos presenteado com a melhor esplanada, perto de casa, para um maravilhoso café! Talvez eu me sentisse local, embora não o fosse, e deambulasse por todo o lado sem receios, graças às indicações dadas.

Talvez reclamasses do pequeno-almoço na cama – porque te acordava – ou, eventualmente, até tenhas ficado satisfeita. E, na eventualidade de até já estares desperta, aquele telefonema de bom dia que tanto amacia o meu coração que, apesar de não ter 5G, se sente a banda mais larga do mundo quando o teu nome surge no ecrã do telemóvel que toca.

Era um mundo de interrogações e ele só se lembrava da Filosofia do 12º ano e de como havia deixado a cadeira para, em Setembro, triunfar!

Devaneio próximo de uma tempestade! Venha a bonança. – 13/5/2020

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Um dos maiores exercícios de introspecção da história da humanidade!

Não vos dá a impressão que o nosso planeta, de alguma maneira, está a respirar fundo? O mar tem um verde maravilhoso, o azul do céu parece mais moderado, os pássaros já só lhes falta entrarem pela janela e virem conversar connosco. Ontem o céu deu uns brutais “arrotos”, sob a forma de uns trovões diferentes do habitual, mas sempre a intimidar; hoje revela nuvens de um branco bem limpo, de um cinzento bem claro, de um cinzento escuro bem definido, lá para os lados de Anta. Ora está calor ora está frio, a lembrar a Grécia, durante o Verão, quando as tempestades aparecem para refrescar o mês diabólico de mínimas de 32 graus….nós temos a versão “light”!

Sinto que estamos na maior aula de sociologia de que há memória e ninguém pode chumbar, sob pena de morte. O estímulo não parece ser suficiente para todos, eu inclusive, porque a veia Espinhense atrai-nos muito para a beira-mar, para a nossa praia. Temos que estar mais atentos à professora, de modo a “beber” as palavras de quem tem mais experiência no estudo do quotidiano, da sociedade e das suas interações de modo a adquirirmos as rotinas necessárias para viver (ou sobreviver, porque não conhecemos o mundo de amanhã!)

Há mais gente sã a falar sozinha nas ruas, há cumprimentos a desconhecidos e de desconhecidos, há a pseudo vénia, quando alguém se afasta de nós e nós vamos fazendo o mesmo…Todo um novo protocolo de gestão de emoções em que, todos juntos sem o estar, nos vamos habituando a esta nova vida – como se estivéssemos a cultivar a terra, pela primeira vez na história da humanidade, fazendo experiências até uma colheita com sucesso!

Com jeitinho, e juntando algum lirismo à “coisa”, até pode ser que este venha a ser o passo mais significativo da história da humanidade! Que tudo o que nos falta agora possa ser celebrado, um dia, com quem mais o desejamos! Com um dedilhar muito lento, com um sorriso grandioso, num diálogo sem palavras e tão só e apenas com emoções!

 

Até lá….sonhamos! – Devaneios sonhados do dia 11 de Maio de 2020

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Da ilusão ao recomeço….

Sempre, mas mesmo sempre, tive receio de me aproximar de ti mas, no ano em que me permitiste que o silêncio cessasse, lá estava eu. Foste a maior ilusão e desilusão de 2019 mas…eu não estava preparado. Hoje, se me perguntarem, sou um homem mais regrado em tudo graças a ti mas, o mérito que te devo, é mau porque advém de uma mentira que nunca existiu.

Da imaturidade da adolescência até à idade adulta convenci-me que me tinha tornado adulto e, rodeado de ferramentas que os adultos usam, eu fui batalhar e julguei haver ganho. Mas, do amo-te ao não sei quem és vai um passo muito pequeno e, muito embora saiba assumir as ideias dos meus pecados, sei – acima de tudo – perceber demasiado bem, quais são os pecados não admitidos de outrem.

A falta de tempo, no amor e para quem realmente ama, é o maior valor que se apresenta na mesa da paixão! É simples, para quem não sente a disponibilidade, abdicar de um amor de uma vida. Com uma facilidade tão grande quanto seria o sarilho de aturar todas as vicissitudes inerentes a alguém que nem sequer sabe dominar a arte de esconder….

Não nasci para aventuras mas sim para amar e batalharei sempre para que assim seja!

Um conselho de ex-amigo? Aprende a amar e a saber reconhecer o amor e serás feliz!

O louco enamorado…-10/5/2020

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O eremita

Deixei de fazer a barba e cortar o cabelo assemelha-se a tarefa impossível – nunca desejei tanto estar no dia em que fui rapar o cabelo para ir para a Marinha! Afinal não fui para Marinha nenhuma (excesso de contingente) e ainda estive na Roda da Sorte com o couro cabeludo à mostra! Vicissitudes da vida…

Nutro muito mais empatia por este outro eu – ar de vagabundo, bem cheiroso com o banho acabado de tomar, sentado a escrevinhar junto à janela da cozinha, de café em café até ao café final….Hoje coloquei um perfume….somente para dar aquela sensação que vou sociabilizar e vai ser um dia normal…uma piada que faço amiúde comigo mesmo! Rimo-nos os dois e o dia corre melhor…

Com um bom Casablanca planeado para a tarde, um resto de arroz de polvo e muito café…nada faltará para que o sábado seja o dia mais alegre da semana! É sábado, não é? Começo a pensar entregar-me nas mãos de alguém que detenha a propriedade de uma qualquer serrilha capilar, com a medida 6, e que se apresente para tal tarefa em tempos invulgares!…caso não arranje vaga na segunda-feira! Faço figas para não agredir nenhum careca que esteja nitidamente deslocado num cabeleireiro que, por ora, tem que ser pertença dos cabeludos! Já viram imagens daquele oceano de plástico que existe no Pacífico? É algo idêntico, em termos de cabelos, o que nos espera, se as prioridades não forem atendidas!!!!

Como a positividade não é algo que procuremos – em tempos de pandemia – proponho um brinde a nós – pela resiliência e disciplina que temos mostrado! Fica a fotografia de outrora, para animar as hostes! Bom fim de semana!

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A longa caminhada…até ti.

Era longo o caminho a percorrer e o facto do pé direito estar ligeiramente indisposto não constituíam o maior dos incentivos. A encomenda do monstro de 8 tentáculos estava feita e era necessário quase atravessar a cidade para lá chegar – o exagero advém do recolhimento…qualquer caminhada constitui um desafio de planeamento cuidado, verificação de todo o equipamento e um estado moral superior.

O traje – constituído por uns calções de banho com cerca de 11 anos, uma tshirt a provocar os vegetarianos e umas havaianas compradas no Rio, por 22 Reais! Talvez levasse um ligeiro casaco azul, por cima da tshirt, uma vez que os vegetarianos têm sempre algo a dizer, e eu estava com alguma pressa mas sem ritmo a acompanhar, pelo que as medidas de segurança adicionais impunham-se! (só as vegetarianas podem levar isto a peito!). Uns óculos escuros do século passado completavam a indumentária.

Delineado o percurso menos acidentado, por causa do tal pé direito com vontade própria, decidi fazer o percurso designado “Avós”, que me permite passar pela antiga casa dos meus avós! Percorrida a rua 18, a um passo em que julgo ter visto caracóis a rirem-se, decidi-me pela 23 para passar no multibanco da 20. Descoberto que o cartão multibanco está partido (JP: sff mandas vir outro? Obrigado.), decidi tentar o multibanco da caixa de crédito que, maravilhosamente, me cedeu a quantia pretendida.

O grande Neves avistava-se ao longe e eu, que ainda não perdi o olfacto, senti o querer aquele arroz de polvo….cheirei-o e quase lhe consegui tocar…chamem-me o que quiserem mas há decididamente algo de errado na mente humana quando se trata de comida!!! Protegidos e já cumprimentados, lá fomos ( entretanto haviam chegado mais 2 clientes) confirmando as encomendas e aguardando. Como se de um salto no tempo se tratasse, tínhamos as encomendas na mão e, após as despedidas, lá veio o humilde narrador para casa.

