O azul profundo

Era o final de 1988, um ano de aprendizagem – entre o inter-rail despesista e a aprendizagem amorosa, a adolescência e os seus calores, os passeios e os trilhos virgens, novos filmes e novas tecnologias. Madrugadas de filmes, num horário irracional da meia-noite às 7 da manhã – enquanto a casa dormia! Snacks na cozinha ou investidas na noite espinhense, em busca de um aperitivo nocturno.

No horizonte adivinhavam-se mudanças e, fruto da curiosidade própria da idade – com o catalisador da irreverência ligado e a uma velocidade estonteante – o humilde narrador raramente via um filme do início ao fim – bicho carpinteiro ou natureza? Jamais a ciência saberá a resposta!!!!

As almofadas estavam prontas e o público enchia já a sala, nessa altura com a lotação esgotada no máximo de duas pessoas! Barriga composta, por um qualquer cachorro quente improvisado e prontos para ver um filme de quase três horas de duração. Confesso que a natureza sempre constituiu um amor – em querer ver para, posteriormente e se possível, conhecer.

O filme começou e imediatamente ficamos deslumbrados com todas as imagens e a espectacularidade da fotografia! Exclamei “Um dia vou ter que conhecer o sítio onde isto foi gravado!” e o meu irmão, gajo sempre atento a detalhes, indicou a Grécia como sendo o local a visitar. Ao longo da vida muitas foram as vezes que repeti a visualização do filme e sempre, sem excepção, a vontade de “ver para crer” estava presente!

O filme retrata a vida de um homem encarcerado num corpo de golfinho, o amor pela natureza num superar constante dos limites, um ser irrequieto e irreverente que não encaixa nos padrões normais da sociedade e que resolve criar o seu próprio mundo – com os inerentes defeitos e virtudes – é assim que eu o vejo!

Quando cá desembarquei, para dar continuidade a uma saga feliz iniciada em 2015, sabia que teria que ser uma das primeiras visitas! Num misto de teimosia, curiosidade e não deixar para amanhã! Assim, e porque a primeira oportunidade foi usada para ir a Meteora, tratei de começar o planeamento logo após a chegada do Norte! O estúdio sobre a praia a um preço médio-alto, o bilhete do barco com lugar reservado e o certificado digital de vacinação Covid estão prontos e o dia da partida mais não é do que um excitante natural, ao nível da melhor cafeína comercialmente disponível!

Faltam cinco dias de trabalho e depois vou conhecer o paraíso! Não na vossa definição da palavra mas sim na definição do que o meu coração precisa!

Monastiraki

Arde e vê-se…

É uma Atenas rodeada de fogos – até a tua antiga praia, que só descobriste como fruto da empatia de uma grega simpática, tem chamas como cartão de visita para quem estiver a sair da água. Uma nova vizinhança, em que te fazes acompanhar pela tua melhor personalidade, novas caras – de personagens novos na tua vida, enquanto planeias a única viagem que sempre quiseste fazer, sem que ninguém possa interferir na tua felicidade. Um egoísmo saudável…

Agradeces ao teu instinto toda a intuição que te tem dado assim como o perdoas por te ter permitido, em raras ocasiões da vida, deixar as coisas chegaram a um ponto intolerável – até para ti. Sorris com amigos, com os projectos que lhes revelas e recebes uma solidariedade profundamente amigável de quem, sem lutar, também batalha por ver-te feliz. Estás rodeado de pessoas recentes que sabem, instintivamente, detectar o teu estado de espírito – ora embarcando na felicidade dele ora erguendo-te de uma melancolia passageira que uma qualquer música te possa causar!

És um bombeiro, num fogo imaginário da vida, disposto a dar-lhe um combate sem tréguas – amando ou ignorando, com a mesma paixão e sem nunca deixar a tua integridade ser afectada. Conheces e reconheces a importância dos valores que te foram incutidos e que, com o diapasão da experiência de vida, foste aperfeiçoando à tua personalidade imperfeita. Dás um grito de força e fazes a reserva e agora? Agora só falta fazer a mala e marcar o barco…algo tão simples quanto respirar vida!

Aquele receio infantil

As pernas eram compridas e, diariamente, cruzávamo-nos no mesmo lugar. O corpo era desenvolvido para uma idade que não aparentava ter – o corpo musculoso, a velocidade com que se deslocava, a aparente indiferença com que fazia o percurso, tudo nela inspirava uma confiança desmedida! Parecia a matriz da perfeição dos seres, aquela por quem todos copiam – comportamentos, confiança, segura de si!

Era quinta-feira à noite quando, cheio de coragem, achei que tinha confiança suficiente para a enfrentar – num diálogo entre desconhecidos que pressupõe sempre alguma tensão, nervoso miudinho, fraqueza de membros que, no dia-a-dia, nunca nos falham e, até pelo contrário, nos impulsionam para conhecer horizontes desconhecidos. A noite seria seguida por três dias de descanso, numa conjugação de um dia de férias e o fim-de-semana de descanso a que todos temos direito!

Tinha-a baptizado de Kareem Abdul-Jabbar – não só pela altura que tinha como também pelo corpo que era semelhante ao de um atleta de alta competição. Mas, nessa noite, fui obrigado a rebaptizar de Michael Jordan! Pela forma como deu um salto, assim que me viu! Recuei, pois a falsa timidez deu lugar a um medo frenético! Ela atirava-se a mim e eu, de pelos em pé e surpreendido por uma reacção tão espontânea quanto corajosa, dei por mim a tirar a havaiana para me defender! “Se é de violência que gostas então é violência que terás!”

Tirei-lhe as medidas, enquanto reparava que ela se propunha voar para mim. Calço 44 mas a havaiana parecia pequena para ela! Agitei-a no ar, na esperança que o movimento a fizesse debandar mas obtive apenas uma mudança de cor nas costas dela que, pela pose agressiva, se assemelhava a uma leoa, que mostra os dentes antes de matar a presa. Rapidamente recoloquei a havaiana no pé e fugi, rua acima!

Foi das baratas mais ferozes que enfrentei…

Quando o IKA está em todo o lado…
Quando o IKA está em todo o lado…

A frescura de Atenas

Sentado num balcão, que combina a temperatura exterior com a brisa fresca que vem do ar condicionado interior, munido de um copo de água e um Freddo expresso sketo, de olhar perdido na esplanada e com um sorriso aberto – esta é a melhor definição do meu domingo.

A patroa da casa que assombra as funcionárias, o café que sai a um ritmo inversamente proporcional à água, as beldades gregas que quase se atropelam para obter o melhor ângulo da esplanada. Os pombos que lutam por migalhas enquanto os humanos reclamam porque a conta está errada, enquanto as motorizadas, sempre kitadas com escapes de rendimento, dão uma sonoridade tão irritante quanto típica na Grécia.

Num canto está o “Abrumhosa”, assim designado porque nunca tira os óculos escuros, no centro a patroa continua, tão exuberante quanto irrequieta, a tentar controlar tudo o que se passa sem deixar transparecer estar tão perdida quanto as funcionárias. Param tudo e sincronizam o que está a ser facturado a cada mesa – num exercício de racionalidade tão atípico nestes negócios – tentando evitar que a Grega, de mão na cintura, volte a reclamar estar a ser cobrada em excesso.

Ao longe, em termos de distância mas não do olhar, está uma diva semelhante à Claire Forlani – numa versão mais humana, mais acessível e de uma beleza ainda mais calorosa do que o “original”! Sai uma mota para fazer as entregas e os nossos olhares cruzam-se, envergonhados mas sinceros, a demora em desviar o olhar deixa a imaginação a transpirar e, cuidadoso como sempre, aproximo o banco alto do balcão de forma a usufruir de mais ar condicionado interior!

Um sorriso, ao longe, obriga-nos a um novo cruzar de olhares e a adoptar uma postura mais defensiva – cruza os braços enquanto acaricia a mão – num gesto de carícia própria que parece acalmar a ideia de carícias menos próprias, conforme definido socialmente.

O corpo está afastado da mesa, uns dois palmos, e apoia o queixo sob as mãos, delicadamente sobrepostas. Braços estendidos e esculturais, cabelo castanho claro que brilha com o impacto do sol. A iluminação natural faz sobressair toda uma simplicidade de uma pessoa que, sem pudor, fixa o olhar no meu! Será um desafio de olhares? Não ouso dizer mas constato que não quero perder! É de olhares fixos que somos “apanhados” por quem nos acompanha mas, sem temermos ser autuados, afundamos os olhos um no outro sem que qualquer lei possa ser aplicada! Uns fora-da-lei sem pudor!

É a única destemida, de um grupo de três pessoas, que enfrenta o sol, com um ímpeto muito mais radiante do que o astro, com os óculos escuros no cimo da cabeça, com um cabelo que, conforme o ângulo vai variando, parece tornar-se mais belo, mais atraente, mais digno de ser tocado. A mão esquerda sobre o braço direito – como que refrigerando a temperatura, o vestido que parece colar-se, mais e mais, a um corpo desenhado por um Da Vinci da anatomia…a forma como lentamente sorve a água, depois do café terminado, é de uma beleza simples mas descomprometida – como se tudo nela fosse simples e, ao mesmo tempo, de uma beleza indescritível que apenas se pode tentar descrever….

O novo cantinho

Talvez seja uma conjugação de factores que me traz aqui – a cara bonita, a simpatia singular, o facto de colocarem a música grega num volume anormalmente alto, os olhares que trocamos ou as cervejas com que me vai mantendo aqui…não sei! Ou talvez tenha a certeza mas não quero admitir o óbvio! A cerveja é servida a uma temperatura próxima do congelamento que, para mim, é a temperatura ideal – as noites já não são frescas como outrora, ao longe ouço The Cure a tocar bem alto e, de forma envergonhada mas sentida, finjo não ouvir – para não prejudicar o romance envergonhado!

A alteração manual das músicas é feita por cima do balcão – o que prejudica bastante a lucidez de qualquer heterossexual assumido! A indumentária é a armar ao simples e despretensiosa mas perfeitamente ajustada a um corpo que se assemelha bastante a uma ideia antiga – agora tornada realidade – de como uma deusa grega é! Ouvem-se petardos ao longe e, tratando-se da Grécia, não sabemos se me leram e estão a celebrar ou se começou uma guerra civil! Ela aproxima-se e sussurra-me que é normal…como se o normal existisse na Grécia….eu finjo não ouvir muito bem e recebo um sorriso tão empático que acabo por corar. Ela sorri e afasta-se com o sentimento de dever cumprido….por me ter acalmado, julga ela, como se eu estivesse concentrado no ruído!!!!

Interrompe a música que tocava, debruçará sobre o balcão, com um top do qual só existe o topo e um mostrar atrevido de um traseiro que nem esculpido poderia ser criado de forma tão perfeita! Continuo sem conseguir ouvir, finjo apenas que o faço, qual impostor da audição! Só a visão e o coração funcionam – num sincronismo que apenas é interrompido pelo final da música! Não que eu consiga escutar….é a visão que me mantém informado!!!!

A loucura de tudo querer concretizar.

Sabíamos que o caminho era longo, apesar de muito divertido e de grande beleza, sabíamos que poderíamos ir no sábado e fazer um dia e meio de carácter profissional, não sabíamos era que nos poderíamos apaixonar. Num pequeno Micra, alugado no dia anterior e intacto após o percurso de Sigrou até casa, ousamos subir em direcção a Thessaloniki, muito embora soubéssemos que o destino era anterior a essa bela cidade. Seriam umas cinco da tarde quando iniciamos uma viagem que sabíamos ser de bastantes horas mas, munidos de uma vontade desmedida, aceleramos pela A1 local.

Googlamos, para ter a certeza que havia resultados de outros Micras terem feito percursos de igual dimensão e, sem obter resultados dignos desse nome, arriscamos ser os pioneiros! A loucura, semelhante a um Pedro Álvares Cabral, fez-nos chegar a uma localidade chamada Kalabaka. Era noite quando finalmente subimos para o quarto 306 e constatamos que estávamos cercados por ruidosos Gregos. Como não somos feitos de genes que nos fazem desistir, saímos do quarto – já livres das mochilas, e fomos jantar a uma taverna que não distava mais do que uns dez passos – actos corajosos de pessoas exaustas.

Talvez tenhamos adormecido, após os Gregos se calarem na varanda exterior ou talvez estivéssemos a planear – mentalmente – o dia seguinte mas acordamos naturalmente e com um apetite voraz. Descemos para um pequeno-almoço típico de uma aldeia e, após saciarmos a fome (que nos países normais corresponde a umas três refeições completas) saímos para explorar as redondezas. O objectivo, para além de visualizar, era sentir – o que é que sentimos quando a natureza é deslumbrante? Foi a nossa pergunta matinal e saímos com a intenção clara de voltar com uma resposta clara e inequívoca!

O joelho direito havia cedido pelo que a caminhada estava fora de questão. Munidos de um Micra “capitalista” (alugado na capital), subimos ao primeiro mosteiro para, em primeira mão, constatar toda a beleza local – ousamos entrar por jardins proibidos, sem comer maçãs ou alterar a paisagem presente, de maneira a obter o melhor ângulo de visão do pequeno teleférico que….transportava mantimentos! Após constatarmos que jamais ousaríamos andar em algo semelhante, partimos para o mosteiro seguinte. Tínhamos tudo muito bem planeado e o Google Maps não passou de um acessório para a beleza e ligação natural que se estabeleceu mas, melhor do que continuar com a descrição, prefiro instigar-vos a conhecer Meteora porque é um dos mais belos locais que a natureza nos oferece! Vão, visitem!

Aquele abraço – 7/6/2021

Passeios históricos

Das caminhadas junto ao mar até às caminhadas por Atenas – se bem que o mar rejuvenesce a alma, a verdade é que a minha cabeça sempre ficou por aqui. Poderão afirmar que menti a mim mesmo durante o tempo em que estive ausente mas a verdade é que fui vivendo, amando, conhecendo e sorrindo enquanto não voltei! Com total entrega – e até dei por mim a não me importar de seguir outrem para que não houvesse interrupções na entrega mútua. Se a vida assim não quis então será porque a Grécia, com o seu espírito livre e amoroso, me quis ainda mais.

Fui fiel a mim mesmo e, na impossibilidade de simplesmente voltar sem trabalhar (que chegou a ser questionada, uma vez que tenho toda a documentação de cidadão Grego), entreguei-me nos braços de um amor antigo que, mea culpa feita, eu não soube preservar – com todo o respeito e carinho que ainda conseguimos ter.

Assisti a uma partida deste mundo que levou muita da beleza que só uma amizade singular proporciona – a irmã que nunca tive decidiu descansar de todas as agruras que a maldita doença lhe provocava e jamais deixarei de a chorar – pois sinto, constantemente, a sua presença – com o sorriso maravilhoso de incentivo, o abraço de profunda amizade, o recordar de segredos tão nossos que eu juraria terem começado quando ainda éramos bebés. Visitarei o Petros, na ilha que visitaste, para recordar locais que não conheço mas, sabendo e conhecendo a tua curiosidade, estou certo que conheceste toda a ilha para depois, com conhecimento de causa, teres deitado na melhor praia que havias descoberto. Sinto em mim o teu incentivo e tal advém da forma única como crescemos – como grandes e inseparáveis amigos.

Num dia concorro a Sofia, na Bulgária, mas dada a demora da empresa a responder, a recrutadora da agência falou em Atenas, como se de uma alternativa se tratasse!!!! O meu mundo parou e o meu tom de voz despiu-se perante a possibilidade de regressar. A recrutadora estava pasmada com a expressão que eu usei, assim que ouvi “Atenas”. Hoje tomei a liberdade de lhe enviar uma mensagem, com uma fotografia anexada, a agradecer o facto de estar aqui. A resposta dela não tardou e dizia “Raramente nas fotografias vemos a felicidade nua que exibes. Um obrigado por me teres deixado participar na tua felicidade”!

Tenho a certeza que ela também tem razão e, tal como outrora me dizias que a Grécia era o meu país, também eu começo a ter a certeza que ambas têm razão – eu é que simplesmente neguei o inegável! Um abraço muito forte, com todo o cuidado. Daqueles que as pessoas comentavam que lhes causava inveja!

Atenas – 23/5/2021

Memórias

Dia fenomenal em que consegui estar com o melhor amigo Grego e com a melhor amiga Grega (sem qualquer relação de parentesco entre eles). Foi reconfortante receber o abraço do George e voltar a viver a “doce loucura sã” da Angelina, foi bom continuar as conversas como se o tempo não tivesse passado, foi delicioso estar com duas pessoas tão singulares quanto a pluralidade cultural que representam para mim.

Amanhã começa a formação e continua o convívio com os amigos que ainda falta rever – a Maria, o Thanasis, o Mido (que saudades de um Egípcio que é o mais europeu de todos nós), rever a Vicky, ir ao Dry…uma infinidade de tarefas que encaro com um sorriso aberto que condena a palavra “tarefas”, atrás usada.

Estamos no terraço a conversar sobre o dedilhar de guitarras que, entretanto, transformamos em dedilhar de corpos femininos gregos – influência do país em que nos encontramos 🙄😂

O desporto como forma de aproveitar para passear – estamos numa cidade em que tudo pode ser feito a pé e, o vosso humilde narrador tem uma bolha de água em cada pé para provar o amor que coloca em cada um dos momentos exploratórios! (Orgulho Lusitano!!!!).

Tenho sono mas a temperatura amena convida a estar a confraternizar enquanto, de maneira participativa mas talvez egoísta, vos escrevo estas palavras! Admito…ainda acordo de noite para me beliscar e poder exclamar: é verdade, estou de volta à minha amada pátria!

Confidências de uma noite de convívio – 19/5/2021

As cores de Plaka.

Degraus

Já em casa da mãe há uma predileção por um degrau – não há nada de especial com ele mas, se aprofundarmos a relação, um degrau pode ser tudo na vida – um assento improvisado, o último ou o primeiro a ser conquistado, um exercício de cardio, um ponto de encontro. Quando aprofundado tudo pode ser o que nós quisermos que seja…

Uma viagem de 4 horas e meia transformou-se numa aventura de 40 horas – a obrigatoriedade de dormir em Istambul porque o Governo Grego obriga a um registo prévio de todos os cidadãos que chegam e eu cingi-me ao teste negativo de Covid….Quando soube só pude sorrir e, ao telefone com um cidadão local, rirmo-nos porque a chegada é feita com o amor grego – só entra se cumprir – e está de tal forma enraizado que os países de partida se recusam a deixar voar, quem quer que seja, sem o Passenger Locator Form!

Nada nervoso mas ansioso por fazer o que neste momento faço – beber uma limonada nos degraus de Plaka! O local de reunião que sempre usamos, o ponto de encontro onde anda sempre um amigo, o meio caminho entre as pitas 🥙 e o prazer de aperitivar, entre o ócio criativo anterior ao jantar e o visualizar o passado com o respeito e intimidade que ele merece. As flores que enchem o quadro visual de cores, os gatos que se passeiam como os verdadeiros donos disto tudo que realmente são.

A Grécia não é igual a nenhum país por onde eu tenha passado – há um orgulho imenso na república mas também gozam os percalços de que a mesma sofre, há uma solidariedade sem igual mas, no mínimo, exige-se uma conversa como método de “pagamento” dessa mesma solidariedade – e há conversas profundas sobre todos os temas, tal como a que me foi “exigida” quando a limonada me foi servida (obviamente o método de elaboração do sumo foi o tema).

Há um prazer simples em conversar, aprender, crescer como pessoa e isso, perdoem-me, faz muita falta em qualquer lugar do mundo! E sim, eles também são fanáticos por futebol…

Esta é a minha opinião – 18/5/2021

Desejos

Desejos são objectivos que definimos como sendo tão recompensadores quanto a nossa imaginação os valoriza ou sente. É a melhor definição que me ocorre, enquanto deitado numa cama de rede que o sol teima, e bem, em aquecer!

Há desejos na vida que alcançamos, outros que continuamos a ambicionar e existem ainda os desejos que, após alcançados, não pretendemos reviver e que, prescrevem na memória enquanto aprendizagem – sendo relevante reter os sinais/sintomas que nos podem ajudar a reescrever toda uma história de desejos e melhor alcançar o pretendido – sem nos determos nos desvios a que a aprendizagem obriga mas antes focando no objectivo final que é o nosso bem estar!

