Os mesmos maneirismos.

Ao longo da vida, fruto da experiência ou da causa/efeito, vamos aprendendo que convém experimentar novas abordagens – se o que pretendemos são resultados diferentes – de maneira a alcançarmos o objectivo a que nos propusemos. A minha maior virtude, quando pretendo que resulte, é a humildade (seja reconhecendo o erro ou a envolvência que me levou a errar e partir daí para uma nova tentativa).

Tal como aprendemos a andar, a saber estar calados, a lidar com um casal de ladrões, também vamos constatando que começamos por tropeçar, dissemos algo inconveniente, confiamos em alguém que não merece estar neste mundo – são tudo processos de aprendizagem que nos afastam de errar novamente e excluem cancros da nossa vida quotidiana. Usamos a dor como catalisador preventivo – o alarme soa quando nos deparamos com os sinais que conduziram ao tropeção, ao comentário inconveniente ou ao sociabilizar com gatunos. Evitamos a repetição logo não repetimos a dor!

Pretender que o tempo tudo apaga, aguardar que o erro seja repetido por quem sentiu a dor ou deixar a carteira perante um casal de gatunos, só pode ser um exercício de fé de quem aguarda uma intervenção divina que tudo resolva. É uma espécie de imaturidade social, ou demasiada autoconfiança, que muito raramente dará resultados diferentes dos anteriores. Logo, e atentando a que o tempo é o nosso bem mais precioso, uma mágoa que não pretendemos repetir.

Sentado num alpendre imaginário – até um dia em que o tornarei real e pautarei os meus dias por longas caminhadas no próprio terreno, intervaladas por chuveiros de mangueira e uma dieta dos frutos da quinta – sorrio perante a adversidade do sentir mas caminhar sempre na direção contrária – que evita reencontros, tropeções, palavras inconvenientes ou roubos demasiado familiares. Com uma força Imparável e um rumo tracejado pela razão, a minha razão!

Devaneio de fim de tarde – 14/10/2025

Aos leitores: em breve alterarei todos os textos para uma página no Facebook – de maneira a evitar custos com domínio e alojamento. Nessa altura informarei qual o endereço da página. Obrigado e cumprimentos.

O pássaro pensador.

A ver quem passa.

Abstraído do que me rodeia e completamente livre de pensamentos, decisões ou o que quer que seja que habitualmente faz o cérebro funcionar. Olhos perdidos no horizonte – sem que o enxergue – mas somente para atingir a plenitude do deixar o pensamento vaguear sem que a ação de pensar sequer exista. Olhos que se dividem entre os chapéus do cigano aqui em frente e o vestido amarelo, com tons de cinza, da mulher que se encontra em frente a mim.

Agora que constato que o texto não surgiria a menos que houvesse algum – por muito mínimo que seja – pensamento articulado que permite colocar o que se passa em palavras perceptíveis para os que, não estando presentes, consigam  perceber e visualizar o desenrolar de tudo o que descrevo, entendo que é possível divagar sem pensar ou, talvez melhor descrito, pensar enquanto se divaga com o olhar perdido. Entretanto ela levanta-se e muda de lugar.

Está ligeiramente posicionada à minha direita e o sol brilha sobre ela. O vestido parece reflectir as linhas do corpo e estar perfeitamente ajustado – como que esculpindo a silhueta e revelando a nudez que esconde. Os cabelos são compridos e os chinelos condizem com o amarelo do vestido – talvez, melhor ainda, conseguem fazer perceber que há uma intenção de fazer o conjunto rimar – numa imagem poética que, sempre que tento captar mais detalhes, sou flagrantemente apanhado a delinear o que pretendo descrever.

Tem uma cara séria, não sorridente e de poucos amigos. Como que habituada a ser observada mas jamais contente por se sentir observada. Trocamos olhares mas a expressão não se dilui da dureza que ela impõe. Os minutos passam e a hora de partir está agora mais perto. Impõe-se a pergunta: tentas que sorria ou deixas a vida continuar sem que saibas a resposta a uma pergunta que não colocaste? 

Incógnitas da vida – 22/6/2025

Profissional da pesca.

Message in a bottle.

Era dia de Portugal e, desde que me lembro, sempre celebrei o dia 10 de Junho. Não porque fosse a celebração do dia do nosso país mas porque a melhor amiga do mundo celebrava o aniversário nesse dia.

Era uma comemoração muito intimista, com poucos mas bons amigos, o celebrar de mais um ano de amizade e a recordação alegre dos bons momentos e o recordar de quanto os maus momentos nos haviam ensinado.

Bebíamos sobretudo sumos e afins – porque a vingança alcoólica era nocturna e ficava escondida pela escuridão do sol posto. Conversávamos sobre as aventuras de cada um, com um sorriso pela superação das adversidades.

O champanhe era o mote para um brinde, simples de gesto mas como se um abraço nos envolvesse a todos e gritássemos os parabéns, a uma só voz. A aniversariante enchia-nos o coração com o seu sorriso – pleno de honestidade, satisfação e alegria.

O restaurante era o mote para estreitarmos o diálogo, as bebidas o catalisador para uma conversa mais fluida e descomplexada, as entradas como o verdadeiro aperitivo para um momento a sós, com ela e para ela. A despesa era solenemente dividida por todos menos a festejada.

Atravessávamos a rua para um pub conhecido, que o tempo remodelou em clínica do coração, e espalhávamos a nossa magia e bem estar por inúmeras das pequenas mesas para quatro pessoas. O café era pedido a um senhor com nome de flor e a fronteira aberta para uma dimensão mais alcoolizada das celebrações.

Éramos chamados ao telefone, porque a hora do recolher já havia sido ultrapassada, e caminhávamos até à casa da matriarca da aniversariante a solicitar uma extensão temporal que o telefonema já havia negado. Descíamos novamente a rua, todos juntos, felizes por termos mais umas horas de celebração.

Éramos felizes – 12/6/2025

O egoísmo da liberdade.

Numa qualquer caminhada, sem destino traçado ou cadência planeada. Num qualquer passadiço, de olhar perdido a vaguear por entre a natureza que o rodeia. Num qualquer snackbar, paragem obrigatória de um quotidiano castiço e rapioqueiro.

Uma voz que nos chama de caminheiro e nos acena para aproximar, uma mente que lentamente se desliga da abstração total e tenta perceber quem nos interpela. Um neurónio mais rápido que nos cochicha mentalmente a resposta e um gesto, que se finge inapto, que saúda o interpelador.

Uma cara sorridente responde ao reconhecer as duas caras amigas e um diálogo de recordações que nos faz recuar umas décadas, até um colégio de uma branda saudade. Um discorrer sobre quem éramos e quem somos e uma saudável saudade de simplesmente falarmos.

A constatação da provecta idade e das próteses que agora ambicionamos ter, fruto de todos os excessos que até aqui tivemos. O sorriso como forma de demonstrar que, enquanto falamos do agora e relembramos o outrora, há uma profunda saudade de todos os caminhos que percorremos juntos.

No outro dia miúdos e agora graúdos que unanimemente concordam em recordar o quanto o passado trouxe para este presente e quão recompensador é poder relembrar cada pequeno pedacinho de história que fez de nós quem somos.

Numa qualquer esplanada – 14/5/2025

As más escolhas.

Havia um número quase igual de sombras e, mercê de um qualquer impulso cuja origem desconheço, escolhi uma sombra onde poderia colocar as pernas no sol – que constituía a fronteira natural entre o fim da sombra do guarda-sol e o início do sol de primavera que já ameaçava chamar-se de verão.

Diante de mim está uma jovem dos seus trinta anos ou algo semelhante. A roupa que veste é simples e aparenta ser uma escolha de recurso para quem saiu rapidamente de casa, sem tempo para poder pensar numa indumentária mais cuidada. Claramente a totalidade da conversa pertencia-lhe e não parecia disposta a ouvir conselhos.

Ao lado esquerdo dela está sentado o que parece ser a cara-metade, de indumentária mais cuidada mas, mesmo assim, de cuecas azuis a imitar um fio dental feminino. “Ela quis foi apalpar os tomates!”, diz a mulher e eu, homem que se preza por ser vegetariano em certas situações, levantei a cabeça para ver de onde vinha a frase.

A coluna aos berros, colocada sobre a minha mesa, explicava agora o porquê de não haver ninguém a usufruir da sombra tão estrategicamente colocada – claramente há gente com um poder de análise mais rápido que evita estes inconvenientes sonoros do dia-a-dia. Olhei para a coluna e fingi que o meu interesse vinha dali e não da conversa sobre leguminosas que emanava da mesa em frente.

O dia até já havia começado com piada, com um diagnóstico de hipersensibilidade acústica que, fiando-me eu nas palavras do médico que fez o diagnóstico, me levou a uma primeira gafe no dia…uma mulher que elegantemente caminhava na minha direção e eu, com as fichas todas apostadas na hipersensibilidade acústica, a dizer “que beldade que desfila perante mim!” (no que julgava ser um sussurro) e ela a agradecer o piropo que não era suposto sê-lo!

A quebrar rotinas desde 1970 – 14/4/2025

O abstracto.

Acreditando no formigueiro de uma ligação divinal que a ciência nega, escravizando o pensamento de modo a fugir a sonhos mundanos, totalmente apostado no conhecimento profundo e inequívoco do seu eu interior, ciente do quão agradável a jornada tem sido, antecipando a caminhada seguinte em que a chuva o acompanhará.

Sorrindo perante o pensamento que discorre na sua cabeça enquanto escreve, sorrindo perante o ter optado pela palavra cabeça e não pela palavra mente (que, numa achega simplista, poderia ser confundida com o verbo mentir), visualizando paisagens futuras com base na recordação de imagens passadas, emitindo um sorriso com gargalhada que revela satisfação.

Massajando os pés exaustos da quilometragem de hoje, sonhando com o novo percurso de amanhã. Vestindo-se mentalmente para um tempo de chuva, enquanto exibe um sorriso ternurento típico de meteorologia enxuta. Discorrendo sobre cenários a fotografar e os melhores ângulos para o fazer, recordando a ordem fundamental que dita que a visualização e interiorização vale mais do que mil palavras (e imagens também).

Apostado em colecionar sorrisos numa caderneta infinita, gargalhadas sonoras como factor distintivo. Sem necessidade de colar a beleza do que vai contemplando e com a memória a servir de elemento aglutinador. Ao fundo uma buzina de automóvel e os gritos das crianças da escola primária que, acima de qualquer adulto, possuem o dom de sonhar mais e melhor!

Saiu-me isto… – 1/4/2025

Era de manhã cedo…😂

Avisados destemidos.

Por todo o lado apareciam avisos: escritos, radiofónicos, de amigos, de pessoas conhecidas, de desconhecidos. Por gestos, com olhares, reagindo ou apenas agindo antes do acontecimento, por medo ou solidariedade na hora de defrontar a natureza. Tudo se resumia a um acontecimento que, por antecipação, era visto como algo a temer.

Algures no globo a que chamamos Terra, vestidos como se estivessem de partida para os polos, religiosamente reunidos ao soar das 6:30 da madrugada, eis que começam a subir a 33, rumo ao norte do país, onde a previsão meteorológica aponta para um frio de rachar, mas sem chuva. Esfregam as mãos de contentamento e, como habitualmente, verificam se as aplicações que vão usar para lá chegar estão a funcionar correctamente.

Material fotográfico e reservas de roupa devidamente encaixadas no banco traseiro, temperatura interior definida e introduzida na consola central, baterias suplementares verificadas e colocadas por perto, ao alcance de uma mão. Um último olhar como confirmação de que podemos arrancar para o Portugal profundo e o okay de ambos para continuar rumo ao destino pelo qual optaram.

Almoço reservado para as 12:00 – a habitual entrada de alheira e presunto, seguido do primeiro prato que é uma feijoada divinal e, por último, um maravilhoso cozido a encher eventuais espaços livres que, de facto, não existem, excepto para o pudim de sobremesa. O reunir coragem para um passeio a digerir o repasto, o descer até um convento abandonado e isolado de tudo, o largar de provisões em excesso e que já não fazem o regresso, o sentir a água corrente local como uma benção numa meteorologia de merda.

O novo eu que se ergue, tão lavadinho quanto o da madrugada de início de viagem, passo firme com as botas – que claramente estão aprovadas para este tipo de eventos, subindo o caminho de volta para o carro, rumo ao destino seguinte e ciente de que, algures na natureza, esconde-se uma fotografia perfeita que um dia captarás!

Vadiagem pelo país – 25/3/2025

Achamos neve!

Meteorologia de daltónicos.

A persiana é aberta e um cinzento claro saúda-me; a toalha de banho enxuta o corpo e, por entre a cortina fechada, vejo uma nesga de sol que me faz sorrir e mentalmente começar a esboçar um trilho para percorrer hoje. 

Corpinho seco de toda a água que o lavou, mala fotográfica pronta, boné e água a completar as necessidades básicas do passeio mentalmente esboçado. Comboio como meio de transporte e a opção por sair numa cidade diferente da que havias pensado.

Olhos bem abertos assim que ouves o canto de um pássaro que, apesar de já ser familiar, nunca visualizaste e a procura com o pescoço bem esticado. O percorrer de todo o cenário que te rodeia e o nada achar, apesar da lente utilizada com o zoom a auxiliar. Um sorriso pela derrota sentida por ver fugir um pássaro mais veloz do que a tua destreza fotográfica.

Galochas enlameadas, fato impermeável cheio de terra molhada, umas cegonhas e um flamingo capturados fotograficamente, corpo cansado da caminhada e coração cheio pela satisfação do dia. Revês as fotografias tiradas num qualquer tasco que surge e cujo nome é sempre de uma simplicidade enorme. 

Protestas, mentalmente, pelo facto de não teres usado ângulos diferentes, aqui e ali, quando o que realmente pretendes é incentivar-te a conseguires superar-te, em cada saída que tens! Usas diferentes tonalidades de cores, na revisão mental que fazes da edição que se vai seguir, como se fossem já uma fotografia impressa e pronta a emoldurar, para mais tarde recordar.

Enches os pulmões de ar, sorris com a conquista do teres deixado de fumar, sentes algo diferente no teu corpo – como se um novo início tivesse lugar, tal o grau de plenitude de satisfação. Dás uma sonora gargalhada porque imaginaste este texto e o alarme toca para que te ponhas a caminho da estação para o comboio de regresso.

Recordações intemporalmente retemperadoras – 17/3/2025

Chuvinha.

É por entre as gotas que a lembrança se dá – as “abertas” em que não há água corrente e o céu permanece ameaçador mais não são do que pausas que permitem um inspirar fundo e relembrar todo o jogo de força que percorreste e te trouxe até aqui. As gotas grossas, que fustigam as janelas de vidro, como se pretendessem chicotear-te por teres ousado. Como ousas? Pareces escutar.

Os valores, sempre eles, como expoente máximo daquilo que ambicionas ser, os erros vistos como tropelias necessárias para uma aprendizagem completa. A chuva parece acelerar o ritmo, quando recordas as circunstâncias negativas, mas a tua experiência e destreza mental colocam-te num clima equatorial e extrais da recordação o quanto ela contribuiu para a realidade do agora.

O livro que jaz aberto a teu lado, sedento por um par de olhos que descortine nas palavras o sentido que o autor lhes quis dar, o céu cinzento que, apesar da hora, parece estar ao serviço da EDP no querer que ligues a luz para uma melhor compreensão dos parágrafos. A água que jorra do telhado para o jardim e se ouve a descer com ímpeto a canalização existente para o efeito.

Como se toda a natureza existisse numa simbiose tão perfeita e profunda que o teu único objectivo no universo fosse a procura da tua função nessa engrenagem tão perfeita. Vendo ladrões como seres menores e a amizade como o vínculo que mais progresso dá. Como se uma fotografia perfeita aguardasse a captura, através da tua objectiva da vida, que apelidas de memória. Sorris perante a procura constante que é, em si mesma, a mais profunda riqueza da vida: o conhecimento.

Um aguaceiro de ideias transpostas para um agregado de palavras – 10/3/2025

No cimo da serra.

A visão lírica de um abraço.

O abraço, enquanto gesto de solidariedade carinhosa, pode ser medido pela intensidade que contém e a intencionalidade (numa espécie de superlativo de honestidade contida) que com ele transmite. Não há, disponível no mercado, um aparelho capaz de medir um ou outro, o que, em última instância, leva a que seja o devaneio do momento a, internamente e sem qualquer revelação exterior, dar um valor ao gesto.

Chegados a uma idade que é apelidada de meia, sem que as peúgas tenham qualquer conotação com ela, já sabemos – ou julgamos saber – o valor do que nos espera. Felizmente, e a vida é pródiga nisso, a única constatação é que nada sabemos e, forçados a partir da douta ignorância socrática (o reconhecimento franco de uma pessoa sobre o que ela não sabe), sentimos cada abraço como o primeiro e, tal como um virgem inexperiente, deixamo-nos voar com o sentimento que transmite e sentimos.

Abertos os braços e indefesos perante os outros braços que avançam para nós, de pensamento totalmente adjudicado ao sentimento, receosos até do quanto poderão sentir – sem que qualquer barreira seja imposta – numa liberdade de expressão em que quatro braços pulsam a dois. Flutuando acima do terreno sem que acredite no divino, totalmente entregue sem necessidade de comprovativo de entrega assinado, num tempo que é infinito na durabilidade terrena mas eterno na duração sentimental.

O abraço revela também as emoções despojadas de pudor: o querer dizer tudo sem que o tempo permita dizer nada, o querer tornar o outro um super-herói invencível a quem possamos estar abraçados até ao final dos dias, o altruísmo como expoente máximo da amizade, do amor, da felicidade que é poder ter tido a oportunidade de conhecer e viver com um abraço que durou uma vida.

Que todos tenham um abraço assim – 19/2/2025

Saudações diferenciadas.

Seja no acaso de chegar no mesmo comboio, no facto de ouvir uma voz que diz que vou todo esticadinho pela rua fora, ou alguém que já não vemos há anos. Seja pelo impacto que têm ou tiveram em algum momento da nossa vida, pelo pulsar que nos dão quando os revemos e, ao contrário de outrora, ao facto de agora pararmos para um pequeno mas recompensador diálogo.

Porque nem todos os campos são cultivados com belas tulipas, porque algumas planícies são mais aconchegantes do que outros topos de montanha, porque todos pensamos e agimos de forma diferente numa sociedade que procura mais a uniformidade do igual. Porque somos humanos e reagimos ao chamamento de quem nos interpela para um momento de conversa e, com a espontaneidade a prevalecer, tem um “sabor” a perfeição.

Há momentos em que, muito indiscretamente, literalmente não exalo simpatia ou vontade de participar mas, ao contrário desses momentos, esta semana foi de inspiração pela forma como colocou tanto sujeito bom, em tão pouco tempo, diante de mim. É quando o coração repousa enquanto bate, os pulmões se enchem sem que o peito se mova, os olhos emocionam-se obrigando a um pouco de racional para suster tanta emoção.

Colegas de infância, da primária, da equipa com a qual sempre treinaste e da qual foste o 55o reserva, vizinhos e até conhecidos que querem ultrapassar essa definição na relação existente. Como se o universo se tivesse conjugado para que sorrisses, despreocupado, espontaneamente, do nada. 

Sem planeamento, sem visita marcada, sem o reservar de tempo para que tal aconteça e, quando assim é, olho as estrelas e, deslumbrado com o alinhamento que observo, pergunto-me como agradecer quando, sei de antemão, que os acontecimentos em si são uma forma de também agradecermos e sermos agradecidos.

A chuva toldou-lhe o raciocínio – 8/2/2025

General Torres.

Calor de inverno.

Por todo o lado aparece alguém diferente a, de forma mais ou menos igual, desfrutar do dia de sol que a meteorologia já havia anunciado. Uns aproveitam para falar ao telefone com os amigos do outro lado do Atlântico, outros para ler e alguns, ainda, para dar largas a todo um acumular de gases naturais que, numa flatulência bem disfarçada pelo abafar de um sonoro camião, soltam para afectar a camada do ozono. Dizer quem é quem seria estragar a beleza que o anonimato confere ao texto.

Há uma brisa, sempre de norte, que arrefece o cachaço enquanto dedilho palavras que formam frases e, como vizinhança, tenho agora uma gaivota com uma expressão que claramente demonstra que até já trincava uma côdea. O trânsito é diminuto nesta hora de almoço e, com alguma abstração induzida, até daria para uma pequena sesta antes do período da tarde. Ouvem-se uns sinos ao longe e alguém repõe a verdade das horas que realmente são.

Os olhos fecham-se, perante mais quatro horas de trabalho, mas a imaginação desperta-os com a visão da lente fotográfica nova que pretendes adquirir. Sorris, perante o anonimato que te protege, num cumprimento a alguém que te brinda com uma pequena vénia de passagem. Ergues os olhos para o sol, fechas os olhos ofuscado pela luz, sorris perante a parvoíce do acto irrefletido. Levantas o nadegueiro, dás um mico ao caminho a percorrer, um último olhar em redor, e eis-nos de volta ao lugar de trabalho.

Terapia ocupacional – 3/2/2025

A fotografia.

Foi nos idos de 2023 que resolvi comprar uma máquina fotográfica. Uma pesquisa demorada, qual o modelo que melhor se adapta a um aprendiz, que lentes existem, o que procurar fotografar.

A Nikon D3500 aparecia, de forma consistente, em todos os artigos: era a mais antiga, a mais barata, a mais fácil na adaptação dos dedos à máquina, a escolha acertada para quem queria experimentar sem gastar mais de €1000.

A pesquisa continuou e, mercê do fim de linha do modelo, rapidamente encontrei uma unidade a bom preço, com duas lentes incluídas. Atenas, com todas as obras de arte que os Ingleses não conseguiram roubar, tornou-se o cenário ideal para os primeiros tiros e, com alguns cursos do YouTube, lá consegui sair do modo automático e praticar em modo manual.

Chegado a Portugal, e para dar continuidade a todo o ciclo de aprendizagem grego, inscrevi-me num curso de fotografia dos fuzileiros navais da arte de bem fotografar. Assim, expressões como “Essa merda de fotografia é a fotografia que todos tiram!”, “Esses pássaros são “caga-lentes” o que, traduzido, significa que são demasiado fáceis de fotografar – para sequer serem perseguidos para esse efeito.