Sem ter qualquer ideia de por onde regressar, fui arrastando o exausto pé direito até casa onde se encontra agora ao alto – como todos nós… 🙂 Os filetes colocados no prato, o arroz por cima, um toque de limão no conjunto e é ver o humilde narrador a dialogar com os dentes sem que o interlocutor possa sequer pensar em levantar um dos tentáculos…

O café e cigarrinho na janela, observando o dia nublado mas agradável, orientam a digestão enquanto um trago de Super-Bock relembra o mar. A mente vagueia…

Soltem-me….quando for seguro! – 26/4/2020

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Dar ao pé…

Se no passado dei a mão sem saber que o fazia, agora tive que dar ao pé para poder ter tudo o que me faltava em casa. Já não se consegue comprar tudo o que se pretende numa só superfície pelo que fui obrigado a dirigir-me de um Doce para um Continente. 

Bendita (sem qualquer conotação católica) cidade que, assim que entramos em algum lado, tem sempre uma cara conhecida. Desta vez foi o André que me disse onde estavam as cápsulas e, em 2 minutos, as compras estavam feitas. Por momentos parecia que estava em Cork a fazer compras com o Gabriel (alguém que conhece o Tesco melhor do que a palma da própria mão) e que, em 2 minutos, havíamos encontrado tudo o que queríamos e estávamos na caixa prontos a seguir para casa. Fui tentado por uma caixa de 24 minis Super-Bock (trocamos olhares, eu toquei-lhe, ela sorriu) mas consegui superar a tentação e sair sem comprar cerveja (o que faz todo o sentido para quem já tem o frigorífico cheio do valioso líquido).

Continuo a dizer que a Unicer devia apostar na entrega porta à porta, enquanto dura a pandemia, numa clara demonstração de que está com o povo e disposta a um pequeno sacrifício para se tornar o oásis que todos os portugueses e portuguesas almejam encontrar. Se fizerem a entrega com uns saquinhos de tremoços ou amendoins então aí, definitivamente, passam a poder cobrar um serviço gourmet, pois já inclui muito mais do que apenas a cevada líquida! Se, eventualmente, fizerem a entrega com uma tábua de queijos, umas tostas e um bom charuto a acompanhar…então aí passam para o estatuto de Deus de Leça do Balio! (e acreditem que haverá muito mais pastorinhos com visões!!!).

Acreditam que encontrei a D. Manuela – que, para mim é uma irmã que tem sempre um bom conselho para a vida – mas só na terceira vez que nos cruzamos é que notei que efectivamente era a D. Manuela? Se há característica que não escapa a ninguém, até porque a D. Manuela não deixa, é o facto de, na sala de cima do Abel, quem manda é a D. Manuela!!!! E, com toda a razão, nem precisa relembrar tal facto a quem por lá passa novamente. Um amor de pessoa que só reconheci na terceira vez (nunca tinha visto a D. Manuela a cochichar!!!!, daí a demora em compreender quem era) porque, nestes tempos de pandemia, ando completamente alheado e sem lentes de contacto pelo que, se se cruzarem comigo e eu não cumprimentar, é sinal que me esqueci das lentes de contacto que recuso usar para sair, no máximo, uns 15 minutos por dia…É bom rever caras…e D. Manuela, se me estiver a ler, um grande abraço e até breve!!! Saudades do arroz de polvo…

Chovia, na volta desse Continente, e tentei novamente o exercício de regressar a casa de cara voltada para o céu, aproveitando cada gota que a natureza me dava. Já espirrei umas centenas de vezes, estou a beber chá e de mantinha (herdada, pelos vistos) pelas pernas, a pensar que nem sempre é boa ideia levarmos com a chuvinha nas trombas! Antes uma constipação que o outro que por aí anda!

Posto isto…vou beber uma mini! Sei lá que tipo de germes poderão estar dentro de mim ambicionando uma cerveja para poderem viajar para outros locais…

Mais uma história que vos conto – 13/4/2020

 

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O admirável mundo novo

As ruas continuam apinhadas de pombas, gaivotas e outras aves que, ao contrário de outros tempos, agora se aproximam com uns olhos que parecem pedir uma migalha ou outra. Seguro os 2 pães e viro as migalhas do interior do saco para o chão – não se trata de poluir mas sim de anuir à vontade daqueles olhinhos esfomeados com que as aves mexem com os nossos sentimentos. Reúnem-se aos meus pés e, entre olhares para o gajo alto que virou o saco e as migalhas que vão desaparecendo eu facilmente noto que só fui olhado uma vez…Há uma luta desigual, ainda sem a presença de gaivotas, que é terminada precisamente pela chegada dessas aves de maior envergadura que espantam tudo e todos com as asas bem abertas.

Como vim por um caminho novo – fui dar uma volta mais a sul para que a caminhada fosse maior – sou obrigado a passar por passadeiras onde não costumo passar e, por instinto, paro em cada uma delas para ver se vem algum carro que me possa colocar em contacto com o além, antes da hora programada. Seguro de poder atravessar, de sacos de pão na mão e café na outra, sou ultrapassado por alguém mais acordado do que eu que, qual Português, não passa sem deixar o seu superior conselho: – nestas alturas ninguém para nas passadeiras! Observo-o, enquanto me ultrapassa e aproveito para beber mais um trago do meu café, sim…em plena passadeira e aproveitando a deixa dada pelo transeunte apressado. Um pouco mais acordado resolvi ir tomar o pequeno-almoço à praia…que, neste momento, é só minha!

Armado em gringo – vestido e calçado – entrei na praia pela rua 33 e fui andando para norte e recordando todos os bons momentos já aí vividos. Será típico de um nortenho querer sempre caminhar para norte? Se viver no Polo Norte está lixado…Sentado em frente às escadas da rua 27 espreito o saco de papel da padaria e sinto um pão quente pronto a ser devorado…cadê o recheio? Foi mesmo assim, sem recheio e seguido de um queque em que a maior dificuldade foi conseguir apanhar as várias uvas passas! O estómago agradeceu, pediu um café que aqui não há mas o cigarro ajuda a compôr a digestão. Nadegueiro já ligeiramente arrefecido pela areia – ainda um pouco humedecida da maré e da humidade nocturna, estómago sem roncos ou quaisquer outros sons que pronunciem algo urgente a tratar, pernas a temerem o caminho de volta pois pensam que será uma grande caminhada.

Com uma imensidão de tempo disponível, mas com uma agenda agora totalmente vocacionada para trabalhar fora deste país, faço 4 horas de trabalho matinal na procura de novos lugares, novos países, novas pessoas. Respondo a emails, entrevistas e telefonemas e aceito todo e qualquer país, desde que não esteja em guerra ou muito mal servido de serviços médicos! Conhecimento como prioridade face ao monetário – e aí, em termos de aprendizagem – a Grécia é sempre o primeiro destino onde quero estar, viver e morrer.

É sempre melhor começar de novo, algo 100% novo, do que estar a perder forças e tempo (essa medida das nossas vidas que não sabemos quanto dura) com multidões que não se encaixam minimamente quer nas expectativas quer na realidade que queres construir. Saber ter força para construir sozinho o futuro que desejas, com quem desejas e onde desejas! Eis o teu ano de 2020 em síntese.

Podia ter falado de coelhinhos mas…prefiro a realidade! – 12/4/2020

that's all folks

Dar a mão…

Madrugar tem tido, por estes dias – que não sabemos como são, que vamos conhecendo e aos quais nos vamos adaptando – inúmeras vantagens. O poder vadiar, durante cerca de 15 minutos mesmo antes da cidade acordar, e sentir aquele pulsar típico de quem desperta de um sono pesado para mais um dia. Os pássaros já não se limitam a árvores e telhados e são agora espectadores habituais nos degraus das portas das casa, prédios e lojas. Parecem olhar-me como os animais nos olham no Kruger Park – questionando-se: este será dos humanos de outrora? Saberá dirigir aqueles ruidosos cavalos de metal? Será que amanhã chove? Toda uma série de questões existenciais só mesmo ao nível de pássaros em que a imaginação pode, literalmente, voar!