Há desejos muito fortificantes, que nos relançam para o momento seguinte da vida com o fôlego de um super-herói há desejos inalcançáveis que perduram como se fossem a última tentação de um ateu (os ateus também são tentados) mas cuja temporalidade vai sendo questionada – obrigando assim a uma desvalorização em termos de importância, há os desejos simples de concretizar mas dependentes de cooperação externa – o que obriga a um trabalho de equipa para o qual não nascemos vocacionados mas que facilmente aprendemos na sociedade em que vivemos.

Talvez os desejos, aquando de um relacionamento, sejam a soma perfeita de duas vontades que exibem socialmente, mas mais até intimamente, o prazer da sincronia de duas mentes que, não sendo perfeitas, possuem a ambição de aprender de mãos dadas!

A idade do talvez – 3/5/2021

A casinha.

A fachada impõe-se perante uma sucessão de outros edifícios e, sem dúvida, desperta a curiosidade daquele investidor que, tendo o coração cheio de amor para investir, pretende uma casa onde o aspecto exterior também tem o seu valor.

Assim que sobe as escadas exteriores o autor repara que há uma série de caminhos pelos quais pode começar – uma espécie de encruzilhada que não o intimida mas, pelo contrário, o estimula. Sente-se seguro mas não deixa de averiguar se tudo não passará de uma fachada – uma antecâmara interior que evita, de forma subtil, qualquer forma de responsabilização do comportamento do arquitecto.

Vê um WC à direita e, sem hesitar, entra e lava a cara das impurezas do exterior – numa espécie de gesto educado face ao desconhecido perante o qual se pretende apresentar da melhor maneira – não que exista a necessidade de mascarar algo mas, bem pelo contrário, porque foi educado de maneira a nunca julgar sem conhecer o réu e a apresentar-se sempre de face lavada e descoberta de qualquer preconceito.

Saiu do WC e, virando à direita, dirigiu-se a um espaço aberto onde sentiu a segurança necessária para dizer tudo o que pensava. Os alicerces da casa tremiam, pois nunca antes haviam enfrentado a verdade nua e crua – era a primeira vez que ouviam a palavra responsabilidade! O autor não pretende derrubar os alicerces mas tão só e apenas aferir se, apesar de a nova realidade os obrigar a ser responsáveis, tal é suficiente para que a obra se mantenha firme por muitas gerações! Ele sabe a resposta!

Os alicerces desconfiam – não que tenham nascido assim mas, infelizmente, foram desenvolvidos para serem assim. O humilde narrador, continuando virado para norte, dirige-se a uma porta, pelo seu lado direito, e atravessa a cozinha até chegar a um degrau que outrora foi seu confidente.

Aquele degrau, honesto como pedra, recordou-o de alguns detalhes – do melhor do mundo ao pior. A pedra e respectiva temperatura eram o tónico para a reflexão que já inúmeras vezes havia sido feita sem que a casa perdesse toda uma série de defeitos de construção que, parecia, se orgulhava de ter ou, num orgulho desmedido, por não obedecer a nenhum arquitecto – se tornava algo tão idiota e infantil que, por mais que se esforçasse, não encontrava palavras para descrever.

Respirou fundo, olhou num ângulo que abrangia todo o seu campo de visão, e levantou-se para sair. O agente imobiliário ainda lhe disse que faltava ver o andar superior mas a qualidade dos alicerces continuava a deixar demasiado a desejar pelo que sugeriu algo ao vendedor: coloque toda a honestidade neste seu empreendimento e eu serei o primeiro a apresentar-se para nele embarcar – da mesma forma que o caminho marítimo para a Índia nos mostrou o Brasil, também aqui o erro passado poderia constituir o grande feito do futuro!

Abandonou, relutantemente, o degrau de pedra e, levando consigo a bituca do cigarro, levantou-se e atravessou a cozinha, não sem antes olhar para a placa do fogão e, até aí, recordar que tudo o que havia feito havia sempre sido classificado como um erro, uma culpa que não transportava mas que recordava lhe haver sido sempre imputada. Talvez o vendedor lhe tivesse vendido a ideia de uma casa e, após a vistoria, ele achasse que o vendedor só poderia estar a falar de outra habitação que não aquela em que se encontrava.

Atravessou o espaço aberto que constituía a sala de estar e de jantar e olhou, muito discretamente, para o instrumento musical à esquerda e sorriu perante o pensamento que lhe atravessou o emocional cérebro! “Começou como uma melodia mas depressa se transformou em thrash metal que abominava, apesar de ser grande fã de heavy metal!” – numa conclusão só sua: por vezes o estilo de música até pode ser semelhante mas os solos de guitarra, esses gestos tão egoístas, deixavam sempre transparecer a verdade.

Mentalmente sentia-se um baterista de grande nível – muito embora tivesse os pés sempre com o ritmo correcto, sem afectar o ritmo diferente das mãos, o som que saía ainda não era a verdadeira essência do que pretendia. Saiu do “sonho acordado”, suspirou com tantas infantilidades que, não só mas também, ali havia presenciado e, de um só salto, abriu a pesada porta da casa e saiu – sem ruído, gentilmente encostando a porta até sentir o trinco da fechadura a impedi-lo de voltar.

Respirou fundo – fazia sempre este exercício para estimular o pulmão e, com um bocadinho de sorte, o músculo que se encontra ao lado do pulmão esquerdo! Desceu os degraus de pedra – a pedra, naquele edifício, pecava por escassa, tendo em conta sobretudo a frieza que aí havia conhecido, esboçou um sorriso aberto e recordou que até naqueles degraus havia a recordação de pretensos erros seus!

Exclamou “Foda-se!”, baixinho o suficiente para que a memória ficasse gravada no músculo anteriormente mencionado, fez uns quadradinhos mentais enquanto dava uma gargalhada para dentro e, de maneira involuntária, fez um coração com as mãos de maneira a abrir o portão com um sorriso – a expressão facial que mais o caracteriza.

Não fugia! Essas fugas estavam sempre reservadas à parte irresponsável da obra. Andou, tão lentamente quanto o gozo interior que sentia! Ainda não havia chegado à esquina e já ouvia o ruído de alguém a fazer as malas. Não pestanejou sequer e, numa rápida e muito breve reflexão mental, sorriu…era o costume, só isso.

A partir desse dia foi feliz – 12/4/2021

Final de tarde.

Começou inocentemente, como as coisas simples e bonitas da vida começam, mas depressa o sumo de cevada começou a libertar os presentes para um final de tarde de maravilhoso convívio, boa conversa e muitas gargalhadas.

A ausência do contacto, ou de convívio, expressão usada pelo patrão, talvez tenha contribuído mas a qualidade dos presentes era muito mais do que qualquer planeamento poderia reunir! Havia calor, saudade, carinho mas, acima de tudo, uma saudade enorme de celebrar de copo na mão, de dar gargalhadas sonoras e saudáveis.

Até o inquilino e amigo passou e deu o seu aval ao festim saudosista que no Bombar se desenrolava. Fomos putos saudáveis, num excelente final de tarde que, posteriormente e fruto do calção molhado, degenerou em resfriado bem chato de afastar – nada que a receita do mano não cure mas que me chumbou em sonos profundos dois dias seguidos!

Poder-se-ia dizer que houve de tudo um pouco – numa clara alusão ao contributo de cada um – mas seria redutor tendo em conta que só o conjunto fez o sucesso do convívio. Até o espanhol, agora residente português, compareceu para os habituais amendoins…

Foi como voltar a Buenos Aires, abraçar o Aníbal e a sua família e recordar que a amizade pode sempre acontecer…até no táxi de um Peronista que, indo buscar um cliente ao hotel mais capitalista, se surpreendeu por ele não ser tão capitalista quanto o hotel!

Memórias de um final de tarde maravilhoso – 9/4/2021

Talvez…

Talvez fosse da pele morena ou da altura dela mas o facto é que os nossos olhos colam-se, quando os olhares se interceptam. A dada altura viraste-me as costas da maneira mais sexy do mundo e fiquei diante do teu rabo, levantado ao nível dos meus olhos. Senti-me um cãozinho, obedientemente de cabeça baixa enquanto olhava de esguelha. Acabamos sempre a sorrir, quando os olhares se cruzam…será alegria ou um simples jogo de olhos? O futuro o dirá…

É verdade que maioritariamente somos nós a força motriz daquele local, tão escondido quanto à vista de todos, e o teu andar e sorriso são um bom alento a querer ser ainda mais adepto daquele clube de bons amigos e conhecidos. De norte surge mais uma verdinha fresca e dou por nós fixados nos olhos um do outro. Talvez também tivesses pedido uma cerveja e julgasses que fosse a tua…

Subimos e descemos nas cadeiras, procurando o melhor ângulo de observação, de tal maneira que qualquer dia as cadeiras, com o desgaste, não passarão de pequenos bancos…ahahahahah. Estavam todos presentes e foi um gozo enorme a celebração espontânea que teve lugar. Saí antes do final porque o final costuma ser uma mistura de álcool e falta de bom senso e, nessas coisas, já tive a minha quota parte de azar.

A vida vai-nos sorrindo e ter sabido o teu primeiro nome foi um passo agradável para esse sorriso.

 

Os meus cantinhos.

Invariavelmente sentado no muro ou nas primeiras mesas, ele diz que é um poeta. Chega, bem vestidinho, durante o que eu denomino de “hora segura” e que é até às 11 da manhã, liga o wireless do telemóvel e começa a receber os seus emails. Após umas dezenas de notificações ele começa a ler o que recebeu mas não perde mais do que 2 ou 3 minutos até começar a conversar com as mulheres que passam.

Nunca gostei de pessoas autoproclamadas – porque sempre achei que o mérito deve ser concedido por outros e não pelo próprio, é algo que carece de reconhecimento público. Mas ele escreve umas cenas com piada e,, acima de tudo é um engatatão de primeira classe. Não há mulher que passe ali sem ser interpelada por ele, excepção feita às que seguem acompanhadas! Vou acompanhando a evolução do discurso e rindo-me, silenciosamente, com as táticas de engate aplicadas.

Como uma aranha, ele também tece uma teia para apanhar as mais distraídas. Normalmente interpela-as com os nomes de familiares próximos – nomeadamente netos – e, uma vez a conversa aberta, explora todo o potencial do diálogo. É um poeta, lá está! Gaba-se, perante os amigos, do valor das palavras e a maneira como as usa. Ele sabe da poda…Tira selfies, que provavelmente usa no blogue de que fala, circula de maneira a flanquear as vítimas para a teia acima descrita.

E eu? Vou curtindo a vida vendo o quanto os outros a sabem curtir. Sorvo os detalhes, seja para memória futura ou para escrever sobre eles. Delicioso o momento em que um puto, ainda em carrinho de bébé, exclamou o Awwwwww mais belo que algum dia ouvi. A honestidade da criança, ainda inocente, que sabe exclamar o seu espanto perante a impossibilidade de circular junto à areia.

abel

Gostos não se discutem.

Gosto das nossas conversas – escondidas e reveladoras, sensuais e com abraços. Como se estivesse num confessionário e tu fosses a pessoa do outro lado (que blasfémia). Seguros que estamos é bom ouvir a renascida que estás. Hoje, enquanto falávamos, recordei as conversas de outrora, que conduziram a umas férias de sonho, sem seguimento. Foi por falta de trincas, só pode ter sido! – admitiu, perante o juíz que o condenou a abraçar-se a ele próprio, todos os dias, nos 90 dias seguintes.

Dias de celebração, dias de conversas em dia e, acima de tudo, de claridade. Os óculos escuros como proteção suprema e o humor de volta aos níveis máximos! Ahahahahah, achei piada…
Dias de mergulhos rápidos e esplanadas longas. Jantaradas noite dentro e muita gargalhada. Dentro do que tem sido o confinamento eu diria que estamos com muito boa nota!

Noites de sono madrugador e de leituras mais do que prolongadas. Despertares ao mesmo tempo que o Sol aparece e o sorriso traquinas a abrir a persiana. Café curto no estómago vazio e um cigarro para despertar bem disposto. Noites longe do blogue mas perto de conversas recompensadoras. Noites, dias, minutos….belos, apenas.

light

Norte bem calibrado!

Tudo começou com umas costelinhas que andavam a ser adiadas e, na primeira oportunidade possível, lá combinamos ir ao Abel. Começamos dois e o terceiro logo se uniu sendo que o quarto elemento – sem dúvida uma bússola em termos de orientação – claramente foi levado por nós, de maneira a calibrar o Norte.

A natureza não podia unir este quarteto – é sempre demasiado perigoso colocar tanto combustível num só restaurante mas a natureza já não ditava as regras e a missão “Carlsberg e costelinhas” teve início! Na verdade a missão já havia começado umas horas antes – por entre umas sonoras gargalhadas, uns mergulhos salgados e algumas cervejas.

Talvez fosse do vinho verde ou apenas pelo simples facto de estarmos bem mas a verdade é que a noite se desenrolou com muita piada. Por entre gatas, cervejas e histórias de quando éramos putos e todos vizinhos, falamos de tudo em tanto detalhe que nos ríamos com a memória dos tempos de outrora – estávamos a ser adolescentes novamente.

Com a racionalidade da vida adulta fomos desmontando histórias de então que não chegaram a histórias actuais, amores antigos e as criancices todas porque passamos. Rimos, imenso, por entre copos de água, assim que a cerveja terminou. Foi um breve caminho até casa e um sono retemperador que ainda me deu a oportunidade do banho da manhã seguido de uma volta para a cama…vidas, sem horários.

Há pessoas na vida que realmente são para recordar – 14/7/2020

happy22

A vida pacata…

Talvez tenha sido no momento em que começamos a fazer os brunches em casa – há certamente uma ligação, que já vinha da primeira casa, que nos uniu ainda mais. Ou terão sido várias e tão variadas e eu nem dei por ela…mas jamais esquecerei o vosso ar de contentamento, logo após a primeira gargalhada. Da nossa desarrumação natural, a exigir uma super limpeza semanal, ao extintor arrancado para segurar a porta. As noites em que era sempre recebido por um carinho, quando chegava a casa…ou isso ou uma cerveja e a entrada numa festa que duraria até às tantas.

Banho tomado logo pelas 8 da manhã, numa praia com 2 utentes ao longe e a aguardar a chegada de milhões que, já a sair da praia, vi chegar…senti-os, ao longe e, após o banho de mangueira, confirmei pelo trânsito que se acumulou…recolhimento na casa da Matriarca e mais um Grande Prémio a gritar impropérios aos pilotos da Ferrari – o Leclerc, desta vez! E mais um fim de semana sem a Ferrari pontuar…o desastre! Ainda bem que os rojões já tinham começado a ser digeridos e o paladar ainda estava alterado pelo bom sabor da carne.

O degrau continua igual, na sua capacidade de me fazer levitar e pensar em tudo enquanto em nada penso. Um ritual que vem de 1990…por aí…o gostar daquele assento, daquela vista, daquele momento…o amor por algo tão simples quanto um bocado de cimento no que, para mim, é o sítio certo. A visão foi perdendo as macieiras mas ganhou a hortinha, um limoeiro cedeu mas uma laranjeira triunfa agora….o Fred desapareceu e deixamos de ter o cágado caçador de caracóis…os gatos vadios proliferam e são acolhidos, os pássaros pedem as migalhas do cesto do pão que, obviamente, cedo.

Coisas simples de uma vivência simplesmente feliz – 12/7/2020

degrau

Estóico

O Patch Adams retrata a vida de uma forma engraçada – um guião feito para o Robin Williams e tão brilhantemente interpretado por ele. A bondade como base para o sucesso, com uma facilidade enorme para quem não tem coração de pedra – nesses casos nem toda a bondade do mundo será suficiente para as mover da inacção emocional, da qual se alimentam e onde eventualmente se multiplicam.

A minha manhã foi de sonho: o mergulho matinal feito a sós, o do meio da manhã já com o descendente e o do meio da tarde também. Alimentamo-nos da soma dos mergulhos, dos banhos de mangueira e dos repastos maravilhosos da nossa nanny de sempre. Uns treinos de andebol pelo meio, o mais velho a ficar sem braço direito, uma espreitadela para ver se já há Grande Prémio ou se ainda chove…

Faltam-me calções secos, temos a casa de praia e a casa de montanha, a toalha de praia não consegue secar a tempo do dia seguinte! É um retornar aos 19 anos de idade, por aí, e a todo um ritual que durava 3 meses e era feito da mais bela rotina espinhense: praia-> casa-> praia. Terminando sempre na casa de montanha, após um banho de mangueira, expostos no solário até estarmos completamente secos.

O sangue corre-me de uma maneira tão livre que o pulsar é por mim sentido. Uma leveza absoluta de liberdade plena – como se todo o sistema circulatório houvesse sido acabado de criar e pulsasse de alegria e curiosidade, pela primeira vez. Cheiro o ar, sinto o vento na cara e fecho os olhos para o melhor curtir, ouço os ruídos ao longe e reduzo-os a uma beleza interior que crio na altura. Tenho um dicionário que transforma tudo mau em bom e só o bom é interiorizado – trata-se de uma publicação de 1 só exemplar que guardo no coração. Onde gosto mais de tudo sentir.

A água estava morna! – 11/7/2020

puente
Há 1 ano atrás, na Puente de los Enamorados.

As alegres insónias

Ainda a recuperar das mazelas gastronómicas do que agora sei ter sido uma experiência do chef, em termos de qual a quantidade de picante que o ser humano consegue aguentar! Digno de um Avillez…mas sem direito a ser publicado! Ahahahahahah
Dia tão madrugador quanto recompensador. Com pequeno-almoço a ver o lago da Baía dos Porcos, deslocação ao Porto, apanhar o André e termos tempo para um cafézinho…as coisas simples e boas da vida. Claro que foi na Velasquez e claro que foi no Bom Dia…e sim, ainda me conhecem!

Conhecer o Izidoro foi, sem sombra de dúvidas, o momento alto. Semelhante a um comboio de mercadorias – que apreciamos ver passar, no início, mas que se torna aborrecido porque nunca mais acaba…o Izidoro é o mais maravilhoso salsicha que eu já conheci e, em 2 minutos, roía-me a mão, no meu colo, enquanto recebia mimos na barriguinha. A cabeça dele chega à sala antes que o rabo tenha saído da cozinha…mesmo castiço…e comprido, claro está! Parabéns ao sobrinho que completou o secundário e pode agora, com toda a tranquilidade do mundo, definir o futuro.

Reunidos na “nossa igreja”, defronte ao mar, ousamos mandar vir uma esperança, sob a forma de Carlsberg…é verdinha! Rimos da vida, das danças ousadas do residente, das músicas e das indumentárias, do ruído das ondas, do silêncio nos céus. Lanchamos, vimos os adolescentes a regressar a casa, as bolas a bater no chão e as colunas bluetooth a bombar. Um agradável passeio de volta até casa e de volta ao confinamento. Umas boas gargalhadas, com uma comédia idiota, e umas 5 horas de sono até me apetecer escrever estas bacoradas. Deitar cedo e cedo erguer…

Abraçando a alegria – 7/7/2020

magic

Armado em mestre de culinária…

Num dia de algum calor, e demasiados forasteiros na cidade, decidimos confinar na casa da Vóvó. O repasto de bacalhau comido sobre a copa das nespereiras herdadas da rua 14, a água como companheira de hidratação e o café como remate perfeito para uma refeição ligeira. O Matos mais novo a mostrar as suas notas finais e os restantes a reclamarem de algumas décimas que ele falhou em algumas disciplinas, como paródia às excelentes notas que ele obteve (claramente sai à Mãe!!!). 

Vimos o Grande Prémio da Áustria juntos e ambos dirigimos impropérios, que não posso aqui reproduzir, aquando da manobra simplesmente idiota do Vettel. Acabaram 50% dos que iniciaram – o que indica bem da dureza da prova e do azar de alguns pilotos – cujos motores, suspensão ou simplesmente sorte não esteve com eles. Revimos as jogadas do campeonato inglês e ainda conseguimos ver um pouco do  Liverpool a jogar contra o Aston Villa.

Sentei-me no meu degrau e deixei a mente vaguear, num automatismo que acontece assim que o alapar da bunda se dá. Falta-me um limoeiro – num campo de visão tradicionalista – que me dizem foi acometido de um qualquer surto que passou por cá e afectou os citrinos. O outro limoeiro continua lá – velhinho mas ainda com pujança para ceder um ou outro bom limão à família. Por entre banhos de mangueira fomos aproveitando para colocar a conversa em dia e auscultar a opinião do mais novo em relação ao seu futuro.