O quebrar de toda a confiança leva a uma procura constante por uma nova confiança que permita afirmar a aprendizagem através da qualidade do que se exibe e, vista a evolução tida, dou graças aos que têm tido paciência para me ensinar enquanto eu me limito a apreender o que ouço para, constantemente, tentar falar através de imagens.

É assim que eu vejo o hobby – 29/12/2024

O humilde narrador.

Sagitários 

Nunca fui gajo de me acreditar em astros e cenas – da mesma maneira que me é mais fácil acreditar num Tio Patinhas a ver alguma verdade numa bíblia lida com um espírito crítico – mas ontem, mercê da conjugação do tempo, deparei-me com um aniversariante recente e, como a boa educação obriga, dei-lhe os parabéns atrasados (já o havia feito via redes sociais mas quem é que verdadeiramente sente um abraço enviado digitalmente?)

O aniversariante recente conversava com uma amiga dele e eu, não querendo incomodar, só ia dar um abraço e continuar o caminho até casa. Saudei-o com um “os meus parabéns atrasados, ó comparsa Sagitário!”, ao que a amiga respondeu com um “Estamos três Sagitários reunidos?” (na teoria dos signos, os Sagitários são tidos como pessoas que dizem o que honestamente pensam sem pensar em consequências para as palavras que proferem; uns desbocados honestos, como outrora ouvi serem chamados).

A conversa foi de circunstância, com a piada inerente à época natalícia, e abordamos vários temas com o despudor habitual dos Sagitários. Rimos, recordamos pessoas que ainda vivem mas já não estão presentes, houve mágoa inerente ao recordar melhores dias e gargalhadas por existir no mundo quem outrora tenha trocado sandes de marmelada por testes de inglês feitos na hora. Uma conversa agradável que fez o tempo fluir mais rapidamente do que é habitual. 

E porque é no constante questionar que o conhecimento assenta, não pude deixar de soltar uma das mais sonoras gargalhadas da vida quando, após as despedidas, a amiga do meu amigo, se dirigiu a uma mulher que tentava estacionar atrás do carro dela (com espaço livre para estacionar dois autocarros) e disse “Eu já vou tirar o carro e assim já lhe facilito a manobra!!!”, num tom típico dos Sagitários que, apesar de eu não acreditar nisso, andam por aí…desbocados honestos, como outrora ouvi serem chamados!

Humor de natal – 21/12/2024

Saudades compartimentalizadas.

Os arranjos começam com avanços e recuos, como qualquer combinação que parte do nada e ambiciona transformar-se em algo, mas rapidamente conseguimos o acerto necessário para que o algo se concretize. A logística envolve que um nortenho se desloque ao sul, de onde são naturais a maioria dos participantes, e que todos possuam uma aberta no calendário para todos estarmos juntos – parece fácil mas as probabilidades multiplicam-se pelo número de pessoas envolvidas, o local pretendido e a proximidade da época natalícia, que traz os inevitáveis jantares de natal da empresa.

Há um longo debate via WhatsApp (longo na troca de impressões, buscando a precisão democrática de quem pretende um local que agrade a todos) e os detalhes finais começam a surgir mais filtrados – com um ponto de encontro democraticamente encontrado. Segue-se a viagem para a capital do império e um “turistar” que dura até à hora de nos encontrarmos no local selecionado. O destino, este ano, conduziu-nos a uma vizinhança que foi a minha, de 1999 a 2002, e onde comprei um apartamento: onde vi o Air Force One a aterrar – sentado na piscina do topo do prédio – onde namorei e vivi casado, onde vivia numa pequena aldeia da alta de Lisboa que se confundia com uma aldeia real – tal a serenidade que transmitia.

Voltar e estar com os meus antigos colegas de trabalho, que hoje tenho como amigos, numa vizinhança que era tão minha, foi o relembrar o quanto nos divertimos enquanto estivemos juntos. O que criamos, o que investigamos, as pessoas que conhecemos ao longo de todo o percurso do projecto, o percorrer o norte e sul de Portugal enquanto não havia colega a ajudar, as pessoas que integram e gerem as maiores empresas de Portugal bem como os respectivos gestores de conta, a necessidade que tinham de ter os movimentos bancários em tempo real. Todas as diferentes culturas, ambições, cidades, vilas e locais que integravam a carteira de clientes do banco, os métodos de trabalho, a diferente gestão, a busca pelo sucesso monetário.

Os compartimentos permitem selar essas recordações, em contentores fechados nos tempos de outrora. Acedemos a eles com a certeza absoluta de que jamais voltarão, mas com a profunda convicção de que foram plenamente vividos. Com um sorriso pleno de satisfação por possuirmos memórias tão poderosas que obrigam a uma série de medidas de segurança…para que ninguém as roube e para que a saudade não nos feche num tempo que, apesar de perfeito, já não volta.

As confraternizações da vida – 30/11/2024

Saudosista recorrente.

O passeio foi o de sempre, quando se trata de vaguear pela cidade em que nasceu, e hoje teve o dom de ter a lua alinhada com a segunda prancha da piscina local. Até podia ter olhado e continuado mas a memória traiu-o! Parou e recordou os inúmeros saltos da segunda prancha, um dos quais foi de cabeça e teve o dom de o convencer a nunca mais repetir a façanha – correu bem mas o tempo entre o salto e a entrada na água é algo que fica na memória.

Os dois saltos da terceira prancha – uma loucura para quem tem vertigens e, uma vez chegado ao terceiro andar, não conseguia recuar. Aí sim, recordou-se de ter encontrado o Zé e, num diálogo curto, saltou para o que pareceu uma aventura sem fim – foi o voo de uma vida. O diálogo foi de pretensos heróis e ambos os putos presentes mentiram quando afirmaram estar habituadíssimos a saltar daquelas alturas…

Senti-me voar novamente, porque quis sentí-lo e, por uns míseros segundos, estive na companhia de pessoas tão queridas de outrora. Num sonho acordado, com os pés bem assentes na terra, com os olhos bem despertos para a realidade, sorri com eles e, por entre fantasmas, senti uma boa disposição imensa, como se a mente tivesse perdido toda a razão e somente o coração pulsasse. Numa embriaguez sóbria, numa inconsciência muito presente, num voar imaginário em que não só ultrapassei Ícaro, sem asas, mas também o superei numa satisfação tão plena que nenhuma cera conseguiria suster.

Vadiagem pela cidade – 11/11/2024

A lua que salta da segunda prancha.

A mala de viagem.

Com toda a parafernália electrónica a carregar – escova de dentes incluída – sucedem-se as notas mentais como forma de tentar não esquecer nenhum detalhe que, de alguma maneira ou feitio, coloque a maratona fotográfica em causa.

Baterias antecipadamente carregadas, cartões de memória previamente formatados e prontos a salvaguardar as imagens, máquina limpa de impurezas das recentes saídas citadinas, uma revisão final por todos os botões cujas novas funções estão memorizadas.

Roupa leve e larga para as caminhadas que são inevitáveis, uma última revisão pelas notas mais importantes do curso de fotografia, um sorriso de satisfação pelas pequenas mas muito satisfatórias conquistas, o desejo de captar o outono na sua plenitude.

O farnel separado para que esteja sempre acessível, a falta da garrafa de água para que haja uma desculpa para um primeiro café já em trânsito, um soluço de agonia pela hora de partida tão madrugadora. Um visualizar mental de tudo o que há a fazer e um inspirar profundo,  face a uma aventura que antevê como o exame final de um processo de aprendizagem.

Material todo embalado e organizado, um respirar fundo a fingir que ficou cansado, um sorriso matreiro semelhante ao dos putos – que sabem que partem para a conquista, com o mesmo espírito com que conquistamos o Brasil, muito embora procurássemos a Índia.

Falso esforço – 1/11/2024

O que pinga do céu.

Cada gota um pensamento e cada sucessão de gotas uma emoção que parte e não volta. A cadência da chuva é o martelo pneumático, que afunda pensamentos nefastos numa fossa mais profunda do que as Marianas. Selados pelo cinzento do céu que, na sua cor impenetrável torna impossível qualquer regressão, eis que o sorriso se impõe como a bonança após a tempestade.

As covinhas que substituem a falta de expressão, o brilho nos olhos – com a alegria de quem desvenda o futuro numa bola de cristal que só a imaginação permite existir – enquanto o corpo se adapta a toda uma aragem, que renova o estado de espírito, e faz o miocárdio bater mais forte e mais confiante. Disposto a contagiar o mundo com o seu abraço e a destruir tudo e todos que se lhe oponham.

Como um exterminador implacável, imbuído de alegria e boa vontade, rumando sem mapa e aceitando o destino como bússola. Recordando agruras, que se esbatem em gotas, e são constantemente substituídas por abraços das folhas verdes e castanhas que, não só representam a mudança de estação mas também são o catalisador de toda uma mudança emocional. Suspiros, de alegria. 

Saído da imaginação – 2/10/2024

Gotas, folhas e sentimentos.

O ponto mais alto.

Acordar às 5:30 da madrugada, depois de uma noite “distraída” a rever o Reservoir Dogs e a emborcar mais uma cerveja do que o aconselhável, o atravessar a rua até ao vidrão – para reciclar o vidro que conteve o líquido fresco e loiro da noite anterior, o ser surpreendido pelo companheiro de trabalho e a partida para a serra.

Atravessar caminhos chamuscados e outros com pequenos reacendimentos, o cheirar o queimado que empestou a região durante a semana passada, a primeira paragem para um café e a garrafa de água de 1,5L. Uma legião de motas que nos ultrapassa e uma outra que é ultrapassada por nós, a chegada a Manteigas para um reforço do pequeno-almoço e a compra de um pão local.

O seguir o mapa de outrém, para encontrar o início do trilho, o pedir informações a alguém local – que nos indica que “é sempre a subir!!!” (como aviso para a impossibilidade de ser feito a pé), o regresso ao carro com a certeza que escapamos ao inferno da subida. Nove minutos de carro, “sempre a subir” e eis a entrada do trilho e a constatação de que o carro foi a escolha acertada!

A imersão na verdura, acompanhados de perto por borboletas e outros bichos, um toque irritante na mão que mais não é do que um gafanhoto que parece pretender ser fotografado, imensas paragens para recolher imagens da natureza que nos rodeia, palavras de incentivo – sob a forma de “isso é o que todos fotografam!!!” – como forma de me obrigar a procurar ver o que habitualmente não é visto ou fotografado.

Por caminhos municipais, na procura de uma vista para acompanhar o almoço, estacionando junto a um pastor para o repasto pleno de colesterol e boa disposição. O retomar da fotografia, na descida da montanha, a bateria da máquina que cede muito antes do previsto. O regresso pelo caminho de ida e a atenção constante a bestas quadradas que apenas guiam um dia por semana.

Domingos de trabalho – 23/9/2024

Quando se almoça com esta vista…👌

Olhos com um sorriso.

Naquele passo de quem nada faz e nada tem para fazer, nos antípodas dos stressados com que me cruzo, com um sorriso sincero a cumprimentar quem conheço, de jornal debaixo do braço a desforrar-me de três anos sem poder desfolhá-lo.

Retiro os óculos porque não enxergo a esplanada, coloco os óculos porque quero cumprir o resto do trajecto em segurança, entro na padaria e constato que está cheia e que a esplanada vai demorar. Foco os olhos num rabiosque bem desenhado e a proprietária do dito saúda-me com um “não preferes tirar uma fotografia IKA?”.

As bochechas vermelhas denunciam a mentira contida na resposta – “estava a escolher o bolo para o pequeno-almoço!” – e ela, que não é daltónica e distingue o rubor da cara, ainda me atasca mais com um “é teu, sempre que o quiseres!” Finjo que escolhi um bolo e respondo “Sem dúvida que aquele queque é meu, e quero-o hoje!” Ela responde com um sorriso angelical e sabe perfeitamente o que eu sinto.

Trago um café e uma nata, sento-me na esplanada, que entretanto já está montada. Ela passa por mim e, com uma forma de estar super descontraída, exclama “Tu vais ter que te confessar a mim, é inevitável!” E é, ela tem razão. Mas será a seu tempo, quando o outono chegar e as folhas enfeitarem o caminho que percorreremos juntos.

Planos futuros – 14/9/2024

O vento que embala quem o merece.

Iniciado.

Já não recordava o caminho e a ideia que tinha dele era tão vaga que temia perder-me, caso ousasse fazer o percurso sem ajuda ou, com pelo menos um olhar para um mapa que me tranquilizasse na odisseia.

Falei com amigos da altura que me ajudaram com dicas que haviam memorizado, abri a aplicação de trilhos e marquei o caminho, com a soma das recordações de outrora e o que o mapa “aconselhava”.

A ideia de fazer um trilho num bosque urbano era algo trivial, quando éramos putos. A ideia de acamparmos, a poucos quilómetros de casa, era um misto de desafio e a emoção, que era tão forte que nos preparávamos como se se tratasse do fim do mundo.

A entrada foi fácil de encontrar, alguns percalços pelos quais paguei com atraso mas, no final, lá estava eu de frente para o rio, com a vista colocada onde outrora havia a corda de onde nos lançávamos, os mesmos cheiros, os mesmos ruídos e, acima de tudo, a mesma paz que o local sempre proporcionou.

Recordações de uma bicha com inúmeras cabeças – 10/9/2024

O clique que faltava.

Já não me recordava da última expedição punitiva que havíamos feito ou sequer qual havia sido o destino o que, em bom abono da verdade, apenas significa que fui obrigado a relembrar as fotografias para poder lembrar-me do percurso. Viana do Castelo, pois claro!

Em cima da mesa estava agora a possibilidade de visitar uma praia de outrora e, da margem oposta, captar os melhores momentos do fogo de artifício que encerra o evento. Como sempre, a aventura não se cingiria ao planeado e tencionávamos aproveitar o máximo de luz solar bem como o pôr-do-sol.

Por entre domingueiros dispostos a guiar num dia diferente do habitual e “fanáticos” armados com toda a parafernália para um mês de férias, eis-nos a reconhecer o território muito antes da hora do evento principal. O local ideal, onde fazer a inversão de marcha para evitar o trânsito no final, onde beber um copo, planos B variados…nada foi deixado ao acaso!

Um salto rápido até a uma cidade próxima, um churrasco valente a servir de repasto, um copo tranquilamente bebido num Furadouro pejado de pessoas. A hora rapidamente chegou e, munidos de todos os estudos antecipadamente elaborados, dirigimo-nos para o ponto X, definido como o ponto perfeito para captar a essência do que aconteceria do outro lado da margem.

Infelizmente, outros estudiosos já haviam descoberto o ponto X e, por entre mesas de campismo, minis a serem sorvidas e esgares de quase ódio, lá conseguimos chegar a um dos pontos alternativos previamente definidos (é treta mas fica bem no texto). Montada a parafernália fotográfica, lá conseguimos captar alguns dos momentos altos do fogo de artifício que tínhamos planeado, por entre alguns encontrões e cuidados redobrados para não pisar algum incauto.

O vadiar do amador – 8/9/2024

O conforto do descanso.

As palmas dos pés a ressentirem-se da distância, a garganta ligeiramente afectada apesar do lenço, um sorriso amarelo de quem cumpriu a distância mas agora jaz refém do percurso percorrido.

Agarrado ao Steinbeck, lendo muito lentamente para saborear cada palavra, cada frase, cada parágrafo. Antevendo os factos mas embriagado nas palavras usadas para a eles chegar.

Entre o prazer da sombra da varanda da frente e o calor com vento frio da varanda das traseiras, sonhando com a varanda de Amorgos e o “Love will tear us apart”, naquela madrugada em que resolveste viver uma noite completa, contigo, e te levantaste com o nascer do sol e constataste que não eras o primeiro a chegar à praia.

Entre o prazer da leitura e os momentos de alegria da vida, o primeiro que te obriga a sonhar com o que o autor deseja e o segundo que te traz o desejo de escrever para que outros possam sonhar com as tuas aventuras. Um sorriso de bem estar pleno e um coração cheio de amor próprio.

De peito cheio – 5/9/2024

A apneia da leitura.

O processo assemelha-se muito ao estar debaixo de água, sem respirar, até ao limite. O jornal diário – que já só os velhotes compram, de acordo com o senhor da papelaria que os vende – é, tal como todos os outros, constituído por diversos artigos, divididos por secções. 

Sentado na mais do que suspeita esplanada de sempre, já depois de ter atravessado a parte alta da cidade para comprar o diário, dou por mim a descascar um queque com uvas passas e a ler a última página. O descascar porque não consigo comer o queque às trincas – preferindo ir arrancando pequenos pedaços que vou mastigando – e a última página porque, apesar de todos os cuidados no tratamento do jornal, como se de o melhor livro se tratasse, poderei eventualmente ter gordura nos dedos e assim só afectarei aquela parte.

No intervalo de um dos curtos artigos contidos nessa última página faço uma pausa, como que interrompendo a apneia de leitura em que estive imerso, e ergo a cabeça para observar o que me rodeia, antes da apneia no artigo seguinte. Nas costas de alguém que entra, e pedindo licença para entrar, está uma beldade cujo nome não recordo e que abre um sorriso daqueles que o coração detecta. Não é só um sorriso, seguido de um bom dia, há ali mais substrato do que é dado a ver.

O cérebro, normalmente tão ausente nestas circunstâncias, tenta buscar informação adicional no catálogo da memória e nenhum dos resultados que retorna justificam a presença dela ali – não é vizinha, o último local de residência em que a coloca é longe dali e, ironicamente, tem um estabelecimento comercial com o mesmo tipo de serviços mesmo ao lado, o contacto visual continua durante a consulta da base de dados cerebral. Sentes-te como que observado e despido, o que te obriga a olhares para ti próprio e constatar que o calção de banho, as xanatas e a tshirt estão longe de constituir um atentado ao pudor. 

Quando ergues a cabeça novamente tudo parece não ter passado de um sonho. Talvez um efeito secundário da apneia, uma visão pela ausência de oxigenação do cérebro, um devaneio – fruto de uma uva passa psicadélica que não foi detectada no controle de qualidade. Olhas para o cartoon da última página e sorris com a piada que ele contém, ergues a cabeça como que perguntando se de facto tudo aquilo foi real, sorris com a ideia de toda a interação. Estás imerso num questionário imaginário para o qual tens todas as respostas.

Ela sai, e agora já não há dúvidas, outras pessoas, nada que perturbe o teu campo de visão. Sentes que a tua cara se prepara para derreter, num semblante enamorado e totalmente rendido a esta mulher que já não vias há uma década ou outra. Fazes um esforço por contrariar esse processo e sai-te um sorriso, ainda mais derretido do que o pensamento do semblante enamorado – que é gerido pelo coração e desprovido de racionalidade – impossível de contrariar. O raciocínio parece criar um outro eu que, tentando colocar-se entre ti e ela, te interroga “Olha que figurinha…”, “Disfarça!!!” (com uns estalos imaginários de quem tenta acordar outrém de um transe), num esforço inútil do racional perante o emocional.

Os olhos estão rendidos, as bochechas roseadas, o sorriso é a soma da felicidade com o total alheamento do racional, o corpo parece abandonar-se num abraço que, por agora metafísico, mas que urge concretizar. Há ainda um olhar brejeiro, a tirar as medidas à traseira da visão, e um olhar de 360 graus – apenas para constatar que toda a ação foi visualizada por duas funcionárias do estabelecimento, que sorriem com um olhar de quem finge nada ter visto…

Sensações imaginadas – 24/8/2024

Uma água fresca.

Porque um dia atípico merece uma continuidade atípica…

Depois de um despertar madrugador, numa tentativa de ver a lua cheia sobre o mar, ciente do número de vezes em que a neblina estraga o espectáculo, resolveu o humilde narrador fazer cinco quilómetros matinais num cenário que nunca havia visto: cinco da manhã, fotografia demasiado nublada para ser considerada, necessidade de optar por um plano B.

Cruzei-me com uma pessoa, possivelmente tão espantada quanto eu, trocamos o vulgar bom dia entre desconhecidos, continuamos em direção aos diferentes destinos. O sol nasceu e a curiosidade tomou conta do processo – tentar imitar os despertares gregos e dar um mergulho no atlântico como se fosse o mediterrâneo.

A água estava fabulosa mas o exterior estava com uma temperatura inferior! O corpo mal enxuto dentro de um fato de treino, o passo acelerado até casa, com o arrependimento e orgulho a servirem de combustível natural. O dar uma valente gargalhada, quando interrogado na chegada a casa, o sentimento de culpa por ainda fazer coisas que já devia ter deixado no passado.

O duche quente a repor a temperatura do corpo, o vestir o pijama de verão, o regresso a uma cama para sonhar com esta nova aventura tornada realidade. O despertar para um novo rol de notícias, dedos com a tinta do jornal, o recordar todos os que te levaram jornais Portugueses quando estavas rodeado de notícias gregas. O saudosismo de quem aprendeu a madrugar para andar na mais bela capital europeia para esse efeito.

Trilhos da madrugada – 20/8/2024

Antes da loucura…😂

Da infância aos dias de hoje.

Da rua, pelo facto dos pais serem amigos, da praia, das brincadeiras iniciadas por amigos comuns, porque o irmão era muito amigo…não recordo quando nos conhecemos mas recordo o sorriso, desde tenra idade, como sendo dos mais bonitos – porque honesto – com que me cruzei.

O destino, esse “eterno fundamentador” de relações humanas, colocou-nos numa mesma rotina matinal e, fruto da periodicidade, pedi-te uma coisa simples para o dia que então começava: que sorrises. E tu, com o carinho de sempre, anuíste com uma concordância dada com um rápido movimento da cabeça.

Quis o destino que nos cruzássemos, em lados opostos da mesma rua e, porque possuis uma memória incrível, sorriste. E eu, apanhado de surpresa por um segredo nosso, dei uma enorme gargalhada que, espero eu, tenha evitado que se visse que estava corado. Como cereja no topo do bolo, ainda completaste o nosso encontro com um subtil cumprimento de mão aberta, de abanar seguro e com contacto visual. E o miocárdio palpitou ainda mais…

Olhares sinceros – 13/8/2024

Casablanca, o filme.