Ao início da tarde começam a chegar uns gringos para almoçar na vizinhança: o BM com estofos de pele, a buzinadela desde as 3 esquinas anteriores, a indumentária da comunhão, os gritos aos familiares que moram a 100 metros de distância – típicos “red flags”! Não consigo perceber que parte do recolhimento é que eles não entendem e preocupa-me porque moro cercado de concelhos altamente infectados.
As vizinhas apanham-me na janela, a meio do terceiro café da manhã, e dizem-me que, a partir de amanhã, abrem uma banca de legumes frescos e caseiros! Entabulamos um diálogo de poucos minutos, a filha juntou-se ao diálogo e eu, face a uma promessa de vagens frescas, imediatamente me comprometi a ser o primeiro cliente dessa banca de legumes. No final, a senhora mais velha agradece-me o diálogo – obrigado por este bocadinho diferente – e recolhe-se na casa de onde a filha sai para limpar os estores, por fora! – estão sempre ambas acometidas de uma velocidade que nem nos filmes da Velocidade Furiosa. Estas duas mulheres, uma nos seus 90’s e outra nos seus 70’s, são de chorar a rir…

E o dia tem sido assim….primeiro a natureza deu-me a mão e eu, pelos vistos e com um pequeno diálogo, dei a mão a outrém. Que nunca nos faltem mãos para dar ou vontade sincera de o fazer.

In reclusiōne – 11/4/2020

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Digestão

Agora que os scones sem tempo estão mal digeridos, eis o humilde autor diante da sertã, com as raspas de bacon prontas a fritar na gordura delas próprias, enquanto bate bem os ovos. As torradas estão a aquecer, o bacon fica pronto, o ovo entra e, bem mexido, misturam-se as raspas de bacon. As torradas ficam prontas, uma leve passagem de manteiga, colocadas no prato e prontas a levar com a mixórdia de ovos mexidos com bacon. Os espargos estão a dourar um pouco e, dentro de segundos, o brunch estará pronto. Há sumo de limão ou de laranja para acompanhar – os citrinos ao serviço da digestão de repastos mais difíceis. Um regresso à ilha porque a meteorologia está muito igual…para melhor, mesmo assim!

Ao som do Underdog, dos Kasabian, e após ouvir o Claudio Ranieri dizer que, no balneário e antes dos jogos, dizia sempre aos jogadores “Somos o Underdog, não temos nada a perder” e…ganharam o campeonato – vou transformando o brunch em bolo alimentar enquanto sorrio com o diálogo dos meus vizinhos velhotes que, dia após dia, se degladiam em palavras más que mais não conseguem demonstrar o amor de ambos…curiosa maneira de demonstrar amor!

Hoje passei pelos açambarcadores – essa raça organizada, sem clube pelo qual lute excepto pelo alargamento do próprio umbigo – e lá tive que comentar com o já habitual “um lanchezinho para a ceia?” face a 6 carrinhos cheios a deitar por fora que mais pareciam dirigidos ao Ministério da Defesa Nacional do que propriamente a uma família…e estão cá todos os dias! Desejo que se confundam completamente nas contas e tenham que congelar papel higiénico ou fantasiarem-se de múmias até ao século XXII e que, a partir daí, possam usar as máscaras e E.P.P. para se fantasiarem de enfermeiros ou médicos até ao século seguinte! (desculpem o desabafo, estava atravessada)!

Os cafés na janela são o equivalente ao curto em chávena fria do Bombar (um dia o Raúl acertará!), os cigarros fumados na janela são o mais semelhante a estar sentado na areia, bem longe de tudo e de todos, a tranquilamente curtir o cigarro enquanto o sol se põe. Por vezes recordo-me que existe uma TV mas, com antecedentes tão longos longe do aparelho, resolvo continuar a cultivar a vida de costas voltadas para a TV sem que tal signifique que vivo de costas voltadas à informação, bem pelo contrário.

Quero ver as varinas gritar “É do nosso mar!”, enquanto olho para o mar e lhe agradeço o que nos vai dando. Quero ver o sol a pôr-se enquanto bebo uma verdinha. Quero caminhar na esplanada, enquanto me desvio da multidão de gringos, como se de um videogame se tratasse. Quero sentir cada grão de areia, entre os pés, as pernas, as mãos…onde ela quiser…a chatear-me o sistema mas com um aroma a maresia que desculpa qualquer moléstia. Quero….que esta merda passe!

Desabafo que era para ser matinal mas eu, que sou um gajo com tempo disponível e sem amarras, fui alargando até agora. Que gostem. – 10/4/2020

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Abruptamente…

Foi um salto que me despertou….demorei uns minutos a perceber o que se passava e porque raio tinha o Keith Richards na memória…Será realidade? Já mais acordado, percebi que tinha sonhado com um noticiário de última hora, com notícias certamente inquietantes, mas cujo pivot era o Keith Richards! Tentei “puxar pela cabeça”, na tentativa de desenterrar mais detalhes da memória recente e tinha uma imagem mais ou menos completa do sonho…

O nome do canal de TV era “Anything but Fake News”, com uma decoração demasiado semelhante à decoração do estúdio da Fox News mas com notícias de eventos que realmente existiam, opiniões realmente isentas e um painel, em estúdio, capaz de debater quaisquer agruras que o planeta estivesse a sofrer.

O Keith Richards abria o noticiário anunciando “Boa noite! Não, não fui eu….eu continuo aqui” e vai anunciando os nomes dos britânicos que ainda acreditam no primeiro-ministro. Cinco a dez segundos depois, anunciando as primeiras notícias da política, é interrompido por um Mick Jagger, tornado irreverente aos 76 anos de idade e sentado como moderador do painel, que grita “Let it be!!!!”, como que querendo saltar a parte de política e querendo saber como andava a selecção Inglesa. O Paul McCartney, que estava nos bastidores, enquanto convidado VIP, não se conteve e entrou em cena! Perguntou ao Mick se aquilo era alguma piada…ao que o Mick respondeu com um ““Out of Time”. O Paul olhou para trás, viu que estava sozinho, e sentiu os olhos de todas as pedras rolantes em cima dele. Começou a trautear o “We Can Work It Out” e foi saindo de cena, de volta aos bastidores! 

No estúdio, entretanto, o Mick Jagger já era o pivot, o Keith Richards curtia uns acordes de bateria e o Charlie Watts passeava-se pelo estúdio num ritmo lento, estudado mas sem falhar um passo. O Ronnie Wood observava toda a cena, enquanto se aproximava da assistente de produção e lhe segredava “I can be your sugar grandpa” e ela, completamente louca, esquecia-se que tinha acabado de deixar de ser adolescente…

Não são os sonhos que são complicados…nós é que não podemos tentar vivê-los sem o diapasão correcto! E, com tudo bem afinado, somos sempre a melhor banda musical do mundo e arredores!

Acordei muito cedo…mas com um som divinal – 9/4/2020

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Mudanças…

Muito cedo, pelo meu ritmo actual, levanto-me e, como o comum mortal, vou comprar pão. Numa caminhada que tem muito mais de nostalgia do que de distância, revejo o passeio onde fazíamos corridas de bicicleta, o muro da Fosforeira (tão alto na infância e, hoje em dia, vejo bem acima dele), a casa dos avós, etc…Interrogo-me sobre pequenos detalhes (quantos loucos mais haverá no mundo a jogar futebol na sala?).