Não há dias perfeitos mas nós conseguimos aperfeiçoar este domingo. De diálogos serenos e construtivos até aos gritos de “Idiota”, “Domingueiro” e afins, dirigidos ao Vettel. Sornei no sofá azul mas ainda não consegui dormir. Ainda recupero dos melhores bifes de cebolada de que me recordo uma vez que o picante, a mim, afecta-me profundamente. Prefiro condimentos mais directos e gostosos, que não hesitam na rampa a caminho do tacho. Condimentos emocionais que, para serem verdadeiros, simplesmente entregam-se, com todo o seu sabor, no estrugido da vida!

Pelo canto do olho vou espreitando – 5/7/2020

wonderful

Talvez fosse…

Talvez fosse da humidade da manhã ou hábitos antigos, que a memória traiçoeira teima em recordar. Talvez fosse o efeito de uma noite demasiado dormida ou apenas o alegre despertar pelo seu amor. Talvez tivesse sido o desafio para um mergulho ou a ansiedade com que ele esperava esse mesmo convite. Fosse o que fosse a verdade é que a noite havia sido dos melhores sonos das últimas décadas: absolutamente alheado de tudo, de cérebro praticamente vegetando e, a parte que não vegetava, produzia um ruído branco que me mantinha ainda mais reconfortado no sono. Foi belo…

A tarde, feita a dois tempos, passada na sede da confraria, foi um misto de recordações e planos de futuro. Ninguém abordou o presente e eu, que sou mais de aprender do que de tentar ensinar, escutava os diálogos cruzados que iam sendo criados. Desta vez não havia o lobby anti lacticínios – chegou um pouco mais tarde – pelo que conversa se centrava mais em desprezar a carga horária quase nula que um dos presentes tem. A nossa gargalhada – que só existe com o acordo dele e a nossa convicção – é um grito grupal, talvez até tribal, mas que expressa o sentimento de grupo quando o assunto divaga para a relativa carga horária do sujeito. Uma espécie de diálogos vazios em que as palavras são mais importantes do que o contexto. Uma espécie de querer estar ao invés de estar contra o estar presente.

O mergulho foi dado antes das 13 e mesmo a tempo de chegar a horas ao almoço. A segunda parte da tarde envolveu o lanche e umas Carlsberg que são sempre a loura ideal para nos satisfazer, mesmo que sejam madeixas!!!! Ahahahahahahah, rio-me porque outrora fui “condenado” por uma ex-namorada a só ter relacionamentos com cabelos com madeixas mas, quis o destino, que tal nunca tenha acontecido…bem pelo contrário!!!! #ruivasaopoder 

O sono já faz dos meus olhos algo pesado e começo a ceder ao cansaço do dia. O adolescente tem muito mais pujança do que eu pelo que, lá para Dezembro, devo estar em forma! Depois informo de que ano!!!! Ahahahahahah

Um dia dedico-me à comédia – 29/6/2020

5566

Semáforos

Os sinais talvez fossem evidentes mas o facto dos dias serem cinzentos era algo que não o atingia enquanto ser não daltónico. Ávido de cor, desde tenra idade, praticava pequenos exercícios mentais, brincando com a troca de cores nos elementos da natureza que ia encontrando – como que armado em artista paisagístico – questionava-se mentalmente qual a melhor cor que se aplicaria ao elemento em questão. Não que pretendesse desafiar a Natureza – ser supremo que ele ama e respeita – mas tão só e apenas para exercitar a mente em tempos de paragem do mundo.

Trincando mais uma  cereja – que sabe que vai afectar o seu tracto digestivo – pergunta-se se a mesma não seria muito mais atraente em amarelo, tipo banana a amadurecer, e, ciente da parvoíce, saboreia a maravilhosa cereja – é doce, era de um vermelho muito intenso e, muito provavelmente, já atravessou o esfíncter para o estómago! O sorriso parvo como sinónimo de um ser livre, despreocupado e de bem com a vida. Como o meme do rapaz sentado no cais a ver o pôr do Sol…

Manhã cedo depositado no canto norte da sede do partido, a tomar o pequeno-almoço, na companhia de um casal de pombas que, agressivamente, procuram o café da manhã delas. O pão serrano a dar luta aos dentes e um belo café a acompanhar. Ao longe há pranchas na água, cercadas pelo nevoeiro da manhã que só levantará quando o vento mudar – numa espécie de metáfora da vida. 

O vento muda para norte, a temperatura estabiliza nos 17 e o nevoeiro começa a dissipar….está na hora de ir preparar o almoço!

A ficção da vida só pode ser um sonho a ser realizado – 25/6/2020

IMG_0655

Sereno

Mas que grande noite de sono…uma espécie de adormecer e acompanhar vários fusos horários a darem-me sempre um pouco mais de noite. Foi como um hino ao descanso, como ver o fictício ser ainda na manjedoura a brincar com um unicórnio de peluche e a questionar a sua existência. O Hino da Liberdade dos sonos, atrever-me-ia a dizer…porque ando atrevido, na arte de descansar e cedo vaguear. 

Há mais encanto na cidade bocejante. Uma série de autómatos, movidos a cafeína, outros a imitarem o Carlos Lopes, as peixeiras que enobrecem a cidade com os gritos que nos confortam e fortalecem a nossa naturalidade “É do NOSSO mar!” As esplanadas a serem limpas e montadas, os primeiros cumprimentos ainda pouco audíveis e mais semelhantes à linguagem gestual.

É um bocejo completamente livre, sem autoritarismos de qualquer espécie, um cumprimento à boa educação que, pela manhã cedo, ainda prevalece. Tudo parece novo, virgem, terra e mar em constante movimento e um mar do mais verde que vi em algumas décadas de vida. Quase sentimos a rotação da Terra – tal o tempo que demora o despertar – e, ao sentirmos o movimento, mais não fazemos do que sorrir perante um planeta que nos surpreende…sempre que estivermos dispostos a ser surpreendidos.

Bocejando – 18/6/2020

pigsbay

Há um ano…

Faz hoje exactamente um ano que cheguei ao Rio de Janeiro com uma mochila e o multibanco. Desde o maravilhoso hotel em frente ao mar de Copacabana até à despedida de Rio Grande do Sul foram dias de lágrimas de alegria. O casamento da Nathália e do Gabriel foi o ponto alto da viagem – só eles, naquela altura, me poderiam fazer mover como fizeram! – com que facilidade o fizeram e com que luxo me receberam. 

Da primeira noite no Rio, de bunda sentada na água e a beber uma caipirinha até à partida de Porto Alegre, fui estragado com mimos. Duas famílias insuperáveis, lindas na forma de distribuir afectos e carinhos, sempre atentos a qualquer detalhe que, maioritariamente, eu nem chegava a ver – tal a prontidão com que tudo era resolvido. Noites muito curtidas e mal dormidas, banhos de piscina a horas indecentes, gargalhadas de todos os feitios e duração, sertanejo do vizinho logo pela manhã!

Conheci um pouquinho de Minas Gerais (que é cerca de 8 vezes maior do que Portugal), de Belo Horizonte a Governador Valadares – da Rua do Amendoim ao miradouro de Belo Horizonte, de Governador Valadares até ao topo do Pico Da Ibituruna. Esquadrinhamos o Bar do Fred, a Ilha, o centro…não ficou muito por conhecer! Andamos de Uber e conhecemos o mais louco Felipe do mundo e o primo dele, andamos de jipe e íamos comprar tabaco Paraguaio à estação de autocarros. Tudo funciona com uma organização que, apesar de não se ver, faz do grande Brasil um destino sempre apetecível. 

Partindo de Minas Gerais fui conhecer o Rio Grande do Sul. E, se já tinha reparado que os seus habitantes gostam de churrasco, nada me havia preparado para uma semana do melhor churrasco e frango palha. Com um bacalhau feito por um Português, entre churrascos, reunimo-nos todos no Portu’s Valle – Delícias Portuguesas e ouvi falar um Portuense bem achado no Rio Grande do Sul. Fui a um jantar da confraria dos médicos do Grêmio, o Gabriel organizou uma churrascada para umas 30 pessoas e vimos o Brasil-Argentina, por entre bocados de carne deliciosa e Brahma….muita e estupidamente gelada! Conheci o grupo de amigos do Gabriel e vi-o regressar ao futebol com a alegria de um miúdo que descobre uma bola de futebol pela primeira vez. Também aqui a partida foi difícil já que o carinho que vinha a receber desde o início era demasiado para mim.

Foi demasiado bom para eu poder contar todos os detalhes mas, acima de tudo, não me lembro de nenhum detalhe da viagem em que não estivesse profundamente feliz. Fosse antes do casamento, fosse a aterrar no Santos Dumont (o mais belo afunilamento para aterrar), fosse sozinho, ou em grupo, eu estava profundamente feliz. Era uma viagem totalmente definida por mim, sem voo de volta marcado e com um desejo profundo de conhecer o máximo! Nunca na vida havia chorado tantas vezes seguidas de alegria e eu sabia que tal era possível mas simplesmente nunca o havia vivido. O Brasil e a Argentina mostraram-me bem o que é o afecto, o amor, o toque, o carinho. Passei duas horas numa esplanada de Buenos Aires a simplesmente observar as interações entre Argentinos e ainda hoje, quando me apetece sorrir, basta relembrar esse momento.

redentor
A melhor descrição para a minha religiosidade…

Porque sei que estás bem…

Deitado na cama e olhando o tecto branco, defini uma tela. Emoldurei parte do tecto e, partindo do branco absoluto, comecei a desenhar um esboço. Após as múltiplas edições efectuadas, na busca do perfeito absoluto, relembrei agruras e usei cores fortes e, nas emoções plenas, usei o verde mais atraente que a paleta de cores produziu e que temo não conseguir reproduzir…

Para as surpresas que a vida me vai dando usei um azul bebé, como que o embrião de uma obra que sabemos ser capazes de construir e superar. Como o interromper de um acordo tácito que tínhamos, e que não incluía cumprimentos, como armadilha futura para ser obrigado a cumprimentar de volta. Amei…

A imaginação ia criando novas cores sem que o pincel conseguisse acompanhar. O amarelo parecia ser brilhante demais mas era um bom ponto de referência para a imaginação carente de direcção. Rematou a obra com uns traços quase que secretos, como se acreditasse no destino e o soubesse replicar na obra, como se sentisse estar a ser conduzido mas a gostar de estar no lugar do passageiro. Uma espécie de recriar uma viagem pelo deserto em que o único oásis eras tu.

Não assinou a obra. Aguarda, tão serenamente quanto sempre esteve, um reencontro imaginário em que tentarão superar o maior abraço do mundo – recorde esse que já é detido por eles.

baia

Projecto 2020

Amesterdão, sem dúvida. Na luta, todos os dias desde manhã cedo, na tentativa de extrair o máximo desta retoma de mercado que se avizinha. Há quem veja o desemprego e pense que vai ser parte dele e eu vejo oportunidades pelo mundo e a melhor maneira de fazer parte delas. Se as Caraíbas pagassem melhor…se a Costa Rica associasse o certificado de residência às propostas de emprego, se a Grécia estivesse melhor, se a Irlanda tivesse melhor meteorologia…essas questões existenciais de quem não teme fazer malas e desaparecer para outro país, num misto de novas amizades e curiosidade!

A noite já havia começado húmida – chovia imenso e ouvia-se bem a força da natureza. A manhã foi mais preguiçosa do que num dia normal já que, atempadamente, fui informado que era feriado e comportei-me de acordo com os padrões definidos para tais dias. É bom ter-se recebido educação que nos conduz por caminhos que produzem momentos de imensa felicidade – que pode ser tão simples quanto o bater de uma das abas laterais do guarda-sol do Bombar a atirar-nos uma quantidade imensa de água para a cara. Porque a higiene é fundamental e uma chamada de despertar sabe sempre bem.

Depois do Verão de 2019 passado em casa, ciente de que há novos mundos à espera que eu os descubra, imbuído do espírito de Fernão de Magalhães e a força de um quarentão que sempre foi mais curioso do que os demais, bato-me agora por um de vários lugares disponíveis na capital da Holanda. Sem fazer figas e apostando tudo apenas num singelo currículo construído em torno de vendas a grandes clientes e suporte a clientes, floreado com umas centenas de certificações – a maioria das quais caducada, eis-me de cabeça levantada para conhecer uma cidade da qual só conheço o aeroporto…

Se aguentei a meteorologia da Irlanda por dois anos e meio então certamente aguentarei melhor a Holanda.

Só a aguardar que as fronteiras abram – 11/6/2020

wet

A inércia da pesca…

Quando as pessoas estão a dormir nós, enquanto observadores, devemos respeitar esse sono e não incomodar – a menos que o sonho que idealizamos seja razão mais do que suficiente para arrancar a vítima do seu descanso. Infelizmente há muitos anzóis colocados na linha dos sonhos e os “peixes” que ousam sonhar, por vezes, deixam-se levar pelo engodo e, imitando os seus primos terrenos, mordem o anzol.

Há os mais fortes, mais sortudos, mais ágeis e os que, numa soma de todas essas virtudes, conseguem libertar-se do anzol mas outros, mais curiosos em saber que bicho é aquele na ponta daquela coisa brilhante, são agarrados pelo metal retorcido sem dó ou piedade! Uma questão de curiosidade fatal – bom título para um filme – em que o simples querer saber mais do peixe se transforma na refeição do pescador. A perversão de tudo o que nos é ensinado: que devemos sempre seguir, com curiosidade, aquilo que desperta em nós esse sentimento!

Enquanto agarrado ao anzol, o peixe só pensa em libertar-se! Constata o erro, assim que morde a curiosidade e começa um bailado desenfreado pela vida! Mas, nesta luta entre a natureza e o ser humano, as probabilidades do peixe são muito baixas – nem um 60/40 é, quase que o equivalente a alguém dar call a uma bet de 4BB’s com Ax na esperança de ver um A bater no flop e, mesmo após o A não ter batido, continuar a cobrir as apostas do adversário até perder as fichas todas.

Há peixes que, mercê de um bailado que deve ser ensinado no Bolshoi dos peixes, conseguem libertar-se e outros que, para gáudio de todos nós que gostamos de peixe, não conseguem. Dependendo do baile que dão, os peixes poderão ou não sobreviver. Eventualmente até haverá peixes que, com um sorriso entre guelras, saltam de boca aberta para o anzol mas não me parece que esse seja o comportamento maioritário e, certamente, não será o que o pescador espera quando, de manhã cedo, parte para a pesca.

Os linguados, esse sim, têm uma boa vida. A virar-se de frente ou costas – conforme estão na rocha ou areia – são os camaleões do fundo do mar. Certamente sabem o quão saborosos são e daí a atitude de dupla personalidade, conforme frequentam a areia ou as rochas. Com sorte, muita sorte, qualquer um de nós pode mergulhar uma mão na areia e, apertando forte, sacar um linguado mas, o que se passa a seguir é que conta: levo o linguado e como-o ou finjo não ter força para apertar e solto-o? É nessa inércia de falta de aperto que se resume todo um dia de pesca!

Quem disse que o assunto era pesca? – 5/6/2020

Verdade seja dita: era mentira.

Os indícios apontavam para que fosse mas as provas inicialmente recolhidas eram inconclusivas. Armado do seu estojo, o médico forense, a olho nú, logo detectou a mentira mas, o olho treinado do detective não o tinha conseguido fazer. Debruçou-se sobre o corpo e, após um curtíssimo exame, retirou cerca de umas 30 respostas negativas, todas consecutivas, com adiamentos ou um pelo encravado no cóccix, havia de tudo. O detective havia caído na maior mentira da sua carreira – num estratagema digno de um Ocean’s 20 – e interiorizava agora tudo, muito lentamente, cada pisadela, cada nódoa negra, cada agressão…o corpo mostrava todas as provas.

Cambaleou perante a verdade dos factos e, olhando para o seu distintivo e revólver, decidiu ali pedir a demissão. O génio maquiavélico era demasiado e, embora já tivesse uma longa carreira, nada o havia preparado para esta Broadway de malvadez. O requinte, os passos repetidos exactamente da mesma forma, as frases utilizadas apenas com ligeiras alterações mas sempre, mesmo sempre, com um adiamento…até ao pêlo no cóccix! Usando-se do argumento “sei o que o irrita logo vou repetir vezes sem conta” estava bem patente no corpo e, numa análise detalhada, todos os pontos necessários haviam sido pressionados.

Passou na esquadra, entregou o distintivo e arma e prometeu, a si mesmo e acima de qualquer pessoa, que jamais enfrentaria uma situação semelhante. Uma ocupação de tempos livres, em tempo de verão, não estava nos seus planos! Não iria novamente sofrer as agruras de um patrão que começou como amigo e terminou a época como a pessoa mais malvada que havia conhecido…até então.

Liberdade

O meu 25 de Abril de 1974 foi, no mínimo, estranho. Lembro-me que havia pessoas a horas que não eram normais e umas caras sorridentes mas tensas. Havia 22 degraus até ao cimo das escadas que davam directamente para uma sala enorme – com uma pequena varanda à direita e 3 janelas distribuídas pelo lado esquerdo. No canto direito da sala era a porta do quarto do meu irmão. Naquela sala jogamos futebol, brincamos de mil e uma maneiras e feitios e, de olho sempre colocado no que a varanda deixava ver do exterior, atento aos amigos que iam aparecendo na rua.

Foram muito bons os tempos passados naquela casa e guardo as melhores recordações de tudo. Até dos hamsters que fugiram e devem ter constituído família pois andavam indiscretamente por todo o lado. As manhãs passadas nas escadas de trás – para evitar o calor, as correrias pelas escadas abaixo – ao encontro dos vizinhos amigos, para jogar matrecos, para andar de bicicleta. A casa foi perdendo o seu brilho e definitivamente uma decisão precisava ser tomada: entre a aposta em algo que nitidamente precisava de uma intervenção ou a compra de uma nova. 

A nova casa foi sendo construída e o humilde narrador visitava-a amiúde – com que tentando ver para além do que já estava construído. O arquitecto colocou as mãos à obra e a casa ficou completa num curto espaço de tempo. A procura do ponto de água, a placa, os pilares, mais placa, mais pilares, mais placa…e, com a convicção de todos, o novo edifício surgiu e ainda assim, o estúpido humilde narrador, quis visitar a casa antiga – num assomo pouco inteligente de saudade e amor – apenas para constatar que as renovações eram mesmo fundamentais.

Vive hoje na nova casa, de braços bem abertos a quem ama. Deve ser do signo…é pouco dado a contornos nas palavras e mais dado a acções – mais frontais e não tão bem desenhadas. Numa coisa a casa antiga tinha razão…são só palavras. Em três frases, caso eu desse a palavra à casa antiga, aposto que só falaria de si própria…

Quando a nossa casa existia – 3/6/2020

7088

Arenosas palavras

Hoje encontrei um grão de areia da nossa época. Já sabes como são os grãos de areia…metediços como tudo. Cheio de coragem, ou apenas dirigido pelo instinto, ele perguntou onde andava a cara metade e eu expliquei-lhe a dificuldade de tempo para poderes estar presente. Não contente com a resposta, e olhando-me de baixo para cima – eu senti-me como um anão diante de um Golias que agora me interrogava – ele perguntou o que havia ocorrido. Deu-me um sermão pela minha actuação e certamente aguarda a tua presença para te dar a tua parte do sermão, assim que possas dar esse passo.

O grão bem que pode ser pequeno mas tinha uma memória de elefante para emoções – ele era mais dado a guardar os momentos pelo efeito que causavam nele do que a guardar o que originava esses momentos. Era irracionalmente sentimental e, apesar de viver rodeado de outros grãos, por vezes preferia o refúgio da areia molhada onde os primos grãos, vindos do oceano, mexiam com as suas emoções e o seu conhecimento. Embriagado por toda a informação recebida, por vezes misturava-se com conchas e pedrinhas novas que chegavam para saber mais novidades, sem que a vontade de conhecer mais e mais se desvanecesse! E, nesse aspecto, ele sabia que só tinha visto uma correspondência nos humanos: nós.