Tratando-se de um clássico, que recordo ver, sempre que dava na televisão, num tempo em que só podíamos assistir ao que nos era dado a ver, quando nos era dado a ver. Não existia o gravar, poder “puxar para trás na box”, alugar no videoclube, nada! Era quando o canal televisivo decidia, num tempo de ditadura de quem transmite!

Tendo hoje visto o filme, pela enésima vez, constato que o triângulo amoroso deve ser respeitado e o amor-próprio preservado. O início de uma bela amizade, mesmo que seja com o chefe da polícia, vale muito mais do que a traição de um amor que julgamos ter. O avião com destino a Lisboa mais não é do que a salvação de quem constata que o amor já não pode ser salvo.

O facto de começar com a imagem do Arco do Triunfo mais não é do que a indicação de que o triunfo não está presente e que o monumento não passa de uma vã recordação de outrora, de algo palpável mas racionalmente esquecido e remetido para a parte mais profunda do coração de um homem que se entrega e é abandonado numa plataforma ferroviária.

A chuva como constatação da única verdadeira humidade digna desse nome, o prazer que a natureza pode proporcionar face ao que o amor pode roubar. Os jogos de sentimentos tendo apenas um fim material – os vistos para Lisboa – perante um miocárdio masculino totalmente toldado pelo amor de outrora. O falso perante o verdadeiro ser apaixonado e desprovido de razão para, pelo menos, ser um bom observador…a única verdade nela era a mentira.

Play it again Sam – 12/8/2024

Three is a crowd…

Trabalhadores à paisana.

Por fora, para quem espreita sem ver o miolo, dá a impressão que são apenas dois gajos, com máquinas fotográficas, a passearem e passarem um bom bocado. As montanhas, os rios, as lagoas, o povo que circula, toda uma série de cenários em que cada momento é aproveitado para aperfeiçoar o passatempo que é a fotografia.

Começa cedo e obriga a desviar dos últimos resistentes (?!) da noite de sábado. Acompanhados pela neblina, e já com o destino definido, ei-los a caminho do destino, com as habituais paragens madrugadoras onde os estranhos são os últimos seres esperados, tão cedo pela manhã.

Abastecidos de água, e com a primeira cafeína ingerida, chegam a uma Viana do Castelo onde ainda se ouvem os últimos acordes de uma festa de música electrónica – uma agonia a condizer com o nome da festa local. Numa qualquer esplanada observam um transeunte, movido a Jameson, que inventa uns novos passos de dança, com os ouvidos a tentar sincronizar a agonia sonora que se ouve ao longe…

Umas fotografias depois, por entre uma neblina que abraçava a cidade, ei-los sentados na Taberna do Poita. Um empregado bastante motivador incentiva-nos a escolher o bacalhau frito e o almoço passa bastante rápido. Tempo para visitar as Lagoas de Bertiandos e subir a serra d’Agra. Objectivos que cumprimos, com a tranquilidade necessária para fotografar o que de mais interessante encontramos, e ainda comprar umas Clarinhas, em Fão, no regresso a casa (um jantar docemente improvisado).

Foram 14 quilómetros (total da caminhada do dia) a inspirar a pura beleza portuguesa, por entre tantos detalhes de outrora que, por vezes, julgamos desaparecidos, em mais uma jornada de verdadeira reflexão, descoberta e descanso. No final, respira-se felicidade por um dia bem passado! 

Simples e recompensadoras – 12/8/2024

Serra de Arga.

A amizade de dois seres divertidos.

A espontaneidade do sorriso, sempre que chega, revela um espírito aberto e de quem circula em paz. A maneira como fala é divertidíssima e eu, de ouvido atento, rio-me muito da maneira como as explicações são dadas mas, sobretudo, do tom de voz. 👌

A maneira de andar parece ser um misto de “vou retardar um bocadinho o passo, para ver se ele cumprimenta” (eu, entretanto e para não passar despercebido, coloco os óculos…🙄 para “dar nas vistas!”) e o “ai dele que não me cumprimente!!!” (não ameaçador mas apenas com a certeza de que vai acontecer).

Confessando que sempre fui muito directo e honesto, imediatamente faço um reparo ao estacionamento em cima do passeio e um comentário desdizendo que as raivinhas sejam para outra pessoa que não ela própria. O poder de encaixe revela uma maturidade querida quando me explica em detalhe a quem se destina a iguaria.

Há toda uma beleza ímpar na maneira como ambos interagem, sendo que ambos sabem que não estão a competir mas tão só e apenas a conhecerem-se. E, se ao processo acrescentarmos humor e risos, a amizade só pode florescer.

Há pessoas normais no mundo – 8/8/2024

A pureza do coração.

Numa esplanada, algures ao lado de uma bela floresta portuguesa, com o barulho e o cheiro do mar ao fundo, sentindo a aragem do vento norte. Há três senhoras sentadas a uma mesa, numa conversa sobre a saudade e de que maneira ela afecta cada um de nós. A conversa é interrompida por uma quarta senhora que chega, mesmo no momento mais importante da parte que eu, até então, havia escutado. A última frase que se ouviu foi “essa é uma mulher frustrada, com o chakra do coração fechado!”

Como nunca fui grande fã do hinduísmo, e porque a hipótese de haver corações fechados para a vida me soou como o supremo acto de irracionalidade, fui investigar o que aquilo poderia significar. O chakra cardíaco, segundo a literatura disponível, regula a capacidade de amar e ser amado! Caiu-me o queixo com a sugestão de que efectivamente existem seres humanos incapazes de amar ou serem amados. Mentalmente procurei encontrar semelhanças com cenários de vida com que me tivesse deparado e, mesmo apesar do absurdo de algumas situações, nunca o atribuiria a uma falta de capacidade…condicionamento, quando muito. 

Lembrei-me dos tempos das aldeias, essas trevas face ao desenvolvimento citadino, em que o filho dos ricos só pode casar com outro semelhante, em termos de riqueza. Sorri, com a ausência de sentimentos face a uma diluição de património entre iguais ou semelhantes, mas a racionalidade impôs-se ao emocional e, por breves momentos, dei por mim a concordar. Felizmente, e porque o planeta é pródigo em lições imediatas, uma das senhoras sentadas (facilmente reconhecível) começou a discorrer sobre a situação da sua família.

A filha, herdeira de uma cadeia de distribuição local, havia preterido a herança para emigrar para a Suíça. “O amor pelo marido superou tudo!”, dizia ela e, acrescentou “Ainda hoje me envergonho de lhe termos tentado negar um futuro amoroso com o argumento do dinheiro!”, dizia amargurada. “Deu-nos uma lição do que é o amor, três netos que são o orgulho da família e, ainda por cima, visita-nos todos os anos em Agosto como se nada tivesse acontecido.” Explicou depois, literalmente com o coração nas mãos, o quanto mais a amava – por ter confiado no coração, por ter triunfado com coração e por continuar a demonstrar o quanto o coração comanda a vida.

“Eu, em Agosto, não estou para ninguém!”, acrescentou. “Sorvo cada bocadinho do amor que eles espalham e tento tornar-me uma pessoa melhor com o que aprendo, constantemente, com eles.” e, completando o raciocínio de todo o processo, concluiu dizendo “O meu neto assumiu o negócio da distribuição e já somos uma multinacional europeia! Há uma certa ironia em tudo isto, não há?” – a pergunta retórica merecia ser respondida mas eu achei que todo o contexto e processo já o havia feito. Tremi de satisfação e alegria sabendo que o amor ainda triunfa por este mundo fora…

O triunfo do miocárdio – 7/8/2024

Recomendo lerem:

Os refúgios de sempre.

Desde tenra idade que foi colecionando sítios que, pela tranquilidade e bem estar que transmitem, eram criteriosamente selecionados para escapadelas de reflexão e bem estar. Fosse perto de casa ou longe dela, a verdade é que esse conjunto de sítios era o segredo mais bem guardado que tinha.

Quando interrogado, sobre o destino para onde se dirigia, mentia sempre – para preservar a pacatez e o sentimento de algo seu, do qual não abdicava. Ali permitia-se ter a sua liberdade, à sua maneira, livre como um passarinho mas sem asas para voar mais alto e longe.

O caminho até ao destino implicava uma série de manobras dignas do melhor agente de contra-espionagem! Fosse o parar repentino para, fingindo apertar a sapatilha, vasculhar toda a envolvência fosse o optar por caminhos diferentes para um destino sempre igual.

Prezava tudo o que o processo envolvia mas, acima de tudo, adorava o nirvana em que lia uns capítulos de “A sombra do vento” e sonhava com um cemitério de livros onde também ele pudesse encontrar a mais bela obra literária…quase sem se dar conta que a estava a reler.

Inspirações profundas – 6/8/2024

Contradições.

Os pés pediam descanso mas a mente queria cansaço, a vista queria ressonar mas a mente dizia-lhe para ir ver o mar, o caminho parecia longo mas o humilde narrador transformou-o num entretenimento.

Dois pares de sapatilhas, para parecer profissional da coisa; o espírito de um caracol que se mostrou com a melhor passada deste trilho, a vontade de comer um gelado que distava onze quilómetros.

A água que hidratou, a tosta mista que saciou, o gelado que foi de guloso orgulhoso da sua nova passada, o filho que te goza pela relação exercício/comida enquanto envia umas fotografias das férias.

Um dia preenchido de pequenos mas reconfortantes gestos de amor próprio e familiar. Ser um sentimental de merda tem as suas vantagens…

O que me conforta – 5/8/2024

Os caminhos de ferro.

Porque os carris são capazes de suster toda aquela tonelagem antiga, porque a automotora é a diesel e o bronzeador passa a ser naturalmente aplicado, porque havia a curiosidade de conhecer e saborear algo novo.

Partida para Aveiro antes do meio-dia, algumas camisolas do Futebol Clube do Porto e outras de um outro clube, a massa humana reunida numa carruagem moderna a caminho da capital do distrito.

Não nos lembramos que a final da Supertaça se jogava ontem e tememos ter que enfrentar mais sociedade do que o habitualmente intolerável, almoço comido bem cedinho e, após uma volta de reconhecimento rápida, prontos para embarcar.

Calhou uma carruagem sem varandins, mas com portas de carga sempre abertas e com uma barra de segurança a separar-nos do vazio, o óleo do motor a invadir a carruagem e a sensação de que todos precisamos apenas de puxar o lustro para brilhar ainda mais. 😬🙌 O cómico sentimental de presenciar os que saudam o comboio…❤️

O detalhe de não sair em Macinhata do Vouga – indo dar a volta, com o comboio, a Sernada do Vouga e usufruindo assim da vista da ponte que une ambos os locais. O visualizar a manobra, o novo atrelar da automotora à nossa carruagem que, nesse momento, passou de ser a última para ser a primeira. ☝️

Um lanche burguês em Águeda, a voltinha para ver guarda-sóis e outra “arte” que impede o calor de se impor, o regresso ao comboio que nos trará a casa. Os carros que se acumulam, estacionados por todo o lado quando estamos a 15 minutos de Aveiro, a relembrar que é dia de jogo. O relato de um, dois, três golos de desvantagem e o grito de uma senhora, bem mais Portista do que eu “Lá vão ter que perder 3-4 e encarar a vergonha!” 💪💙

O puto, no comboio de regresso a Espinho, que cheira o chulé do próprio sapato e finge desmaiar…🙌😂

Dia de bons presságios – 4/8/2024

O batimento do músculo.

Com cinquenta quilómetros conquistados, em cinco dias úteis, começo a desconfiar que encontrei um dos trajectos ideais para o verão. O vento vem da direção contrária ao trajecto, há uma quantidade de sombra apreciável, bastantes grupos diferenciados a fazerem exactamente o mesmo.

Depois do excesso que foram os vinte quilómetros de floresta, tão longe de casa e sem a necessária leitura para desanuviar, eis que se conjuga a parte de montanha, cidade e praia – mercê de uma imaginação imparável, claro está. O chegar ao ponto de leitura completamente esgotado para, uns capítulos depois, fazer o caminho de volta.

Munido da sombra de um vento que me impulsiona, grato pelo exercício e pela qualidade da escrita, temo até que esteja mais refém da leitura do que do exercício. Ou talvez não esteja refém de absolutamente nada e, ao desfrutar de uma liberdade absurda, tente encontrar uma explicação lógica para um sorriso inapto, duradouro, parte integrante deste novo eu.

Arrisquei a vida sentimental e deixei uma página escrita, dobrada em três e com a indicação “Multa”, no pára-brisas da menina que diariamente cumprimento e, fruto do humor que a missiva continha, temos um encontro marcado. Curioso como, sem palavras e só com gestos, o diálogo flui tão bem…

Crucificado ou não, eis a questão! 😂 – 2/8/2024

A amizade que degenera em…

Começou com uns inocentes olhares, com muito zoom para algumas das curvas, um olhar inocente sempre que apanhado na análise pormenorizada, uns sorrisos sem contacto visual. 

Evoluiu para um educado bom dia, de circunstância entre clientes habituais, como se naturalmente tivesse que evoluir assim. Começou a haver mais contacto visual, com risinhos típicos da escola primária.

Já está no tratamento por tu, longos contactos visuais, alguns gaguejos, um bom sentido de humor de parte a parte, sobrevivência após uma piada feita acerca dos dotes inaptos que ela tem(!?) para estacionar em cima do passeio, um longo hiato de tempo antes de partir, com uns olhares que se fixam um no outro, o quase acidente na hora de tirar o carro do estacionamento improvisado.

Até podia tratar-se da realidade – 1/8/2024

Old school.

A história tinha lugar nos Campos Elísios, bem no centro de Paris, e a hora marcada há muito que havia sido ultrapassada. O primeiro sentimento que lhe ocorreu foi largar tudo e voltar pelo caminho por onde havia chegado. Um telefonema e uma justificação não plausível (não lhe cheirou bem) depois e eis o casal de pretendentes a namorados a encontrar-se – presencialmente, e nessa qualidade, pela primeira vez. Ele não apreciava os óculos dela e, homem de respostas directas, disse-lhe que pareciam uma máscara de ski e que, apesar de estarem perante um inverno rigoroso, não havia previsão de neve ou abertura de pistas pelas grandes avenidas que se reuniam no Arco do Triunfo.

O primeiro beijo, já depois de efectuado o check-in, foi um momento de rara beleza e prazer. Sentados no sofá, virados de frente um para o outro, ele pediu-lhe para fechar os olhos e, narrando o que iria acontecer, segredou-lhe que ia dar um inocente (lol) beijo na orelha – algo que imediatamente fez e que terminou com uma trinquinha no lóbulo esquerdo. Depois, continuando a narrar, explicou que iria percorrer o caminho até aos lábios – algo que fez, com pequenos beijos, enquanto a mão esquerda massajava amorosamente a maçã do rosto do lado direito dela. Chegado aos lábios, e sabendo de antemão o valor sentimental do gesto, degustou-a e deixou-se degustar, enquanto fechava os olhos à vista do Arco do Triunfo, que se encontrava a uma centena de metros de distância, nas costas dela.

Ao ser interrogado, pelas autoridades locais e internacionais, declinou recordar-se desse acontecimento. Invocou a quinta emenda, muito embora lhe tivesse sido explicado que tal emenda não existia no direito francês…Ela pediu desculpa! Era tudo o que eles queriam ouvir…e decidiram começar de novo, utilizando o respeito mútuo como varinha mágica para qualquer tipo de conflito. Porque os bons momentos eram fenomenais mas os maus eram de uma imaturidade atroz.

Como funciona a memória – 26/7/2024

Céu nublado e calor.

Foi o único dia em que todos concordamos ir à praia: havia sol apesar das nuvens, o ar estava quente apesar de ser um país em que tal raramente acontece, acordamos todos com vestimentas de praia vestidas e queríamos ver a nossa escolha reconhecida!

A reunião teve lugar na enorme sala de estar, com todos reunidos nos dois sofás que ladeavam a mesa, café quente a chegar da secção da cozinha, olhares entre o atrevido e o receoso. As opiniões tão divididas quanto a quantidade de açúcar que cada um usava.

Sem consenso, mas com bom senso, fomos para a praia mais próxima de Cork que, por sua vez, aparecia no Google Maps como isolada e sem muita gente. Obviamente não era isolada e havia um pub na entrada da praia! Foram essas pints que salvaram o dia.

Um pouco como hoje – 25/7/2024

O horário de adolescente.

O acordar brutalmente cedo para devorar as notícias do dia anterior, a farda de verão constituída por tshirt, calções e xanatas, os óculos no lugar das lentes de contacto, a toalha de praia que fica ao fundo das escadas para uma rápida mudança de notícias por mergulhos, o sorriso que se cola a uma cara avermelhada pelo sol.

A chegada ao areal e o poder decidir onde ficar, o enxergar o vizinho mais próximo a uma distância que não me permite ouvir o eventual ruído que causem, o reunir tudo dentro do chapéu e o caminhar ensonado pela água que, já não te surpreende, até uma onda que pretendes surpreender.

A rápida revisão abaixo do equador, de maneira a não trazer areia desnecessariamente, o nivelamento do calção por uma linha imaginária. O alegre regresso pela areia, com as oscilações causadas pelas ilhas de areia que se formam na maré vaza, do sentires-te muito alto ao receio de teres caído na fossa das marianas, um beliscão dissimulado para verificar se os membros ainda não gelaram.

A toalha sacudida e enrolada no corpo, a temperatura que recupera a normalidade habitual. O deitar para um banho de sol rápido, umas folhas do “Invisível” do Paul, o regresso da abstração porque o corpo requer outro mergulho. O virar do frango, continuando a leitura e adiando o banho, umas valentes gargalhadas pelo modo como os personagens literários se expressam. O largar tudo, muito rapidamente, porque o canto do olho viu a onda perfeita para mergulhar de cabeça. A alegria de viver em contradição horária!

Manhã imersa e tarde também – 24/7/2024

Recebido de alguém que me conhece.

E o mar que tudo arranja…

Durante três anos sonhei com as ondas do mar caseiro; excepção feita a Lefkada, com ondas altas e excepcionalmente azuis claras a quebrarem na praia, o restante é constituído por ondas que mal cobrem o dedo mindinho. 

Hoje, pela manhã, tive a oportunidade de ter que caminhar para ir de encontro às ondas, mercê de uma maré baixa que coloca as ondas a cerca de cem metros de terra. 

Já não me lembrava de “ter que ir ao encontro das ondas”, mas a conjugação de caminhada e mergulho é uma vigorosa terapia. Numa espécie de biatlo, conseguimos reflectir na caminhada e deixar o mar levar as impurezas de pensamento acumuladas com o mergulho.

Repito hoje passos que com 18 anos fazia diariamente. Com o mesmo objectivo de outrora e, felizmente, com o mesmo resultado. 

A água que tudo lava – 23/7/2024

Cenário hipotético de um amor pleno.

Num mundo de interrogações e demasiadas perguntas para tão pouco tempo de respostas eis que, na tranquilidade das suas manhãs de leitura, numa esplanada de uma rua que só de propósito é que se encontra, surge o cumprimento de uma voz de outrora.

Não exige recurso ao arquivo de vozes porque o sentimentalismo de merda – um catalogador muito mais rápido do que o Google a indexar resultados – imediatamente avisa a mente de quem se trata. A auto-intitulada alfa surge no canto do olho e o que se segue é o mais intenso “staring contest” a que o mundo assistiu.

De um lado o ser supremo do sexo feminino, de acordo com a própria, e do outro um sentimental de merda que não pode ceder e se interroga porque está a ser cumprimentado: boa educação? Não pode ser porque foi saneado, numa reunião familiar de outrora, em que o compromisso de não mais interagir com ele (ou a simples menção do nome) ficou assinado (segundo a “verdade” dela, anyway).

Ela passa, os olhos não cedem e demoram a assimilar a imagem dela. Pôs mamas?! Interroga-se, enquanto nota que há algo novo nela. Corta o olhar, o que a fêmea alfa deve ter encarado como uma vitória, e emite um som de desaprovação – porque esperava mais de alguém tão alto na cadeia do amor-próprio (deve haver uma cadeia assim). 

Não se pode falar de uma tensão palpável porque ela é visível! Vê-se, sente-se, tudo! Um hino aos sentidos apurados. Volta o olhar para o jornal diário, enquanto sente que – não fora um amor-próprio demasiado exacerbado, a rainha do ego – ela até podia ser o amor de uma vida. Assim, é apenas vulgar.

Num planeta imaginário – 23/7/2024

A combater calores.

Adaptar ou readaptar.

O pé está na areia, o mergulho foi rápido e esfriou bastante o corpo quente, o queixo treme porque questiona que água fria é esta, o sorriso é aberto por poder estar a fazer algo tão simples quanto escrever este texto no telemóvel.

Enterras o pé mais profundamente na areia, começas a sentir a cara a ficar quente, perguntas se não será melhor colocar o chapéu mas, ao não responderes a ti próprio, ficas na dúvida. Soltas um suspiro aliviado quando constatas que há gente mais gordinha que tu.

Mascas a goma e relembras que já passaram dois meses desde o último cigarro, sentes a necessidade de graduar os óculos escuros, constatas que talvez sem eles a realidade seja mais clara. Observas uma criança que tenta encher a piscina, com expirações que ainda não superam o ar perdido entre elas, larga tudo e vai juntar-se aos pais para um mergulho.

O exercício de leveza de mente continua, traças mentalmente um trilho para a tarde de hoje e interrogas-te se a imaturidade de outrém é algo que possa ser superado. Não perdes muito tempo com interrogações e a certeza do trilho da tarde surge para abafar pensamentos que não te cabem a ti estar a ter.

Largas a toalha e vais dar outro mergulho. No esfriar é que está o ganho!!!!

O gelo da água como arrefecimento natural – 22/7/2024

Onze horas e meia de trabalho!

Saímos uns minutos mais cedo do que é habitual, chegamos ao primeiro café com a área de serviço ainda em modo nocturno, compramos os primeiros pertences fundamentais: a água e café.

Com um início de viagem por entre nevoeiro e neblinas matinais bem cerradas – até parecia inverno. Chegamos ao meio do caminho para a primeira montanha e tiramos as primeiras fotografias numa contraluz espectacular.