Virando à esquerda no cimo da rua, normalmente deparo-me com os primeiros seres humanos e, curiosamente, cumprimentam-me! Cumprimento de volta, claro…mas pergunto-me: quem seria? São desconhecidos que, num gesto novo de empatia, passaram a cumprimentar os transeuntes…Curioso, digo para mim mesmo e, uns metros mais à frente, o mesmo gesto, de outra pessoa que desconheço, e de quem passo ao largo…distância de segurança oblige.

Percorro a rua 18 com a certeza absoluta de que se trata de uma seita mas, por outro lado, quem criaria uma seita de empáticos matinais? Só com o patrocínio de uma multinacional de café e não havia qualquer publicidade na indumentária deles…de onde viria o retorno??? Deixei a vertente económica e debrucei-me apenas na vertente humana; passei a sorrir para todos por quem passo e, quiçá, talvez já se diga por aí que pertenço à seita…

Há um misto de empatia e pedido de absolvição quando as pessoas se cruzam, nos tempos actuais. Uma mistura de “Olha quem ele é” e “mantém-te ao largo, se faz favor” que andamos a interiorizar – uma antítese de tudo aquilo que, antigamente, perseguimos e que, em última análise, é o amor! Estamos alheados por obrigação mas não perdemos o que de mais belo fomos interiorizando e pretendemos voltar a colocar em prática!

Desabafo:
A curiosidade de sermos de um país que empurrou milhares de médicos, enfermeiros e outros, para o estrangeiro, e agora batemos palmas e ajoelhamo-nos perante o esforço – daqueles que, abdicando de um salário muito superior – ficaram para nos salvar! (E, mesmo assim, ficamos muito aquém do agradecimento que eles merecem).
Convém manter todo o parágrafo anterior bem memorizado para a enxurrada de movimentos nacionalistas que, inevitavelmente (e infelizmente), surgirão, após tudo estar resolvido, tentando colher os louros de algo que nunca plantaram (porque não existe neles semente), nunca trataram ou tentaram cooperar (porque neles não existe esforço)!

Obrigado pela visita e até breve! – 7/4/2020

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Aquele texto sem imagens…

…porque a nossa imaginação nos consegue transportar muito além de qualquer imagem.

Entre conversas de religião, notícias falsas que têm mais poder nestas alturas de desconfiança, uma programação merdosa nos canais portugueses, eis-me decidido a apanhar ar! Como sou um cidadão cumpridor e sempre fui (Ahahahahahahahah) – apenas achei que dava um ar mais sério ao texto – decidi arriscar tudo por um pouco de ar fresco! As janelas estão abertas, chovem umas pingas dentro de casa, na tentativa de apanhar o máximo de ar circulante no pequeno apartamento mas…não chega. Arrisco? Não arrisco?

Dou por mim na janela da cozinha, com a cabeça bem fora da janela, e tentando perceber:  porque é que fumo na janela se não partilho o canto com ninguém? Por respeito, recordei-me! Porque um dia me pediste e, porque a educação define quem somos (não só mas também)! Lembrei-me do tom da tua voz, da tua cara enquanto proferias as palavras, do teu cabelo e de toda uma saudade que só peca por uma palavra. 

Chove e, no meio das pingas de água que vão caindo, passam dois pássaros a voar a uma velocidade estonteante (as aves, ao contrário dos humanos que pilotam aviões, não precisam de gritar “V1” quando atingem uma velocidade que não lhes permite travar – dado que o comprimento da “pista” das aves é infinito – pelo que fazem um movimento de corpo, em que parecem puxar a cabeça para trás e colocam o corpo a oferecer resistência ao ar, travando assim o voo). E assim pousaram ambos na antena de TDT do prédio aqui ao lado. Chilreavam animadamente e travaram de modo a pousar em 2 lugares distintos da antena. E ali ficaram, os dois, a “conversar” animadamente.

Era capaz de jurar que éramos nós, de costas voltadas para o mar, a voar sem limites e com tempo, com todo o tempo do mundo e sem controladores aéreos que nos limitassem! De asas bem abertas, com os diferentes e maravilhosos tons de penugem a serem mostrados a quem perdesse tempo a observar-nos! A chuva? A chuva arrefecia os nossos ânimos e permitia que nos equilibrássemos na antena que ondulava à mercê do vento…

Eu gosto é do Verão… – 5/4/2020

Ai os gajos…

Um casal de velhinhos, aparece nas costas de um directo na RTP1, sobe a rua em direção a Santa Catarina. Estão de mão dada e nota-se um toque do marido na mão da mulher para seguirem pela esquerda da imagem da TV. O que à primeira vista parece ser mais um casal a tentar aparecer na TV não faz sentido numa situação destas – em que todos vemos e eles não querem ser vistos – e é, quando vejo o outro polícia, a aparecer nas costas do polícia que está em directo na TV, que percebo tudo: os velhinhos fugiam da polícia!!!!! Ambos baixam a cara, quando interpelados, e após um breve sermão da polícia…seguem o caminho. As expressões nas faces, que se conseguem ver quando o casal é “libertado do sermão” mas capturado pela câmara em directo, é semelhante ao estado de espírito dos que estavam em Woodstock em 1969! Reguilas, sem regras, a sorrir muito….

Percentualmente, segundo as estatísticas, as pessoas mais velhas já cumpriram uma percentagem superior às de menor idade (casos haverá em que, infelizmente, vicissitudes da vida o contradizem) logo, estão mais perto de terminar a odisseia que é a vida. Assim sendo, entendo perfeitamente a ânsia de andar na rua, de quebrar regras, de querer – de muito querer – não cumprir as regras e ser desregrado. Eu acho que, enquanto o casal de velhinhos passava em frente ao directo da RTP, ouvi Hendrix ao fundo….poderá ter sido a minha imaginação…

O tempo – que presentemente sentimos de maneira mais palpável – é a medida da nossa vida. Não temos acesso a qual “o comprimento” que vamos atingir mas podemos muito bem divertirmo-nos enquanto vamos crescendo, temporalmente falando! 

Acordamos, pela manhã, e fazemos a doação do nosso tempo: doamos tempo a um café que tomamos, uma torrada que comemos, uma obra que executamos!

É a falar do tempo que a gente se entende!

Devaneio matinal – 4/4/2020

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Guantanamo

Acordei cedo, pelos meus parâmetros, e fui às compras. Havia uma fila e o comportamento foi super decente, por parte dos que esperavam. É todo um novo mundo o que existe lá fora: há pessoas, olhares desconfiados, alguns sorrisos e, acima de tudo, demoramos uns valentes segundos a associar quem nos cumprimenta…ao longe, claro está! Um profeta da desgraça, à porta do Pingo Doce, anunciava toda uma série de catástrofes e eu….fui tomar 3 cafés para não ter que voltar a sair.

Chegado a casa com um cesto de compras para 2 dias, muito aquém de ter esgotado qualquer produto que seja e esquecendo outros fundamentais, coloquei o “Dancing with myself”, aos altos berros e, de mini Super Bock na mão, saltei que nem um louco! Acho que a minha passagem de ano está, finalmente, celebrada! Faltou a ressaca mas eu sou um homem comedido! 

Foi um almoço moderado, bem regado e segue-se uma “estimulante” sesta! A leitura seguir-se-á e ligar a TV para ver mais números alarmantes está fora de questão…antes ouvir Justin Bieber!!!! (estou a brincar, jamais o ouviria! Preferia umas sessões de Waterboarding em Guantanamo!). A sensação de muito calor no corpo que, afinal, não é mais do que o sol a bater no corpo do prisioneiro.

Ao final da tarde um passeio de alguns minutos, só para espreitar o sol, seguido de um recolhimento até ao dia seguinte. Há leitura suficiente, há música suficiente e há comida para uns snacks valentes e umas refeições bem para além de modestas. Tenho visões de pratos muito bem confecionados (babo-me com o pensamento), de colesterol elevado e o estómago enche-se de pensamentos eróticos em relação ao que vai digerir a seguir.

