A inércia da pesca…

Quando as pessoas estão a dormir nós, enquanto observadores, devemos respeitar esse sono e não incomodar – a menos que o sonho que idealizamos seja razão mais do que suficiente para arrancar a vítima do seu descanso. Infelizmente há muitos anzóis colocados na linha dos sonhos e os “peixes” que ousam sonhar, por vezes, deixam-se levar pelo engodo e, imitando os seus primos terrenos, mordem o anzol.

Há os mais fortes, mais sortudos, mais ágeis e os que, numa soma de todas essas virtudes, conseguem libertar-se do anzol mas outros, mais curiosos em saber que bicho é aquele na ponta daquela coisa brilhante, são agarrados pelo metal retorcido sem dó ou piedade! Uma questão de curiosidade fatal – bom título para um filme – em que o simples querer saber mais do peixe se transforma na refeição do pescador. A perversão de tudo o que nos é ensinado: que devemos sempre seguir, com curiosidade, aquilo que desperta em nós esse sentimento!

Enquanto agarrado ao anzol, o peixe só pensa em libertar-se! Constata o erro, assim que morde a curiosidade e começa um bailado desenfreado pela vida! Mas, nesta luta entre a natureza e o ser humano, as probabilidades do peixe são muito baixas – nem um 60/40 é, quase que o equivalente a alguém dar call a uma bet de 4BB’s com Ax na esperança de ver um A bater no flop e, mesmo após o A não ter batido, continuar a cobrir as apostas do adversário até perder as fichas todas.

Há peixes que, mercê de um bailado que deve ser ensinado no Bolshoi dos peixes, conseguem libertar-se e outros que, para gáudio de todos nós que gostamos de peixe, não conseguem. Dependendo do baile que dão, os peixes poderão ou não sobreviver. Eventualmente até haverá peixes que, com um sorriso entre guelras, saltam de boca aberta para o anzol mas não me parece que esse seja o comportamento maioritário e, certamente, não será o que o pescador espera quando, de manhã cedo, parte para a pesca.

Os linguados, esse sim, têm uma boa vida. A virar-se de frente ou costas – conforme estão na rocha ou areia – são os camaleões do fundo do mar. Certamente sabem o quão saborosos são e daí a atitude de dupla personalidade, conforme frequentam a areia ou as rochas. Com sorte, muita sorte, qualquer um de nós pode mergulhar uma mão na areia e, apertando forte, sacar um linguado mas, o que se passa a seguir é que conta: levo o linguado e como-o ou finjo não ter força para apertar e solto-o? É nessa inércia de falta de aperto que se resume todo um dia de pesca!

Quem disse que o assunto era pesca? – 5/6/2020

Natural born killers

Eu sabia, na sexta-feira quando resolvi ir em frente com a decisão, que o fim de semana ia ser muito intenso. Sabia que muito provavelmente me deixaria extenuado, mas largamente recompensado, cansado, mas de prazer.

Depois das agruras de um relacionamento demasiado redutor, eu havia esquecido a sua existência (quer de um quer do outro). Talvez não me quisesse recordar ou apenas não me lembrasse, mas lembrei-me que haviam passado 2 anos e imediatamente o sonho voltou. A pergunta que não me largava a cabeça era: será que realmente há novidades? E havia!

Percorri os caminhos cibernéticos da literatura e havia duas obras-primas já disponíveis e uma a ser lançada no dia 11 deste mês. Imediatamente comprei as 2 disponíveis em Português e a que sairá no dia 11 – que será lançada em Inglês.

Foi um domingo de loucura em que, por muito pouco, quase não cheguei ao destino. Completamente vidrado na ânsia de começar a ler, começar a sofrer, começar a tentar decifrar antes do autor o escrever, de chegar ao fim e exclamar: sempre muito bom. E assim foi…até consegui bater o tempo de leitura que o Kindle diz que o livro demora…

Foi muito bom voltar a partilhar momentos com o Gabriel – ainda mais tratando-se de uma aventura maioritariamente passada na Irlanda – e voltar a sorrir com as descrições que o Daniel faz dele.…em sonhos revejo sempre a imagem de um dos melhores restauradores de obras de arte do mundo, apoiado no queixo e com o rosto ligeiramente inclinado…sublime!

Cansei-me, mas foi dos esforços mais recompensadores que tive, num Fitzgerald Park que ora estava nublado ora estava ensolarado. Um dia muito bem passado! Na companhia de estranhos, com o ruído da natureza e com o meu livro. Bem-haja!

Clock ticking

Acordado pela passarada, corpo bem esticado por um espreguiçar ímpar, com muita preguiça de fazer até o próprio café…

A necessitar de fazer as compras semanais e deparado com uma cidade que já dorme a sesta, de ar condicionado ligado, como se a temperatura fosse tão aflitiva…

Estão uns 18 graus, corre uma brisa ligeira, de vez em quando, e estou na esplanada do Ó Conail que, apesar de ter como especialidade o chocolate, tem um cappuccino muito bom.

Sorvo mais um gole e vejo quem passa. Salvo raras excepções está tudo num ritmo típico de domingo e até eu, já depois de ter visitado o Fitzgerald Park, anseio por uma soneca.

Semana muito recompensadora, em termos humanos, com novas pessoas conhecidas. Algumas amizades a fazerem-me questionar como por vezes podemos ter colegas de trabalho como amigos!

O café toca música dos anos 80/90 e os turistas param, espantados, antes de entrar para relaxar um pouco. Este é o meu canto secreto, aquele onde descanso enquanto escrevo, aquele onde bebo café enquanto vejo quem passa, aquele onde me sinto bem.

Ao contrário do Néctar, este café fica numa viela entre a rua principal e uma paralela que nos conduz á Ópera (direita) ou Grand Parade (esquerda). É essencialmente percorrida por pessoas ávidas de conhecer detalhes e não o que o roteiro indica, fugir do vento para uma pequena brisa, apreciar sem pressas e com detalhe.

Um bom domingo. Aquele abraço.