Empertigado pela lembrança que tinha de nós, o grão levantou-se – apoiado nos seus AirPods – e ordenou-me que fizesse algo! A única coisa que me ocorreu foi visitar as câimbras que por vezes te assolam e tentar descortinar esperança. Com o grão sentado no ecrã do telemóvel, ele começou a rir-se, quando leu algo sobre escrita do tipo areia – talvez porque fosse presunçoso ao ponto de pensar que lhe era dirigido ou tão só e apenas porque não acha que o actual estado das coisas seja o que ambos pretendem. Com a mente a vaguear pela música de outrora, ele resolveu dar um pequeno passo e dedicou-lha, ali…na breca do pensamento! Talvez este grão de areia merecesse ser um vidro, do mais belo que existe no mundo, mas têm que ser pelo menos dois para haver fusão, lembrou-se…

WATER

A natureza humana

Era um rio sem afluentes, com duas belas margens dos mais belos socalcos de vinha. Corria para o mar como se a sua vida dependesse disso e, sem se importunar com obstáculos, cultivava desgaste físico das rochas do leito por força da convicção com que sabia que o encontro salgado seria o pico de uma vida sentimental. O racionalismo da corrida para jusante era totalmente suportado pelo emocionante palpitar do coração do rio. Os peixes fazendo jogos com os seixos dos rios, os inertes a darem algumas dores de cabeça ao normal fluxo de água mas, perante tal força da natureza, quem ousava detê-lo? Nas margens o povo sentava-se perante o movimento constante das águas e, maravilhado pela obra da natureza, contemplavam-na num recarregar constante das baterias da vida mas igualmente num espairecer de vazio completo racional em que simplesmente levitamos no mais belo momento de repouso.

Os esquilos tomavam o seu banho, deliciando-se com a facilidade com que detinham um pouco de água e se molhavam, num movimento repetido vezes suficientes para penetrar na espessa camada de pelo. Alguns, os que frequentam bairros de alta sociedade, habituados a saber desviar-se do eventual Mustang que circula entre STOP’s, um pouco mais desenvolvidos do que os ágeis diários da natureza que, sem as benesses de uma vida mais desafogada, mostram um corpo mais musculado, fruto da luta constante pela sobrevivência e pelo cortejo constante de uma vida selvagem! Rodeados de abelhas que, aproveitando o spray da água, se deliciam com banhos que possuem tanto de delicado como de delicioso para elas. Um coyote vem caminhando para montante e fica parado a observar toda a cena. Armado em intelectual da floresta o animal parece esboçar um sorriso perante o quadro com que se depara. Nas alturas, sobrevoando todo o cenário, o condor também usufrui do spray da água, numa proporção inferior por força da altitude, mas tão recompensadora quanto o sentimento dos restantes colegas de margem; dá um ou outro grito de alegria, como se de um vegetariano se tratasse, numa convenção de mudos. É saudado pelos olhares dos animais presentes que o contemplam com respeito.

A entrada do rio no mar, semelhante apenas à entrada da zaragatoa na narina, é um primeiro encontro extremamente emocional: como o adolescente que, receoso da sua inexperiência, apesar de estar a trocar mimos com a futura cara metade (ele ainda não sabe mas nós sabemos), sente um frio receoso na espinha antes de dirigir os seus lábios aos dela. Como se fosse uma chegada internacional, dos antípodas daquele local, e a saudade conduzisse todo o processo – dos olhos fixados nas chegadas até à chegada dos lábios de ambos. Ao vigor do rio a entrar no mar associa-se o imaginário som de uma massagem cremosa após um fim de tarde a ser intencionalmente queimado pelo grande Sol. Um abraço tão extenso e duradouro que rapidamente os corpos se confundem e, fundidos num verdadeiro abraço alfa – não autoproclamado mas aplaudido pelos restantes espectadores e assim legítimo, confundem-se agora num só tão apaixonado que sorriem perante todos os que os rodeiam. Ouve-se uma onda e sente-se que se acariciam, ali perante todos, no mais belo atentado ao pudor capaz de ser presenciado pelo ser humano.

California Snowpack Survey

A idade do talvez…

Senti que cheguei e me calcaste os pés para melhor me beijares – e que grande altura ganhaste com esse detalhe – num ajuste de lábios como só nós conseguimos afinar – ao ponto de só querermos que o beijo não terminasse. Semelhante aquele abraço de outrora que, sem palavras, disse tudo e nos permitiu a chegada ao novo mês. Apesar de todas as pessoas à nossa volta, nós sempre fomos desavergonhados ao ponto de querermos estar sempre perto…muito muito perto – tentando nunca ofender quem passava…

Talvez estivéssemos num cinema ou no cimo de um monte, talvez eu estivesse a aprender a guiar com caixa automática ou seria tudo manual? A verdade é que o monte havia sido escalado sem dificuldade – inclusive, quiçá, permitindo uma pausa até para o cigarro do humilde narrador, mas a verdade é que a única coisa que verdadeiramente nos interessava era estarmos perto, muito perto.

A imaginação diz-me que somos ambos doutorados em comunicação enquanto de mãos dadas o que, traduzido, é sempre…talvez geridos pela regra de nunca nos deitarmos chateados e não cumprirmos, para propositadamente o podermos fazer na manhã seguinte. Provavelmente jogamos poker para que assim pudesses ter a certeza se era amor e eu, “infelizmente” ganhei! (Maldito provérbio…que nunca deixamos que se concretizasse).

Eventualmente terei ameaçado fazer a mala e largar tudo para, no segundo seguinte, abraçar-te até termos um aroma comum…o nosso! Talvez tenhamos reconfigurado a decoração, para a tornar mais funcional, e nos tivéssemos presenteado com a melhor esplanada, perto de casa, para um maravilhoso café! Talvez eu me sentisse local, embora não o fosse, e deambulasse por todo o lado sem receios, graças às indicações dadas.

Talvez reclamasses do pequeno-almoço na cama – porque te acordava – ou, eventualmente, até tenhas ficado satisfeita. E, na eventualidade de até já estares desperta, aquele telefonema de bom dia que tanto amacia o meu coração que, apesar de não ter 5G, se sente a banda mais larga do mundo quando o teu nome surge no ecrã do telemóvel que toca.

Era um mundo de interrogações e ele só se lembrava da Filosofia do 12º ano e de como havia deixado a cadeira para, em Setembro, triunfar!

Devaneio próximo de uma tempestade! Venha a bonança. – 13/5/2020

69

 

Um dos maiores exercícios de introspecção da história da humanidade!

Não vos dá a impressão que o nosso planeta, de alguma maneira, está a respirar fundo? O mar tem um verde maravilhoso, o azul do céu parece mais moderado, os pássaros já só lhes falta entrarem pela janela e virem conversar connosco. Ontem o céu deu uns brutais “arrotos”, sob a forma de uns trovões diferentes do habitual, mas sempre a intimidar; hoje revela nuvens de um branco bem limpo, de um cinzento bem claro, de um cinzento escuro bem definido, lá para os lados de Anta. Ora está calor ora está frio, a lembrar a Grécia, durante o Verão, quando as tempestades aparecem para refrescar o mês diabólico de mínimas de 32 graus….nós temos a versão “light”!

Sinto que estamos na maior aula de sociologia de que há memória e ninguém pode chumbar, sob pena de morte. O estímulo não parece ser suficiente para todos, eu inclusive, porque a veia Espinhense atrai-nos muito para a beira-mar, para a nossa praia. Temos que estar mais atentos à professora, de modo a “beber” as palavras de quem tem mais experiência no estudo do quotidiano, da sociedade e das suas interações de modo a adquirirmos as rotinas necessárias para viver (ou sobreviver, porque não conhecemos o mundo de amanhã!)

Há mais gente sã a falar sozinha nas ruas, há cumprimentos a desconhecidos e de desconhecidos, há a pseudo vénia, quando alguém se afasta de nós e nós vamos fazendo o mesmo…Todo um novo protocolo de gestão de emoções em que, todos juntos sem o estar, nos vamos habituando a esta nova vida – como se estivéssemos a cultivar a terra, pela primeira vez na história da humanidade, fazendo experiências até uma colheita com sucesso!

Com jeitinho, e juntando algum lirismo à “coisa”, até pode ser que este venha a ser o passo mais significativo da história da humanidade! Que tudo o que nos falta agora possa ser celebrado, um dia, com quem mais o desejamos! Com um dedilhar muito lento, com um sorriso grandioso, num diálogo sem palavras e tão só e apenas com emoções!

 

Até lá….sonhamos! – Devaneios sonhados do dia 11 de Maio de 2020

eheheh

Da ilusão ao recomeço….

Sempre, mas mesmo sempre, tive receio de me aproximar de ti mas, no ano em que me permitiste que o silêncio cessasse, lá estava eu. Foste a maior ilusão e desilusão de 2019 mas…eu não estava preparado. Hoje, se me perguntarem, sou um homem mais regrado em tudo graças a ti mas, o mérito que te devo, é mau porque advém de uma mentira que nunca existiu.

Da imaturidade da adolescência até à idade adulta convenci-me que me tinha tornado adulto e, rodeado de ferramentas que os adultos usam, eu fui batalhar e julguei haver ganho. Mas, do amo-te ao não sei quem és vai um passo muito pequeno e, muito embora saiba assumir as ideias dos meus pecados, sei – acima de tudo – perceber demasiado bem, quais são os pecados não admitidos de outrem.

A falta de tempo, no amor e para quem realmente ama, é o maior valor que se apresenta na mesa da paixão! É simples, para quem não sente a disponibilidade, abdicar de um amor de uma vida. Com uma facilidade tão grande quanto seria o sarilho de aturar todas as vicissitudes inerentes a alguém que nem sequer sabe dominar a arte de esconder….

Não nasci para aventuras mas sim para amar e batalharei sempre para que assim seja!

Um conselho de ex-amigo? Aprende a amar e a saber reconhecer o amor e serás feliz!

O louco enamorado…-10/5/2020

Screenshot 2020-05-11 at 08.19.50

A vida sem lentes de contacto

Como se quase te tivesse tocado mas sem forças para esticar o braço, como se quase te tivesse sentido mas sem forças para avançar, como se tivesses rodas e tivesses derrapado para longe. Foram dois bons passeios os de ontem – ambos de extremo a extremo da cidade mas já sem hipótese de terminar no Zé Grande a comer uma “bucha” de presunto.

A fugir de tudo e de todos e evitado da mesma maneira – uma alegre maneira de começar a circular neste novo mundo que lá fora não parou. A sorte, a maravilhosa sorte de viver tão perto do mar que me faz sentir com 18 anos em cada dia que acordo e posso colocar a indumentária mais simples do mundo: uns calções, uma tshirt e havaianas, e sair despreocupadamente à rua – em tempos de pandemia julgo que a indumentária deverá ser a última coisa a ser comentada…ahahahahahahah

A ver um local de pernas esticadas na sua varanda, com um ar de dono de disto tudo, que não cumprimenta quem passa. Um casal de namorados a trocar mimos enquanto o cãozinho lhes vai mordendo os casacos, pés molhados na beira mar. A vontade de ver a bola Nivea erguida e alguma normalidade restituída. Uma bicicleta que passa a querer cumprimentar o meu ombro esquerdo (que seja católico e reencarne em asfalto!), um atleta que olha de lado ao humilde narrador que vai fumando enquanto deambula pelo calçadão Espinhense.

Pareceu-me sentir o teu cheiro mas afinal era eu – como confundo o meu e o teu num tão simples nosso! A tua omoplata sorriu-me e julgo que os nossos pés dialogaram mas…eu sou parte interessada e não posso tecer juízos de valor…O sol sorriu, como que confessando que o destino a nós cabia, e as ondas deram uma série como nunca antes – num claro festival de concordância e concessão desse favor especial de sermos aplaudidos pela natureza. Ainda bem que nunca fomos muito de vénias…

Apaixonado? Sempre! Pela vida.

anap

O eremita

Deixei de fazer a barba e cortar o cabelo assemelha-se a tarefa impossível – nunca desejei tanto estar no dia em que fui rapar o cabelo para ir para a Marinha! Afinal não fui para Marinha nenhuma (excesso de contingente) e ainda estive na Roda da Sorte com o couro cabeludo à mostra! Vicissitudes da vida…

Nutro muito mais empatia por este outro eu – ar de vagabundo, bem cheiroso com o banho acabado de tomar, sentado a escrevinhar junto à janela da cozinha, de café em café até ao café final….Hoje coloquei um perfume….somente para dar aquela sensação que vou sociabilizar e vai ser um dia normal…uma piada que faço amiúde comigo mesmo! Rimo-nos os dois e o dia corre melhor…

Com um bom Casablanca planeado para a tarde, um resto de arroz de polvo e muito café…nada faltará para que o sábado seja o dia mais alegre da semana! É sábado, não é? Começo a pensar entregar-me nas mãos de alguém que detenha a propriedade de uma qualquer serrilha capilar, com a medida 6, e que se apresente para tal tarefa em tempos invulgares!…caso não arranje vaga na segunda-feira! Faço figas para não agredir nenhum careca que esteja nitidamente deslocado num cabeleireiro que, por ora, tem que ser pertença dos cabeludos! Já viram imagens daquele oceano de plástico que existe no Pacífico? É algo idêntico, em termos de cabelos, o que nos espera, se as prioridades não forem atendidas!!!!

Como a positividade não é algo que procuremos – em tempos de pandemia – proponho um brinde a nós – pela resiliência e disciplina que temos mostrado! Fica a fotografia de outrora, para animar as hostes! Bom fim de semana!

ika2222

A longa caminhada…até ti.

Era longo o caminho a percorrer e o facto do pé direito estar ligeiramente indisposto não constituíam o maior dos incentivos. A encomenda do monstro de 8 tentáculos estava feita e era necessário quase atravessar a cidade para lá chegar – o exagero advém do recolhimento…qualquer caminhada constitui um desafio de planeamento cuidado, verificação de todo o equipamento e um estado moral superior.

O traje – constituído por uns calções de banho com cerca de 11 anos, uma tshirt a provocar os vegetarianos e umas havaianas compradas no Rio, por 22 Reais! Talvez levasse um ligeiro casaco azul, por cima da tshirt, uma vez que os vegetarianos têm sempre algo a dizer, e eu estava com alguma pressa mas sem ritmo a acompanhar, pelo que as medidas de segurança adicionais impunham-se! (só as vegetarianas podem levar isto a peito!). Uns óculos escuros do século passado completavam a indumentária.

Delineado o percurso menos acidentado, por causa do tal pé direito com vontade própria, decidi fazer o percurso designado “Avós”, que me permite passar pela antiga casa dos meus avós! Percorrida a rua 18, a um passo em que julgo ter visto caracóis a rirem-se, decidi-me pela 23 para passar no multibanco da 20. Descoberto que o cartão multibanco está partido (JP: sff mandas vir outro? Obrigado.), decidi tentar o multibanco da caixa de crédito que, maravilhosamente, me cedeu a quantia pretendida.

O grande Neves avistava-se ao longe e eu, que ainda não perdi o olfacto, senti o querer aquele arroz de polvo….cheirei-o e quase lhe consegui tocar…chamem-me o que quiserem mas há decididamente algo de errado na mente humana quando se trata de comida!!! Protegidos e já cumprimentados, lá fomos ( entretanto haviam chegado mais 2 clientes) confirmando as encomendas e aguardando. Como se de um salto no tempo se tratasse, tínhamos as encomendas na mão e, após as despedidas, lá veio o humilde narrador para casa.

Sem ter qualquer ideia de por onde regressar, fui arrastando o exausto pé direito até casa onde se encontra agora ao alto – como todos nós… 🙂 Os filetes colocados no prato, o arroz por cima, um toque de limão no conjunto e é ver o humilde narrador a dialogar com os dentes sem que o interlocutor possa sequer pensar em levantar um dos tentáculos…

O café e cigarrinho na janela, observando o dia nublado mas agradável, orientam a digestão enquanto um trago de Super-Bock relembra o mar. A mente vagueia…

Soltem-me….quando for seguro! – 26/4/2020

breakfast

Dar ao pé…

Se no passado dei a mão sem saber que o fazia, agora tive que dar ao pé para poder ter tudo o que me faltava em casa. Já não se consegue comprar tudo o que se pretende numa só superfície pelo que fui obrigado a dirigir-me de um Doce para um Continente. 

Bendita (sem qualquer conotação católica) cidade que, assim que entramos em algum lado, tem sempre uma cara conhecida. Desta vez foi o André que me disse onde estavam as cápsulas e, em 2 minutos, as compras estavam feitas. Por momentos parecia que estava em Cork a fazer compras com o Gabriel (alguém que conhece o Tesco melhor do que a palma da própria mão) e que, em 2 minutos, havíamos encontrado tudo o que queríamos e estávamos na caixa prontos a seguir para casa. Fui tentado por uma caixa de 24 minis Super-Bock (trocamos olhares, eu toquei-lhe, ela sorriu) mas consegui superar a tentação e sair sem comprar cerveja (o que faz todo o sentido para quem já tem o frigorífico cheio do valioso líquido).

Continuo a dizer que a Unicer devia apostar na entrega porta à porta, enquanto dura a pandemia, numa clara demonstração de que está com o povo e disposta a um pequeno sacrifício para se tornar o oásis que todos os portugueses e portuguesas almejam encontrar. Se fizerem a entrega com uns saquinhos de tremoços ou amendoins então aí, definitivamente, passam a poder cobrar um serviço gourmet, pois já inclui muito mais do que apenas a cevada líquida! Se, eventualmente, fizerem a entrega com uma tábua de queijos, umas tostas e um bom charuto a acompanhar…então aí passam para o estatuto de Deus de Leça do Balio! (e acreditem que haverá muito mais pastorinhos com visões!!!).

Acreditam que encontrei a D. Manuela – que, para mim é uma irmã que tem sempre um bom conselho para a vida – mas só na terceira vez que nos cruzamos é que notei que efectivamente era a D. Manuela? Se há característica que não escapa a ninguém, até porque a D. Manuela não deixa, é o facto de, na sala de cima do Abel, quem manda é a D. Manuela!!!! E, com toda a razão, nem precisa relembrar tal facto a quem por lá passa novamente. Um amor de pessoa que só reconheci na terceira vez (nunca tinha visto a D. Manuela a cochichar!!!!, daí a demora em compreender quem era) porque, nestes tempos de pandemia, ando completamente alheado e sem lentes de contacto pelo que, se se cruzarem comigo e eu não cumprimentar, é sinal que me esqueci das lentes de contacto que recuso usar para sair, no máximo, uns 15 minutos por dia…É bom rever caras…e D. Manuela, se me estiver a ler, um grande abraço e até breve!!! Saudades do arroz de polvo…

Chovia, na volta desse Continente, e tentei novamente o exercício de regressar a casa de cara voltada para o céu, aproveitando cada gota que a natureza me dava. Já espirrei umas centenas de vezes, estou a beber chá e de mantinha (herdada, pelos vistos) pelas pernas, a pensar que nem sempre é boa ideia levarmos com a chuvinha nas trombas! Antes uma constipação que o outro que por aí anda!

Posto isto…vou beber uma mini! Sei lá que tipo de germes poderão estar dentro de mim ambicionando uma cerveja para poderem viajar para outros locais…

Mais uma história que vos conto – 13/4/2020

 

dog

O admirável mundo novo

As ruas continuam apinhadas de pombas, gaivotas e outras aves que, ao contrário de outros tempos, agora se aproximam com uns olhos que parecem pedir uma migalha ou outra. Seguro os 2 pães e viro as migalhas do interior do saco para o chão – não se trata de poluir mas sim de anuir à vontade daqueles olhinhos esfomeados com que as aves mexem com os nossos sentimentos. Reúnem-se aos meus pés e, entre olhares para o gajo alto que virou o saco e as migalhas que vão desaparecendo eu facilmente noto que só fui olhado uma vez…Há uma luta desigual, ainda sem a presença de gaivotas, que é terminada precisamente pela chegada dessas aves de maior envergadura que espantam tudo e todos com as asas bem abertas.

