Aquele domingo para conhecer o país.

De rotineiro pouco tem, salvo a periodicidade quinzenal, e o facto de o destino ser sempre diferente incute uma curiosidade que tira o sono com a perspectiva do que vais encontrar a seguir. A partida é feita quando a noite ainda está a terminar, para alguns, e o dia começa, para outros. Não é fácil encontrar locais abertos para as coisas triviais da semana – porque é domingo – mas as que encontras reúnem, no seu íntimo, detalhes que não descortinas na rotina de segunda a sábado.

A primeira paragem é feita num local de pão famoso – Padronelo – e o facto de não podermos homenagear as Clarinhas de Fão, como nas incursões anteriores, é trocado por umas tartes de chila da região que colmatam, logo a abrir, a saudade. Digeridas as tartes, e comido um pão tradicional, continuamos a descoberta da margem direita do Douro até “desaguarmos” na Régua que, mercê de uma festa local, estava com um trânsito caótico.

Por entre paragens – de observação e cliques fotográficos – prosseguimos para a Adega da Ti Palmira, em Almodafa, que nos presenteou com um maravilhoso bacalhau na brasa que recomendo vivamente a quem pretenda um bom almoço com uma vista deslumbrante (há que reservar antecipadamente). A digestão é feita em Ucanha, por entre pontes, rio e viúvas. O sol está bastante quente; ofereço-me um café e uma água fresca enquanto o companheiro de luta fotografa as belezas locais em tons de preto e branco.

Continuamos a regressar e, mercê de um telemóvel que não carregou telepaticamente, somos obrigados a recorrer a uma outra aplicação que nos indicou o caminho (?!) correcto. Imbuídos da certeza do que a aplicação indicava, e na falta de um céu que permitisse o uso do sextante que também não possuíamos, fomos dar a um caminho municipal cujo último uso parecia recuar ao tempo da ocupação romana. 

Sensivelmente a meio do caminho encontramos um senhor de idade que, num misto de espanto e pavor (por ver o seu refúgio descoberto) lá nos indicou o caminho de volta para a civilização. Sempre em redutoras, e cruzando os animais que pareciam igualmente espantados, voltamos a encontrar a N222 para chegarmos a casa.

Por entre pinheiros, maias, muitas cerejas (que só apetece comer), viúvas, ciclistas, paisagens naturais maravilhosas e uma gastronomia de fazer água na boca, cumprimos mais uma incursão no interior de um país que merece que o saibamos explorar muito mais e melhor. Um passeio que recompensa, por todos os detalhes que une, e que nos engrandece tanto quanto a melhor das viagens que já tenhamos feito!

A desbravar Portugal – 27/5/2024

O carregador da bateria.

Havia passado bastante tempo, desde a última carga, mas a verdade é que o processo tinha tido sempre contratempos – ora o carregador tinha oscilações na corrente, ora o tempo de carga não era o anunciado, ora a reserva não era cumprida conforme havia sido contratualizada. O carregador, apesar de ser o mais apetecível (por uma série de detalhes que o tornavam único), tornou-se um descarregador face aos inúmeros problemas que causava. Tinha características únicas, no que numa vida, apelidaríamos de parceiro ideal mas, apesar das inúmeras virtudes, teimava em comportar-se de forma a trair o princípio pelo qual existia, no que numa vida, chamaríamos de auto-sabotagem. Parecia querer ter vida própria e jamais ser cooperante.

Chegado a casa, e ciente da necessidade de recarregar as energias, optou pela sua tomada de sempre – no fundo da cama, com a extensão a permitir que continuasse a escrever – a parceira ideal que, apesar de não permitir que transitasse, lhe dava a carga necessária – com o complemento proximidade e sem a azáfama social de um carregador inquinado. O correspondente, na vida, ao “mais vale só que mal acompanhado” que, no sentido que para ele fazia, correspondia a tempos de reflexão e escrita. Com o sol a aquecer-lhe os pés, com a chuva a despertar a preguiça, estava um devoto na arte de retemperar-se – não que se obrigasse a tal, mas tão só e apenas porque só totalmente energizado é que fazia sentido embarcar em novas aventuras.

Desligado o carregador sentimental, e tendo transferido a energia para o lado intelectual, virou-se para a escrita de uma aventura que, apesar de descrever um cenário fictício, tinha muito do que era a sua própria vida. O azul e branco grego, os jogos de poker apoiado pela Stars and Stripes, o Vic e a Union Jack, a Ordem e Progresso com aquele mês maravilhoso, as cataratas e os estádios, a Rússia e o Eddie Vedder, a África do Sul e a melhor viagem de autocarro de uma vida, o amor de um casal recém-casado, a sorte de aterrar num aeroporto no dia anterior a um atentado. Momentos da vida ficcionados para esconder identidades mas não factos.

O plano era descansar tanto quanto um profissional do descanso ousaria fazer e, sentindo-se a caminho da profissionalização, sorriu com o quão bom tem sido este caminho de amor próprio.

O “narcisismo” de nos sentimos bem – 15/5/2024

O eterno carregador energético.