Continuamos a viagem, demos uns giros para recolher mais imagens, ligamos para o restaurante a tentar reservar o almoço – é domingo e, neste dia específico, há “profissionais” que reservam mesa mais rapidamente do que nós (provavelmente de uma semana para a seguinte) pelo que fomos obrigados a recorrer ao plano alternativo – a pizzaria de Gralheira. 

Com tempo ainda disponível, e com alguns pontos de interesse situados nas imediações do restaurante, fomos fotografar a vizinhança com um olho a observar o restaurante. Um ponto de água, uma ponte comunitária, as vielas e os becos que cercam o restaurante (onde a Sabrina é quem manda).

Arranjamos mesa, encomendamos vitela e, passados uns minutos, chegou o cozido à portuguesa, seguido de vitela assada no forno e, por último, um naco de vitela (trabalham por menu e cada cliente tem direito aos três pratos). Um copo (lol) de verde branco a acompanhar e um pudim de sobremesa fecharam o modesto almoço.

O regresso foi feito via serra da freita, paragem em Arouca (para umas castanhas e uma caminhada), captura de inúmeras libelinhas que ladeavam o trilho à beira rio. 

Foi um dia de temperatura quente, com vários trilhos percorridos – com o cheiro fresco dos cavalos a acompanhar, três castanhas comidas e um almoço numa pizzaria que só vende pizza aos incautos mal informados!

Pelos trilhos de Portugal – 21/7/2024

De costas voltadas.

Os caminhos de Portugal. 🎶🇵🇹

Um dia, estava eu a coçar a cabeça a tentar encontrar a configuração perfeita para tirar uma fotografia em modo manual, quando alguém me disse: de 15 em 15 dias, grosso modo, vou por aí fora tirar fotografias dos sítios por onde vou passando. Queres vir também?

O aprender a fotografar, como tanta coisa na vida, está na tentativa e erro. As decisões pobres que dão azo a decisões mais ricas, o constatar do que estamos a fazer mal e o rectificar até ficar melhor – num trilhar a caminho da perfeição. Embarquei na aventura e passei a acordar às 5:30 da manhã de domingo.

O acordar é feito com um sorriso e, antecipando o caminho a percorrer, revejo mentalmente erros anteriores que estragaram uma dada fotografia ou, pelo menos, lhe retiraram mérito qualitativo. O duche e pequeno-almoço são rotineiros como passo enorme rumo à saída de casa e início da aventura.

A atenção ao detalhe, o bicho que não vês mas cuja presença é denunciada por outro dos presentes, o ângulo que deves usar para obter um melhor efeito de luz, a revisão rápida no LED da máquina que confirma ou desmente o que achas que alcançaste. São domingos de ação, atenção ao detalhe, esforço físico no caminhar e, porque somos lusitanos, um brutal almoço!

Momentos de felicidade – 20/7/2024

Uma vida nova.

Muito semelhante ao que fazia, sempre que visitava uma nova ilha grega, consiste num despertar madrugador (tenho que agradecer a duas freiras o terem-me ensinado as virtudes de um início de dia tão especial), um mergulho salgado e o regresso a casa para um banho de mangueira que permita que o resto do dia decorra com um mínimo de tranquilidade.

Qual D. Sebastião, embrulhado numa mistura de calor e neblina, fiz o pequeno trajecto, dei o mergulho e tomei o retemperador banho de mangueira. A secagem é um misto de toalha de praia e toalha de banho, já sem areia, até atingir uma temperatura que permita o regresso ao café, para as notícias do dia anterior.

O trio café, queque e água a trazerem a tranquilidade a quem gosta desta rotina matinal – com menos café do que outrora mas com mais calor humano. Dois sorrisos a quem os merece e o habitual cumprimento a quem rotineiramente o devolve. A última página a dar o mote para outros afazeres, traseiro levantado para o cumprir de um novo capítulo, literalmente falando.

Manhãs imersas – 19/7/2024

Os banhos de mangueira.

Testados que foram os pares de sapatilhas existentes, e constatado que nenhum oferece proteção sem magoar na bolha rebentada, eis o humilde narrador remetido para uma tarde de sol, banhos de mangueira e sulfadiazina para acelerar a cicatrização.

Perdido nas palavras eternas do autor de Aracataca, com descrições capazes de nos mostrar os locais por palavras, por entre sorrisos e outras expressões de reconhecimento, eis-me a desfrutar de um belo aconchego caseiro.

O café quente, a água das pedras gelada, as palavras como abraços e as descrições como algo que pretendemos alcançar, a mente que vagueia e te obriga a concentrar para que não se desgoverne em sonhos que ainda te faltam concretizar.

O melro que se senta ao teu lado, percorre o pequeno muro de cimento e, após receber uma migalha de reconhecimento, parece pavonear-se em agradecimento. Um canto bonito e fora do normal antes da partida para um destino que é só dele.

Os pintassilgos que olham para ambos os lados, antes de buscarem a migalha, sempre atentos aos gatos vadios da vizinhança. Os gatos da vizinhança que usam os vasos como forma de iludirem as presas que pretendem alcançar.

Um mundo natural – 18/7/2024

O reconhecido.

O café na paz de uma cidade que desperta, a gentileza de quem nasceu e sabe trabalhar de manhã, o modo superior como prestam atenção a todos os detalhes de uma conversa sem que interiorizem, o sotaque como regresso ao maravilhoso passado de 2019.

Os parabéns aos pais do Bruno, as piadas sobre o Grémio, o FaceTime a ver o garoto mineiro-gaúcho que cresce a olhos vistos, a imprevisibilidade de quem pretende crescer sem ter que responder porquê, a saudade dos nossos tempos juntos e o recordar desse périplo sul-americano.

A preparação para a caminhada a visualizar o Fitzgerald Park, onde tantas vezes “trilhei” com as galochas Dunlop que haveria de perder no concerto de Guns and Roses (quem é que perde umas galochas num concerto na Irlanda????), o malandro casal que me faz recordar os tantos momentos felizes que passamos.

O longo abraço na despedida que, independentemente da distância, é sentido como presente. 

Saudades de Cork – 18/7/2024

O desconhecido.

Saído da estação e após uma boleia amiga, largado num trilho desconhecido e de sorriso aberto, a fazer um passo superior ao normal, uma ligeira dor abaixo do tendão, uma curva e a paragem para descobrir o porquê da irritação no pé, uma bolha que explode e mostra a carne fresca.

O continuar com um penso improvisado, o mesmo sorriso com os dentes rilhados, estou a meio do caminho pelo que é igual regressar ou continuar. O corte pelo meio da floresta, alguns animais que se afastam sem que eu faça questão de saber quais, um ponto de referência conhecido é visto ao longe e o sorriso abre para algo normal.

O regresso a casa para um curativo bem feito, uma bolha aberta para que todo o líquido possa sair. Um misto de emoções: um penso bem feito, uma convalescença em perspectiva, o sorriso pela conquista apesar de.

Amanhã será melhor – 17/7/2024

A novidade que não o é.

A intimidade entre um casal é, quanto a mim, primariamente definida pela força que ambos colocam na sua constituição: o saber viver para nós, o saber priorizar o nós, o ter um gosto enorme em contribuir para algo novo que é só nosso. 

O processo é demasiadamente fácil para que um ser racional falhe mas o mundo está cheio de exemplos falhados. A exclusividade, o acerto de duas personalidades, o respeito pelo sempre necessário tempo do outro, o carinho e a elevação de outra pessoa acima de nós mesmos pode colidir com personalidades narcisistas, ou sem maturidade suficiente para simplesmente ser de uma honestidade simples e confessar “não sou capaz de abdicar de mim em prol de nós” – que é a mais honesta expressão de não querer pactuar mas, ao mesmo tempo, respeitar suficientemente a outra pessoa para ser capaz de o confessar.

O mundo também está cheio de pessoas cobardes que, ao invés de constatarem as suas fraquezas em prol da sua superação, optam por atitudes bélicas e de desafio que jamais encontrarão um alvo igual para as praticar. Sim, é verdade, o mundo também está cheio de potenciais alvos, logo a cobardia pode ser assim escondida, desde que o alvo seja sempre diferente e a imaturidade permaneça como volante da vontade de viver desse ou dessa personagem, como algo reciclável e partilhável pela sociedade.

A ambição desmedida fez nascer os sentimentais de merda – sujeitos para quem a intimidade é o bem maior, que os torna cegos (excepto para verem, decorarem e enxergarem, com todo o encanto que possuem, a pessoa amada). Vivem com a fusão de dois corações num só e aceitam que a partilha do miocárdio seja a mais alta aspiração do seu relacionamento. Transformam a sua singularidade num pluralismo do casal que orgulhosamente ostentam, como os veteranos ostentam as medalhas das suas conquistas – com muito orgulho!

Não há neles discussões mas sim conversas em prol de consensos – sabendo sempre que o miocárdio só é musculado se ambos estiverem em constante equilíbrio na busca de um bem comum que não conhecem e que, potencialmente, poderão nunca alcançar, mas que nunca desistem de procurar – pelo bem de ambos. O coração aberto a outrem, como se de uma cirurgia de peito aberto se tratasse, com toda a fragilidade que o processo acarreta e toda a confiança nos dois envolvidos. É difícil, há quem passe uma vida inteira na tristeza de nunca o experimentar.

Arritmia de fim de tarde – 17/7/2024

A leitura.

Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.

As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.

A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.

O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.

As manhãs, enquanto início do dia. – 17/7/2024

A leitura.

Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.

As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.

A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.

O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.

As manhãs, enquanto início do dia. – 17/7/2024

A essência sem influência.

Era o fim de uma caminhada muito simples, do ponto mais a norte até ao ponto mais a sul. Sempre focado na areia e no mar – na capacidade que possuem de nunca serem (ou permanecerem) iguais. A constante mutação como sinónimo de uma existência – sem que a personalidade seja perdida e, pelo contrário, até seja celebrada e invejada. Uma paisagem em constante transformação, que ilude os menos atentos que até a ferem quando dizem que “está sempre igual” ou “é sempre a mesma coisa” – um claro sinal de que a visão está a precisar de estímulo ou carece de uma visita urgente ao oftalmologista. Parar, olhar e saborear a vista – como um prazer que nos permite recarregar toda uma hipotética bateria chamada mente.

Os inúmeros jardins escola ou ocupação de tempos livres – um nome horrível, como que impondo a necessidade de ocupar tempos livres! Como se, enquanto seres racionais, tivéssemos a necessidade de nos ser indicado o que fazer quando o tempo livre surge, como se não soubéssemos ensinar os nossos descendentes a ler um livro, a brincar, a divagar, a saber estar. Dizia eu, enquanto me distraí com o termo, que a praia estava com bastantes crianças que se divertiam com as actividades que tinham disponíveis. Dois grupos divertiam-se a jogar futebol, replicando um jogo imaginário e alguém sugeriu que o desempate fosse feito com recurso a grandes penalidades.

Alinhados em dois grupos de adversários distintos, com os respectivos guarda-redes selecionados, abraçados como se só unidos pudessem ultrapassar esta eliminatória imaginada, alguns com garrafas de água a imitar a imagem que a comunicação social nos traz. O primeiro a falhar imediatamente recebe um grito de “Grande João Félix!”, há celebrações e muitos sorrisos com a piada feita, reunem-se todos e, cochichando, combinam algo. Começam a correr todos juntos, agora que já não há adversários, e enquanto gritam “Vamos à água!!!!”, vejo a educadora – em absoluto pânico enquanto se levanta da toalha de praia, não acreditando no que ouviu ou não sabendo como deter aquela onda de entusiasmo – a começar a correr atrás deles que, entretanto, travam aquela massa humana e, virando-se em conjunto para a educadora, exclamam “Já não se pode brincar?!”, enquanto sorriem, com uma união tal, que apenas conseguem mais um sorriso para o grupo.

Eles ensinam a brincar – 13/7/2024

Dias de sol.

O acordar e descer das catacumbas para um jornal fresco em notícias do dia anterior, o primeiro café como pontapé emocional e inicial, o lento abrir dos olhos para uma luminosidade que ameaça ser quente, as xanatas que transmitem o frio de um chão que ainda não aqueceu, o casaco de desporto como forma de não renunciar ao verão mas protegendo da temperatura matinal.

A revisão da primeira página – com notícias gordas mas cujo conteúdo tenho que vasculhar no interior – a leitura atenta de uma última página – que sabemos não conter as últimas notícias mas que tem uma importância acrescida para quem a desenvolve. Um sorriso com a “tirinha cómica” e um descanso para contemplar o que me rodeia.

O sentir a tinta, que se cola a uns dedos com pelo menos três anos de saudade de a tactear, o parar para cheirar o conjunto – e olhar à volta para me certificar que não sou visto por alguém que possa testemunhar o gesto e, num qualquer tribunal popular, aferir da intimidade presenciada, levando a uma condenação por acto erótico em público. 

O dobrar da primeira folha – que define todas as futuras dobras desse mesmo jornal, a leitura do editorial, a nova dobra que salta a enorme publicidade da página 3. Um desfolhar por entre as agruras nacionais e estrangeiras, a falta de bom senso no mundo, a desgraça humana e uma réstia de esperança na humanidade.

Uma última dobra e volto ao fim, muito perto do início, que me catapulta para um duche e o preparar da mochila para o passeio da tarde que hoje será pela invicta cidade.

Dias sem chuva – 13/7/2024

Outrora, o nascer do sol.

Constatações.

É óbvio que vejo quem entra, como se o blogue tivesse um olho mágico idêntico ao das portas. Tratando-se de um sítio público, e não carecendo de privacidade, são todos bem vindos e que desfrutem a leitura tanto quanto eu desfruto enquanto escrevo.

As vantagens de nada existir para esconder, o prazer de partilhar o que crio, a vantagem de não querer saber se o público gosta ou não porque simplesmente escrevo para mim, como se tratasse de um diário para memória futura, sem que exista um juiz, julgamento, acusação e/ou defesa.

Numa espécie de papel, onde não tenho nada a provar, vão caindo umas palavras que, quando a sorte as bafeja, ficam ordenadas,  com um significado engraçado, quando muito. As letrinhas, como se fossem uma sopa, cozidas e ordenadas pela água fervida do acaso, numa mistura que só pretende saciar o autor.

Um papel que todos podem ler e imaginar o sentido sendo que o real significado se perde na imaginação de cada um dos leitores. Uma amálgama que visa preencher uma cárie inexistente e que apenas colmata a desvitalização que a imaginação julga existir. 

Um exercício do imaginário, que julgamos ser real mas que, quando aspirando a senti-lo com o tacto, constatamos que não é palpável, sem deixar de continuar a imaginar a sua existência. Aspirando a ser um deus no uso da palavra quando sabemos que ser mortais é o máximo a que podemos aspirar.

Como tu – 11/7/2024

Uma ementa variada.

O método do discurso.

Não usaria palavras – era um risco mas, como tinha vertigens e fazer queda livre estava fora de questão – seria o seu desporto radical desse dia. Não era o método Ludovico, que Kubrick deu ao mundo, mas uma alternativa muito mais hilariante. Não implicava qualquer coação física e, quando muito, seria apelidado de louco pela tentativa de impor ao mundo um novo alfabeto…de sorrisos.

Por cada gota de água da chuva teria que sorrir e, de cada vez que interrompesse o seu passo – nessa longa caminhada, que se quer sorridente, chamada vida – teria que exteriorizar a soma de todos os sorrisos dados no percurso. Tinha consciência (teria de facto?) das diferentes interpretações que esta nova realidade poderia trazer ao seu dia-a-dia mas, colocando o científico acima da maneira de ver de quem o rodeia, destemidamente avançou!

O dia era de aguaceiros pelo que, mais cedo ou mais tarde, teria a “aberta” desejada para colocar a teoria em prática! Assim que notou umas pingas, que timidamente pintavam o chão onde pousavam, vestiu o fato com todos os sensores e dirigiu-se a um café próximo. Um sorriso tímido primeiro mas, fruto do aumento da cadência da chuva, o atrevido assumiu o lugar do tímido e o cientista sorria agora – como um puto adolescente a quem deram a chave do primeiro carro.

Baralhava as pessoas com quem se cruzava enquanto ele próprio estava baralhado e, atingindo o café que tinha definido como objectivo, soltou uma sonora gargalhada. Espantou todos os presentes que, como saudação de volta, lhe devolveram sorrisos. A empregada de balcão, ainda esboçando um sorriso, perguntou “Um café e uma água das pedras?” e ele, com os lábios invertidos e a formar um C invertido a 90 graus, anuiu. Poderia ser esta a solução para a humanidade? – perguntava interiormente a parte da sua mente, logo interessada em capitalizar o processo. Sorriu com a imagem, sem que o lucro fosse o propósito.

Entretanto parou de chover – 10/7/2024

Selfie num espelho partido.

Dia encoberto.

Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.

A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.

As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça. 

A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.

Encoberto mas possível – 9/7/2024

Dia encoberto.

Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.

A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.

As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça. 

A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.

Encoberto mas possível – 9/7/2024

Palavras submersas, umas nas outras.

Inocentemente colocando palavras, entre ideias formadas por conjuntos de palavras, denominadas frases. Com o mesmo intuito de um agente secreto que, sem que ninguém o detecte, coloca uma arma secreta, pronta a executar o inimigo, sem que alguém sequer desconfie que ele esteve presente.

Com o mais real dos cenários a servir de ficção para, na realidade, atingir os fins a que se propôs. Imbuído de uma personalidade de 007, coadjuvado pelo melhor dos cientistas e das melhores ferramentas secretas que eles providenciam, dedilhando o teclado enquanto vai corando com o conteúdo que o ecrã vai revelando.

Dedilhando mais do que a mente pretende revelar e ressalvando as partes que definitivamente o exporiam mais do que é desejável – num misto de atentado ao pudor seguido de uma corrida para encontrar uma peça de roupa que esconda a nudez. Como se as frases que se formam fossem uma corrida desenfreada para uma meta quando o pretendido é o gozo de um passeio conjunto, sem que qualquer meta se aviste.

O abrandar como forma de sustentação, a leveza do discurso como força motriz de um diálogo tão subtil que, aquando do ponto final, até o narrador fica pasmado com a alta rotação atingida. Como se o ralenti fosse uma mudança engrenada e as palavras fizessem tudo deslocar, sem que o autor se movesse. A beleza da inércia!

Assim era a dinâmica – 8/7/2024

Como se nadasse sempre para jusante.

O amadorismo do fotógrafo.

Por vicissitudes várias antecipamos o habitual domingo de fotografia para sábado e, mercê de uma equipa de planeamento sempre atenta, decidimos que Ponte de Lima seria o destino. O habitual acordar às 5:45, com uma pequena dor de cabeça do verde branco do dia anterior, quiçá abatido pela eliminação da nossa equipa nacional. 

A correria matinal para estar pronto a tempo e horas, o escutar aquele ruído tão típico do meio de transporte, uma última verificação de que está tudo dentro da mochila, o sorriso de quem vai visitar a mais antiga vila de Portugal. A paragem na área de serviço – para café e hidratação – o duelo com uma máquina de café arcaica, os goles de água que dão um novo alento ao corpo do humilde narrador.

Ser dos primeiros a chegar a um parque de estacionamento vazio, a visão dos canonistas madrugadores, a necessidade de degustar uma iguaria local, o lento caminhar até ao local do primeiro duelo gastronómico. Duelo vencido, regresso ao local de partida, o primeiro olhar pela feira e a exploração de um trilho local. Enganado amigavelmente na distância percorrida no trilho, incursão na feira do cavalo.

A visão de umas cavalonas, éguas e cavalos, num contexto despreocupado e ainda ensonado. O constante fotografar de tudo, na procura da luz perfeita para a hora do dia. A passagem por um mercado anexo onde a venda nos remete para os mercados de outrora – os sons dos animais vivos, a variedade, a proximidade e o carinho – de quem compra e de quem vende – como superlativo de relações públicas.

O almoço antes das 12, num restaurante que enche logo após as doze badaladas que marcam o meio do dia, o saborear da gastronomia minhota entremeado com o delicioso néctar verde e branco, brutalmente fresquinho e borbulhando. O fotografar das ruas e vielas, dos jovens e velhinhos, as viúvas e os viúvos que as cortejam, os sorrisos dos locais que assim nos fazem sentir uma parte integrante daquele todo que, momentaneamente, também é nosso.

O regresso ao recinto dos concursos equestres, o cumprimentar uma Maria sempre bem disposta, o reencontrar um padrinho sempre de abraço apertado no acolhimento, o beijinho de saudade à Maria que o acompanha nesta aventura chamada vida. O coração que se enche com a surpresa, de alegria que bombeia o corpo inteiro, o continuar a procura incessante por novos motivos por fotografar, sabendo agora que somos parte de uma claque que torce por uma égua de dois anos.

Uma última volta pelo recinto, a imagem de quem exagerou na festa, o regresso ao caminho de volta a casa. Mais tarde, a informação que a égua foi a vencedora, já no conforto do lar, e o delinear de um futuro encontro, para fotografar, mas, acima de tudo, guardar na gaveta das boas memórias que a vida nos dá. 

Um coração cheio – 7/7/2024

Selfie equestre.

Os pretensos sinais.

As coincidências, que na vida acontecem amiúde, são por vezes encaradas como sinais do universo ou, por outras palavras, uma forma de “o todo em que vivemos” nos dar o pré anúncio de algo que vai acontecer. Seja na nossa condição de grande amigo do patrão do outro, acionista, ou apenas demasiado bem rodeado para se importar com minimalismos, de um qualquer dia, encara-se o destino dado sem qualquer receio.

Uma música que toca e recordas quem te levou a ver o concerto ao vivo, um sonho em que acordas com a plena consciência de ter a cabeça enfiada num buraco do qual não queres sair, o encarar a amizade de outrora que insiste para que visites uma nova esplanada onde ela se sinta mais à vontade. Tudo pequenos detalhes que, sem necessidade de serem somados, te dão a aritmética do que podes ter.

Como não possuis Spotify premium és obrigado a escutar a música, sorris perante a recordação do buraco de outrora e vais espreitar a esplanada, para verificares se realmente a imagem publicitada corresponde à realidade. Uma espécie de exercício físico, aliado ao reconhecimento de uma cidade cuja construção há muito que ultrapassou o suportável, cumprimentando os amigos de sempre, capazes de arranjar sempre mais uma mesa, de frente para a ação, como forma de demonstrar o apreço mútuo.