Como vim por um caminho novo – fui dar uma volta mais a sul para que a caminhada fosse maior – sou obrigado a passar por passadeiras onde não costumo passar e, por instinto, paro em cada uma delas para ver se vem algum carro que me possa colocar em contacto com o além, antes da hora programada. Seguro de poder atravessar, de sacos de pão na mão e café na outra, sou ultrapassado por alguém mais acordado do que eu que, qual Português, não passa sem deixar o seu superior conselho: – nestas alturas ninguém para nas passadeiras! Observo-o, enquanto me ultrapassa e aproveito para beber mais um trago do meu café, sim…em plena passadeira e aproveitando a deixa dada pelo transeunte apressado. Um pouco mais acordado resolvi ir tomar o pequeno-almoço à praia…que, neste momento, é só minha!

Armado em gringo – vestido e calçado – entrei na praia pela rua 33 e fui andando para norte e recordando todos os bons momentos já aí vividos. Será típico de um nortenho querer sempre caminhar para norte? Se viver no Polo Norte está lixado…Sentado em frente às escadas da rua 27 espreito o saco de papel da padaria e sinto um pão quente pronto a ser devorado…cadê o recheio? Foi mesmo assim, sem recheio e seguido de um queque em que a maior dificuldade foi conseguir apanhar as várias uvas passas! O estómago agradeceu, pediu um café que aqui não há mas o cigarro ajuda a compôr a digestão. Nadegueiro já ligeiramente arrefecido pela areia – ainda um pouco humedecida da maré e da humidade nocturna, estómago sem roncos ou quaisquer outros sons que pronunciem algo urgente a tratar, pernas a temerem o caminho de volta pois pensam que será uma grande caminhada.

Com uma imensidão de tempo disponível, mas com uma agenda agora totalmente vocacionada para trabalhar fora deste país, faço 4 horas de trabalho matinal na procura de novos lugares, novos países, novas pessoas. Respondo a emails, entrevistas e telefonemas e aceito todo e qualquer país, desde que não esteja em guerra ou muito mal servido de serviços médicos! Conhecimento como prioridade face ao monetário – e aí, em termos de aprendizagem – a Grécia é sempre o primeiro destino onde quero estar, viver e morrer.

É sempre melhor começar de novo, algo 100% novo, do que estar a perder forças e tempo (essa medida das nossas vidas que não sabemos quanto dura) com multidões que não se encaixam minimamente quer nas expectativas quer na realidade que queres construir. Saber ter força para construir sozinho o futuro que desejas, com quem desejas e onde desejas! Eis o teu ano de 2020 em síntese.

Podia ter falado de coelhinhos mas…prefiro a realidade! – 12/4/2020

that's all folks

Dar a mão…

Madrugar tem tido, por estes dias – que não sabemos como são, que vamos conhecendo e aos quais nos vamos adaptando – inúmeras vantagens. O poder vadiar, durante cerca de 15 minutos mesmo antes da cidade acordar, e sentir aquele pulsar típico de quem desperta de um sono pesado para mais um dia. Os pássaros já não se limitam a árvores e telhados e são agora espectadores habituais nos degraus das portas das casa, prédios e lojas. Parecem olhar-me como os animais nos olham no Kruger Park – questionando-se: este será dos humanos de outrora? Saberá dirigir aqueles ruidosos cavalos de metal? Será que amanhã chove? Toda uma série de questões existenciais só mesmo ao nível de pássaros em que a imaginação pode, literalmente, voar!

Ao início da tarde começam a chegar uns gringos para almoçar na vizinhança: o BM com estofos de pele, a buzinadela desde as 3 esquinas anteriores, a indumentária da comunhão, os gritos aos familiares que moram a 100 metros de distância – típicos “red flags”! Não consigo perceber que parte do recolhimento é que eles não entendem e preocupa-me porque moro cercado de concelhos altamente infectados.
As vizinhas apanham-me na janela, a meio do terceiro café da manhã, e dizem-me que, a partir de amanhã, abrem uma banca de legumes frescos e caseiros! Entabulamos um diálogo de poucos minutos, a filha juntou-se ao diálogo e eu, face a uma promessa de vagens frescas, imediatamente me comprometi a ser o primeiro cliente dessa banca de legumes. No final, a senhora mais velha agradece-me o diálogo – obrigado por este bocadinho diferente – e recolhe-se na casa de onde a filha sai para limpar os estores, por fora! – estão sempre ambas acometidas de uma velocidade que nem nos filmes da Velocidade Furiosa. Estas duas mulheres, uma nos seus 90’s e outra nos seus 70’s, são de chorar a rir…

E o dia tem sido assim….primeiro a natureza deu-me a mão e eu, pelos vistos e com um pequeno diálogo, dei a mão a outrém. Que nunca nos faltem mãos para dar ou vontade sincera de o fazer.

In reclusiōne – 11/4/2020

quaran

Digestão

Agora que os scones sem tempo estão mal digeridos, eis o humilde autor diante da sertã, com as raspas de bacon prontas a fritar na gordura delas próprias, enquanto bate bem os ovos. As torradas estão a aquecer, o bacon fica pronto, o ovo entra e, bem mexido, misturam-se as raspas de bacon. As torradas ficam prontas, uma leve passagem de manteiga, colocadas no prato e prontas a levar com a mixórdia de ovos mexidos com bacon. Os espargos estão a dourar um pouco e, dentro de segundos, o brunch estará pronto. Há sumo de limão ou de laranja para acompanhar – os citrinos ao serviço da digestão de repastos mais difíceis. Um regresso à ilha porque a meteorologia está muito igual…para melhor, mesmo assim!

Ao som do Underdog, dos Kasabian, e após ouvir o Claudio Ranieri dizer que, no balneário e antes dos jogos, dizia sempre aos jogadores “Somos o Underdog, não temos nada a perder” e…ganharam o campeonato – vou transformando o brunch em bolo alimentar enquanto sorrio com o diálogo dos meus vizinhos velhotes que, dia após dia, se degladiam em palavras más que mais não conseguem demonstrar o amor de ambos…curiosa maneira de demonstrar amor!

Hoje passei pelos açambarcadores – essa raça organizada, sem clube pelo qual lute excepto pelo alargamento do próprio umbigo – e lá tive que comentar com o já habitual “um lanchezinho para a ceia?” face a 6 carrinhos cheios a deitar por fora que mais pareciam dirigidos ao Ministério da Defesa Nacional do que propriamente a uma família…e estão cá todos os dias! Desejo que se confundam completamente nas contas e tenham que congelar papel higiénico ou fantasiarem-se de múmias até ao século XXII e que, a partir daí, possam usar as máscaras e E.P.P. para se fantasiarem de enfermeiros ou médicos até ao século seguinte! (desculpem o desabafo, estava atravessada)!

Os cafés na janela são o equivalente ao curto em chávena fria do Bombar (um dia o Raúl acertará!), os cigarros fumados na janela são o mais semelhante a estar sentado na areia, bem longe de tudo e de todos, a tranquilamente curtir o cigarro enquanto o sol se põe. Por vezes recordo-me que existe uma TV mas, com antecedentes tão longos longe do aparelho, resolvo continuar a cultivar a vida de costas voltadas para a TV sem que tal signifique que vivo de costas voltadas à informação, bem pelo contrário.

Quero ver as varinas gritar “É do nosso mar!”, enquanto olho para o mar e lhe agradeço o que nos vai dando. Quero ver o sol a pôr-se enquanto bebo uma verdinha. Quero caminhar na esplanada, enquanto me desvio da multidão de gringos, como se de um videogame se tratasse. Quero sentir cada grão de areia, entre os pés, as pernas, as mãos…onde ela quiser…a chatear-me o sistema mas com um aroma a maresia que desculpa qualquer moléstia. Quero….que esta merda passe!

Desabafo que era para ser matinal mas eu, que sou um gajo com tempo disponível e sem amarras, fui alargando até agora. Que gostem. – 10/4/2020

scones

Abruptamente…

Foi um salto que me despertou….demorei uns minutos a perceber o que se passava e porque raio tinha o Keith Richards na memória…Será realidade? Já mais acordado, percebi que tinha sonhado com um noticiário de última hora, com notícias certamente inquietantes, mas cujo pivot era o Keith Richards! Tentei “puxar pela cabeça”, na tentativa de desenterrar mais detalhes da memória recente e tinha uma imagem mais ou menos completa do sonho…

O nome do canal de TV era “Anything but Fake News”, com uma decoração demasiado semelhante à decoração do estúdio da Fox News mas com notícias de eventos que realmente existiam, opiniões realmente isentas e um painel, em estúdio, capaz de debater quaisquer agruras que o planeta estivesse a sofrer.

O Keith Richards abria o noticiário anunciando “Boa noite! Não, não fui eu….eu continuo aqui” e vai anunciando os nomes dos britânicos que ainda acreditam no primeiro-ministro. Cinco a dez segundos depois, anunciando as primeiras notícias da política, é interrompido por um Mick Jagger, tornado irreverente aos 76 anos de idade e sentado como moderador do painel, que grita “Let it be!!!!”, como que querendo saltar a parte de política e querendo saber como andava a selecção Inglesa. O Paul McCartney, que estava nos bastidores, enquanto convidado VIP, não se conteve e entrou em cena! Perguntou ao Mick se aquilo era alguma piada…ao que o Mick respondeu com um ““Out of Time”. O Paul olhou para trás, viu que estava sozinho, e sentiu os olhos de todas as pedras rolantes em cima dele. Começou a trautear o “We Can Work It Out” e foi saindo de cena, de volta aos bastidores! 

No estúdio, entretanto, o Mick Jagger já era o pivot, o Keith Richards curtia uns acordes de bateria e o Charlie Watts passeava-se pelo estúdio num ritmo lento, estudado mas sem falhar um passo. O Ronnie Wood observava toda a cena, enquanto se aproximava da assistente de produção e lhe segredava “I can be your sugar grandpa” e ela, completamente louca, esquecia-se que tinha acabado de deixar de ser adolescente…

Não são os sonhos que são complicados…nós é que não podemos tentar vivê-los sem o diapasão correcto! E, com tudo bem afinado, somos sempre a melhor banda musical do mundo e arredores!

Acordei muito cedo…mas com um som divinal – 9/4/2020

stones

Mudanças…

Muito cedo, pelo meu ritmo actual, levanto-me e, como o comum mortal, vou comprar pão. Numa caminhada que tem muito mais de nostalgia do que de distância, revejo o passeio onde fazíamos corridas de bicicleta, o muro da Fosforeira (tão alto na infância e, hoje em dia, vejo bem acima dele), a casa dos avós, etc…Interrogo-me sobre pequenos detalhes (quantos loucos mais haverá no mundo a jogar futebol na sala?).

Virando à esquerda no cimo da rua, normalmente deparo-me com os primeiros seres humanos e, curiosamente, cumprimentam-me! Cumprimento de volta, claro…mas pergunto-me: quem seria? São desconhecidos que, num gesto novo de empatia, passaram a cumprimentar os transeuntes…Curioso, digo para mim mesmo e, uns metros mais à frente, o mesmo gesto, de outra pessoa que desconheço, e de quem passo ao largo…distância de segurança oblige.

Percorro a rua 18 com a certeza absoluta de que se trata de uma seita mas, por outro lado, quem criaria uma seita de empáticos matinais? Só com o patrocínio de uma multinacional de café e não havia qualquer publicidade na indumentária deles…de onde viria o retorno??? Deixei a vertente económica e debrucei-me apenas na vertente humana; passei a sorrir para todos por quem passo e, quiçá, talvez já se diga por aí que pertenço à seita…

Há um misto de empatia e pedido de absolvição quando as pessoas se cruzam, nos tempos actuais. Uma mistura de “Olha quem ele é” e “mantém-te ao largo, se faz favor” que andamos a interiorizar – uma antítese de tudo aquilo que, antigamente, perseguimos e que, em última análise, é o amor! Estamos alheados por obrigação mas não perdemos o que de mais belo fomos interiorizando e pretendemos voltar a colocar em prática!

Desabafo:
A curiosidade de sermos de um país que empurrou milhares de médicos, enfermeiros e outros, para o estrangeiro, e agora batemos palmas e ajoelhamo-nos perante o esforço – daqueles que, abdicando de um salário muito superior – ficaram para nos salvar! (E, mesmo assim, ficamos muito aquém do agradecimento que eles merecem).
Convém manter todo o parágrafo anterior bem memorizado para a enxurrada de movimentos nacionalistas que, inevitavelmente (e infelizmente), surgirão, após tudo estar resolvido, tentando colher os louros de algo que nunca plantaram (porque não existe neles semente), nunca trataram ou tentaram cooperar (porque neles não existe esforço)!

Obrigado pela visita e até breve! – 7/4/2020

corona

O sonho…

…pode comandar a vida!

Após 2 semanas a usufruir das entregas do Uber Eats (há uma promoção para novos clientes, em Espinho, que oferece a entrega…procurem!), o dia chegou em que fui obrigado a sair de casa se queria comer (soa a exagero, porque tenho o frigorífico cheio, mas após tanto tempo sem ver o mar….era uma obrigação). Saí, a medo e em direcção contrária ao habitual caminho para ir ao supermercado, e dei por mim a conhecer a minha cidade….novamente.

A construção civil não parou – já o havia notado aquando da saída para a compra de tabaco e constatado pelo ruído que saía da Junta de Freguesia, contei 10 pessoas (maioritariamente junto ao mar) e todos a uma distância mais do que segura! Foram os habituais 6 minutos para chegar ao Quim da Granja, pagar e trazer a vitela assada. 

A volta para casa foi feita pelo mesmo caminho da ida mas já na companhia da chuva. Se de início hesitei em iniciar o percurso de regresso a casa – porque chovia – foi ao constatar que a água da chuva estava morna que iniciei o caminho de volta. Chamem-me louco – pouco me importa – mas o caminho de regresso foi todo feito de cabeça para o ar, gotas a caírem na face e eu a esboçar um sorriso imenso! Não sacudi a água uma única vez, senti a água a pingar pela minha face e sorri, cada vez mais.

Com o vírus, com tanta notícia falsa, com tanto doutorado em vírus, com tanto receio (equilibrado entre o falso e o verdadeiro)…a chuva foi a forma que a natureza teve de me equilibrar. E não só o fez como ainda me deu um gozo enorme…a segunda melhor chuvada da minha vida! A assemelhar-se ao momento em que, apesar de não gostares de scones, comes tudo como se fosse a tua última refeição…porque amas quem os fez!

Associação de momentos maravilhosos que teimavam em não voltar! – 6/4/2020

sea

Aquele texto sem imagens…

…porque a nossa imaginação nos consegue transportar muito além de qualquer imagem.

Entre conversas de religião, notícias falsas que têm mais poder nestas alturas de desconfiança, uma programação merdosa nos canais portugueses, eis-me decidido a apanhar ar! Como sou um cidadão cumpridor e sempre fui (Ahahahahahahahah) – apenas achei que dava um ar mais sério ao texto – decidi arriscar tudo por um pouco de ar fresco! As janelas estão abertas, chovem umas pingas dentro de casa, na tentativa de apanhar o máximo de ar circulante no pequeno apartamento mas…não chega. Arrisco? Não arrisco?

Dou por mim na janela da cozinha, com a cabeça bem fora da janela, e tentando perceber:  porque é que fumo na janela se não partilho o canto com ninguém? Por respeito, recordei-me! Porque um dia me pediste e, porque a educação define quem somos (não só mas também)! Lembrei-me do tom da tua voz, da tua cara enquanto proferias as palavras, do teu cabelo e de toda uma saudade que só peca por uma palavra. 

Chove e, no meio das pingas de água que vão caindo, passam dois pássaros a voar a uma velocidade estonteante (as aves, ao contrário dos humanos que pilotam aviões, não precisam de gritar “V1” quando atingem uma velocidade que não lhes permite travar – dado que o comprimento da “pista” das aves é infinito – pelo que fazem um movimento de corpo, em que parecem puxar a cabeça para trás e colocam o corpo a oferecer resistência ao ar, travando assim o voo). E assim pousaram ambos na antena de TDT do prédio aqui ao lado. Chilreavam animadamente e travaram de modo a pousar em 2 lugares distintos da antena. E ali ficaram, os dois, a “conversar” animadamente.

Era capaz de jurar que éramos nós, de costas voltadas para o mar, a voar sem limites e com tempo, com todo o tempo do mundo e sem controladores aéreos que nos limitassem! De asas bem abertas, com os diferentes e maravilhosos tons de penugem a serem mostrados a quem perdesse tempo a observar-nos! A chuva? A chuva arrefecia os nossos ânimos e permitia que nos equilibrássemos na antena que ondulava à mercê do vento…

Eu gosto é do Verão… – 5/4/2020

Ai os gajos…

Um casal de velhinhos, aparece nas costas de um directo na RTP1, sobe a rua em direção a Santa Catarina. Estão de mão dada e nota-se um toque do marido na mão da mulher para seguirem pela esquerda da imagem da TV. O que à primeira vista parece ser mais um casal a tentar aparecer na TV não faz sentido numa situação destas – em que todos vemos e eles não querem ser vistos – e é, quando vejo o outro polícia, a aparecer nas costas do polícia que está em directo na TV, que percebo tudo: os velhinhos fugiam da polícia!!!!! Ambos baixam a cara, quando interpelados, e após um breve sermão da polícia…seguem o caminho. As expressões nas faces, que se conseguem ver quando o casal é “libertado do sermão” mas capturado pela câmara em directo, é semelhante ao estado de espírito dos que estavam em Woodstock em 1969! Reguilas, sem regras, a sorrir muito….

Percentualmente, segundo as estatísticas, as pessoas mais velhas já cumpriram uma percentagem superior às de menor idade (casos haverá em que, infelizmente, vicissitudes da vida o contradizem) logo, estão mais perto de terminar a odisseia que é a vida. Assim sendo, entendo perfeitamente a ânsia de andar na rua, de quebrar regras, de querer – de muito querer – não cumprir as regras e ser desregrado. Eu acho que, enquanto o casal de velhinhos passava em frente ao directo da RTP, ouvi Hendrix ao fundo….poderá ter sido a minha imaginação…

O tempo – que presentemente sentimos de maneira mais palpável – é a medida da nossa vida. Não temos acesso a qual “o comprimento” que vamos atingir mas podemos muito bem divertirmo-nos enquanto vamos crescendo, temporalmente falando! 

Acordamos, pela manhã, e fazemos a doação do nosso tempo: doamos tempo a um café que tomamos, uma torrada que comemos, uma obra que executamos!

É a falar do tempo que a gente se entende!

Devaneio matinal – 4/4/2020

nike

Guantanamo

Acordei cedo, pelos meus parâmetros, e fui às compras. Havia uma fila e o comportamento foi super decente, por parte dos que esperavam. É todo um novo mundo o que existe lá fora: há pessoas, olhares desconfiados, alguns sorrisos e, acima de tudo, demoramos uns valentes segundos a associar quem nos cumprimenta…ao longe, claro está! Um profeta da desgraça, à porta do Pingo Doce, anunciava toda uma série de catástrofes e eu….fui tomar 3 cafés para não ter que voltar a sair.

Chegado a casa com um cesto de compras para 2 dias, muito aquém de ter esgotado qualquer produto que seja e esquecendo outros fundamentais, coloquei o “Dancing with myself”, aos altos berros e, de mini Super Bock na mão, saltei que nem um louco! Acho que a minha passagem de ano está, finalmente, celebrada! Faltou a ressaca mas eu sou um homem comedido! 

Foi um almoço moderado, bem regado e segue-se uma “estimulante” sesta! A leitura seguir-se-á e ligar a TV para ver mais números alarmantes está fora de questão…antes ouvir Justin Bieber!!!! (estou a brincar, jamais o ouviria! Preferia umas sessões de Waterboarding em Guantanamo!). A sensação de muito calor no corpo que, afinal, não é mais do que o sol a bater no corpo do prisioneiro.

Ao final da tarde um passeio de alguns minutos, só para espreitar o sol, seguido de um recolhimento até ao dia seguinte. Há leitura suficiente, há música suficiente e há comida para uns snacks valentes e umas refeições bem para além de modestas. Tenho visões de pratos muito bem confecionados (babo-me com o pensamento), de colesterol elevado e o estómago enche-se de pensamentos eróticos em relação ao que vai digerir a seguir.

Disse-me o senhor do café que as pessoas que lá passam estão a começar a perder a paciência ao que eu respondi que mais vale isso do que perder a vida! Contundente, bem sei, mas os tempos não são de facilidades mas sim de dificuldades. 

Força aí! Todos juntos nesta odisseia não programada mas que certamente todos iremos superar!