Disse-me o senhor do café que as pessoas que lá passam estão a começar a perder a paciência ao que eu respondi que mais vale isso do que perder a vida! Contundente, bem sei, mas os tempos não são de facilidades mas sim de dificuldades. 

Força aí! Todos juntos nesta odisseia não programada mas que certamente todos iremos superar!

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Rikers Island

As grades são tudo o que me limita – as janelas que me impedem de voar, a porta que nos impede de sair, a TV e o seu discurso catastrófico – quanto a mim, ainda aquém do necessário (uma opinião pessoal), que nos dá um cenário dantesco, muito para além do que conseguimos imaginar e constatar.

Fujo da solitária cerca de 30 minutos por dia – aquém do confinamento na solitária de Rikers – que permite 60 minutos de pátio – para olhar o mar, após ter fugido de todos aqueles com quem me cruzei pelo caminho. Os olhares são desconfiados, as caras são de medo e o vírus continua a ser algo desconhecido.

Notícias de uma besta quadrada, que preside a um país da América do Norte, e que tenta, a todo o custo e com recurso ao “Almighty dollar”, comprar os estudos feitos por uma companhia Alemã em prol de uma vacina, para uso exclusivo no povo a que “preside” – quanto a mim o ponto mais baixo da humanidade mas, vindo de quem vem, não me espanta que se consiga “superar”. Os “familiares” dessa besta, que presidem aos destinos do Reino Unido e do Brasil, seguem-lhe os passos…

Medo do desconhecido? Todos temos, quando somos humildes ao ponto de o reconhecer. Tentar superar o desconhecido, através de iniciativas individuais, nunca superará a força do movimento colectivo (a vida tem-nos dado inúmeros exemplos). O meu grande medo, actualmente, é a falta de um grande líder mundial que consiga unir a humanidade face a uma das maiores catástrofes com que já se deparou.

Conspirações e afins são a justificação possível para quem acredita nessas teorias mas o facto é que lidamos com o desconhecido e os únicos dados que possuímos vão sendo transmitidos dos países mais afectados para os que serão afectados em seguida. Estamos a aprender conforme o tempo vai passando, conforme a virose vai evoluindo, conforme os mortos vão destruindo a nossa confiança e os pacientes recuperados nos dão alegria (apesar das fortes mazelas com que ficam). 

E a economia? É talvez a justificação para a morosidade com que algumas nações enfrentam este flagelo – ninguém ousa sequer contabilizar os custos de algo assim até porque, nesta altura, tal seria considerado insensato. Não há material suficiente, não há conhecimento suficiente, há um esforço desmedido por parte daqueles que realmente dominam estes fenómenos epidémicos – contrariado por Governos mais preocupados com a economia e eventuais reeleições (a política é a verdadeira origem da palavra hipocrisia).

Saudades de um bom abraço, de um bom beijo, de fazer todas as coisas que nunca nos fazem falta – quando as temos – mas que se transformam em saudade, assim que a oportunidade de as termos desaparece…O humor tudo supera!

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Dreamliner

Saindo da turbulência, mas ainda sentindo o avião a abanar, as asas do Dreamliner estavam agora a recuperar a posição dinâmica em que se encontravam antes do percalço meteorológico. 

Aquela nuvem não estava nos planos – o que raramente acontece hoje em dia, dada a enorme quantidade de aplicações disponíveis – mas o imponderável fazia parte da viagem e, lenta mas seguramente, voltamos ao usufruto da jet stream que nos empurrava para o destino.

A minha mão sentia a tua unha cravada na minha carne mas, como acima de tudo estamos nós, nem um pio ouviste da minha parte. Apertei-te o cinto um pouco mais e adormeceste no meu ombro – o sorriso traquinas bem pronunciado (como se consegue dormir assim?), os olhos amorosamente bem abertos e completamente rendidos e nós os dois ainda vivos!

Sempre soubemos que qualquer viagem tem percalços – sejam eles causados por nós, pelas companhias envolvidas ou terceiros que prestam serviços a algum dos envolvidos – mas havíamos combinado que o respeito mútuo seria sempre algo que nunca nos faltaria.

O avião voa, está em piloto automático e as coordenadas inseridas no sistema, com a beleza e facilidade que os computadores de bordo proporcionam. A Comandante és tu e eu não passo de um co-piloto, com largas horas de experiência no Flight Simulator – sempre como controlador de tráfego aéreo – aguardando a hora de percorrermos a check-list e aterrarmos, sãos e salvos, num qualquer destino à nossa escolha.

Curiosamente nunca me ocorreu perguntar-te se tinhas brevet de piloto mas sempre soube confiar em quem realmente sabe estar presente na minha vida.

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Sinais vitais

Os olhos estão focados nos olhos dela e, após conseguir entrar através deles, vejo os sintomas do amor presente: as pernas estão fracas, o coração está acelerado, vê-se um nervoso miudinho por todo o lado, borboletas que voam como se fizessem o mais belo dos bailados, suores frios, planos para expressões de beleza ainda mais elaborada do que a beleza que contemplamos, ideias de abraços bem apertados e sem palavras. O apetite desvaneceu e há apenas a ideia de que realmente devia estar com fome mas….não.

Ela olha-me como se conseguisse ver através de mim e eu, ciente de que talvez existam pessoas assim – Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay – defendo-me muito mal daquele olhar que me desarma. Será este olhar algo semelhante ao meu olhar para ela? Questiono-me pois sinto que agora é ele quem descortina todos os meus segredos – num download de dados feito através de uma ligação directa olhos nos olhos? Um sentimento de conforto atravessa-me o corpo – sei que, qualquer que seja o sentido daquele olhar, o meu olhar para ela não será afectado.

Ela sorri e pede desculpa pela sua beleza. Argumenta mesmo que não sabe qual a proveniência – como se de uma maldição se tratasse – e eu, sem querer saber da proveniência mas sim do desfrutar, continuei maravilhado a contemplar. Ficamos uns minutos valentes a saudar uma das belas demonstrações que a natureza nos pode dar – o pôr do sol – e, sem palavras mas entre algumas lufadas mais profundas de ar fresco, concordamos que fazia sentido as três belezas que nós somos estarem assim unidas.

Devaneio mascarado de sonho – 24/2/2020

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A P.D.I.

Alguém muito próximo perguntou-me, por estes dias e a uma distância segura, porque é que eu nunca escrevia sobre a idade, o envelhecimento, etc…A verdade é que se trata da pessoa ideal para colocar essa questão pois andamos a envelhecer juntos desde 1988…

O Outono da nossa vida, como prefiro apelidá-lo, devido às muitas semelhanças entre a natureza e o corpo humano. Tal como as folhas se desprendem do ramo para, num bailado lento e nas mãos do vento, alcançar o solo e passar a ser um estrume adicional para a árvore de onde caiu…também nós partimos de uma estatística que nos pode deixar no lençol – sem futuro, sem dignidade e ao alcance de qualquer máquina de lavar – ou alcançar o útero e criar uma nova vida.

A vida é feita de probabilidades e nunca sabemos o tempo que nos está atribuído logo, nunca conseguimos saber, antecipadamente, o resultado correcto da equação. Mas é justamente nessa falta do valor final que reside o combustível que nos faz levantar e procurar o objectivo seguinte.

Surgem uns nervos com tiques, obviamente, nervosos, uns dentitos têm que ser substituídos, umas dores de costas que não faziam parte do roteiro habitual. Dás muito mais valor a escutar do que a falar e dá-te um gozo muito maior o processo de aprendizagem das coisas – talvez porque damos mais valor ao tempo (que realmente tem mais valor pois estamos num cronómetro regressivo e já percorremos parte do tempo definido).  