Foram duas horas a caminhar mas podiam ter sido muito mais. Acima do exercício físico está a vontade de ter uma imagem permanentemente actualizada de como a cidade evolui e algumas pessoas também.

Retalhos de uma manhã a andar – 4/7/2024

A minha ideia de um ser supremo…

Tal como no “O ABC do Amor”, do Woody Allen, também aqui existiriam pequenos seres, dentro do nosso corpo, permanentemente em alerta. Ao contrário do episódio em que tudo se cinge ao acto sexual, aqui a totalidade do corpo humano era constantemente monitorizada, internamente, aferindo todos os níveis e, imediatamente e em tempo real, descobrindo a cura para as maleitas que afectavam o paciente monitorizado – seríamos todos pacientes e estaríamos permanentemente a ser diagnosticados.

A alegria – expoente máximo na medição da nossa caminhada humana – seria o diapasão pelo qual todos afinaríamos (numa espécie de “The Truman Show”, onde toda a realidade é idealizada para ser a ficção do actor principal). Tudo giraria à volta da alegria de cada um dos indivíduos, sem que invejas, ciúmes, ganâncias ou outros sentimentos menores influenciassem o desfecho do alegre momento de cada um, individualmente. Uma espécie de socialismo social, em que ao invés da economia seria a alegria a base do Estado.

Não haveria mortes, acidentes ou qualquer outro tipo de problemas que pudessem colocar em causa a alegria do indivíduo ou do todo, num equilíbrio só ao alcance de um juiz que, alegremente e ciente do poder da alegria, julgaria improcedente qualquer tentativa de destabilização do alegre status quo. A empatia seria a moeda de troca, com cada indivíduo a ter um saldo ilimitado, e a saída de cena uma opção que cada um tomaria, assim que achasse que a sua passagem por cá já tinha chegado ao nirvana que interiormente havia idealizado.

E depois da partida? Mercê de toda a monitorização, e feito o reset da memória, voltaríamos a ser colocados num outro espaço paralelo, enquanto éramos celebrados neste. Certos de que a passagem por cá foi apenas a afinação para a passagem para lá. Isso sim, seria uma divindade a ser celebrada, aperfeiçoada constantemente e, com uma alegria imensa, a servir de inspiração para gerações vindouras e existentes.

Divindades – 2/7/2024

As pessoas mais belas da vida.

O abraço é longo e apertado e o beijo sentido e dado com carinho e saudade. O diálogo não é comprido e, no entanto, tudo é dito. A combinação é feita, por entre ameaças não bélicas, e sorrisos de dois personagens igualmente culpados por essa falha. As despedidas são curtas mas completas, porque as expressões faciais ameaçam ser toldadas pela humidade da beira-mar.

Uma caminhada que começa, sob a voz de incentivo de quem a termina, e o humilde narrador a limpar o cisco do olho que claramente afectou a visão. Um último olhar para o mar e a sua cadência – de quem ora chega ora parte, a constatação do cansaço da distância percorrida. A subida por ruas pouco habituais, evitando ruas imaturas, e a vontade de querer encontrar soluções para todos os que padecem de problemas.

O passo rápido até uma água das pedras fresca, sob o olhar atento da mesa do lado – que gentilmente cede um lenço de papel, para que as lentes dos óculos possam ser limpas das agruras da vida. A empatia na hora de agradecer e o “de nada”, retribuído pela criança presente na mesa, tão inocente perante tantas adversidades da vida.

Num domingo qualquer, sorrimos. – 30/6/2024

Uma insónia parva.

Acordar de madrugada e perceber a futilidade do porquê – seja um bom sonho, um pesadelo com uma psicopata ou apenas para urinar – é algo que sempre me aborreceu. Porque estraga a cadência do sono, interrompe o ronco, desfaz toda uma série de ações interligadas que, em última análise, pode ser encarada como um sono com stress – quando o que se pretende do sono é precisamente o pleno alheamento de todo e qualquer stress.

Uma vez acordado, e dada a elevada massa muscular que ultimamente se apegou a mim – como um animal órfão a uma família de acolhimento – resolvi ir passear essa dita massa muscular, na tentativa de minimizar o sentimento, e caminhar para que o órfão possa encontrar outro corpo avantajado que o acolha. A caminhada madrugadora, feita para norte e até a um farol conhecido, resultou no abate de algumas calorias, no longo caminho para o equilíbrio entre as que consumo e as que queimo.

Chegado ao ponto de partida, e imbuído de um espírito de atleta olímpico, resolvi continuar até ao bairro piscatório e ver se havia saída de peixe – esse espectáculo tão antigo quanto a própria cidade e que foi o ponto de partida para que as pessoas se aproximassem do mar (pelo menos um dos pontos de partida). Cumprimentos a um amigo de infância – daqueles raros mas que nos enchem o coração, sempre que nos vemos – e, sentado no muro, constatei que o processo já tinha tido lugar.

Um rápido olhar pelo que ainda havia disponível – tal como na feira de Espinho, a melhor hora para comprar é na abertura, a constatação de que não havia nada que me fizesse palpitar o miocárdio, eis-me a caminho de casa após uma lembrança fotográfica. A constatação de que tive sorte com a meteorologia e cheguei tão seco quanto saí. 

Das caminhadas da vida – 29/6/2024

Os clientes mais atentos.

O rissol de carne.

A conversa até decorria normalmente, com decoro, e o discurso era fluido e sem falhas. O balcão tinha apenas duas pessoas, e eu observava uma delas, sendo que uma era bem conhecida e a outra uma bonita desconhecida que eu, obviamente sem querer, observava: os gestos, os jeitos, a postura e maneira de falar, as palavras que usava e a entoação que colocava. Sim, poderia ser considerado um stalking visual, tal o detalhe do observador e o cuidado da observada.

A moral e os bons costumes impuseram-se e, disfarçadamente, obriguei os olhos a deambularem pela montra da padaria, sem desligar o stalking visual mas, como um jogador profissional, tentando fintar aquela com quem estamos a jogar, sem que se trate de um jogo. Chegada a minha vez de encomendar, e ciente de que precisava de respirar fundo antes de o fazer, dei a vez a quem estava atrás de mim que, com uma certa cara de gozo, ma devolveu. 

“Um rissol de carne com fiambre, bem aquecido!”, exclamei enquanto apontava para o mostruário – que não continha mais rissois, para além de ser um pedido bizarro demais para ser verdade. A bonita desconhecida sorriu – não sei se por ter o último rissol ou por ter detectado que eu tinha perdido o fio do raciocínio ali. A conhecida deu uma gargalhada e a empregada do balcão sorriu, pois tinha assistido, de uma posição privilegiada, a todo o processo. Sorrimos todos e eu pude, finalmente e de maneira consciente, encomendar um queque com uvas passas…

O fermento expande a massa – 28/6/2024

Costa Nova, dizem.

Caminhadas por aí.

A única semelhança entre elas é o chão de madeira que cede um pouco perante os noventa e sete quilos do humilde narrador. Hipoteticamente, e como forma de motivação, gosto de pensar que elas cedem perante a minha vontade de abater esses noventa e sete…mas isso sou eu, que sou muito de auto-motivação! Mais dez quilómetros percorridos, numa cidade nova, com uma longa viagem de comboio para a alcançar mas a justificar plenamente o esforço despendido!

Chegada a hora de testar a água do atlântico, e ciente da diferença de temperatura entre o mediterrâneo e o atlântico, eis o humilde narrador dividido entre o fugir da água, logo após o mergulho, ou trincar a língua e fingir que é tudo semelhante. Optei por uma das duas e é tudo que tenho a dizer sobre o mergulho! Até a temperatura do sol é diferente e o vento, sempre ele, dificulta a rápida secagem que se pretende mas não se alcança.

A caminhada até casa, por entre caras conhecidas, a relembrar que esta é realmente a minha cidade. Revigorante o mergulho, secagem e caminhada mas melhor ainda o duche quente e a barba que fiz desaparecer. Limpo, acima de tudo.

Não foi fácil…

A pacificação do indivíduo.

Num estudo nunca antes visto, com um número limitado de cobaias, carecendo de validação da comunidade científica, a hora de conhecer a criação aproximava-se. Olhando para a pipeta que continha o resultado, respirando fundo e sorrindo por antecipação, o cientista revelou os resultados do longo processo de pesquisa tendo em vista a certificação.

Havia algo de introvertido na maneira como ele interagia, sinais de arrogância e inveja e, acima de tudo, um ar de superioridade e pleno conhecimento que desafiava o mais incauto ou inteligente dos interlocutores. A imagem que transparecia era de alguém no pleno domínio de toda a realidade da experiência, um ser que não carecia de validação científica para algo que antecipara, uma certeza absoluta.

Estabeleceram um diálogo, tendo por tema o estacionamento tão mal efectuado pelo interlocutor, que suscitou um sorriso tímido como resposta – o carro impedia a entrada para uma garagem de estacionamento mas, tratando-se de algo rápido, um gesto tão comum quanto o café logo ao acordar. Houve aquele contacto visual cujo significado é fácil de perceber, um cumprimento com as mãos em forma de “isso não importa” e o sorriso que se abriu perante um diálogo que não haviam coreografado.

Foram uns segundos mas ainda houve tempo para perceber mais um sorriso, testemunhado com um olhar por cima do jornal diário, que se tornou na minha melhor notícia do dia, com a benesse de nem sequer ter sido publicado – excepto nas nossas mentes! E o dia fluiu com uma naturalidade flutuante, ousaria dizer…

Memórias de outra esplanada – 25/6/2024

Bem enquadrado.

A fénix do moço.

Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.

Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.

Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim. 

A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.

Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!

Um gajo de apetites estranhos – 25/6/2024

O pretenso fotógrafo.

A fénix do moço.

Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.

Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.

Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim. 

A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.

Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!

Um gajo de apetites estranhos – 25/6/2024

O pretenso fotógrafo.

O santo João.

Estacionados a rodear uma mesa cheia de aperitivos de fazer babar um qualquer deus terrestre – daqueles que aparecem e que nos dignam com a sua presença – com conversas serenas sobre o passado (serenas porque sabemos rir dos erros de outrora e, ainda com a sonoridade da gargalhada no ar, explicar o que aprendemos com essa tentativa e erro), escutando aventuras do outro lado do mundo e reagindo com a opinião do que somos, a mastigar enquanto apreendemos como se pode triunfar num continente diferente, a conversar com diferentes sotaques e termos locais.

Vinho como hidratante, febras como carne e sardinhas como tradição, salada como complemento e a recordação do leitão do almoço como forma de mentalmente arranjar espaço para esta refeição. O anúncio de um balão que passa como estimulante para o lançamento local que, não tardando, tem os habituais estímulos tão lusitanos: “não é assim!”, “vira ao contrário!”, “não percebes nada disto!”. O pirómano de serviço, auxiliado por um bombeiro de folga, que calmamente orquestra a melhor forma de aquecer e largar o balão. O lançamento que, uma vez efetuado, leva um pouco de cada um dos presentes: um pouco de esforço, de saudade, de empatia e desejo de que tudo se concretize sempre melhor.

A recordação de amigos comuns de outrora, a lágrima escondida pela pessoa que tivemos a sorte de conhecer, as gargalhadas com os feitos que nos ajudaram a alcançar ou tão somente pela alegria que nos concederam. A saudade morta, ali na mesa, com o relembrar de pessoas boas, momentos ímpares, dias que nos marcaram para sempre! Uma delícia de jantar – santo, dizem.

Dia do santo João – 24/6/2024

A juíza.

Anda pródigo em reencontros este solstício de verão! A capacidade de reencontrar pessoas, tão fundamentais de outrora, tem assustado quem não está preparado para tanta azáfama social. 

Talvez se tenham passado uns 26 anos, mais um ou menos um, mas partilhamos uma história de amizade e vida quase comum, por inerências que não cabe aqui explicar. O cognome juíza porque ajuizava melhor do que os desajuizados que a rodeavam e, mercê do bom humor e experiência de vida que possuía, sabia sempre qual o melhor caminho que, enquanto rebanho que se mantinha junto, deveríamos seguir.

Nunca ordenando, porque era uma mulher de consensos estóicos (não sei se o conceito existe mas reclamo para mim a patente, caso não exista), mas sempre colocando em cima da mesa todas as opções e, racionalmente, explicando o raciocínio para chegarmos a cada uma das soluções sempre certas.

Não houve cumprimento mas uma saudação discreta – talvez porque a ausência assim o impusesse ou porque simplesmente não soubéssemos como reagir – mas o contacto visual permitiu aferir que nos reconhecemos, nos saudamos e continuamos com as nossas vidas, sem que qualquer emoção transparecesse. Sem dúvida que a atitude correcta, pois ela nunca foi capaz de algo incorrecto. 

Foi bom ver que continua bonita, fiel aos seus princípios e senhora de si mesma. Bem haja tribunal de Espinho!

Pelas ruas da cidade – 21/6/2024

Tropeções.

Andava o humilde narrador nas suas caminhadas – no caso em apreço entre a baixa e a foz do rio – quando, mercê de um desvio para evitar uma transeunte em sentido contrário, sentiu que tinha perdido o balanço do corpo. Sem controle sobre o destino, e graças a uma intervenção da transeunte, foi salvo do acidente que o destino havia programado para ele.

Ergueu a cabeça – que, até então, estava focada em ver qual seria o ponto de queda, e viu uma cara conhecida. Sorriu, porque entre eles sempre havia existido uma quantidade inigualável de sorrisos e alegria, e ouviu-a saudá-lo com a expressão de outrora: Hello crazy Portuguese!

Ainda não refeito da surpresa, e a tentar disfarçar tal facto, respondeu com o seu Hello crazy Russian! Sorriram e, com um receio que não era comum neles, abraçaram-se a medo. Olharam-se, profundamente nos olhos um do outro, e trocaram dois beijos como expressão de saudade entre eles. 

Uns metros à frente da Alfândega do Porto, num passeio que até é fácil de percorrer, o mais difícil aconteceu – curioso como o destino se impôs perante um obstáculo facilmente ultrapassável. Uma troca de palavras e contactos, toques ternos como recordação de outros tempos, o recuar até ao dia em que nos conhecemos e o dia em que tivemos de nos separar. A República da Irlanda como cenário de um amor entre um cidadão português e uma cidadã Russa, o poliglota e a cientista, o cozinheiro e a barista, o homem das caminhadas e a mulher do ioga…

Uma lágrima de amor escondida e a promessa de um contacto para muito em breve.

Tropeções de alegria – 20/6/2024

Assimilação.

A constante troca de ideias, as conclusões do passado que comprometem o futuro, o interiorizar de uma matriz, em que não acreditamos, mas que sabemos existir e que os factos comprovam. Todo um conjunto de trocas de impressões, que nos permitem distinguir o que são heranças e o que são factos indesmentíveis, as ambições desmedidas face a simples vivências – sem necessidade de ambicionar mais do que o necessário, o amor livre e desregrado a sobrepor-se ao imposto e feito de regras.

O acolhimento sem multas, o sorriso sem regras, a sonora gargalhada como selo de qualidade, o abraço que nos faz tropeçar de encontro a quem nos rodeia o corpo, o agradecimento profundo a quem amamos, não só mas também, pela forma frontal como sempre se nos dirigiu na vida. O lirismo da vida que se esbate perante a factualidade, o sorriso cúmplice como forma de agradecimento. A brincadeira como símbolo das coisas simples e boas da vida perante algumas verrugas que a sociedade contém, o elixir que desfaz as verrugas e permite a sua remoção.

As contas de todas as despesas, que não passam de um tónico para que as possamos repetir, as facturas como autógrafos do que a vida tem de melhor. O depósito atestado, antes da devolução, como sinónimo de energias repostas para a batalha seguinte e a entrega das chaves como símbolo de que todas as portas futuras estarão abertas para a tua conquista.

Dos brindes que a vida concede – 18/6/2024

Dias desiguais da rotina.

Fruto da evolução natural das coisas, em que cada pequeno pedaço de família faz crescer um novo ramo que deriva daquele que fazes parte, eis-nos juntos para mais uma celebração. 

Os pais da outrora criança, que só me recordo como namorados desde que existo, a concederem a mão do ruivo mais novo a uma Carlota que lhe cativou o miocárdio.

Se ceder um ruivo custa então imagine-se a cedência de dois ruivos que, fruto da minha velhice, sempre recordarei com um sorriso que é a soma perfeita do amor dos progenitores (algo imutável que presencio com uma enorme alegria).

Como qualquer celebração, e esta não podia ser diferente, foi um exercício de alegria. O sorriso dos progenitores é agora visível em ambos os filhos e um certo excesso de baba – sobejamente justificado – é visível nos rostos da Teresa e do Pedro. Como se ambos os filhos estivessem tão só e apenas a repetir a aventura amorosa que tem sido protagonizada pelos pais – naturalmente enamorados e de mãos bem dadas e apertadas para superar qualquer adversidade.

A orvalhada afectou-me as costas – obrigando a que os meus dotes de dançarino de renome mundial ficassem por exibir – mas também temperou toda a cerimónia que, num misto de emoções desprovidas de horário, se prolongou até ao nascer do dia. Por entre enjoos – sempre atribuíveis a uma condução de montanha mais agressiva – fizemos adormecer alguns hectolitros com que nos fomos hidratando e, fruto da alegria vivida, deitámos-nos com o sentimento de que a festa continuava em sonhos. E assim será!

Do que me lembro, foi assim… – 16/6/2024

E a Carlota o António levou…🙌❤️

Peça por peça.

O banho tomado muito fora do horário habitual, dentes escovados entre a colocação e remoção do champô, corpinho bem ensaboado e superiormente raspado de impurezas, muita água corrente a levar todas as porcarias acumuladas desde o dia anterior.

Cuequinha e meias a condizer, etiquetas da lavandaria removidas da vestimenta, sapatos brasileiros a saírem à cena, sorriso de quem revê uma barba feita no barbeiro e constata que teria conseguido fazer bem melhor. O pêlo incómodo, que se nota perfeitamente ter uma personalidade narcisista, removido para não perturbar o fotógrafo de serviço.

Gravata com um nó soberbo, também graças ao corpinho perfeito que vem rodear, mais um Nicotinell para ajudar ao tranquilo contemplar da paisagem. Um outro casamento que passa e a constatação de que o Gabo foi a leitura ideal para te acompanhar. Um passeio junto ao local da cerimónia – com um ar de quem verifica os últimos detalhes, um panado como bucha para entreter até à hora da cerimónia.

Cheguei cedo demais – 15/6/2024

Vamos lá casar os noivos! 💪

De capítulo em capítulo.

Textos soltos, pequenas crónicas, palavras soltas que, quando alinhavadas, faziam sentido, a resposta pronta para qualquer tipo de situação…essa era a parte fácil do exercício da escrita. Agora, mercê do ano sabático a que se havia proposto, e do qual não abdicou, tinha como objectivo escrever um livro. 

Há muito que os personagens pulavam entre as diferentes partes da sua imaginação, o cenário da ação, a maneira como tudo iria fluir e acontecer a quem se propusesse ler aquelas linhas que, propositadamente ordenadas, contavam uma história de ficção que, até ele, julgava ser verdadeira.

A Grécia, sempre ela, havia-lhe dado a capacidade de muito caminhar, conhecer, enquanto ditava ideias para o gravador que o telemóvel possuía. Digamos que o método estava aprendido e a única coisa que faltava agora era a paz – interior e exterior – para colocar todas as palavras numa ordem tal que, qualquer leitor, veria naquela sequência a mesma bela história que constava na sua cabeça.

Pensou em embarcar para Amorgos, logo após o final de Agosto, para aproveitar a sua ilha num inverno de paz e dedicação total à sua futura obra. Conseguia visualizar onde ficaria alojado, os caminhos que iria percorrer, as fontes de inspiração para o alinhamento total das ideias que enchiam a parte literária da sua mente, até o regatear dos preços e onde encontrar o melhor pequeno-almoço da ilha. Ali, tinha agora a certeza, era onde teria que escrever a sua primeira obra!

O raciocínio parou quando mentalmente se questionou sobre quem levaria consigo. O filho tinha que estudar e namorar pelo que uma aventura de 365 dias estava fora de questão. Os gatos, apesar de rafeiros, nasceram em Portugal e, muito provavelmente, não aguentariam as agruras das noites de luta entre as comunidades gregas de rafeiros – não se trata de uma visão nacionalista mas de uma constatação fácil e, dado tratar-se de uma ilha, a despesa do veterinário que, monopolista, poderia extorquir tanto quanto o sentimento permitisse. Via, com bons olhos, o ditado “antes só que mal acompanhado!”

Constatou que se estava a tornar um mestre em desculpas para nada concluir e sorriu. Tinha tudo dentro da sua cabeça, e só pensava no quão útil seria ter uma impressora que, uma vez conectada ao cérebro, debitasse a obra, perfeitamente formatada, revista e encadernada, para que todos pudessem usufruir do mesmo gozo que sentia, de cada vez que mentalmente revia cada capítulo.

A contracapa da vida – 6/6/2024

Um amor para a vida.

Gripes e afins.

O corpo acorda estranho e teima em não comunicar-te o que com ele se passa; numa espécie de “fazer caixinha” esconde-se – como se tivesse vergonha – e aguarda que sejas tu a depreender o que se passa.

Meio desorientado, e com um corpo que parece pesar mais do que a realidade, compras o jornal e instalas-te no sítio habitual para uma tranquila leitura. Relembras o porquê de escolheres a esplanada assim que um ser entra e empesta o ambiente com um cheiro de coco mais vincado do que um coco real.

O café e a água aterram na mesa sem que haja necessidade de os pedir e a leitura faz-se de forma célere e bastante tranquila. Levantas o corpo e sentes cada osso do corpo a queixar-se, temes o pior e apertas o casaco apesar dos 22 graus. Pagamento feito e há que percorrer os cem metros até casa, numa saga que mais parece que estás a subir ao pico do Evereste.

Tirada a temperatura constatas que estás com uma valente gripe e que o melhor é curá-la, antes da próxima incursão na sociedade. Os olhos doem e concordam, o edredão cobre-te e partes para o sonho de dias de convalescença.