89993836_1298756190320080_7117235381883371520_n

Rikers Island

As grades são tudo o que me limita – as janelas que me impedem de voar, a porta que nos impede de sair, a TV e o seu discurso catastrófico – quanto a mim, ainda aquém do necessário (uma opinião pessoal), que nos dá um cenário dantesco, muito para além do que conseguimos imaginar e constatar.

Fujo da solitária cerca de 30 minutos por dia – aquém do confinamento na solitária de Rikers – que permite 60 minutos de pátio – para olhar o mar, após ter fugido de todos aqueles com quem me cruzei pelo caminho. Os olhares são desconfiados, as caras são de medo e o vírus continua a ser algo desconhecido.

Notícias de uma besta quadrada, que preside a um país da América do Norte, e que tenta, a todo o custo e com recurso ao “Almighty dollar”, comprar os estudos feitos por uma companhia Alemã em prol de uma vacina, para uso exclusivo no povo a que “preside” – quanto a mim o ponto mais baixo da humanidade mas, vindo de quem vem, não me espanta que se consiga “superar”. Os “familiares” dessa besta, que presidem aos destinos do Reino Unido e do Brasil, seguem-lhe os passos…

Medo do desconhecido? Todos temos, quando somos humildes ao ponto de o reconhecer. Tentar superar o desconhecido, através de iniciativas individuais, nunca superará a força do movimento colectivo (a vida tem-nos dado inúmeros exemplos). O meu grande medo, actualmente, é a falta de um grande líder mundial que consiga unir a humanidade face a uma das maiores catástrofes com que já se deparou.

Conspirações e afins são a justificação possível para quem acredita nessas teorias mas o facto é que lidamos com o desconhecido e os únicos dados que possuímos vão sendo transmitidos dos países mais afectados para os que serão afectados em seguida. Estamos a aprender conforme o tempo vai passando, conforme a virose vai evoluindo, conforme os mortos vão destruindo a nossa confiança e os pacientes recuperados nos dão alegria (apesar das fortes mazelas com que ficam). 

E a economia? É talvez a justificação para a morosidade com que algumas nações enfrentam este flagelo – ninguém ousa sequer contabilizar os custos de algo assim até porque, nesta altura, tal seria considerado insensato. Não há material suficiente, não há conhecimento suficiente, há um esforço desmedido por parte daqueles que realmente dominam estes fenómenos epidémicos – contrariado por Governos mais preocupados com a economia e eventuais reeleições (a política é a verdadeira origem da palavra hipocrisia).

Saudades de um bom abraço, de um bom beijo, de fazer todas as coisas que nunca nos fazem falta – quando as temos – mas que se transformam em saudade, assim que a oportunidade de as termos desaparece…O humor tudo supera!

89747878_10219948942701485_8851670702177124352_n

Dreamliner

Saindo da turbulência, mas ainda sentindo o avião a abanar, as asas do Dreamliner estavam agora a recuperar a posição dinâmica em que se encontravam antes do percalço meteorológico. 

Aquela nuvem não estava nos planos – o que raramente acontece hoje em dia, dada a enorme quantidade de aplicações disponíveis – mas o imponderável fazia parte da viagem e, lenta mas seguramente, voltamos ao usufruto da jet stream que nos empurrava para o destino.

A minha mão sentia a tua unha cravada na minha carne mas, como acima de tudo estamos nós, nem um pio ouviste da minha parte. Apertei-te o cinto um pouco mais e adormeceste no meu ombro – o sorriso traquinas bem pronunciado (como se consegue dormir assim?), os olhos amorosamente bem abertos e completamente rendidos e nós os dois ainda vivos!

Sempre soubemos que qualquer viagem tem percalços – sejam eles causados por nós, pelas companhias envolvidas ou terceiros que prestam serviços a algum dos envolvidos – mas havíamos combinado que o respeito mútuo seria sempre algo que nunca nos faltaria.

O avião voa, está em piloto automático e as coordenadas inseridas no sistema, com a beleza e facilidade que os computadores de bordo proporcionam. A Comandante és tu e eu não passo de um co-piloto, com largas horas de experiência no Flight Simulator – sempre como controlador de tráfego aéreo – aguardando a hora de percorrermos a check-list e aterrarmos, sãos e salvos, num qualquer destino à nossa escolha.

Curiosamente nunca me ocorreu perguntar-te se tinhas brevet de piloto mas sempre soube confiar em quem realmente sabe estar presente na minha vida.

83807370_2330503553916508_6181498265922437120_n

Sinais vitais

Os olhos estão focados nos olhos dela e, após conseguir entrar através deles, vejo os sintomas do amor presente: as pernas estão fracas, o coração está acelerado, vê-se um nervoso miudinho por todo o lado, borboletas que voam como se fizessem o mais belo dos bailados, suores frios, planos para expressões de beleza ainda mais elaborada do que a beleza que contemplamos, ideias de abraços bem apertados e sem palavras. O apetite desvaneceu e há apenas a ideia de que realmente devia estar com fome mas….não.

Ela olha-me como se conseguisse ver através de mim e eu, ciente de que talvez existam pessoas assim – Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay – defendo-me muito mal daquele olhar que me desarma. Será este olhar algo semelhante ao meu olhar para ela? Questiono-me pois sinto que agora é ele quem descortina todos os meus segredos – num download de dados feito através de uma ligação directa olhos nos olhos? Um sentimento de conforto atravessa-me o corpo – sei que, qualquer que seja o sentido daquele olhar, o meu olhar para ela não será afectado.

Ela sorri e pede desculpa pela sua beleza. Argumenta mesmo que não sabe qual a proveniência – como se de uma maldição se tratasse – e eu, sem querer saber da proveniência mas sim do desfrutar, continuei maravilhado a contemplar. Ficamos uns minutos valentes a saudar uma das belas demonstrações que a natureza nos pode dar – o pôr do sol – e, sem palavras mas entre algumas lufadas mais profundas de ar fresco, concordamos que fazia sentido as três belezas que nós somos estarem assim unidas.

Devaneio mascarado de sonho – 24/2/2020

WhatsApp Image 2020-02-24 at 18.53.40

A P.D.I.

Alguém muito próximo perguntou-me, por estes dias e a uma distância segura, porque é que eu nunca escrevia sobre a idade, o envelhecimento, etc…A verdade é que se trata da pessoa ideal para colocar essa questão pois andamos a envelhecer juntos desde 1988…

O Outono da nossa vida, como prefiro apelidá-lo, devido às muitas semelhanças entre a natureza e o corpo humano. Tal como as folhas se desprendem do ramo para, num bailado lento e nas mãos do vento, alcançar o solo e passar a ser um estrume adicional para a árvore de onde caiu…também nós partimos de uma estatística que nos pode deixar no lençol – sem futuro, sem dignidade e ao alcance de qualquer máquina de lavar – ou alcançar o útero e criar uma nova vida.

A vida é feita de probabilidades e nunca sabemos o tempo que nos está atribuído logo, nunca conseguimos saber, antecipadamente, o resultado correcto da equação. Mas é justamente nessa falta do valor final que reside o combustível que nos faz levantar e procurar o objectivo seguinte.

Surgem uns nervos com tiques, obviamente, nervosos, uns dentitos têm que ser substituídos, umas dores de costas que não faziam parte do roteiro habitual. Dás muito mais valor a escutar do que a falar e dá-te um gozo muito maior o processo de aprendizagem das coisas – talvez porque damos mais valor ao tempo (que realmente tem mais valor pois estamos num cronómetro regressivo e já percorremos parte do tempo definido).  

Ainda erras como antigamente e aprendes – temporariamente – com o desejo de errar novamente o mais brevemente possível. Adoro essa parte do processo de envelhecimento…dá-me a impressão que sou um “velhinho de desenho animado” que pode escapar sempre das situações, ainda de coluna bem levantada e com um sorriso traquinas que é imagem de marca.

Assim, por alto, é o que me ocorre…

20190710_145419_2

Há cáries que vêm por bem…

Na aventura que tem sido o buscar emprego em diferentes países há detalhes que afectam sempre a tua escolha. Falhaste redondamente no passar 860 dias num ambiente dos mais agrestes que há por perto. Perguntam-se vocês se eu contei os dias? Obviamente!!!!

Se no início chegas a um país com uma vontade enorme de descobrir tudo e todos, muito rapidamente a meteorologia começa a “afectar-te” e começas a esmorecer sempre que tens que sair da casa – impecavelmente isolada – para um tempo que muito raramente tem sol. Os detalhes, que sempre tão cuidadosamente analisados, antes de partir, e andam sempre à volta de detalhes como a meteorologia, o poder de compra que posso ter e o saber qual a melhor área para habitar (perto, muito perto, do mar).

Se na Grécia o tempo só tinha 2 meses de Inverno forte então, na comparação com a Irlanda, posso dizer que nem uma semana de calor existe e, caso a mesma apareça, terá que ser atribuído a um estranho fenómeno meteorológico típico dos dias actuais. Foram 860 dias a tentar superar uma vontade enorme de largar tudo e voltar para Portugal e escolher o destino seguinte.

Um dia, porque tinha um dente que me doía, fui à dentista local e arranquei o doloroso companheiro..por EUR 180 (!)!!!! Assim que saí do dentista, e ainda entorpecido pela anestesia que havia recebido, disse para mim mesmo: se chegares à próxima esquina e seguires em frente….vais trabalhar mas, se chegares a essa mesma esquina e virares à direita, então colocas um ponto final em tudo isto. 

Assim que cheguei a casa – sim, virei à direita, com um sorriso do tamanho do mundo, sem peso nenhum nos ombros – liguei para os meus colegas de casa e contei-lhes a decisão. Tratando-se de pessoas muito amigas e perspicazes, o jovem casal ainda tentou demover-me com a visita ao Brasil que se iria iniciar, daí a uns dias…mas a decisão estava tomada e a viagem ao Brasil seria o primeiro passo num merecido descanso de chuva, frio, neve, gelo, etc…

Não censuro (como poderia?) quem se aguenta na Irlanda e triunfa – são os meus heróis – mas eu não fui talhado para sofrer tanto com a meteorologia e, gradualmente, o trabalho foi-se tornando cada vez menos apetecível e, quando encurralado entre a indisposiçao de ir trabalhar ou o alento de procurar algo novo….a resposta é óbvia.

Chegado do Brasil – e assim que retornei a Cork (outra coisa irritante do país é que não há voos entre Dublin e Cork o que obriga a uma viagem de 3 horas e meia de autocarro que ainda te massacra mais) – falei com os meus colegas de casa e ficou decidido que eu partiria e outras pessoas surgiriam para ocupar a minha vaga. Correu tudo muito bem e cheguei a Espinho a 25 de Julho de 2019.

Como sempre na vida, conheces pessoas espectaculares com as quais gostarias de continuar a partilhar o teu tempo e outras com as quais não gastas um milésimo de segundo (sim, tenho que trabalhar melhor na cara hipócrita que tenho que fazer quando estou perante alguém de que não gosto). Já consigo esboçar uns sorrisos em frente ao espelho mas imediatamente sai uma gargalhada pelo facto de não ser espontâneo…antes assim! A Irlanda foi uma aventura saudável, fiquemos assim!

Havia, desde a chegada, uma data definida para começar a procurar algo novo – Janeiro de 2020 – e assim foi. As entrevistas continuam e vocês ririam muito se soubessem quais os países, quais os salários e quais as actividades a que concorro! Faço figas e estudo que nem um louco (expressão deveras apropriada) para conseguir um novo país, novas aventuras, novo conhecimento e, quase que me esquecia, um novo emprego.

Em breve certamente partirei, muito provavelmente para um país da UE, mas sempre de olho na América Latina e Central (daí dizer acima que louco é uma expressão apropriada). Não busco a riqueza do mundo mas tão só e apenas a oportunidade de visualizar algumas das maravilhas que o mundo contém! Louco? Sim, por novas aventuras, novos países, novas pessoas e, acima de tudo, a oportunidade de conhecer algo diferente!

Benditos EUR 180 que gastei na remoção do dente….aquilo andava a afectar a engrenagem da alegria!!!! 🙂

Aquele abraço.

IMG-20191007-WA0002

Fotógrafo: Mario Horta Oliveira

“Apenas” um pôr do Sol

De costas direitas e bem firmes, de indumentária leve – mas com o obrigatório aconchego da camisola de Verão para a humidade noturna, de passo típico de despreocupação, os sorrisos a ultrapassarem a cadência da locomoção. 

Descendo os escassos metros que separam a casa da praia, a trocarem impressões sobre o dia que ainda não havia acabado, idealizando projectos concretos para os dias que virão. Subitamente, no final da rua, deparam-se com o Sol a preparar o palco para a sua despedida diária e, ambos, deixam o queixo cair e concordam que o espectáculo tem que ser visto.

Nascidos numa terra de pescadores e separados por escassos anos, recordam o ano de 1988, quando se conheceram. Detalhes muito turvos em relação a detalhes de 1988 mas a visão muito apurada para o show mágico que tinham decidido assistir. Como locais que são, meteram os pés na areia e sentaram-se na última “fatia” de areia que não estava húmida – uma espécie de palco só nosso, de vista desimpedida e na companhia dos profissionais da praia.

As mãos escondidas pela areia procuravam o contacto um do outro e foi certamente o GPS emocional que as ligou. E foi assim, de mão dada coberta pela areia, que presenciaram o maior espectáculo do Mundo. Uns profissionais a sair da água enquanto outros profissionais se dedicavam à procura do melhor local para lançar o anzol.

Fisgados, primeiro no Sol e depois nos olhos um do outro, saudaram o pôr do Sol com um valente beijo. Ele ergueu-se primeiro e esticou a mão para que ela o pudesse fazer. De passos suaves na areia retomaram o caminho do melhor arroz de polvo do Mundo e nem os amigos de longa data com que se depararam poderiam explicar o porquê daqueles sorrisos tão abertos e cúmplices. Nada haviam roubado mas estavam condenados a amar-se…a mais bela pena a que um ser humano pode ser condenado!

(Original de 2 de Agosto de 2019)

Turbulência

Sentado no lugar 1A, já ouvi o “cross-check” e as instruções no caso de emergência – basicamente, ouvi a hospedeira explicar que, caso dê merda e houver tempo, devemos seguir as recomendações dela…A mulher do 1B tem a mão esquerda cravada no apoio de cotovelo que separa os nossos lugares e olha para mim com um ar de medo profundo – há uma união de sentimentos no receio mas acalmo-a dizendo que estas coisas raramente têm acidentes o que, numa semana com mais um acidente aéreo, não inspira grande confiança…

O plano de ataque está definido, o plano de voo á muito que foi aprovado e o destino pertence a uma conjugação de factores naturais que não convém desafiar. “Clear to take off” e posicionamo-nos na pista, prontos para largar…motores a fundo, travões também e, após o soltar dos travões, eis que o nosso avião ganha altura ruma aos céus…onde aquelas rodas vão pousar é algo que só à nossa imaginação pertence…

Irlanda

18 de Março de 2017. Foi esse o dia em que aterrei em Cork e comecei a fase irlandesa da minha vida. 2 anos, 5 dias…recordo que marquei a viagem para chegar – propositadamente – após a festa nacional, o ‎Saint Patrick’s Day. Uma decisão corajosa de quem vinha de uma série de festas de despedida – algumas a superar o nível de alguns dos filmes da trilogia ressaca – que me fazia sempre recordar a máxima “Poupa o teu fígado!”.

Era um dia nublado e chuvoso aquele em que cheguei. A natureza, de um verde insuperável, dava esperança ao humilde narrador de que talvez houvesse um dia em que se pudesse (eventualmente) até fazer praia…era, obviamente, a visão deturpada pelo cansaço da viagem que teve que ser feita com escala em Londres. Mas sim, consegui um dia ir à praia na Irlanda e farei questão, caso a situação ocorra, de contar aos meus netos para que nunca façam merdas desse tipo!!!!!!

Trocas de casa, pessoas novas conhecidas e acarinhadas, pessoas novas conhecidas e remetidas ao esquecimento, sorrisos, gritos de luta e incentivo e, ultimamente, uma vista muito mais sorridente. Tal como o rio, que nos serve de imagem diária para quem frequenta uma sala completamente rodeada de vidro, também a vida flui naturalmente – talvez não para o rio que desejamos, mas há que fazer o melhor com o que vamos encontrando nas margens ou procurar sítios mais distantes para buscar o pão.

E que rico pão…vivemos a uns 100 metros de uma padaria francesa fabulosa (na Irlanda consome-se mais o nosso pão de forma pelo que a padaria, enquanto estabelecimento, é um conceito quase não existente para eles) na qual os produtos que estão expostos são de fazer babar o mais bem-educado dos meninos de um qualquer colégio particular em Portugal.

Olhos bem abertos na constante procura de mais ver; uma procura constante por novos pequenos nadas que vão surgindo e que urge apreciar. Um lugar quase cativo no autocarro e a construção de uma nova “seita” no fundo do mesmo. Gargalhadas com humores semelhantes, gargalhadas com humores diferentes.

Trocas de olhar e sorrisos constantes, condutores demasiado expeditos e recém-encartados ao volante. Viagens de pura adrenalina versus sermos ultrapassados por caracóis. E, lentamente, conhecendo….

Sempre na luta…

Nunca fomentamos a nossa relação pela exigência no contacto mas percebo que exijas mais de mim do que presentemente te tenho dado. Ando egoísta, talvez seja isso! Mais relaxado, mais dado a tarefas caseiras, mais dado a gargalhadas com os que mais gosto.

Livrei-me do velho portátil e teclo-te agora de um modelo novo. Nem percebo como deixei algo chegar a tão velho mas, por vezes, deixamos coisas envelhecer ao nosso lado sem que exista mérito para que tal aconteça. Não mais voltará a acontecer: mereces que as novas criações provenham de um modelo ao teu nível! E assim será, doravante.

Continuamos a curtir a nossa casa, em frente ao rio, com uns endiabrados (de bons) brunches aos domingos. Vamos usando os sábados para ir conhecendo novos locais para o pequeno-almoço tardio mas os domingos são nossos!!!! A nossa varanda tornou-se o nosso local de culto e o rio, constantemente a fluir em direcção ao mar, a minha alegoria para largar palavras velhas e usar um diálogo novo!

Acusam-me de evitar-te! Que desabafo demasiado contigo, que as pessoas que interessam – só essas existem – são sempre as segundas a saber do que se passa. Acho que são ciúmes, más línguas ou apenas uma forma amorosa de expressarem o seu gosto pelos escritos passados. Mas, tal como na bolsa, lucros passados não são garantia de lucros futuros e, com os escritos antigos, é precisamente a mesma coisa.

Vou começar a natação, assim que consiga atravessar os 20 metros que me separam entre a porta de casa e a piscina do hotel. Com trezentos euros anuais tenho acesso a tudo o que se passa na piscina e, qualquer dia, lá estarei com os velhinhos todos a fazer hidroginástica!

Passos pequenos mas muito seguros. Fevereiro de 2019.

Férias

Havia muito tempo que mentalmente estavam planeadas! Uma espécie – para não usar a palavra “tipo” – de descanso do guerreiro que mais não é do que levar o guerreiro a prestar vassalagem ao Sol.

Partir do aeroporto de Cork assemelha-se, em muito, a partir do aeroporto de São Tomé: as máquinas são ligadas para inspeccionar as bagagens, há muitos sorrisos – por parte dos passageiros que sabem que vão evoluir, pelo menos, uns 20 graus centígrados em termos de temperatura, a boa disposição impera e contagia!

Voo tranquilo, apesar da histérica que seguia a meu lado e que, a cada pedaço de turbulência, se agarrava a mim…fosse a Claudia Maria Schiffer e a história teria sido diferente! Sem turbulência, claro está! A chegada foi tardia e as primeiras impressões de uma semelhança brutal com a Gran Canaria – entre a Playa del Ingles e a Playa de Las Americas há semelhanças tão incontornáveis quanto a relação de vizinhança das 2 ilhas!

Dias passados maioritariamente entre o Papagayo e a praia! Papagayo para hidratar e a praia para plena satisfação da necessidade vital para quem nasceu tão perto do mar! A temperatura da água não seria a ideal – de acordo com os padrões Gregos – mas, para um Espinhense habituado a estas lides…estava fresca!

Festejamos a amizade Luso-Helénica, em todos os momentos em que pudemos estar juntos, e descobrimos que temos maneiras de ser bastante idênticas – sempre sem afectar a amizade ou respeito que nos unem.