Ainda erras como antigamente e aprendes – temporariamente – com o desejo de errar novamente o mais brevemente possível. Adoro essa parte do processo de envelhecimento…dá-me a impressão que sou um “velhinho de desenho animado” que pode escapar sempre das situações, ainda de coluna bem levantada e com um sorriso traquinas que é imagem de marca.

Assim, por alto, é o que me ocorre…

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Há cáries que vêm por bem…

Na aventura que tem sido o buscar emprego em diferentes países há detalhes que afectam sempre a tua escolha. Falhaste redondamente no passar 860 dias num ambiente dos mais agrestes que há por perto. Perguntam-se vocês se eu contei os dias? Obviamente!!!!

Se no início chegas a um país com uma vontade enorme de descobrir tudo e todos, muito rapidamente a meteorologia começa a “afectar-te” e começas a esmorecer sempre que tens que sair da casa – impecavelmente isolada – para um tempo que muito raramente tem sol. Os detalhes, que sempre tão cuidadosamente analisados, antes de partir, e andam sempre à volta de detalhes como a meteorologia, o poder de compra que posso ter e o saber qual a melhor área para habitar (perto, muito perto, do mar).

Se na Grécia o tempo só tinha 2 meses de Inverno forte então, na comparação com a Irlanda, posso dizer que nem uma semana de calor existe e, caso a mesma apareça, terá que ser atribuído a um estranho fenómeno meteorológico típico dos dias actuais. Foram 860 dias a tentar superar uma vontade enorme de largar tudo e voltar para Portugal e escolher o destino seguinte.

Um dia, porque tinha um dente que me doía, fui à dentista local e arranquei o doloroso companheiro..por EUR 180 (!)!!!! Assim que saí do dentista, e ainda entorpecido pela anestesia que havia recebido, disse para mim mesmo: se chegares à próxima esquina e seguires em frente….vais trabalhar mas, se chegares a essa mesma esquina e virares à direita, então colocas um ponto final em tudo isto. 

Assim que cheguei a casa – sim, virei à direita, com um sorriso do tamanho do mundo, sem peso nenhum nos ombros – liguei para os meus colegas de casa e contei-lhes a decisão. Tratando-se de pessoas muito amigas e perspicazes, o jovem casal ainda tentou demover-me com a visita ao Brasil que se iria iniciar, daí a uns dias…mas a decisão estava tomada e a viagem ao Brasil seria o primeiro passo num merecido descanso de chuva, frio, neve, gelo, etc…

Não censuro (como poderia?) quem se aguenta na Irlanda e triunfa – são os meus heróis – mas eu não fui talhado para sofrer tanto com a meteorologia e, gradualmente, o trabalho foi-se tornando cada vez menos apetecível e, quando encurralado entre a indisposiçao de ir trabalhar ou o alento de procurar algo novo….a resposta é óbvia.

Chegado do Brasil – e assim que retornei a Cork (outra coisa irritante do país é que não há voos entre Dublin e Cork o que obriga a uma viagem de 3 horas e meia de autocarro que ainda te massacra mais) – falei com os meus colegas de casa e ficou decidido que eu partiria e outras pessoas surgiriam para ocupar a minha vaga. Correu tudo muito bem e cheguei a Espinho a 25 de Julho de 2019.

Como sempre na vida, conheces pessoas espectaculares com as quais gostarias de continuar a partilhar o teu tempo e outras com as quais não gastas um milésimo de segundo (sim, tenho que trabalhar melhor na cara hipócrita que tenho que fazer quando estou perante alguém de que não gosto). Já consigo esboçar uns sorrisos em frente ao espelho mas imediatamente sai uma gargalhada pelo facto de não ser espontâneo…antes assim! A Irlanda foi uma aventura saudável, fiquemos assim!

Havia, desde a chegada, uma data definida para começar a procurar algo novo – Janeiro de 2020 – e assim foi. As entrevistas continuam e vocês ririam muito se soubessem quais os países, quais os salários e quais as actividades a que concorro! Faço figas e estudo que nem um louco (expressão deveras apropriada) para conseguir um novo país, novas aventuras, novo conhecimento e, quase que me esquecia, um novo emprego.

Em breve certamente partirei, muito provavelmente para um país da UE, mas sempre de olho na América Latina e Central (daí dizer acima que louco é uma expressão apropriada). Não busco a riqueza do mundo mas tão só e apenas a oportunidade de visualizar algumas das maravilhas que o mundo contém! Louco? Sim, por novas aventuras, novos países, novas pessoas e, acima de tudo, a oportunidade de conhecer algo diferente!

Benditos EUR 180 que gastei na remoção do dente….aquilo andava a afectar a engrenagem da alegria!!!! 🙂

Aquele abraço.

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Fotógrafo: Mario Horta Oliveira

Altruísta ou egoísta?

Por vezes escreves como se quisesses que o mundo te ouvisse, outras vezes escreves como se de um sussurro se tratasse – e não queres que ninguém leia…

Por vezes apetece-te largar tudo e mudar o mundo, outras vezes deitas-te no sofá até que te passe…

Gritas bem alto os pensamentos que te ocorrem, somente para te sentires incomodado pelo ruído que tu próprio causaste. Tapas as orelhas e questionas-te se já terá passado…

Estás entre a acção e a inacção, perdido entre sonhos e objectivos concretizados, dividido entre o que está por fazer e o que orgulhosamente já atingiste e perguntas-te, em mais um dos teus monólogos, se realmente serás altruísta ou egoísta…

– És um bipolar literário! Vai-te deitar!!!

– OK, realmente estou com sono…

Em casa!

Viagem longa para quem está só a duas horas de Portugal – duas horas e vinte de avião e três horas e meia de autocarro…

É bom voltar a ver algumas caras, locais, coisas…e estar de volta ao cabeleireiro para tirar este peso extra de cima de mim. Se já tinha a mania do cabelo curto agora tenho a mania do pente 4 – uma espécie de vingança por um dia me terem obrigado a cortar por essa medida e, logo depois, chegou um telegrama a dizer que já não necessário.

Saíram pessoas da equipa portuguesa e o volume de trabalho decresceu substancialmente. Os dias de trabalho são passados na leitura de Saramago e Arturo Pérez-Reverte e na conversa com o resto da equipa.

Nunca parando de pesquisar o mundo, na procura de algo melhor e num país tão agradável quanto a Grécia, nunca esmorecendo a dedicação presente, nunca fugindo ao conhecimento de novos locais, pessoas, diferentes maneiras de ser e de agir.

Sempre de sorriso aberto, agora com mais um dente – temporário – que, no próximo ano, dará lugar à obra completa! Um grande abraço a duas dentistas que trataram exemplarmente desta empreitada.

Agora posso afirmar: já nada me espanta neste mundo!

A viver – hoje e sempre.

Um dia não são dias…

Há muito que aprendeste a ultrapassar as agruras da vida e, apesar delas, este foi realmente o melhor período de férias que alguma vez tive na vida adulta. Chegado a 1 de Setembro, depois de apanhar o metro e o comboio, subi a rua e encontrei o jovem de 12 anos e 364 dias a correr para os meus braços. Ele já havia ido 2 vezes à estação para ver se eu chegava…sem sucesso! Cheguei no terceiro comboio e o Samsung continuava sem conseguir registar-se numa rede portuguesa…incontactável!

Foi um abraço como só os pais que amam os filhos sabem dar e receber. Foi um agradecimento de um Pai a um filho por todo o esforço que ele tem colocado naquilo que é o emprego dele – os estudos – bem como na forma como tem evoluído socialmente, desportivamente e a maneira como define os seus objectivos futuros. Obviamente o jantar foi escolha dele e as pizzas do Tomate foram a escolha…culpa da menina Paula que lhe mostrou o sabor das ditas e imediatamente o colocou a fazer a sua própria pizza – não estive contigo desta vez, mas nunca és esquecida.