Foi só um friozinho nos pés – 3/6/2024

Faltou o chapéu…

Talvez por ser dia de feira semanal.

Depois de um domingo de doze horas de trabalho – a passear, a fotografar, a comer bem e a passar por caminhos municipais que nunca sonhei que um dia pudesse encontrar, eis que a cidade recebe a feira semanal. Talvez por querer continuar a trabalhar, no seguimento de um domingo de descanso intenso, fujo para os territórios de onde provém a maior parte dos clientes da feira e consigo encontrar a tão necessária qualidade de paz que a cidade não providencia. 

Ironicamente, ou talvez confirmando a decisão tomada, sou o único passageiro que sai do comboio e, após confirmar isso mesmo, dou início ao meu passeio de descanso produtivo, como resolvi apelidá-lo. O objectivo é não ter objectivo e simplesmente deambular pelo destino enquanto, com uma espécie de costela de turista, vou procurando motivos novos para fotografar. A beleza do processo é que me permite conhecer um destino novo enquanto descanso activamente. Fica a sugestão para quem quiser experimentar.

A aplicação vai indicando os quilómetros percorridos e os olhos e corpo vão aferindo o quanto querem continuar ou parar. É um processo democrático, em que racional e emocional definem juntos qual a ementa de cada um dos passeios, sem que dois percursos se repitam. Respira-se fundo, há enganos propositados, sorrisos perante algo novo que se encontra, desabafos perante algo menos cuidado com potencial para estar bem melhor. O processo é interno e não carece de validação externa, é um jogo de gozo puro – apenas e só!

É só quando o pôr-do-sol se aproxima que tudo pára: câmara no tripé, acerto o ISO, shutter e a abertura e aguardo o momento ideal para disparar uma série interminável de fotografias de maneira a poder escolher a perfeita, tal como o dia, que começa com o nascer do sol e acaba com ele a pôr-se. Uma delícia que não engorda!

Dos passeios que dou – 27/5/2024

Deslumbrado com a natureza.

Aquele domingo para conhecer o país.

De rotineiro pouco tem, salvo a periodicidade quinzenal, e o facto de o destino ser sempre diferente incute uma curiosidade que tira o sono com a perspectiva do que vais encontrar a seguir. A partida é feita quando a noite ainda está a terminar, para alguns, e o dia começa, para outros. Não é fácil encontrar locais abertos para as coisas triviais da semana – porque é domingo – mas as que encontras reúnem, no seu íntimo, detalhes que não descortinas na rotina de segunda a sábado.

A primeira paragem é feita num local de pão famoso – Padronelo – e o facto de não podermos homenagear as Clarinhas de Fão, como nas incursões anteriores, é trocado por umas tartes de chila da região que colmatam, logo a abrir, a saudade. Digeridas as tartes, e comido um pão tradicional, continuamos a descoberta da margem direita do Douro até “desaguarmos” na Régua que, mercê de uma festa local, estava com um trânsito caótico.

Por entre paragens – de observação e cliques fotográficos – prosseguimos para a Adega da Ti Palmira, em Almodafa, que nos presenteou com um maravilhoso bacalhau na brasa que recomendo vivamente a quem pretenda um bom almoço com uma vista deslumbrante (há que reservar antecipadamente). A digestão é feita em Ucanha, por entre pontes, rio e viúvas. O sol está bastante quente; ofereço-me um café e uma água fresca enquanto o companheiro de luta fotografa as belezas locais em tons de preto e branco.

Continuamos a regressar e, mercê de um telemóvel que não carregou telepaticamente, somos obrigados a recorrer a uma outra aplicação que nos indicou o caminho (?!) correcto. Imbuídos da certeza do que a aplicação indicava, e na falta de um céu que permitisse o uso do sextante que também não possuíamos, fomos dar a um caminho municipal cujo último uso parecia recuar ao tempo da ocupação romana. 

Sensivelmente a meio do caminho encontramos um senhor de idade que, num misto de espanto e pavor (por ver o seu refúgio descoberto) lá nos indicou o caminho de volta para a civilização. Sempre em redutoras, e cruzando os animais que pareciam igualmente espantados, voltamos a encontrar a N222 para chegarmos a casa.

Por entre pinheiros, maias, muitas cerejas (que só apetece comer), viúvas, ciclistas, paisagens naturais maravilhosas e uma gastronomia de fazer água na boca, cumprimos mais uma incursão no interior de um país que merece que o saibamos explorar muito mais e melhor. Um passeio que recompensa, por todos os detalhes que une, e que nos engrandece tanto quanto a melhor das viagens que já tenhamos feito!

A desbravar Portugal – 27/5/2024

Estágio motivacional.

O acordar cedo como passo fundamental para o total aproveitamento da jornada que se adivinha, o questionar o sonho como análise e transposição do subconsciente para o consciente, a interrogação com um sorriso envergonhado, a cara de satisfação de quem sabe ser possível mas prefere encarar como impossível e partir daí para o total conhecimento – numa espécie de analogia com o reconhecer a nossa ignorância como ponto de partida para o conhecimento.

O atravessar da pequena cidade enquanto recorda o tempo em que, acordado de madrugada, resolveu fazer o mesmo numa “pequena” cidade brasileira de um milhão de habitantes e, no regresso e quando já todos pensavam o pior, foi recebido pelos anfitriões com um misto de satisfação (está vivo!) e incredulidade (porque você fez isso? Fui comprar pão!)

O sentir o acompanhamento dos pássaros, do dia a despertar, do silêncio que o início de um novo dia providencia. Num passo de turista – a visualizar cada pequeno detalhe de uma cidade que tanto tem mudado – ouvindo o ruído do motor eléctrico do carro que transporta o pão, cumprimentando o condutor enquanto acelera o passo para poder comprar algum do pão quente que agora chega. 

O regresso já com o jornal do dia, o intensificar do ruído dos pássaros – será que me seguem por umas migalhas de pão? – o largar o pão em casa e ir para a esplanada da leitura. A leitura atenta dos acontecimentos passados, o esmiuçar das opiniões e o debate com a minha opinião. O alegre virar de página e a tinta nos dedos, o café curto numa chávena fria a evitar as lágrimas de quando a chávena vem escaldada.

O constatar e debelar de uma bolha que a caminhada de ontem me deixou, a nota mental para que o máximo de apoio seja feito com o pé oposto. O reconhecer que a imagem do sonho não desapareceu porque o consciente o impede. O sorriso maroto como expressão de liberdade total numa galáxia sonhada mas que é tão real quanto o primeiro gole de café.

Um profissional do bem sonhar – 25/5/2024

A espontaneidade.

A maneira de reagir, sem que tenha havido um planeamento antecipado para a forma como o queixo cai. Mesmo quando se conhece alguém há décadas, e esse alguém ainda se volta para nos cumprimentar, com um aceno que ainda mais aprofunda o afundamento do queixo (quase tipo desenho animado).

Tem tudo de puro, sincero e expõe tudo o que a mente sente; por vezes, expõe também a totalidade do sistema circulatório, incluindo o batimento cardíaco, a arritmia causada, a vontade que temos de fazer uma massagem cardíaca a nós mesmos. Os vasos sanguíneos e a forma como os capilares se encontram irrigados – a revelação total.

O beliscão permite aferir a veracidade do momento e também ajuda a constatar que sobreviveste, muito embora temas pela força do impacto. Respiras fundo e consegues voltar a ler o jornal diário, mas a mente já vagueia com a bela imagem presenciada. Mentalmente, dás um par de estalos a ti próprio (que parece produzir mais ruído do que o sonhado) e tentas focar-te na leitura.

Passado o momento de hiperventilação (e sem necessidade de respirar para um saco), imbuído de um sexto sentido – ao nível do Homem-Aranha que “pressente o perigo” – olhas para a direita e vês que ela retorna. Procuras o jornal – que está em frente a ti – e finges ler o artigo que acabaste de ler. 

Fazes um cálculo mental de quando estará a passar em frente a ti e, num exercício tão denunciado quanto o anterior cair de queixo, levantas os olhos e vês, enxergas, memorizas e sonhas, a bela mulher que tão bem conheces. Parece sorrir mas, como é uma visão lateral, apenas podes sorrir de volta – de sorriso aberto, saudosista e com uma vontade enorme de conhecer muito melhor.

Esplanada de sonhos – 24/5/2024

A casa que envelheceu.

Assistir à sua construção foi um privilégio: a maneira como misturavam o cimento, como os tijolos eram encavalitados e os tubos de plástico introduzidos para, mais tarde, serem a autoestrada de toda a cablagem eléctrica, as peças novas que, a conta-gotas, iam chegando (quadros eléctricos, cilindros de água, aquecedores, etc), as peças de um enorme puzzle cujo aspecto final estava trancado na cabeça do arquitecto que havia desenvolvido o projecto.

A ligação de tudo, com os fios eléctricos nos tubos de plástico, num canal bem definido nas paredes, com os cilindros a funcionar, com as tomadas com energia, com as primeiras lâmpadas – somente com os casquilhos – a darem a primeira luz no novo projecto bem como a permitirem um expandir de horas, quer ao nível da possibilidade de visitar bem como de expandir as horas de trabalho. Caminhava-se para a habitabilidade a passos largos.

O cimento a cobrir as paredes, os acertos de superfície para que tudo estivesse alinhado, o aparecimento de tintas, como prenúncio de obra completa, a alcatifa como complemento do chão – conforme era normal no final dos anos 70. A chegada dos armários embutidos, a descoberta de qual a chave correcta para cada uma das fechaduras – por tentativa e erro – a ultimar as tarefas que constituíam o erguer de uma casa. Os azulejos exteriores, as tampas das chaminés, a instalação da antena no ponto mais alto.

A mudança do velho inesquecível para o moderno facilmente esquecido, a saudade do que jamais voltará sem a oportunidade de uma despedida condigna, o único amigo da vizinhança que ainda hoje perdura como recordação do saber bem receber. A falta de alegria do novo face a uma nostalgia do velho, o não poder jogar futebol (!) numa sala tão pequena, a parolice de tentar estabelecer uma sala – que só é usada quando há visitas – vetada num golpe de estado familiar.

A mobília exígua para dar a sensação que o quarto é grande, o embutido como solução. O armário “tudo em um” que não gera emoção. A procura pelo conforto exterior como forma de colmatar o desconforto interior, a alegria de poder continuar a adormecer com o ruído da chuva, a varanda extra como diversão nos dias em que a meteorologia o permite. As persianas que substituem as portadas, os horários coincidentes que geram atropelos na utilização dos quartos de banho.

Era vivo e depois envelheceu. Sem que qualquer carinho lhe fosse dado, sem que qualquer manutenção lhe pudesse fazer voltar ao início, quando eram apenas peças soltas de um puzzle arquitectónico. Jazia sem estar enterrado, não tinha sequer uma vaga recordação de quando estava a ser construído. Na realidade, tinha agora inveja da casa onde outrora tinha vivido e sido feliz.

Tijolos da vida – 22/5/2024

A abstração.

Começa por ser algo que, quando a experimentamos pela primeira vez, nos envergonha – o sentimento de ter estado ausente quando havia alguém ou algo presente. Brindado com frases como “Ouviste o que eu disse?” ou “Bem vindo de volta!” – apenas conseguimos constatar que estivemos ausentes. Com o passar do tempo, e sem necessidade de um esforço intenso, começa a ser algo a que se pode recorrer, sempre que necessário, e/ou por pura distracção.

A maturidade talvez esteja associada ao seu desenvolvimento (carece de estudo científico e eu não estou para aí virado) ou talvez seja apenas a capacidade que temos de viajar sem sair do lugar, não faço ideia. A única certeza que tenho é o quão reconfortante é e o quão saudável se torna – como se de uma droga se tratasse mas sem a necessidade de envolver narinas, pulmões ou veias. Uma espécie de homeopatia cerebral!

Trabalhado, de maneira a envolver o meio que te rodeia, é dos mais belos exercícios que podemos fazer: a mente vagueia, os olhos enxergam a paisagem, os pés conquistam o terreno. Enquanto exercitas o corpo, vais aliando imagens dos locais por onde passas, sendo que a tua mente só regressa desse vadiar intenso de abstração se algo realmente importante o justificar. Até sentes o retorno, como se abrisses um portátil e ele demorasse poucos segundos a estar num estado de prontidão total.

A profissionalização traz-nos a capacidade de o praticar sempre que queremos e, mercê desse nirvana do processo, sentimos o cérebro na sua totalidade – lá longe, durante os exercícios físicos necessários a quem pretende seguir a via profissional, e bem perto – sempre que somos obrigados a regressar ao mundo real. É o equivalente ao termos as férias anuais, para recuperar do esforço despendido durante o ano laboral.

A capacidade de interligar o alheamento a memórias é o degrau mais elevado desse conhecimento, apesar do nirvana do passo anterior. De cérebro alheado, abstraindo-nos de tudo e de todos, vamos recordando momentos realmente únicos que conquistamos. Limpos dos momentos anteriores ou posteriores, os neurónios focam-se no esplendor do que outrora sentiram, sem saber o que a eles conduziu, numa espécie de saborear a mais deliciosa refeição sem pensarmos em tudo o que conduziu a que aquela refeição específica fosse considerada para ser recordada no teu exercício de abstração…e assim sonhamos acordados.

Sou abstracto, está visto! – 22/5/2024

O céu, de onde caiem as estrelas.

Ainda e sempre a chuva.

Nadando entre as gotas de água, numa cidade qualquer longe de casa, sentindo o vigor de cada braçada e o ímpeto proporcionado, antagonizando os transeuntes que não sabem nadar e a quem falta a racionalidade para aprender, com um sorriso desmedido – que mistura um esgar de dor pelo esforço despendido e o orgulho pelo caminho ultrapassado.

Ciente de que não há sacos suficientes para recolher tantas fezes espalhadas pelo passeio da vida e certo de que, caso o número fosse suficiente, haveria um protesto social para que as fezes fossem autorizadas a permanecer, nesse mesmo passeio, até “reencarnarem” em algo que a ciência não prevê mas que mentes de merda antecipam – colocando o ónus posterior numa futura invenção da natureza, já de si cheia da convivência imposta com o ser humano.

Caminhando, por opção unilateral e obviamente própria, só. Observando o que fere a visão sem permitir que o comentário surja, desviando-se de obstáculos como um perseguido se desvia de uma perseguição policial, reclamando consigo – e só consigo – o quão degradado e podre o ambiente está, ouvindo mais um escarro enquanto acelera o passo para superar as adversidades.

Desaguando numa foz só sua, atracado à sua marina, com as águias soltas para não permitir a aproximação de quaisquer gaivotas, com o motor ao ralenti, verifica os cordames e desliga o motor, desce à cozinha e encontra um livro, sobe ao convés e, sentando-se no cadeirão com vista aberta para o mar, exclama “Agora vou navegar na leitura.” e parte, para uma galáxia distante, sem que o corpo abandone esta.

Regressa e olha-se no espelho, não reconhece o reflexo, interroga-o e só quando responde a si próprio constata que voltou uma pessoa diferente. Sorri, num abraço fraterno com a imagem reflectida.

Chuva na moleirinha – 21/5/2024

Oceano Atlântico.

O estrondo.

Quando era puto, há muitos muitos anos, a sabedoria popular falava de dois jovens, pseudo-delinquentes, de nomes estrilho e estrondo. Diz a lenda que um dos seus famosos roubos foi a uma bomba de gasolina, de onde trouxeram um enorme número de rebuçados. A polícia, avisada para o crime cometido, chegou ao local e começou a seguir a pista do invólucro dos rebuçados e, onde o trilho terminava, bateram à porta e os dois suspeitos atenderam…

Ontem, recém chegado a casa e calmamente a beber uma mini, ouvi um estrondo e senti que as janelas iam saltar dos caixilhos. A janela pequena mostrava demasiada luz para a hora da noite e tudo se assemelhava a um avião a ser pressurizado de fora para dentro. Cinco minutos depois confirmei que afinal tinha sido um cometa, quando já começava a questionar a data de validade da cerveja…

A noite foi bem tranquila e só os pássaros é que me acordaram, pela manhã. Cumpridos os dez quilómetros habituais, com umas fotografias pelo caminho, lembrei-me que era domingo – esse dia eternamente perigoso, no que a romances diz respeito. Voltei a dar de comer à passarada e fiquei a ler o jornal sob o encanto da música que eles cantaram. Embalado num domingo perfeito!

Domingos de quase preguiça – 19/5/2024

Os pássaros.

Sentado na sua cadeira, na varanda exterior existente na traseira da casa, pensava. Olhava cada pássaro que ali pousava, para abastecer-se de uma migalha ou outra de pão, e interrogava-se sobre como seria ser um pássaro. Em jeito de inveja, pensou no quão gratificante deve ser ter a possibilidade de voar e conhecer novos caminhos, lugares, cidades, mundos. Replicar aquelas viagens pela Grécia, Brasil, Argentina e atravessar o país, com uma vontade enorme de viver a vida de um local, muito embora não passasse de um turista com apetência para viagens solitárias – sem destino planeado, sem rumo, só dizendo que tinha errado no caminho se a estrada fosse sem saída e, até nesses momentos, saía do carro para fotografar o momento para mais tarde recordar e reconhecer a beleza de só ter parado por impossibilidade de seguir. A possibilidade de ser surpreendido, como aquando da viagem através do Peloponeso, em que o dono do restaurante onde parei se recusou a servir-me e me convidou para a mesa onde todos almoçavam, após o serviço de almoços ter terminado. Momento único que, para sempre, guardarei como sinal da elevada simpatia e boa disposição do povo helénico.

Imagino-me a voltar à aerogare de Buenos Aires, a voltar a ver o pôr do sol sobre o Rio de la Plata, a bater as asas até à Antárctida – com o devido cuidado e respeito pela fauna local (para não ser comido), por entre pinguins e albatrozes, a voar acima da Passagem de Drake – fotografando, com visão de falcão, todo o poder do mar daquele estreito – a observar a maneira de ser e de agir de cada um dos pinguins – individualmente, num esforço por me fartar – para, logo depois, voar até à África do Sul e visitar a Estie – não correndo o perigo de ser reconhecido mas sem deixar de lhe esboçar um sorriso. Provavelmente fazendo uma escala em Madagáscar, para um encontro – ao mais alto nível – com o Rei Juliano e os seus descendentes, voando depois até ao Bazaruto, onde pousaria, no topo da duna com vista para o Índico e para o lago dos crocodilos, apenas apreciando a beleza da natureza. Partiria, assim que saciasse o desejo pela beleza local, rumo ao Kilimanjaro, para respirar fundo o ar da montanha. Sentiria o local até sentir nas penas o frio. A etapa asiática começaria aí, já abastecido de um farnel que me permitisse sobreviver no continente da comida estranha. 

Mais pesado com o farnel, mas igualmente motivado, só aterraria no ponto mais alto da Praça Vermelha a deliciar-me com a vista. Percorreria, num ritmo frenético, todo o território russo – do mar do norte até Vladivostok – a tentar extrair o máximo da imensidão de beleza que o país tem. Com muito cuidado, desceria para Sul e visitaria a China, o caminho de Ho Chi Minh, sempre apreciando a vastidão dos arrozais e a beleza dos jardins, plantas e cores. Evitaria passar muito tempo nos territórios mais marcados pelo belicismo, sem deixar de apreciar a arte persa e a beleza dos seus territórios; seria uma circunferência enorme em voos, preparando a passagem para a América do Norte, via Alasca, onde faria questão de conhecer toda a beleza branca – de Este para Oeste. Os parques nacionais americanos seriam todos esmiuçados e aterraria no cimo da Golden Gate. Apontaria então o bico para a Nova Zelândia e Austrália onde embarcaria numa excursão privada de um só pássaro para conhecer esse maravilhoso continente. Seria assim que bateria as minhas asas, como se fosse uma auto caravana voadora, com um apetite voraz por ver, viver e fotografar sem que nada fosse publicado, seria o meu voo secreto. E tu, também tens segredos?

Se eu tivesse asas – 18/5/2024

Voos rasantes.

O conta-gotas.

Era um jogo irracional e, humoristicamente, a plenitude para o sorriso aberto, honesto e feliz que ostentava. Irracional pela percepção dos transeuntes com quem se cruzava e de pleno humor porque só ele sabia que o jogo estava a decorrer, no interior da sua cabeça, sendo um segredo verdadeiramente trancado a sete chaves.

Com os cinco sentidos bem apurados, deambulando pela cidade, tinha que ter a certeza de cada gota de água que a chuva providenciava. Cada unidade tinha que ser, imediatamente, ligada a um momento da vida passada, presente ou futura, com a obrigatoriedade de ser um momento feliz, independentemente do desfecho. Soa a loucura? Só para não praticantes!

Visto de fora, e o humilde narrador é muito dado a sugestões externas (estou a ser irónico), deve ser algo muito bom para se poder apelidar o autor de loucura mas, sentido por praticantes, é o nirvana da alegria e boa disposição. Com os aguaceiros tinha vindo a aprimorar o jogo e sentia-se agora como um grego, campeão de gamão, disposto a enfrentar qualquer adversário numa panóplia de sorrisos que desafiam a má disposição.

Foi interpelado pela polícia, numa operação stop pouco habitual e, mercê das gotas que caiam, preso para averiguações. Sorriu, obviamente, enquanto era algemado e levado para os calabouços – não porque a situação fosse divertida mas tão só e apenas porque não ousou interromper o jogo!

A chuva miudinha – 17/5/2024

A sereia temperamental.

Ao longe, muito longe, era a mais bela criatura que o oceano continha: a braçada, os contornos do rosto, a forma como as ondas pareciam ajustar-se conforme ela se movimentava, os sons – inaudíveis mas passíveis de serem imaginados, os olhos que se fundiam no objecto ou pessoa que observava…era uma sereia digna do mais belo conto de fadas.

Carecendo de conhecer a barbatana dela, para fins puramente científicos, nadei como nunca havia nadado antes. Livrei-me de todas as posses terrenas e abracei as ondas, uma após a outra, até a alcançar. A distância era muito grande e a comunicação que tínhamos era feita através de sons – como um sonar – que, apesar da distância estar a encurtar, apenas fazia o sentimento crescer.