Maravilhoso voo de volta para Cork – que estava 21 graus abaixo da temperatura da ilha – e o tabaco a ser capturado na fronteira, por um troglodita da alfândega (que não a discoteca em Caminha….antes fosse!!!!) que só exclamava que a Espanha nunca tinha pertencido à União Europeia! Um intelectual, claro está!

Após pedir uma qualquer declaração, atestando que o tabaco tinha sido apreendido, resolvi dar meia volta e seguir para casa – onde me esperava uma mudança para o apartamento novo!

A ironia da vida é agora tentar perceber como é que 4 dias apenas te colocam na cara um sorriso tão duradouro….

Aquele abraço.

A calma ou acalma…eis a questão.

Prometeste-te (sim, está bem escrito…prometes a ti próprio) um fim de semana tranquilo, cumprindo somente a tradição habitual do brunch e pouco mais. Compras só algumas Super-Bock para acompanhar e sabes que o fim de semana vai ser de descanso.

Se a sexta-feira foi de música, amendoins e Super-Bock, enjaulado entre as quatro paredes da casa do Altus que te permitem vencer o frio, já o mesmo não se pode dizer dos dias seguintes…viver com Brasileiros é um samba constante!

Não só a Super-Bock desapareceu como o frigorífico apareceu cheio de Heineken!

Um homem nunca se deixa derrotar e, por entre uns hambúrgueres maravilhosamente confeccionados, a Heineken foi escorregando pelo esófago. Acho que tanto o sábado como o domingo foram momentos ímpares de confraternização, gargalhadas – com e sem sentido – e uma dor de cabeça no dia seguinte.

O que tem realmente piada na casa é o facto de conseguirmos sempre mais uma gargalhada, mais um sorriso, mais uma situação inesperada – com que todos nos rimos – sem atrapalhar a harmonia diária.

Amor é…cafeína!

Sentado no sofá e refém da sua caneca de café. Mentalmente analisando a evolução do percurso: começou num pequeno curto pela manhã, evoluiu para dois curtos pela manhã para, finalmente, voltar ao conforto da cafeteira de sempre – a quantidade ideal, o aroma possível para a tecnologia utilizada, a temperatura ideal!

Revê os emails recebidos, analisa cada proposta como uma oportunidade de ir conhecer outras paragens, responde no messenger e sorri. Ainda não está funcional e a audácia leva-o a uma segunda cafeteira de café. Recorda a combinação que fizeram na casa e, caso tudo corra bem, em breve terão uma máquina de café para todos!

Liga a TV e acompanha o pequeno-almoço das várias emissoras: os programas simples feitos para uma audiência fácil de cativar e ainda mais fácil de manipular. Muda para a CNN e dá de caras com o Jim Acosta, de sorriso renovado, que me dá as últimas notícias da Casa Branca.

Levanta-se do sofá, desliga a TV e chega à conclusão inicial: deveria haver uma fórmula mágica que, analisando o estado do paciente, indicasse imediatamente a dose de café necessária para o equilíbrio diário! Ora….aí está uma invenção digna e capaz de gerar lucros por muitas gerações.

Está frio, exclama enquanto abre a porta para sair de casa! A diferença de temperatura entre o interior e o exterior é elevada e o choque térmico leva-o a bater a porta, ficando dentro de casa!

Devaneios matinais de quem precisa de um edredão eléctrico para se deslocar…

Um brinde a uma vida nova!

Se me perguntasses como viver um sonho eu respondia: entra com o pé que te apetecer, distribui as coisas como o consenso dos habitantes o ditar, faz uma primeira refeição de sonho, lavem a louça juntas, sentem-se no sofá a digerir à volta de um bom jogo de caixa dos antigos…chamem-lhe o baptismo, se quiserem!

Como não perguntaste…também não te conto! 😉 Ahahahahahahah. Apenas feliz, sabendo que estás bem! Medos, receios e afins não constam nas tuas batalhas passadas e certamente não ousarão marcar presença na vida presente e futura! Ri, despropositadamente, e espalha essa “virose” por todos os habitantes. Estabeleçam consensos, distribuam tarefas, criem laços de equipa e vivam sem imaginar o gozo que é a vossa vida!

Na mesma situação eu recordo que dei uma festa para todos os meus vizinhos – não, não conhecia nenhum! A casa acabou de pantanas mas a surpresa maior estava reservada para o dia seguinte quando, saídos do nada, todos os convidados do dia anterior se apresentaram para ajudar na faxina!

A vida está cheia de feitos inesperados e tu és o mais bonito que me aconteceu!

Perdi a vergonha…

Ainda caíam gotas dela….notava-se que estava a precisar de descanso mas a hora era de acção e o descanso passou para um segundo plano.

Toquei-lhe com a gentileza possível de quem toca algo húmido e a precisar de repouso. A minha mão rodeou-a e apertei-a um pouco para que não me fugisse.

Coloquei aquilo que ela gosta bem dentro dela e fiz uma ligeira pressão para ter a certeza que estava conforme fui ensinado. Sim, estava.

Aqueci-a até obter dela os primeiros acordes de sucesso. Assim que ouvi a sua manifestação de dever cumprido, imediatamente peguei nela e, manipulando-a cuidadosamente, virei-a!

É um prazer diário. Adoro a minha máquina de café!

Lágrimas de emoção

Que grande alegria me deste…

É verdade, não devemos nunca ficar alegres com a tristeza alheia. Sim, eu sei. Tratando-se de uma batalha pela felicidade, não sinto que esteja alegre com tristeza alguma! Quando se batalha por algo, da forma – pausada mas racional – como o fazes, só posso estar alegre por ter-te perto de mim.

Falaste do meu coração como se o conhecesses. Muito provavelmente porque ele tem a estranha mania de controlar as minhas acções românticas e, após as suas acções, sai de fininho – rindo como o Muttley. Não que se ria do sentimento mas apenas se ri de satisfação por estar mais perto de um coração semelhante.

Nem só de semelhanças é feita a vida mas, e aqui dou um voto de louvor a nós os dois, que nós temos tido a nossa dose de semelhanças…não há como negá-lo. Somos o fruto de uma série de coincidências que nos colocou no caminho um do outro. A mais bela série de coincidências, ousaria dizer.

O teu texto de hoje tem tudo o que eu gostaria de receber de ti: honestidade, pragmatismo, receio…acima de tudo, tem uma dose de força tua para enfrentares as adversidades com que te deparares.

Quero poder dizer-te ao ouvido palavras que nunca te escreverei mas que ousarei tentar fazer-te sentir, sempre!

Mais do que um beijo, o maior abraço amoroso do mundo!

Rubores que espalham por aí…

A cara, linda como sempre, aparece no canto superior direito acompanhada de uma bola verde à sua direita. Respiro fundo, trocamos breves impressões e a cara linda e a bola verde cedem o lugar a outros que continuam ligados. 😦

Questionas-te se faz sentido ficar corado perante uma imagem que aparece e desaparece…são questões que te são respondidas de dentro para fora e, sem dares conta que estás com o teu sorriso traquinas (sorriso traquinas é uma marca registada por mim e qualquer utilização requer autorização prévia). 🙂

Conheces o sorriso traquinas e sabes demasiado bem o que ele significa para ti. Não dominas os momentos em que ele aparece mas é algo que sabes que estar a acontecer pois começas quase a fumegar das faces coradas. Sabes perfeitamente que colocar uma cara de quem acabou de ser bafejado pela fuligem de uma locomotiva não é a melhor maneira de disfarçar o que sentes. Nunca disfarçaste nada, não comeces agora! Diz-te o Zé… 🙂 🙂

Apresento-vos o Zé! Provavelmente já tinham lido algo sobre ele mas hoje eu apresento-o à sociedade. Não vai debutar no Ateneu Comercial do Porto mas as redes socias, blogs e afins parecem-me um cenário muito mais digno de iniciar a sua vida em sociedade!

O Zé, indivíduo de uns quarenta e qualquer coisa anos de idade, é o mais assertivo dos seres sem existẽncia física! Dá-te conselhos que não acatas, dá-te sugestões que raramente segues mas, acima de tudo, é o teu maior confidente – aquele tipo de pessoa que, apesar de apresentarmos à sociedade, sabemos que colocamos a nossa vida nas mãos dele (se ele as tivesse).

Aquela vozinha, no fundo da tua cabeça, que sempre te incentivou quanto te faltava incentivo, sempre te empurrou quando não querias andar, obrigou-te a correr quando querias descansar. Obrigado Zé! 🙂

Alinhamento de linguagem

Numa galáxia perto de si, a apenas alguns milhões de anos-luz, os sujeitinhos locais argumentavam sobre qual a melhor maneira de comunicar. Os sons que emitiam não formavam uma linguagem perceptível por ambos e as faces alteradas pela cor da emoção não disfarçavam o sentimento.

De um lado o macho, sem quaisquer pretensões alfa (nunca é demais salientar), abanava o seu corpo – numa espécie de dança inventada para o efeito: corpo muito atabalhoado no movimento, face corada pela falta de movimento natural mas cheio de convicção que o objectivo da dança seria alcançado. Do outro lado a donzela – a face linda que ele havia memorizado havia tantos anos, os olhos concisos e mordazes, a face dourada aos olhos de quem a olhava, o sorriso escondido pela face obrigada a estar séria.

Ao tocar na mão dela – talvez porque fosse a primeira vez que o faziam com o sentimento presente – estremeceu. Ela perguntou-lhe se ele estava nervoso e ele, quase a hiperventilar e desesperadamente procurando um saco para repôr o ritmo respiratório normal, respondeu que estava “apenas” emocionado…(ele era mentiroso nas situações em que sabia que seria imediatamente apanhado).

Para quem olhava ao longe eles nitidamente pareciam alinhados mas, para ambos, eles estavam apenas sintonizados numa mesma onda, obviamente larga, mas a maré ora enchia ora vazava. Era na praia-mar que estavam mais juntos – quando percorriam a areia do conhecimento que pretendiam ter um do outro e, ora molhando o pé na água salgada e fria ora voltando à areia, debatiam o que os separava.

Foi no debater o que os separava que descobriram o que os unia…e foram felizes para sempre!

The end.

Sem rotina

O Zé lutava contra os pontos finais. O máximo que ele algum dia arriscou foi um ponto e vírgula que, posteriormente, substituiu por reticências. Nunca mais voltou ao assunto, olhou à volta e viu que o mundo continuava alegre e pronto a abraçá-lo. Abraçou-o de volta e submergiu no seu novo mundo.

Foi a busca de abraços que o levou a uma pausa que não havia programado. Recordava aquela conversa,  no muro das Sereias, como se haviam encontrado, as vicissitudes do encontro e a que agora se tornou a “habitual espia” – que rondava como um perdigueiro que sente o odor da presa mas anda perdida na procura para a entregar ao dono.

Se havia algo que eu notava no Zé era a grande evolução em termos de inteligência emocional – ele não sabia a quem atribuir o mérito e eu ousei perguntar-lhe se o facto de se ter rodeado dos melhores e ter tido as ervas daninhas afastadas não teria contribuído para o belo prado verdejante em que a sua vida se tornara. Ficou no ar, como pergunta retórica, pois o Zé é um homem de poucas respostas…

O Zé olhou-me nos olhos e disse: arrisquei uma vírgula! A cara estava corada e, em termos de Zé, isso significa que a vírgula tinha sido deliberadamente colocada para sugerir o que lhe ia no pensamento. Não se desculpou com o uso da vírgula pois sabia que o diálogo, em que a havia usado, era com a escolha pessoal dele.

Arrisquei perguntar ao Zé…é mútuo? O Zé mudou de expressão e, com cara de garoto que se sente encurralado por uma sugestão que pode ser a verdade, confessou: não sei. Queria que fosse, disse. Faço o que posso para que seja mas temo demasiado o que possa ser. Temes?, perguntei eu. Não, respondeu-me o Zé, com as bochechas ainda ruborizadas…

O Zé aproximou-se do meu ouvido e segredou-me: sempre gostei dela! Daquelas linhas artísticas que ela tem, do dom linguístico que aplica de cada vez que se expressa, da sua maneira de agir e de pensar. Subiu o tom de voz para dizer: isto dura desde os 17 anos…haverá cura? – perguntou como se estivesse perante uma pandemia em que ele é a única real vítima.

Zé, perguntei com um tom de quem precisa de saber a verdade para continuar a conversa de amigos: porque achas que se trata de uma doença se tu tens a vacina…tudo o que tens que fazer é perguntar-lhe! O Zé assimilou a resposta – ou fingiu assimilar porque este homem já sabe as respostas às perguntas que coloca – olhou-me nos olhos e disse-me: é bom ter-te como amigo porque permites que a conversa flua sem que todas as respostas estejam presentes…

Levantou-se, deu-me um abraço e, quando já caminhava para casa, voltou-se para trás e exclamou: um dia vamo-nos rir disto! Sorri-lhe de volta e percebi que a vírgula não tinha sido usada como pausa mas como catalizador…o Zé havia sido directo e tinha agora um pretenso receio da sua acção.

Foi com uma sonora gargalhada que reagimos ao “um dia vamo-nos rir disto”! Já passamos por tanto juntos que os segredos de um não passavam, para o outro, de um intervalo de tempo em que toda a história seria revelada…

Regras da natureza…

Dia de celebração, de contentamento, de Super-Bock, de tempestade e de muita televisão. Porquê? Porque agora o menino “Callum” está a atravessar a cidade de Cork – ventos estupidamente fortes, chuva de toda e qualquer direcção, frio, algumas enchentes na cidade e um mal estar…

Enquanto Irlandês herdado temporariamente pela República da Irlanda, telefonei para o Off Licence e reservei oito Super-Bocks para o fim de semana (4 litros de cerveja para entreter estes dias de reclusão). Preso em casa mas com a mente solta a navegar por ideias que nem sempre ouso escrever, gritos que não vou dar e abraços que, estando em stock, terei que entregar.

Após ter passado o dia de ontem a desfilar o casaco novo pela herdade de Altus, hoje é dia de melhorar as prestações no Fortnite! Começar uns treinos após o jantar, pausa para uma trinca rápida e de volta ao treino. O gozo inerente ao já não conseguir jogar o que outrora jogava e ver outros, com a idade que outrora tive, a darem verdadeiras lições de como jogar o jogo.

A vida é igual…mas real e sem armas! Combate-se com o coração…

Palavras proibidas

des·ma·me

(derivação regressiva de desmamar)

substantivo masculino

  1. Acto ou efeito de desmamar.
  2. Época em que deixa de haver amamentação.

“desmame”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/desmame [consultado em 20-09-2018].

Talvez uma palavra a ser censurada do dicionário português! Trata-se de um acto violento – para ambos os sexos – e o seu uso deveria assentar numa autorização prévia de um qualquer organismo público que supervisionasse a sua utilização.

O homem nasce e agarra-se às mamas para sobreviver, quando muito ainda tem direito a um suplemento – já fora da mama – mas enganado por objectos que apenas simulam o mamilo. Assim, desde tenra idade o recém-nascido habitua-se à ideia que a mama é fonte de alimento. Precisa delas para sobreviver, para se desenvolver e crescer. A natureza humana sobrepõe-se a qualquer preconceito e a Mãe alimenta o filho(a) em qualquer ocasião em que tal seja necessário.

O fascínio, todavia, não termina por aí e, apesar de um hiato de tempo em que o outrora recém-nascido esquece a beleza da sua fonte de energia, depressa as protuberâncias femininas voltam a fazer parte do quotidiano do adolescente. Deixam de ver a fonte de energia de uma forma para a passarem a ver como fonte de energia para actos mais apaixonantes, não tão recompensadores energeticamente – bem pelo contrário – mas demasiado recompensadores de outras formas e feitios (porque a beleza provém também da diversidade existente).

Existem as ameaçadoras – que gritam por alguma acção no perímetro delas, existem as sensíveis – que se exaltam quando “sofrem” um afecto mais enérgico, existem as ultra sensíveis – que clamam que qualquer tipo de acção que interrompa o status quo é passível de conduzir a algo mais (eu, pessoalmente, designo estas por falsos positivos).

Existem de vários tamanhos e feitios e é isso que talvez conduza a que o homem não resista a olhar – o homem tem esse gesto não como voyeur mas porque apenas pretende saber em que pasta do seu arquivo deverá colocar a memória do que acabou de visualizar. O homem, como ser estudioso que é, procura o maior número de modelos de maneira a produzir um catálogo que possa passar a gerações futuras, numa procura insaciável (belo termo) pelo par perfeito.

Curioso é constatar que é um trabalho que nunca acaba! Saúdo os homens que todos os dias saem de casa – quais columbófilos – na procura da melhor ave. Umas voam, outras são estáticas mas, acima de tudo, todas nos deixam recordações.

Amanhã falamos de traseiros…

Criar algo simples…

O simples Porto-> Faro e Faro-> Porto transforma-se num Porto-> Amesterdão e Amesterdão-> Dublin. Assim começou o domingo de retorno a Cork…voo cancelado e a opção a não ser a melhor mas a possível. A KLM dá-me a protecção de preço e o voo passa a ser Porto-> Madrid e Madrid-> Dublin…menos mal mas ainda tens 3 horas e meia de autocarro entre o aterrar em Dublin e chegares a casa em Cork. O voo ideal, marcado com meses de antecedência, por uns míseros EUR 92 transforma-se numa saga de EUR 260 e mais EUR 20 para o autocarro…ninguém merece mas a Ryanair faz questão de dar estas “ofertas”.

Chegas a Madrid e tens 20 minutos para apanhar o Madrid-> Dublin, o joelho cede quando começas a tentar um passo mais acelerado e, graças ao feliz encontro com o homem do carrinho de golfe – que apoia os menos válidos (o trocadilho aqui aplia-se porque em espanhol se diz mesmo assim) – que te leva à porta H4 quando o relógio assinala as 15:55 (hora de partida do voo). Cais no lugar do meio e só acordas em Dublin…haja algo de bom na viagem de regresso! Chegado a Dublin eis que a Aircouch está a minutos de chegar e tu já tens bilhete para as 3 horas e meia seguintes…chegas a casa às 23 horas quando tinhas tudo previsto para ter chegado às 15:30 a Cork!

Sentes diferentes vazios…um porque é a tua amizade mais próxima e merece todo o carinho e atenção do mundo, outro porque não deste continuidade a algo que gostavas que tivesse continuidade e um último porque uma viagem que deveria ter sido tranquila se tornou em algo tão atribulado. Levantas o nariz e enfrentas as adversidades! Verificas o email e vês que recebeste uma notificação com os nomes das tempestades para 2018/19 e exclamas “voltei, já tenho informação privilegiada para enfrentar o clima!” Sorrio mas não é um sorriso de felicidade…é apenas uma exclamação sob a forma de sorriso, talvez tenha sido um suspiro…quem sabe? 

De volta à cidade e pronto para as vicissitudes da semana irlandesa. Haja virtuosismo e boa disposição!!!! Até já!

Maldita pontuação…

Ela falava com pontos finais e de exclamação e eu respondia com pontos e vírgulas e interrogações. Semelhante a um interrogatório dos tempos da Gestapo, o suposto espião desviava-se das questões mais pertinentes (soariam a acusações?) sem nunca colocar um final na cadência do diálogo: como se se tratasse de um sádico, que adora aquecer debaixo do holofote potente dirigido aos seus olhos.

Ela fazia analogias e ele teorizava sobre ambos os lados a serem comparados. Ela fazia parágrafos e ele abandonou a pontuação e, ao melhor estilo de Saramago, perguntou-lhe se ela seria a Pilar del Río dele…A pergunta devia ser retórica, sem que o autor se apercebesse, pois recebeu como resposta mais uma série de pontos finais.

Ele lutava por vírgulas, pontos e vírgulas, reticências e ela respondia-lhe com pontos finais, pontos de exclamação e parágrafos. Parágrafos sem que houvesse qualquer discurso directo de seguida, apenas soando a uma pausa no diálogo imposta pelo bom senso feminino.