Adaptar-me a Espinho é algo que faço com um gosto que me sai naturalmente! Talvez não seja o que esperam de mim, mas o que eu quero…a t-shirt, as havaianas e o calção de banho são a indumentária mais utilizada! Furando por entre os “rurales” ainda conseguimos um dia de bastantes mergulhos e, com grande alegria, constato que já não fico gelado após o primeiro mergulho – está perdida a adaptação às águas Gregas e recuperada a adaptação às águas espinhenses.

Ri-me, como sempre o fiz, com o Luís Pires e chegamos à conclusão que já só faltam aproximadamente 28 meses até os Pais voltarem a dormir como outrora o fizeram. Debatemos os velhos métodos para adormecer crianças – o aspirador, o exaustor da cozinha, etc…apenas para chegar à conclusão que o rebento dele e da Henrieta consegue triunfar e não cede a métodos velhos de adormecimento.

Coloquei a conversa em dia com a Carla Lacerda e com o Ricardo Tavares e, retomando onde havíamos ficado da última vez, progredimos no conhecimento daquilo e daqueles que nos rodeiam. Muito recompensador e libertador. Bem hajam.

Passei tempos deliciosos com os meus primos, mãe, irmão, madrinha e padrinho “adoptado” e não consigo encontrar palavras suficientes para lhes agradecer. Terá que ser por acções. O Pedro a.k.a. “Careca” foi, como sempre, o impecável animador daquelas noites espinhenses que todos julgam que não vão dar em nada e.…dão sempre! Sempre com o acompanhamento do Roger Waters e alguns discos pedidos – alguns mesmo pirosos – de outrora. Vi a factura detalhada ser introduzida no Bombar e chorei à gargalhada com o detalhe a que se pode chegar!

Gosto muito da minha cidade e de um certo número de pessoas que a habitam. Muitos ainda procuram a sua vocação, mas, acima de tudo, são pessoas que sabem dar tudo em prol dessa palavra que é a amizade. São o que nos faz voltar e ter saudades. Bem hajam.

Sair no aeroporto de Dublin e encontrar o Quim Tó à espera da Mãe dele demonstrou-me que os espinhenses estão em todo o lado, mas os bons…merecem sempre um abraço!

Nunca digo adeus e, quem me conhece, sabe que me despeço com um “Até já”. É mais demonstrativo do desejo de voltar e de estar com aqueles que nos dizem tudo e eu não consegui estar com todos. Com os meus erros e uma ou outra virtude sempre estarei cá para vós. Se me esqueci de mencionar alguém foi por puro descuido meu, perdoem-me!

Aquele abraço, até já!

Dias de jogo

Fazes a direita apertada, entras no tabuleiro da obra construída pelo saudoso Eng. Egar Cardoso, vertes uma lágrima quando vês o estádio ao longe. Tentas recompor-te mas a “fome de bola” é superior e, quando chegas ao final da ponte, já há lágrimas derramadas por toda a face…

Não é fanatismo, é um amor por algo não palpável. Vais buscar o jovem de 13 anos e 11 dias e, juntos, caminham até ao centro de estágio.

Encontras a tua prima que, por sua vez, não encontra a chave de casa. Surge o teu primo. Pelo canto do olho continuas a deliciar-te com o resumo do CSKA.

Encomendas uma francesinha e um prego no prato e sorris quando os pratos chegam.

É dia de bola…até os comemos.

Aquele abraço.

Amigos…

Muitas vezes nos questionamos quem são os nossos amigos. Interrogamo-nos, num diálogo mudo, sobre o porquê da amizade que existe entre nós e outrem e, na maioria das vezes, damos por nós a sorrir de momentos muito bem passados e relembramos então o porquê de os apelidarmos de amigos.

Hoje tive a alegria de estar com um amigo de há muitos anos. A vida separou-nos algures por volta dos nossos 22 anos – quando eu tomei uma direcção e esse amigo optou por seguir outra via! Ele estava correcto e eu errado, mas nunca deixei de o apelidar de amigo, apesar da frieza com que fui então tratado.

Ele sempre se pautou por ser uma pessoa de uma serenidade acima da média e, recordo agora, tivemos muitas conversas sobre a decisão de outrora. Talvez fosse a minha maneira de enfrentar os tempos de então, mas, na altura, a decisão errada parecia-me a mais correcta. Ainda hoje ele me recordou – sem precisar de palavras – o quão errado eu estava e, quando o fez, eu sorri como que admitindo toda a minha culpa e desculpando-me por ter escolhido a via incorrecta.

Voltamos, por breves horas, a ter 15 anos. Estávamos os mesmos 3 de outrora e sorríamos como se os anos não tivessem passado…como os putos de outrora. Há muitas recompensas na vida – algumas pelas quais trabalhamos e outras que simplesmente nos são dadas – e esta, sem qualquer margem para dúvida, foi um retroceder até aos tempos da nossa virgindade e sabermos que, apesar de termos tomado direcções opostas num anterior momento da vida, agora nos encontramos no mesmo caminho.

É bom sorrir com um amigo. Muito bom! Agora imaginem com 2….

Aquele abraço.

Visitas…a todos os que amas!

O blog recebe aquela visita de França que teima em não voltar a Cork – será que algo ainda há para dizer? Para fazer? Para concretizar? Os dias de confraternização familiar continuam e os repastos alongam-se em tempo e amena cavaqueira.

Reservas um dia específico para os copos, outro para o almoço com os primos, ainda um para a praia – que grande tareia a que levaste do Atlântico…fazes o teu caminho habitual, respiras fundo, vês pessoas que não sabias ter saudades de ver – dos teus tempos de pretenso jogador de voleibol, sorris com as histórias, dissecas as vivências e rimos em conjunto do quanto caminhamos até termos chegado aqui.

Espinho é uma cidade em que podes fazer tudo a pé e só um parolo é que usa carro (salvo pessoas com necessidades especiais). É uma cidade em que a praia dista, no máximo, uns 10 minutos a pé – para o residente mais afastado. Analisas cada novidade, fazes o teu juízo de valor que interiorizas sem revelar e continuas, de cabeça sempre voltada à procura de novos detalhes – desde a última visita.

Andas trôpego com as palavras reveladas pelos professores do teu filho – em que todos o querem ter na equipa mesmo se houver necessidade de lutar por ele – todos gostam da sua atitude, da sua sabedoria e da sua inteligência. Ressalta nas palavras deles o seu sarcasmo – do qual sou Pai – e a sua inteligência na maneira como aborda as problemáticas de vários ângulos e com várias possibilidades.

Estás contente por estares na tua terra, puto. É só isso que interessa! Diverte-te.

Aquele abraço.

As manhãs

Acordas com o ruído dos vizinhos a sair de casa, espreguiças o corpo ao som da passarada (anda pela vizinhança um novo som e, mais tarde, irás averiguar de que nova ave se trata).

Abres os olhos com a ajuda dos dedos, numa espécie de espreguiçar ocular, arrastas o corpo até á cozinha e tens a primeira imagem erótica do dia – a máquina de café está lavada e pronta a ser usada.

Colocas água até á medida, café até ao cimo, limpas toda a área circundante do reservatório de café e atarrachas a parte superior. Salivas por antecipação, colocas os corn flakes no prato e acrescentas uma dose generosa do maravilhoso leite fresco irlandês.

Comes ao ritmo de quem ainda não tomou café, terminas no momento em que a máquina de café começa a emitir o ruído típico de quem está pronta e sentes uma alegria tua pelo ritmo perfeito da tua “orquestra” matinal.

Tomas o chuveiro já mais desperto e cobres o corpo com alguma roupa que tiras do armário. Desces à cidade e relaxas enquanto bebes o teu cappuccino. Questionas-te se devias ter ficado um pouco mais na cama mas, enquanto dono do teu tempo, fazes uma gestão atempada de tudo…

Aquele abraço.

Natural born killers

Eu sabia, na sexta-feira quando resolvi ir em frente com a decisão, que o fim de semana ia ser muito intenso. Sabia que muito provavelmente me deixaria extenuado, mas largamente recompensado, cansado, mas de prazer.