Por entre piropos via sonar e braçadas para a alcançar havia que improvisar um primeiro beijo que fosse memorável e, como se tivesse num sofá marítimo, pedia-lhe que fechasse os olhos e descontraísse. Era tudo novo, tudo diferente, mais sentimento que racional e, apesar de toldado pela irracionalidade amorosa, comecei por beijar o cimo do pescoço, bem juntinho ao lóbulo da orelha esquerda dela. 

Expressei o único desejo que, na altura, tinha: vamos focar em conhecermo-nos! O esforço tinha que ser mútuo e não envolveria qualquer contrapartida, de parte a parte. Tinha tudo para ser perfeito, brilhante, inalcançável para o comum dos mortais – algo que o sentimento, naquela altura, não permitia que fossemos. Um tratado de entrega total, mútua e sem segredos, como se de uma fusão de dois corpos num só se tratasse.

As ondas começaram a ser tão grandes quanto o mar da Passagem de Drake e, fruto da proximidade da Antárctida, tudo arrefeceu – excepto o sonho que, cuidadosamente, foi colocado numa unidade de armazenamento mental – bem acondicionado e refrigerado – num canto do seu coração irreflectido. Fez um reboot amoroso e racional e voltou ao ponto de partida, conforme era no período anterior ao golpe de vista que o fazia ter visões de sereias.

Caixinhas de histórias – 15/5/2024

Óculos que evitam visões. 😂

O carregador da bateria.

Havia passado bastante tempo, desde a última carga, mas a verdade é que o processo tinha tido sempre contratempos – ora o carregador tinha oscilações na corrente, ora o tempo de carga não era o anunciado, ora a reserva não era cumprida conforme havia sido contratualizada. O carregador, apesar de ser o mais apetecível (por uma série de detalhes que o tornavam único), tornou-se um descarregador face aos inúmeros problemas que causava. Tinha características únicas, no que numa vida, apelidaríamos de parceiro ideal mas, apesar das inúmeras virtudes, teimava em comportar-se de forma a trair o princípio pelo qual existia, no que numa vida, chamaríamos de auto-sabotagem. Parecia querer ter vida própria e jamais ser cooperante.

Chegado a casa, e ciente da necessidade de recarregar as energias, optou pela sua tomada de sempre – no fundo da cama, com a extensão a permitir que continuasse a escrever – a parceira ideal que, apesar de não permitir que transitasse, lhe dava a carga necessária – com o complemento proximidade e sem a azáfama social de um carregador inquinado. O correspondente, na vida, ao “mais vale só que mal acompanhado” que, no sentido que para ele fazia, correspondia a tempos de reflexão e escrita. Com o sol a aquecer-lhe os pés, com a chuva a despertar a preguiça, estava um devoto na arte de retemperar-se – não que se obrigasse a tal, mas tão só e apenas porque só totalmente energizado é que fazia sentido embarcar em novas aventuras.

Desligado o carregador sentimental, e tendo transferido a energia para o lado intelectual, virou-se para a escrita de uma aventura que, apesar de descrever um cenário fictício, tinha muito do que era a sua própria vida. O azul e branco grego, os jogos de poker apoiado pela Stars and Stripes, o Vic e a Union Jack, a Ordem e Progresso com aquele mês maravilhoso, as cataratas e os estádios, a Rússia e o Eddie Vedder, a África do Sul e a melhor viagem de autocarro de uma vida, o amor de um casal recém-casado, a sorte de aterrar num aeroporto no dia anterior a um atentado. Momentos da vida ficcionados para esconder identidades mas não factos.

O plano era descansar tanto quanto um profissional do descanso ousaria fazer e, sentindo-se a caminho da profissionalização, sorriu com o quão bom tem sido este caminho de amor próprio.

O “narcisismo” de nos sentimos bem – 15/5/2024

O eterno carregador energético.

Respirar fundo.

Rodeado de verde, com um belo curso de água a passar frente a mim, levantando a cabeça para ver para onde ela se dirige. Ao fundo, num vale que nesta altura é verde e amarelo (das maias), vejo o grande rio que a água forma e, rodeado por algumas casas, percebo a sua real dimensão. Não que precisasse das casas para aferir a grandeza do rio, mas tão só porque as casas permitem, na sua pequenez na escala visível, melhor dimensionar a grandeza do rio, no seu todo. 

Sinto-me pequeno na escala e respiro profundamente, até me sentir gigante por ter a oportunidade de visualizar a obra de arte que me rodeia. O olho que tudo descortina reparte a imagem do todo em pequenos pedaços de beleza e o coração parece reagir com um batimento extra (ou sou cardíaco ou um emocional de merda). Fotografo o que vejo, revejo a imagem no ecrã da máquina fotográfica, apenas para constatar que lhe falta o sentimento.

A tentativa de aprisionar a paisagem fica aquém do que em mim ela provoca. Utilizo o Google, para tentar encontrar uma máquina que entenda o sentimento, e os resultados não correspondem à expectativa. Tento outros motores de busca mas os resultados são igualmente frustrantes…não há um produto, com inteligência artificial ou sem ela, que capte sentimentos. Bolas, pensei, sem conter um sorriso interior pelo simples facto de ser humano e conseguir obter um retorno emocional imediato do que visualizo.

A sorte de termos belas paisagens – 14/5/2024

Tenho que fazer uma dieta!

Os pretensos fotógrafos.

O planeamento começa no dia anterior e, rodeados de mapas de locais a visitar, estudam-se os melhores pontos de entrada, os melhores trilhos, as horas ideais em termos de luz. Tal como Napoleão, sabemos onde as melhores batalhas se vão travar, onde podemos encontrar munições, o local das trincheiras mais fortes. 🫣

Obviamente os mapas são, na realidade, um lanche idealizado por um dos fotógrafos, os pontos a visitar são a junção das memórias dos personagens e o cenário bélico não passa de uma subtil referência aos melhores locais para salivar e comprovar a maravilhosa gastronomia local. 🤭

Sete da manhã e já estamos a caminho, atravessamos a porta do parque uma hora e meia depois, as primeiras fotografias são tiradas com os telemóveis. Outra paragem, abre-se a mala do carro, as máquinas fotográficas aparecem como ferramenta fundamental. “Dá-se tiros”, expressão usada entre os que compõem a excursão, recebo apoio para obter os melhores ângulos de luz, reunimos todos sempre que alguém encontra algo diferente. 👌

Há pessoas que descansam de maneira diferente mas, para mim, este é o oxigénio que me limpa os pulmões da vida! Com a natureza no seu esplendor, em boa companhia e com camaradagem, com feijoada e bacalhau e um “ligeiro” pudim de dois andares que complementa a refeição. 🙌

Retalhos da vida de um eterno amador – 12/5/2024

A imaginação de um Pai.

O camião “dobra a esquina” e, ao longe, vejo as cores do curso em que o jovem progride. O ritmo cardíaco associa-se ao sentimento amoroso e, numa arritmia de plena satisfação, vislumbras um jovem que dá um jeito ao cabelo. Esticas a lente até ao limite e, após uns segundos de contemplação, confirmas o que os olhos e óculos já te haviam feito desconfiar: é ele! O meu e da mãe, vem a conversar, está de sorriso aberto e, entretanto, recebo uma mensagem que comprova os factos – “Quase a passar” dizia e eu, armado em Cartier-Bresson, foquei a imagem do meu herói.

Uma série de recortes de imagens do progresso da vida dele passa pelo meu imaginário racional e, assolado pela arritmia de emoções, fico comovido e escondo-me atrás da câmara fotográfica, enquanto tento captar o máximo de imagens de um entre muitos colegas de curso. A senhora ao meu lado estende-me uma embalagem de lenços de papel e exclama “Chorar de orgulho e alegria é a mais bonita das reações que podemos ter enquanto progenitores!” Agradeço o gesto com um sorriso molhado e volto a esconder-me atrás da objectiva.

Um “thumbs up” confirma que o meu herói já viu onde eu estou. A resposta é um aceno e aquele sorriso aberto que só concedemos a quem nos diz tanto. O fotografado é interpelado pelos colegas, que se questionam sobre quem será aquele fotógrafo de sorriso tão denunciado, e o pedido de uma fotografia de grupo é o passo seguinte. Três polegares para cima denunciam a alegria que vivem e eu irradio felicidade pela alegria deles. Sabem estudar, sabem viver, sabem estar – voltam as imagens de todo o processo de crescimento do meu herói.

O dia é deles e eu apenas estou presente como conforto para alguém sempre tão ausente. Relembro o dia em que voltávamos do infantário e eu, parado no semáforo, exclamei um “anda lá velha!”, para uma senhora de idade que começou a atravessar a passadeira, assim que o semáforo verde “abriu” para os carros, pressionado pelos carros que, sem ângulo de visão, buzinavam atrás de mim. Chegados a casa, a mãe perguntou “O que aprendeste hoje?” e o meu filho confessou com o “anda lá velha!” Todos sorrimos com a sinceridade dele, a minha boca desbocada e o humor de toda a situação. Que nunca lhe falte a sinceridade e felicidade, é o meu único desejo.

Fui cortejado – 10/5/2024

O relacionamento e a perda da liberdade.

Estou a ultimar um panfleto para distribuir, antes do início de qualquer relacionamento. Intitulado “A beleza da perda da liberdade em prol de um relacionamento.”, o panfleto aborda temas sempre actuais e que podem, no meu ponto de vista, contribuir para uma convivência mais saudável, com menos tempo perdido, e uma abordagem mais directa de quais os objectivos considerados, por mim e na minha humilde opinião, fundamentais para uma sã convivência.

Tal como os avisos, nos maços de tabaco, terá escrito, em letra maiúscula, os dizeres “O relacionar-se com outrém pode afectar seriamente a sua individualidade em prol de uma liberdade comum a ambos os indivíduos. Pense bem antes de embarcar numa ousada jornada amorosa!” Será distribuído por todas as caixas de correio, juntamente com o anúncio mais recente dos produtos em promoção do LIDL.

Haverá, obviamente, quem reconheça vantagens em ter uma liberdade a dois e desvantagens se forem mais do que dois. Quem se auto intitule como alfa e tenha dificuldades com um simples guarda-chuva. Quem não entenda o conceito e quem fique maravilhado com ele. Haverá sempre o livre-arbítrio, e ainda bem! Interessa é a paz interior de cada um, sem que a de outrém esteja comprometida, sobretudo em termos do tempo que por cá temos.

A maturidade dá-nos a capacidade de transladar os problemas amorosos – do sistema circulatório para o sistema digestivo – e, uma vez efectuada essa transição, permite a digestão total das mazelas e posterior evacuação através do ânus. 

O intestino existe para permitir que os seus 7 a 9 metros de comprimento sejam suficientes para reduzir tudo a minúsculas partículas, não observáveis a olho nu e, uma vez limpo o traseiro (o bidé é aconselhável, para evitar que nem a mais fina partícula ouse criar raízes – num sentido figurado, obviamente), o indivíduo em causa – homem ou mulher – é considerado apto e livre para começar de novo.

Ainda estou a estudar a problemática do papel higiénico – uma vez que o bidé é aconselhado mas não obrigatório – mas, como utilizador frequente do bidé, deixo essa problemática para quem quiser participar e melhorar o processo! É assim que a ciência progride!

De coração cheio e humor afiado – 8/5/2024

A melhor pessoa do mundo.

A tarefa era simples e requeria que eu atravessasse a rua e entregasse uma bola de plástico aos alunos que com ela jogavam. O trânsito era semelhante aos finais dos anos 80 e só um carro circulava, ainda longe.

A bola veio-me parar aos pés e, consciente dos meus dotes futebolísticos, peguei nela com a mão esquerda. Após notar que era de plástico, apertei-a e, tranquilamente e com tempo, dirigi-me a uma multidão que me indicava o caminho a seguir.

Vários braços ao alto, pedindo que a bola lhes fosse entregue, o que me fez recuar até aos anos 70 e perguntar “Agora pode-se jogar à bola?”. Uma jovem respondeu que era óbvio que sim e eu devo ter feito uma cara de espanto. 

Afirmei que, no meu tempo, tal não era possível e ela, de resposta rápida e racional, disse que eu devia ser do “antes do 25 de Abril”. Devolvi a bola e escutei um “Você é a melhor pessoa do mundo!”. Sorri, com a consciência de quem sabe que tal não é verdade, mas não deixei de responder “Aquela foi a minha sala de aula.”

Parti, com a consciência de dever cumprido, e ainda consegui ouvir o grupo gritar “Muito obrigado!!!!” Não foi a mais hercúlea tarefa da vida mas os agradecimentos fizeram-me ter confiança nas gerações futuras!

Hidratado e contente – 8/5/2024

A esplanada das folhas.

A vista é para a estrada de uma vizinhança amplamente conhecida e a sombra provém de uma das poucas árvores poupadas pela besta quadrada que outrora presidiu aos destinos da cidade, os cumprimentos surgem naturalmente, o empregado de mesa adivinha o teu pedido. Há uma cliente que ajuda na gestão – levantando a louça e emitindo a sua sonora opinião acerca dos clientes que a deixam na mesa (a louça, não a cliente), assim que os clientes abandonam o local. Adoro, na minha mesquinhez humana, esses momentos: a honestidade vem à tona e arrisco – propositadamente – deixar a louça, pelo simples prazer de mais tarde ter que ouvir as considerações que teceu nas minhas costas.

Após ver o City of Angels, uma vez mais, consegui finalmente perceber que a biblioteca é em São Francisco e coloquei na agenda “a visitar”. Há algo de enigmático naquelas varandas viradas para a entrada – de arquitectura tão semelhante ao MOMA, mas com uma conotação muito mais interessante, porque profundamente sentimental. Já consigo ver o filme com um sorriso, com um sentimento alegre e profundo, de quem sabe que há realidades que extravasam o imaginário das películas. Não digo que foi o que o doutor receitou mas encaixou e encantou, neste momento específico da vida.

Sempre a evitar multidões e a delinear novos percursos para trilhar. Não com um sentido de ter que cumprir mas com um sorriso aberto de quem tem a possibilidade de os caminhar e, de forma utópica, conquistar. Deixando os olhos desfrutar para, de seguida, tentar com a câmara fotográfica captar – um alegre amador na arte da fotografia, almejando obter a minha percepção do que me rodeia, sem que qualquer valorização obtenha ou sequer a busque. Deitado, com os pés a apanhar sol nas meias, absorvendo uma temperatura que não é a real mas que entretém, num misto quente de adormecimento e satisfação.

Sonhos de uma tarde de primavera – 6/5/2024

A inveja boa.

Sempre foi um tema de conversa entre nós porque somos um grupo de pessoas que sabe debater e obter conhecimento do resultado dessas conversas. A inveja boa traduz-se no querer copiar do modelo de outrém algo que achamos melhorará o nosso, era assim que o víamos e vemos. Afirmar gostar tanto de algo que só conseguimos visualizar o nosso futuro com esse algo incluído nele.

Não conhecia o recém-nascido, precisamente porque é recente, e conhecê-lo foi o conseguir destrinçar o melhor de cada um dos progenitores – uma alegria imensa, porque ambos possuem virtudes incomparáveis que tanto me ensinaram. O jeito de viver, a observação atenta de tudo o que o rodeia, o falar sozinho ao invés de se queixar, o sorriso muito lindo e aberto para com todos os que com ele interagem. Brilhante a forma como, em apenas cinco meses, já visualizamos um pequeno adulto em construção.

De coração cheio pela visita, tentando sempre não pisar nenhuma mina no terreno em que o dia-a-dia se desenrola, temendo que algo pudesse, de alguma forma ou feitio, não estar à altura do quanto significam para mim, mostrando um pouco da cidade que, para os visitantes, é demasiado pequena para sequer se chamar cidade. Partilhando segredos que só intimamente podem ser revelados, ouvindo com atenção os detalhes a que um recém nascido obriga.

Uma lágrima escorrendo na partida, escondida por uma chuva que teimava em cair, um orgulho enorme pela sorte que o mundo providenciou na oportunidade de vos ter conhecido. Obrigado trio maravilha, voltem sempre!!!

A saudade é o sonho do reencontro – 5/5/2024

As grandes amizades que nos enchem o coração.

São as que mexem connosco, sempre que nos contactamos. Dia de festa, hoje e amanhã, com a presença de dois amorosos exemplares de como se celebra a amizade.

Já haviam passado cinco anos, desde a última vez que nos encontramos, e rever a mãe, agora acompanhada do filho, é um tónico sem igual. Ele é igual ao pai e ela continua a mesma pessoa paciente que conheci.

Cansados, depois da longa viagem desde o outro lado do Atlântico, temos todos colaborado para que a mãe possa descansar enquanto o filho nos entretém – com sorrisos, a procura constante por novas coisas para ver, com a força de quem pretende, precocemente, sair do colo e começar a viver!

Comilão, reguila, observador e muito cooperante. Um doce de criança!

Visita de quem amamos – 1/4/2024

Vamos almoçar.

O convite era inocente e despido de segundos sentidos – como as pessoas honestas tratam, nesta vida – e a resposta não surpreendeu ninguém! “Claro que sim, vamos nisso!” Obviamente, não fazia a mínima ideia onde ficava Pitões das Júnias, mas o detalhe era irrelevante! Havia um convite para almoçar e um almoço não se recusa!

O despertador tocou às 5 e meia da manhã e ainda não havia luz natural. O duche foi tomado no maior silêncio e os panados do dia anterior colocados nos pães que descongelaram pelo caminho (a “bucha” da manhã), dada a hora de inicio das “hostilidades” do dia. A partida foi feita com os primeiros raios de sol sobre a cidade e, assim que entramos na CREP, substituídos por um nevoeiro cerrado…aquilo prometia!

Chegados a Chaves, e mercê de um erro imperdoável, não compramos uns pastéis locais (daquelas coisas que nos perseguem até ao fim dos nossos dias). Saímos para umas fotografias rápidas e partimos em direção a Vilar de Perdizes. Imbuídos de um espírito de sacrifício (que não envolve animais, entenda-se) percorremos a distância sem mais demoras ou paragens.

Chegados ao local de culto do oculto eis que ainda se sente no ar o sangue do dia anterior – tratando-se de um domingo, equivale a dizer que ainda corre no ar um aroma de cerveja morna, das hostilidades tardias do dia anterior. Prosseguimos, com cuidado…recolhemos provas fotográficas, tivemos diálogo a requerer linguagem gestual, procuramos os melhores planos para capturar a beleza do local.

Partimos, rumo ao restaurante Casa do Preto, comemos que nem abades e demos uma enorme volta fotográfica, para melhor digerir a “singela” refeição. Invadimos Espanha, com o propósito pacífico de fotografar os melhores momentos, reentrando em Portugal, pelo Lindoso, com o sentimento fotográfico cumprido! Mencionei a falha gastronómica cometida em Chaves e imediatamente surgiu a alternativa pastéis de Fão (clarinhas, para os mais íntimos).

Chegados, de barriga cheia, mas ameaçando devolver os pastéis já digeridos por excesso de açúcar em pó! Vivos, cansados, com um sorriso que espelhava o sentimento de dever cumprido!

Pelos caminhos de Portugal – 29/4/2024

As pessoas belas da minha vida.

O acordar cedo, para evitar a confusão esperada, o encontro a tempo e horas e a união de vontades, o abraço matinal – tão duradouro quanto tudo o que nos une, a partida rumo ao que esperamos seja o definir de um novo ciclo para o clube a que pertencemos.

O comboio como meio de transporte, o Alameda como WC público escolhido, a mensagem enviada para o grupo de primos para uma primeira tentativa de tocar o reunir para o acto eleitoral. Estivemos todos – e viva as caras novas!!!

A oportunidade de ser empurrado para uma pessoa com tantos pontos comuns, sem drama, com uma personalidade e maturidade de adulta, o gaguejo nervoso como resposta, o rosa das bochechas alterado, o filho – a gozar com a situação – ri-se, com um piscar de olho cúmplice.

A volta para a ruralidade, o desmobilizar ao cimo da rua, o coração que treme. Um arrepio na espinha, palpitações que parecem incomodar os transeuntes, a vontade de dialogar mais. O telefonema do primo, que intermediou as “hostilidades”, a preciosa indicação sobre onde estaremos juntos novamente.

Um dia ímpar, em família – 27/4/2024

A analogia do treinador de futebol.

Contactou-o e debateu os termos em que ele aceitaria ser o próximo responsável máximo pelo plantel. Desconfiado, e recordando uma situação exactamente igual, que anteriormente tinha acontecido, por entre um chá e muffins.

Houve diálogo, tudo muito por alto, a sensação dada de apenas faltar a assinatura para que o vínculo fosse assinado e entrasse em vigor.

Como se não houvesse avanços nos contactos e a burocracia do processo não avançasse, resolveu não dar valor ao processo e esqueceu o diálogo. Foi, muito mais tarde, contactado e, sentindo o desprestígio a que tinha sido entregue, resolveu colocar os pontos nos i’s e detalhou os pontos que tinham que ser cumpridos para que um eventual diálogo fosse retomado.

Não foi com surpresa que recebeu a mensagem,  notificando-o que, afinal, o cargo de responsável máximo pelo plantel não estava vago e que o processo não tinha passado de uma sondagem de mercado…

O futebol está podre e fede – 26/4/2024

A paixão pela chuva.

Começou em criança mas não era amor; tratava-se de uma mentira que, quando inquirido pela “entidade maternal”, desculpava o facto de ter ficado a brincar para além do familiarmente aceitável. Não que a brincadeira parasse, e a chuva fosse um impedimento, mas tão só porque ingenuamente a culpava pelo estado da roupa e sapatilhas (está sujo porque tinha chovido, num passado indefinido, como se a “entidade maternal” não fosse capaz de desmontar tão ingénuo argumento). Era uma “curte”, vá…

Na adolescência era a desculpa para nos abrigarmos e chegar atrasados ao almoço. Soltos, numa quinta enorme com toda uma vasta variedade de frutas, quem é que queria almoçar? A tia, muito mais esperta do que nós, instalou um sino mais sonoro do que o da igreja e obrigou-nos a um exercício de controle contínuo. A ser “condenado”, a minha pena era ser condenado a comer canja de galinha – algo que me dá vómitos e que resultou plenamente.