Falaram de tudo sem nunca aprofundar nada e, no final, ficaram com a sensação que poderiam ter aprofundado tudo sem falar quase nada. Talvez não seja a distância que os separa mas apenas e só as diferentes maneiras que usam para pontuar as frases…

Uma ida a casa…

O reencontro com o meu descendente foi tão recompensador quanto o reencontro entre dois melhores amigos. Obviamente que me perguntou se a prenda de aniversário da Mãe tinha chegado e eu entreguei-lha…fugiu para um canto para testar o seu novo som e era vê-lo colocar o polegar ao alto para me informar que estava de acordo com as expectativas.

Na primeira noite ainda corri para o cantinho húmido do costume: Jorge a dar o seu melhor, Fellaini a rasgar com o seu rock alternativo todo e a Super-Bock a saltar geladinha. Recordo-me apenas que optei por não sair de dentro do Bombar e ter optado por ficar a delirar – sim, delirar – com todo o metal com que o Fellaini nos brindou – até Wolfmother nos entreteve! Eram 2 da manhã quando cheguei e a polícia acabou com a festa por volta das 3 e meia – o que acabou por resultar muito bem porque me permitiu passar pela padaria e engordar mais um pouco!

No dia seguinte corri para o porto seguro de sempre onde a mãe adoptiva estava com o seu filho e a minha melhor amiga. Abraçamo-nos como sempre e retomamos a conversa onde a tínhamos deixado: não havia novidades que eu não soubesse mas apenas uma necessidade de reforçar o apoio a quem mais significou e significa – sempre – em termos de amizade, dedicação e carinho. És insuperável na tua maneira de seres minha amiga, Obrigado!

O inesperado serviu para darmos uma lição de amizade a todos os que nos rodeiam e, mais uma vez, superamos a “prova” com distinção. Num momento infeliz houve uma equipa de amigos que conseguiu, com toda a naturalidade do mundo, proteger uma pessoa que sempre nos disse e diz tanto, ensinou e ensina tanto, dedicou e dedica tanto tempo. Há amizades insuperáveis e esta é e será sempre a minha.

Sei que estás em boas mãos pois vi o quanto todos queremos o teu bem e quanto naturalmente damos para que tal aconteça! Nunca conseguiremos ser tão completos quanto tu és mas sempre te serviremos com a mesma dedicação com que nos ensinaste e estamos sempre aqui para ti! Mereces todo o bem do mundo.

Muitas vezes, ao longo da minha vida, conseguiste milagres: roubei-te uma amiga com quem casei e de quem sou um grande amigo, mostraste-me sempre um sentido mais amplo e calmo das coisas e das pessoas, és e sempre serás a minha inspiração para o que de mais belo há no mundo – uma das raras pessoas que existem no mundo capaz de o fazer e que eu, cedo na vida, tive a sorte de ter encontrado. Sempre juntos!

Obrigado a todos pelos bons momentos e pela forma como juntos superamos os momentos menos felizes nesta curta passagem por Espinho. Vocês mostraram-me que a união faz a força e que grande força nós somos!

Um grande abraço a partir de Cork.

Sempre lindas

Mudei o ângulo em que tinha a cadeira e observei ambas. Havia uma expressão comum nas duas: eram lutadoras como eu nunca havia visto na vida real, estavam numa pose de descanso, mas descortinava-se nas suas faces as chagas das batalhas e o olhar pensava no fim da guerra sem nunca descurar que a batalha seguinte estava a minutos de distância.

A soma de anos de amizade comigo aproxima-se de 100 e eu, um pouco afastado mentalmente da conversa, só pensava nas voltas que a vida realmente dá. Haviam concretizado os seus sonhos, mas com grandes custos. São mulheres com ideais muito semelhantes aos meus e não demorou muito até que eu fosse criticado por outrora me ter misturado com gente sem ideais.

Adoro ambas num sentido completamente diferente: de um lado a melhor amiga que nasceu comigo e, do outro, a primeira paixão que nunca deixou de me fazer corar sempre que a vejo. Sinto-me um puto reguila quando estamos juntos – não pelas traquinices da juventude, mas pela sorte que tenho por tê-las perto de mim. Fico com a mesma cara de um recém-nascido após a primeira gargalhada…quando o bebé tem o primeiro sorriso e, porque talvez tenha gostado da sensação que o sorriso lhe provocou, o repete vezes sem conta.

Adorava poder conceder a ambas tudo o que desejassem – mesmo se eu não estivesse incluído – pelo simples prazer de voltar a ver os sorrisos de outrora nas faces delas. Abertos, sonoros, vindos do mais profundo de dentro delas e de fazer as multidões corar de inveja.

Não tendo o dom de mudar as coisas eu aproveito para passar o meu tempo com elas: as palavras são ditas com mais facilidade que os actos, disse-lhes. Todos temos uma maturidade diferente de quando crescemos juntos, aceitamos partes do destino sem nunca deixar de o enfrentar, rimos com a consciência de que o minuto seguinte poderá ser de lágrimas mas nunca deixaremos de ser o que sempre fomos: bons amigos.

Adoro-vos! E esse sentimento nunca deixarei que mude.

Como momentos simples podem ser tão saborosos.

Havia muito tempo que o Zé não se cruzava com esta amiga para quem se dirigia agora. De facto, o Zé não tinha a certeza de ser considerado um amigo, mas acima de tudo, ele sabia que ela é das caras mais bonitas da sua vizinhança. Ele nunca a havia esquecido; bem pelo contrário, ele recordava-se amiúde dela.

Haviam confidenciado detalhes das suas vidas e, de alguma maneira, haviam-se ajudado mutuamente. Havia, pelo menos, um carinho implícito nas palavras que haviam trocado. Trajado de desconhecido, na visão que ele imaginava que a amiga tivesse, ele caminhou ao encontro dela. Havia borboletas no estômago, recordações muito vagas na sua mente, mas também muita coragem no querer – de facto – estar com a amiga em questão.

A coragem misturava-se com a cobardia e a coragem ganhou. Saiu de casa, caminhou pela rua abaixo e chegou ao destino sem que conseguisse encontrar a amiga que o fazia mexer nesse início de tarde. Fazia muito calor, mas o Zé – homem outrora sediado na cidade de Atenas – sabia bem superar as agruras do calor extremo. Havia descartado a camisa de algodão ateniense em prol de uma camisa mais clara e em tons azuis que combinavam com os calções de banho azuis que trajava. As sandálias eram as habituais Havaianas a que se havia rendido aquando da sua passagem pela Grécia.

Encontrou um amigo de longa data, que o chamou, para logo de seguida encontrar um outro. Pensou estar, de certa maneira, cercado por testemunhas, mas, calmamente, percorreu mentalmente todo o percurso e rapidamente chegou à conclusão que estaria mais perto de um ataque de pânico do que propriamente cercado.

Ela chegou, ele despediu-se do amigo e partiu com ela. Trocaram palavras simples, mas acerca de um assunto complexo. Sentaram-se no muro da praia que outrora foi sua e aprofundaram o diálogo. Não havia nada de romântico no que falavam e o tema era absurdamente oposto a qualquer romantismo. O Zé olhava mais para ela do que escutava a conversa. O Zé estava claramente ofuscado pela beleza que havia diante dele.

Decidem trocar de local e caminham pela cidade acima. São dois seres que gostam da sua cidade e ele leva-a até à rua que a conduzirá até ao supermercado onde faz as suas compras. Abandona-a no meio de uma feira de usados, após ter indicado o caminho correcto, e desce para casa. Olha para trás duas vezes e questiona-se sobre o que aconteceu. Não sabe a resposta e não sabe sequer se havia essa pergunta.

Interroga-se agora em casa e decidiu ligar-me. O Zé tem sempre prioridade no meu atendimento e, juntos, debatemos o tema. O Zé acha que não é nada e eu acho que pode ser tudo. Estamos em extremos opostos em termos do que achamos que a situação é.

O Zé adormece no sofá e eu vejo o sorriso dele a abrir enquanto vai perdendo a luta com o sono. Eu já vi o Zé assim.…ele está com dúvidas, mas feliz.

A amizade celebra-se!

Passei toda a minha vida sempre com uma amizade que designei como sendo a melhor. Melhor porque é superior em tudo: na bondade, na presença, na cooperação, na partilha de momentos únicos, nas gargalhadas que ainda hoje demos, no medo e receio que tínhamos com desafios que enfrentamos, na praia e no campo, no mar e na terra. Este bem poderia transformar-se o maior parágrafo alguma vez escrito se eu fosse enumerar todas as tuas virtudes! Não o farei porque é a intimidade da nossa amizade que prevalecerá – contra tudo e contra todos.

Não tenho a receita mágica para te devolver todas as forças de que precisas, mas dou-te toda a minha força para que triunfes…sempre! Sempre foi assim e sempre será! Essa é uma certeza que terás que viver sempre com.

Num mundo perfeito jamais te terias cruzado com as adversidades com que te cruzaste e que eu presenciei. Num mundo perfeito o povo ansiaria por ser como tu, trabalharia para conseguir tanto como tu sem nada pedir em troca. Num mundo perfeito tu irias sentir-te envergonhada com todo o reconhecimento que te seria dispensado, mas, como tens a certeza do teu valor, saberias superar o reconhecimento para, como sempre o fazes, superar-te cada vez mais.

Vejo-te como o desenho perfeito da amizade – sem qualquer necessidade de retoque ou edição. Nunca conseguirei sequer estar perto de um esboço desse desenho perfeito de amizade que és, mas a simples tarefa de tentar dá-me a certeza da tua grandeza e do teu engrandecer constante.

Tudo em ti parece fácil de executar – porque és tu que executas! Se, após ter memorizado como o executas, tentar o mesmo exercício eu apenas consigo sorrir, desistir de tentar e, com o meu sorriso malandro, sentir o maior orgulho do mundo de cada vez que me chamas de amigo.

Amar é possível na amizade e eu sempre soube que amava a nossa amizade pela simplicidade com que sempre a executamos. Uma espécie de engrenagem que se encaixa e se mantém em movimento muito para além do tempo em que estamos juntos.

Tentei, mas acho que ainda não consegui a descrição ideal da nossa amizade. Continuarei a tentar! Sempre juntos!!!

Sonhos de um jogo de futebol…

…feminino!

Bastaria levantar-se e sair pelo lado esquerdo. A lógica, vista pelo meu ponto de vista, assim o dita. Todavia, levanta-se e vira-se de frente, dá um jeito na silhueta e, escolhendo o lado esquerdo de agora – oposto ao lado esquerdo de quando estava de costas – passa pela minha frente.

Sem lentes de contacto, mas a fazer um esforço por equilibrar o astigmatismo e a ligeira miopia, utilizo o canto do olho para marcar a trajectória. Assemelho-me a um central que, aquando da marcação do pontapé de canto, se ergue para cabecear como mandam as regras….de cima para baixo!

Faz deslizar a sua silhueta, por um “relvado” de alcatifa, num estilo semelhante aos melhores pontas de lança quando se dirigem isolados para a baliza…não falha a marcação e a convicção com que se isolou já o determinou.

Volta do intervalo com um sorriso renovado, solta o cabelo com os dedos, concentra-se na segunda parte. Está na frente do marcador e os segundos 45 minutos decidirão quem ganhará o jogo. O equipamento ainda tem provas do esforço despendido no primeiro tempo – colado ao corpo, revelando as formas e o quão em forma está.

Dá um jeito às chuteiras, puxa as meias até ao joelho, respira fundo e começa a segunda parte…

Um dia conto-vos o resultado final…

Beleza

Eram imagens rápidas, mas de uma beleza cativante – quase me projectavam para a presença, em termos de espaço e tempo. Decorava e sorvia os detalhes como se não houvesse amanhã e, com grande esforço, consegui armazenar uma grande parte na minha memória…espero não perder esse dom!

Foi totalmente inesperado, mas de uma proximidade sem igual. Foi a expressão de um desejo versus a expressão do mesmo desejo. Confusos? A confusão faz parte do caminho a trilhar para descobrirmos o caminho – uma espécie de vegetação densa que, com a ajuda de uma boa catana, se vai desbravando. Sim, já em 2002 passaste por uma experiência semelhante e, após o caminho aberto, viste uma das mais belas paisagens da tua vida. Parece que estás habilitado a este tipo de experiências e nunca deixaste de explorar a paisagem em todo o seu esplendor.

Há vontade de correr, de apertar, de ver mais de perto e poder, em conjunto, descobrir a paisagem na sua plenitude. Vontade de repetir a imagem, vezes sem conta, até se tornar uma memória permanente no teu cérebro. Uma espécie de beleza que queres incrustada na cabeça para, qual GPS, descobrires os melhores caminhos para a clareira.

Debateste as melhores formas de abordar o caminho e, em conjunto, chegaram à conclusão que é melhor perder o mapa e usufruir apenas dos sentidos para – tateando – descobrir a paisagem que procuram.

É um jogo de vontades e alinhamentos, de desejos e curiosidade, mas acima de tudo é a vida a desenrolar-se numa direcção que te apraz registar e aguardas pela tua vez de usar a catana para chegar ao objectivo. Com golpes delicados, mas decididos!

άλφα

Hoje foi uma espécie de dia atípico em que me coube a missão de explicar à audiência as diferentes fases de evolução de um programa (aplicação ou o desenvolvimento de software do início ao fim).

Não houve o início que todos esperavam pois comecei com uma grande gargalhada – maioritariamente cruzei-me com o assunto em 1988, ajudei ao desenvolvimento da aplicação de então e fiquei com a incumbência de, em ambiente de teste, obrigar a aplicação a cargas sempre superiores ao que a empresa desenvolvedora recomendava.

O produto passou por ambientes de teste, desenvolvimento e, após tudo muito bem testado e comprovado, foi colocado em produção. Foi, mais tarde, substituído por uma versão em que já não havia necessidade de dial-up a uma rede X25, nem N.U.I.’s…nada! A nova versão assentava nessa coisa inovadora de então que se designava por internet.

Confesso que já não me lembrava de grande coisa dessa altura, mas com a ajuda de alguns colegas de trabalho de outrora, construí algo que deixou o assunto bem explicado e interiorizado – foi a opinião final que me deram.

A gargalhada do início vem do termo “alfa” – que, na informática, designa a versão mais simples da aplicação. Significa isto que a primeira versão entregue tem que ser testada muito mais exaustivamente que todas as seguintes pois será a que mais erros certamente irá conter.

Incrivelmente dei por mim com um olhar de satisfação…talvez pelo facto dessa versão alfa se ter desenvolvido e se ter tornado num dos mais apetecíveis produtos de um dos bancos portugueses. Ou talvez tenha sido um ar de reprovação…por outras versões alfa nunca conseguirem sequer ver a luz do dia…. Curioso como a aplicação deixou saudades!

A informática tem o dom de fazer despertar chagas de outrora, mas – e todos hoje o sabemos – a informática é uma ciência de 0’s (desligado) ou 1’s (ligado) e, para memória futura, essa aplicação ainda hoje é usada por empresas com um número de movimentos diários que mais nenhuma outra aplicação comporta…talvez seja uma espécie de produto velho a quem não é dada a oportunidade de se reformar!

Desabafei…

É ao som de Soundgarden que o dia se desenrola…misturado com umas músicas de Kasabian (a inevitável gravação do King Power Stadium, aquando da conquista do campeonato por parte do Leicester).  🙂

Voltou o misto de chuva e sol…mas está um frio desagradável. Aqueles dias de calor, em que o vosso humilde arriscou mesmo uma ida à praia e um mergulho, estão no passado e agora estou somente focado na viagem a casa! 🙂 🙂 🙂

A vizinhança melhorou bastante e já consigo ver a verdura do exterior do edifício (LOL) – as árvores, bem pronunciadas, o relvado bem aparado e a beleza natural das árvores jovens que se vão desenvolvendo. Trata-se de uma analogia tão óbvia que até me apetece deixar isso escrito para memória futura…

De casaco simples mas com capuz, de sapatos quentes mas sem vontade de os usar, de cabeça num mergulho de praia mas refém num escritório de cimento.

Sorrindo por antecipação e amargurado pela demora! 😦 Quase a caminho. 😉

Aquele abraço.

https://youtu.be/xSji7VVNetY

Escoceses…

Há sempre um sorriso quando ele chega. A maneira de falar, o sotaque que uma vida não mudará, o sarcasmo muito bem aprimorado, eis o amigalhaço escocês logo pela manhã! Este homem é o personagem mais terapêutico do edifício em que me encontro: tem absoluta noção de onde está, porque está e quanto tempo vai estar e, acima de tudo, ainda nos ensina o porquê de tudo isto lhe dar tanto gozo.

Há que criar o contexto para que percebam melhor: indivíduo na casa dos seus sessenta anos, com pouco cabelo – que permanece permanentemente coberto por um gorro, aqueles óculos caídos pelo nariz, os poucos cabelos brancos e o olhar entre a parte de cima dos óculos e os teus olhos. Um encolher de ombros quando as condições meteorológicas mudam – algo que, aqui, acontece a cada piscar de olhos, um sorriso perante o Sol e uma imediata piada, com aquele sotaque bem profundo, contatando algo como: foi por causa deste Sol que me mudei para este país “tropical”.

Incentiva-nos pela experiência de vida que nos vai contando, pela piada que sabe que o seu sotaque causa – há inclusivé um outro escocês que diz não o entender muito bem (e sorri, enquanto o diz) e pela rapidez de raciocínio com que alimenta o diálogo – que por vezes se torna num monólogo – de tal maneira os restantes intervenientes ficam de queixo caído perante o “dialecto”.

A melhor comparação que conheço, para vos tentar elucidar, serão os dois velhotes dos Marretas (Statler & Waldorf) mas, e este mas faz toda a diferença, naqueles momentos de elevado sarcasmo que, pelo menos uma vez, terminam com um velhote desaparecido do balcão e o outro a perguntar “ele saltou?”

A semana começa numa segunda-feira mas o sentido de humor nunca adormece!

Boleia

Num país onde não tens carro, e onde o autocarro pode demorar 20 minutos a chegar e outros 40 até ao centro, qualquer oferta de boleia para casa é uma benção – para quem acredita nessas coisas. 😉

Acho que, pela quinta vez, me cruzei com o mesmo português – a quem outrora pedi desculpa por não ter reconhecido – e, mais uma vez (nestas coisas há que ser coerente) não o reconheci. Saí por volta das 20, para apanhar ar, e vi alguém – numa postura quase militar, de face mal humorada e com cara de poucos amigos – que me intimidou pela pose. Quinze minutos depois, quando todos saímos, qual não foi o meu espanto quando o colega que me tinha dito que havia boleia se dirigiu ao “alguém” de postura militar e lhe perguntou se havia boleia para mim… 🙂

Obviamente estes desencontros devem fazer parte desse processo milenar designado por envelhecimento! 🙂 A gargalhada que eu e o “alguém” demos foi mesmo porque ele tinha a certeza que eu não o reconheceria e a certeza dele  – que se tinha confirmado…mais uma vez! Tenho que arranjar uns comprimidos para a memória ou começar a guardar fotografias das pessoas que mais vezes esqueço – haverá cartões de memória capazes de armazenar tanta informação? 🙂

Viagem divertida e bem tranquila até ao centro, num carro que tinha chegado no próprio dia, e foi já na última curva que o pneu cedeu….cedeu perante a pressão da curva à esquerda em que, por segundos, o pneu foi trilhado contra o passeio e…borracha versus cimento é uma luta desigual! 😉

Saltamos os cinco do carro e, qual equipa de mecânicos de Fórmula 1, tratamos da mudança do pneu estourado. Eu disse “qual equipa de mecânicos de Fórmula 1”? Menti…tivemos que ver vídeos no YouTube para entender como se removia a roda e, mercê do conhecimento mais profundo de um dos envolvidos – que enfiou um bom biqueiro no pneu – o pneu foi substituído pela “rodinha 24” que hoje em dia serve de pneu suplente. 🙂

Seguiram-se as despedidas, com o sentimento de dever cumprido, e o caminho para o centro. Entretanto o Cucas havia ligado e estava a acompanhar – via Skype – a mudança do pneu, o estado de espírito dos envolvidos e, com palavras de força e incentivo, resolvemos o problema com toda a motivação do mundo. 

Demos umas gargalhadas valentes – eu e o Cucas – pela piada que é o programares tudo para ainda haver tempo para compras, antes do jantar, sendo que a mudança do pneu havia frustrado esses planos. Lá fomos juntos, na conversa até casa, a debater o novo plantel desse grande treinador do Fifa 2017. 🙂 🙂 🙂

Pequenos momentos inesperados que conquistamos com um sorriso na face!