Depois das agruras de um relacionamento demasiado redutor, eu havia esquecido a sua existência (quer de um quer do outro). Talvez não me quisesse recordar ou apenas não me lembrasse, mas lembrei-me que haviam passado 2 anos e imediatamente o sonho voltou. A pergunta que não me largava a cabeça era: será que realmente há novidades? E havia!

Percorri os caminhos cibernéticos da literatura e havia duas obras-primas já disponíveis e uma a ser lançada no dia 11 deste mês. Imediatamente comprei as 2 disponíveis em Português e a que sairá no dia 11 – que será lançada em Inglês.

Foi um domingo de loucura em que, por muito pouco, quase não cheguei ao destino. Completamente vidrado na ânsia de começar a ler, começar a sofrer, começar a tentar decifrar antes do autor o escrever, de chegar ao fim e exclamar: sempre muito bom. E assim foi…até consegui bater o tempo de leitura que o Kindle diz que o livro demora…

Foi muito bom voltar a partilhar momentos com o Gabriel – ainda mais tratando-se de uma aventura maioritariamente passada na Irlanda – e voltar a sorrir com as descrições que o Daniel faz dele.…em sonhos revejo sempre a imagem de um dos melhores restauradores de obras de arte do mundo, apoiado no queixo e com o rosto ligeiramente inclinado…sublime!

Cansei-me, mas foi dos esforços mais recompensadores que tive, num Fitzgerald Park que ora estava nublado ora estava ensolarado. Um dia muito bem passado! Na companhia de estranhos, com o ruído da natureza e com o meu livro. Bem-haja!

Protóxido de azoto

Acordo e dou por mim de roupão desapertado, de copo de vinho do Porto na mão e no 4º andar com vista para o River Lee. O compasso das gotas a embaterem na corrente do rio, que agora flui para o mar enquanto a maré desce, o som da chuva a bater nos vidros, a vista de um rio que muda conforme a maré o comanda. O roupão é emprestado e tolhe-te os movimentos, mas já te movimentaste demais para um dia só e agora só pensas no sono retemperador que tens pela frente.

Observas a massa anónima que se desloca, de pub em pub, como se a água que cai fosse tónica para o gin da vida deles. Já te habituaste a tantos hábitos locais, mas sorris quando pensas em quantos mais ainda terás para descobrir.

Relembras o queixo caído, de hoje de manhã, quando viste a quantidade de barris empilhados para a troca diária (é sempre um número impressionante de barris multiplicado por cada pub que passas), relembras o momento em que entraste na farmácia – enquanto conversavas com o teu filho no Skype – e a palavra cotonete não te ocorria em Inglês – sorris quando recordas que ouviste uma voz em Português, vinda de trás do balcão, a dizer que os cotton buds estavam à tua esquerda, sorris pela simples razão de saberes porque te encontras naquele local, naquele momento, com aquele copo de vinho do Porto na mão

Andas a sorrir muito…infliges-te uma estalada imaginária, para tentar conter o sorriso, e sorris enquanto voltas a teclar o que te vai passando pela cabeça. Editas umas partes – não queres que as pessoas pensem que é verdade – dás um ar sinistro a outras partes, em que não queres que as pessoas pensem que é mentira e, quando chegas ao final da frase, já estás a rir-te novamente.

Obviamente culpas o protóxido de azoto! Do qual não usufruíste, nas tuas idas ao dentista, mas precisas de encontrar um culpado para tanta gargalhada…Quem, no pleno uso de todas as suas faculdades, pode sorrir sem 3 dentes? Eu!

Aquele abraço.

Momentos matinais

Quando consegues dormir até às 10 da manhã, num país sem persianas, e acordas com um som que te faz imediatamente articular o queixo, de espanto…esqueces, por momentos, que devias espreguiçar-te convenientemente antes de iniciares o teu dia e trocas tudo pelo ligeiro abanar de cabeça, ao ritmo da música, seguindo a letra da mesma.

Estranhas que as boas músicas tenham um final – muito embora fiquem em nós por um tempo infinito. Acordaste e estavas no Tendinha, com os teus amigos de sempre, e até coraste porque te perguntaste “Será que realmente passei a noite no Tendinha?” mas sabes que o teu tempo no Tendinha sempre foi para queimar calorias, dançar ao som de boa música e estares com aqueles de quem mais gostas. Mais detalhes e o blog passaria a ter uma classificação de “Só para adultos” …

Ouves a passarada lá fora, abres a cortina e vês o habitual céu nublado, esboças um sorriso de gajo habituado a estas andanças – sorris ainda mais quando te dás conta que é o mesmo sorriso que esboçavas na Grécia quando, pela manhã, abrias as persianas da sala e vias a zona de Victoria no alvoroço matinal e tu – que sempre foste dado a despertares muito precoces – saudavas a boa noite de sono que tinhas tido (apesar da temperatura constante – os 30 graus nocturnos). A maneira como outrora apreciavas cada trovoada – porque já eras como os locais e abrias a casa toda para arejar (e aproveitar para baixar a temperatura no interior da mesma) – e agora começas a ver a chuva como algo habitual – como outrora o Sol o foi.

Olhas, com um amor incondicional, a tua máquina de café e, mecanicamente, colocas água na parte inferior, o depósito do café em cima – que enches com uma colheita de café colombiano do Robert Roberts, enroscas tudo muito bem e colocas ao lume. A espera pelo líquido é feita ao som de uma playlist que encontraste no YouTube e, quando menos esperas, começa a tocar o “This is the day”, dos The The…por momentos és um puto de 15 anos, no Splash, a curtir a mesma música – no meio da pista, de Super-Bock na mão (a cerveja de Leça do Balio era uma forma de separar as boas das más discotecas, no final dos anos 80), cercado de outros 5 companheiros de aventura. Depois de umas tacadas num verdadeiro bilhar Americano e com a noção que o regresso a casa seria feito muito rapidamente – alguém iria sugerir que os “Irmãos Cavaco” (evadidos nesse ano e, na altura ainda a monte) estariam escondidos na moita seguinte – o que fazia sempre com que chegássemos a casa em passo de corrida! Éramos jovens corajosos, mas também corríamos bem!

O café produz o seu efeito e desperta-te para a necessidade de criar novos momentos, mentalmente tens a imagem do duche, mas apetece-te colocar todas estas visões por escrito e questionas-te porque não fazê-lo enquanto bebo mais um café? Raramente discutes muito contigo e, de chávena na mão, atravessas os 2 metros que separam a cozinha da sala, ligas o computador e…deu nisto!

Bom fim de semana malta. Aquele abraço.

Está quase…

Está quase concluída a semana de 11 horas e 30 minutos diários. O grande gozo que advém das três horas extra de aprendizagem sobrepõe-se claramente aos benefícios monetários. 😊

Sentir a acção sobre os domain controllers do mundo, a propagarem a informação que tu ensinaste a introduzir, sentir a tua colaboração num novo negócio que é gerado, sentir o agradecimento pela ajuda prestada. É indescritível a sensação de contribuir para a aprendizagem de outrém! A imagem que mais me ocorre é do Johnny Mnemonic a encher a sua cabeça para transportar a informação. Um bom sentimento! 💪

A cidade tem sido incrível na forma como nos divertimos e ficará sempre no meu coração. Muito mais limpa do que Atenas, muito mais fria também mas o teu salário permite-te juntar para ires até aquele continente, de língua oficial inglesa, onde sempre sonhaste passar uma valente temporada! 🇦🇺

Vives os sonhos com a realidade como pêndulo de uma racionalidade que tem que existir. És uma pessoa bem formada, com uma atenção especial a tudo o que te rodeia e sabendo sempre que o teu destino é sempre a paragem seguinte. ☺️

Para que nunca te esqueças de quem és – 18/5/2017