Na vida adulta, o ponto alto e o momento em que me apaixonei por ela, foi em São Tomé e Príncipe. Calmamente a fumar um cigarro, na entrada principal da estância, abrigado da chuva que caia, começo a ouvir, no cais em frente, os primeiros acordes do Africa, do Toto. Dei um passo em frente, senti as gotas a inundarem a minha roupa e comecei a cantar a música. Desde então, já apanhei valentes molhas, voluntárias, em continentes opostos, com temperaturas tão diferentes, com pessoas tão peculiares e, no fim, só posso exclamar que aprendi – muito – com cada pinga que me molhou.

A chuva limpa – 26/4/2024

Dia da liberdade.

Dizem que acordei chateado e que terei pedido silêncio, para poder dormir. Há uma névoa, com pequenos detalhes que recordo desses tempos: a sala cheia, Chico Buarque a tocar, discretamente no gira-discos, ouvidos colados ao velhinho (já na altura) Blaupunkt de válvulas, a televisão a preto e branco que não acompanhava a velocidade do rádio (ver para crer), o que causava apreensão entre a alegria que já se vivia.

Disseram-me para não me preocupar com o dia seguinte “de escola” porque a história estava a ser reescrita, alguém – recentemente – me recordou essa história bem como o contentamento que o meu pai, maioritariamente reservado em termos políticos, agora exibia. 

Relembro, muito mais facilmente, os momentos de confraternização que se seguiram, os comícios em pavilhões, as férias na Fuzeta – rodeado de tantos ilustres que haviam participado activamente na revolução, o sentar a observar e questionar o que seria uma revolução, muito embora já agradecido por todas as voltas que demos pelo país. Nesse aspecto, senti mudança, liberdade sob a forma de as pessoas agora poderem estar, conversar abertamente e celebrarem esse facto, apenas estando presentes.

Mais tarde na vida tive a oportunidade de conhecer ainda mais ilustres – mercê da militância na Juventude Socialista – que olhava e idolatrava, pela coragem sem temor, pela ousadia de pensar livremente, pelo sorriso que ostentavam – como se um sorriso livre fosse a maior riqueza do ser humano. Talvez seja!

Venham muitos mais 50’s!!!!

É a ideia que tenho, preservo e celebro – 25/4/2024

As duas últimas covas.

A cerimónia estava marcada para o início da tarde mas, mercê de uma profissão com imponderáveis temporais, foi adiada uns 30 minutos – tempo suficiente para um café e um escovar de dentes. 

De botins colocados, e chegada a hora marcada, eis-me deitado, numa confortável cadeira gerida pela doutora responsável. Recordamos histórias da nossa geração – uma espécie de anestesia antes da real anestesia e, quando dou por mim, o queixo do lado direito já não dá sinal de vida.

Raspa-se, broca-se, limpa-se, aspira-se, seca-se, insere-se massa, seca-se novamente, até a cova estar novamente coberta e livre da cárie que, embora pequena, podia vir a dar problemas.

Mais umas histórias recordadas, mais umas gargalhadas trocadas, uns sorrisos como forma de recordar e demonstrar carinho por momentos ímpares das nossas vidas.

Beijinhos de despedida, agradecimento por todo o empenho no trabalho feito e eis-me, de queixo direto caído, mas sorridente como sempre.

A cáries removidas não se olha o custo – 24/4/2024

A excelência do dia.

O rever a melhor amiga, o conhecer um novo sujeito, o capturar a imagem de um melro a cantar, o dar miminhos a um orelhudo que só conhecia de vista.

O ajudar o melhor amigo, ouvir as aventuras mais recentes, sentir o amor por algo herdado. A leitura comum, a troca de impressões sobre uma aventura muito arriscada, que nos é descrita pelo grande Colombiano.

A confirmação do que não era uma dúvida, o ignorar de um ser abjecto, o foco na andorinha que passa. 

O melro que te persegue, a rôla que te saúda em busca de uma côdea de alimento, os gatos que surgem a perseguir o cheiro do peixe acabado de pescar.

Dias de natureza – 23/4/2024

O apêndice.

Era um pedaço do intestino, infectado, e só a remoção podia acabar com as dores, excruciantes, que instintivamente o levavam a colocar a mão sobre o mesmo, na parede exterior da barriga, e massajar. A dor era agora mais forte e duradoura e o placebo de tentar massajar não passava de um acto reflexo sem consequências no atenuar da dita.

Como se a repetição tivesse conduzido a uma adaptação e, o que anteriormente resultava, não passava agora de um sinalizar da origem da dor. Era tudo parecido mas não era igual e o instinto de sobrevivência levou-o a procurar ajuda, para debelar aquela sensação que não lhe permitia continuar a sua vida no estado introspectivo e calmo a que estava habituado.

A resposta do cirurgião geral foi clara e inequívoca: a remoção da infeção permite prevenir a peritonite e acabar com a dor. Há que agir prontamente de maneira a evitar males maiores. Encurralado, entre o amor pelo pedaço de intestino e a sua forma de viver plenamente, a decisão foi prontamente aceite e a cirurgia teve o resultado anunciado. É certo que teve que andar com um penso, mudado diariamente, e a sensação de alguém ter mexido nele mas, no final e ultrapassada a convalescença, sentiu-se grato por ter optado pelo contacto, atempado, com a pessoa certa.

A cirurgia – 22/4/2024

O método.

Busca certezas dentro de ti e, assim que as alcances, batalha para as tornar a tua realidade. Se envolver mais pessoas, busca a certeza de que é a pessoa cuja tua certeza determinou e, imbuído dessa tua certeza, abre o teu coração e tenta ser a certeza desse outrém. Não é científico porque é emocional, não é uma certeza porque envolve mais do que apenas a tua certeza mas, uma vez entregue o coração a essa tua certeza, estarás a concretizar uma certeza tua que, caso seja correspondida, será a mais bela certeza a que podes aspirar.

Metodologia falível mas inspiradora – 22/4/2024

Uma história da vida.

Talvez tenha começado aquando do périplo pela América do Sul, talvez tenha começado numa qualquer garagem em que se estacionavam corpos ao invés de automóveis, talvez tivesse começado há muitos anos atrás e nenhum dos envolvidos ousasse confirmar, talvez fossem as mesmas insónias de agora a providenciar o raio da conversa. Não sei e também não interessa – localizar inícios só faz sentido quando temos um fim digno para o que nos propomos fazer, digo eu que, enquanto parte envolvida, podia ter feito mais alguma coisa mas também ambicionava receber mais e agi em conformidade.

Num qualquer cenário imaginário, regressava de um dos dois mais belos passeios por Buenos Aires. Revia as fotografias, inspirando enquanto passava de uma para a seguinte, de maneira a recordar todo o momento, como se o vivesse novamente. Reuni as melhores memórias, escolhi a audiência e publiquei, não dando mais importância ao momento, ainda saboreando o delicioso bife (que havia custado meio milhão de pesos). O telemóvel produziu um ruído, anunciando uma notificação, e lá estava ela. A mensagem era inocente e, se bem recordo, acerca dos dois estádios visitados no dia em causa.

A última coisa que me apetecia, nesse dia específico e em todos os outros, num sentido geral, era debater futebol mas, a personagem em questão deve ter percebido, pois adicionou algo mais à mensagem inicial e, aí sim, o diálogo começou. Deitado na enorme cama do Panamericano, e tendo apenas caminhado uns duzentos metros desde o restaurante, respondi que o meu grande interesse não eram os estádios mas sim os bairros em que se inseriam. Havia atravessado a cidade inteira, com um magnífico taxista, marxista, cuja primeira história que me contou foi sobre a predisposição dele, quando soube que tinha um cliente no Panamericano (sendo marxista esperava encontrar um facho, da pior espécie, como há tantos na Argentina. Desenganou-se em alguns minutos).

Encostei a cabeça na almofada, o corpo debaixo do edredão, de calções de banho e tshirt vestidos (coisa típica de quem viaja de mochila), e notei que já tinha sido respondido. A conversa prolongou-se e recordo-me de dizer, baixinho para ninguém me ouvir, que ela devia gostar imenso da Argentina…Obviamente, encontramo-nos umas semanas depois – o tempo suficiente para acabar a excursão sul-americana e voltar – e descobri que o gosto, afinal, não era só pela Argentina. O tempo aproximou-nos e a falta dele afastou-nos mas, sem dúvida, foi uma das mais belas histórias de amor.

Como se fosse possível – 21/4/2024

Dois campeões.

Dia de fé, dizem.

O duche na madrugada da casa, enquanto os outros dormem, pé ante pé, com cuidados redobrados para não incomodar as que ainda descansam. 

A roupa de domingo, tão semelhante à dos restantes dias da semana, a curta caminhada até ao jornal mais próximo. A leitura com acompanhamento, a nata, o café e a água das pedras brutalmente gelada.

Os habituais que chegam, a loura que passa e cumprimenta. O olhar medido, após observação atenta, os dois detalhes ondulantes que ainda não constam no acompanhamento. O suplemento separado, após uma rápida olhadela pelos alugueres humanos dos classificados.

A análise das notícias, mais uns cumprimentos, um amigo de sempre que passa e cumprimenta com umas efusivas pancadinhas no ombro direito. Dialogamos sobre o nosso bem estar, refiro que só uma inflamação no ombro direito me aflige, sorrimos perante a inevitabilidade do cumprimento recebido “Como poderias saber?”, e sorrimos ainda mais quando recordamos onde nos conhecemos.

A mãe que perde a paciência com o filho que teimou em pegar na chávena antes da aprovação da progenitora, o filho que concorda que sempre foi assim e que realmente se precipitou, o azeiteiro que acelera na sua moto barulhenta, os carros que insistem em acelerar quando o peão se apressa para atravessar a passadeira.

As passadeiras que obrigam a um desvio do passeio para acedermos a elas e buscarmos a prioridade que o peão merece, o parolo que buzina para chamar alguém do prédio em frente. As andorinhas que cativam algumas migalhas perdidas no chão, as gaivotas que sobrevoam e observam com inveja. O canto do melro que encanta a primeira trinca na nata, a última página do jornal que te indica que é tempo de voltar.

Domingos, numa cidade qualquer – 21/4/2024

Saturday night fever.

Da leitura matinal até à caminhada num trilho novo. Da leitura neurótica até à escrita de constatação. Da incerteza ao alongamento do caminho a percorrer. Da necessidade de hidratar até ao aguaceiro pelo corpo abaixo. Da espera por resposta à necessidade de descansar do passeio.

Do ver o mar até ao sentir a areia. Do receio pela força das ondas à constatação de há quem nelas nade. De um descanso solitário ao convite triplo. De umas valentes cervejas ao dever cumprido com uma mini. Da espera por um contacto até a uma longa conversa telefónica.

Da confusão do abstracto ao concreto da conversa. Da presunção à completa surpresa do além. Do café com nata e água das pedras à conversa noite dentro. Da chuva até ao sol, frio e húmido. Do preto no branco ao colorido. O egoísmo e o bem estar…

Outrora foi sábado – 20/4/2024

A audácia de um casal.

Adorava que existisse uma disciplina, curso superior ou técnico profissional, que abordasse o sexo feminino. Um curso intensivo – e talvez interminável – que percorresse todos os níveis da mente feminina: a forma como posiciona os cinco sentidos, como exterioriza emoções, como as interioriza também, a forma como age perante obstáculos e como se propõe superá-los.

Numa qualquer instituição de ensino, no cimo de uma montanha, com uma vista de trezentos e sessenta graus que permitisse todo um relaxamento visual, em regime de internato, e só com dois voluntários. Uma espécie de Marvão – em termos de beleza circundante – com apenas uma “case study” e sendo eu o único aluno. 

Voluntariamente deitada numa cama de rede, erguida no ponto mais alto da aldeia, o objecto de estudo seria sujeito ao que os anglo-saxões designam por “Full Disclosure”. Num diálogo tão privado quanto a altura o permite, um despir de todos os detalhes fundamentais para plantar e fazer crescer uma árvore chamada intimidade.

Esgrimindo diferenças e apelidando-as de personalidade própria, aproximando pontos de vista comuns e apelidando-os de benesses para o nosso futuro. Num contexto de abertura total, como se fôssemos católicos e quiséssemos a absolvição, uma confissão total de quem somos e o que procuramos.

O exame final seria a prova de fogo e só juntos poderíamos aspirar a concluir o curso. De olhos nos olhos, e só podendo recorrer à inteligência emocional, a mesma frase teria que ser proferida em simultâneo. A nota final começaria então a ser construída sob o nome de futuro comum. Deixo-te o ónus do contacto, porque sou apenas o estudante e não faço ideia em que ponto do percurso académico estás. 😘

“I love the rain – it washes memories off the sidewalk of life.” – 20/4/2024

Comunicação dos tempos modernos.

Não posso ser acusado de interceder no caminho definido por outrem porque cedo montei a tenda para a habitual leitura matinal (mas agrada-me a tua maneira de pensar). 

A percepção do falso passo, demasiado hirto e com uma fuga para a esquerda, mais não é do que o reflexo dado pela visão periférica do canto do olho esquerdo, com condimentos de fantasia e um aperto no peito (talvez a fantasia tenha deturpado tudo ou o assumir seja demasiado conveniente para ambos; até pode ser que seja cardíaco e tudo não tenha passado de um sintoma, sem necessidade de nitroglicerina debaixo da língua). Obviamente, a opção por um caminho tão alternativo, no momento de voltar, só agravou o aperto que, por essa altura, já tinha a audição e a visão em simultâneo. Confesso que tentei o olfacto, sem sucesso, e a salivação abundante foi o paladar de outrora a dar mostras de um saudosismo real, espontâneo e contra o qual nada pude fazer.

Embriagado em tudo o que acima foi exposto e completamente alheado de uma conversa que decorria na mesa, só posso afirmar: faltou-nos o tacto. Não deixes que falte também a comunicação, por favor. Bom fim de semana!

Não sou uma pedra no caminho – 19/4/2024

A mochila das sextas.

A máquina fotográfica, a lente de 300, um rolo de papel higiénico, uma faca de mato, um boné, meias e sapatilhas extra. A tarefa, sempre executada após o final do jantar, é quase uma rotina – um automatismo enquanto se imagina os caminhos do dia seguinte. Uma vista de olhos pela meteorologia, a confirmação de que está tudo pronto, o despertador pronto para levantar a encomenda na padaria.

Sonhos feitos de passos, pesadelos com saltos para cima de pedras (elas teimam em magoar), um calção de banho e toalha adicionados. Uma revisão pelas aplicações a usar, download dos trilhos mais actualizados, uma visita rápida com o Google Earth. Sorriso de orelha a orelha, um relembrar aos parceiros de caminhada, uma gargalhada porque a ementa é tão comprida quanto o trilho.

Uma imaginação muito vasta, a recordação mental para a necessidade de comprar calçado, um encolher de ombros porque não é uma prioridade. Confere-se os cartões todos, verifica-se o saldo da conta, faz-se uma marcação de última hora. Revê tudo novamente, fecha os fechos da mochila, dá duas abanadelas e umas pancadinhas para que tudo entre nos eixos. Vamos?

Só falta chegar a hora! – 19/4/2024

Do amor próprio ao outro.

Como se partisse da douta ignorância para o conhecimento – desaparece para outro lugar no mundo, começa um exercício de introspecção, anda muitos quilómetros por dia, chega ao conhecimento das pequenas coisas que lhe agradam profundamente. Canta enquanto caminha (baixinho ou para dentro, de maneira a não perturbar a natureza que o rodeia), sorri de volta aos seres “loucos” que ainda sorriem nos dias de hoje, cumprimenta desconhecidos como resposta ao cumprimento que deles recebe.

Poder-se-á afirmar que não segue os padrões lógicos de comportamento dos demais, que destoa na maneira de ser e de agir, que tem um temperamento desigual quando confrontado com situações vulgares e com respostas universais que não toleram desvios, que caminha como se as regras da sociedade não se aplicassem a ele – não que “quebre” as regras ou aja de maneira ilegal, mas tão só e apenas porque é desigual, questiona porque quer aprender opiniões diferentes mas, estando as respostas universalmente impostas, é visto como bizarro.

Continua a trilhar o seu caminho, ciente das suas virtudes e defeitos, carente de acumular mais conhecimento – o mais abrangente possível, procurando debater com o maior número de cenários diferentes que consiga reunir, tentando absorver o maior número de opiniões que estimulem o auto-debate a que se dedicará assim que o tempo o permita. Ouve da direita à esquerda, tem muita sorte com as individualidades em quem “tropeça” na vida, é carente de leitura tanto quanto de comida, gosta de pensar sozinho de maneira a melhor poder questionar-se, sorri sempre que um dia novo nasce.

Que nunca deixemos de viver – 19/4/2024

Da necessidade ao engenho.

Após três meses de Portugal, e copiando o modelo grego, tenho aumentado bastante as distâncias percorridas sem afectar o bem estar que as mesmas providenciam. Tirando o salto para cima de uma pedra, que doeu como tudo, os passeios têm combinado um misto de emoções: cultura, exercício (obviamente), reencontros, o espanto com alguma arquitectura, a abstinência, o culto por certas cidades, o gozo de poder desfrutar sem horários.

Seja com máquina fotográfica ou sem ela, seja com a malta da fotografia, seja com a malta da pesca, seja com malta anónima, os cantos do país vão sendo descobertos ou redescobertos, esquecendo-me até de visitar a família, quando por algumas localidades passo. A respiração é funda e complementa o bem estar geral. Três pares de sapatilhas, todos igualmente gastos, as T-shirts com décadas de uso, os calções rotos mas sempre na mochila.

Praias novas mas também a habitual, rios novos mas também o habitual, pessoas novas e um grupo muito restrito de amigos de infância. Tertúlias novas, assuntos diferentes, uma fuga ideal ao marasmo que é o reino das discussões futebolísticas. Muitos livros novos, muitos créditos no cartão da Wook, muitas ideias para novos contos a submeter à Chiado Books. Um novo personagem reinventado do velho, muito mais despreocupado e muito menos disponível para perdas de tempo (esse único bem escasso de que dispomos na vida).

Tem sido a mais bela aventura de uma vida, com o prémio diário de ser pai de um jovem muito ímpar na capacidade de conquista, e que contamina todos os que o rodeiam. Um brinde ao nosso tempo na Terra!

Da satisfação – 18/4/2024

Convalescença.

Depois do exagero da caminhada, depois do esforço físico descomunal, depois de repôr calorias, depois de sorrir por ter adiantado mais uns quilómetros, eis o descanso merecido. O Parque da Cidade continua muito igual ao que era (quando lá morava) e os trilhos existentes são exactamente os mesmos. A malta do Regado presente, a troca de impressões a colocar-nos em dia, o prazer das coisas simples da vida.

Obviamente a francesinha foi o almoço, dois finos o complemento mas, o mais importante, foi o convívio – estar com os vizinhos amigos de outrora, que tão frequentemente aparecem por cá, celebrar as histórias antigas enquanto criamos múltiplas histórias novas. A esplanada do Zé, as batatas fritas de complemento, a cerveja estupidamente gelada. Os abraços duradouros, os olhares de espanto, o amargo da partida.

Caminhar pelo Porto é muito reconfortante porque permite um conjunto de coisas através de uma simples caminhada: o exercício no parque, a cultura em Serralves, o mar na Foz, a confusão na Baixa. Sorrio agora a constatar que nunca mais me lembrei de comprar as sapatilhas e que voltei muito mais pesado do que quando parti: o peso do exercício, da comida, do conforto por rever velhos amigos. Não é uma dieta que algum dia queira fazer!

Por aí, a receber e dar – 18/4/2024

Distrações do quotidiano amoroso.

Nascemos imbuídos de uma inocência que se assemelha a uma tarefa impossível de superar, com os conhecimentos de então, não passamos de um ser dependente e frágil que é obrigado a depender para superar o primeiro degrau da vida. O banho, a roupa, o sono, as primeiras regras, as primeiras palavras, os primeiros passos, são conquistas de superação em que a aprendizagem se torna uma rotina que interiorizamos e aperfeiçoamos. Saímos do berço e traçamos o nosso caminho – próprio, personalizado, sem nenhum igual porque é fruto da nossa aprendizagem e não há duas autenticamente iguais.

Na adolescência damos os primeiros passos na real aprendizagem – começa a preparação para a vida adulta, o trabalho em prol de uma independência total dos progenitores, a busca de uma felicidade que é só nossa e em que, também, não há duas iguais – quando muito, com todo o engenho e sorte, almejamos uma felicidade com outrem, em que a junção de dois é igual a um muito superior à soma dos dois (contraria os princípios da matemática mas é a mais pura realidade). Já sem tantas ajudas, com muito menos questões, com um esforço diferente – sem sabermos se maior ou menor porque estamos a transitar de uma fase de absoluta dependência.

A vida adulta traz-nos a ambição pelo conhecimento, a procura da maturidade própria, almejar o fim de toda e qualquer dependência. O semelhante a um pássaro que, após ter crescido no ninho, é largado de um local alto – que o obriga a bater as asas para sobreviver, para procurar o seu próprio alimento, para se tornar absolutamente autónomo e completo. A tentativa e erro, o assumir das melhorias que precisamos introduzir para aperfeiçoarmos tudo – na busca constante por uma engrenagem que, apesar de rotineira e que consideramos quase perfeita, pode ser sempre melhorada.

Depois vem uma onda mais impetuosa que te leva a toalha, meia dúzia de objectos, as sandálias. E é aí que te apercebes que as imperfeições a dois são a melhor forma de te recordares que estás vivo e o porquê de estares distraído.

Efeitos colaterais de uma pretensa insolação – 17/4/2024

Tropelias do imaginário.

“Dás-me licença que te cumprimente?”, assim começava o monólogo da imaginação dele. “Miúdo de muito pensar, muito sonhar, demasiado imaginar mas pouco concretizar.” – isto dava uma óptima inscrição numa lápide (e ri-se). Ri-se porque tem muito capital de egoísmo como reserva – um egoísmo que não magoa ninguém mas que o impede de ser magoado (outrora chamou-lhe “Reserva Estratégica Pessoal”, mas achou que patentear o conceito era demasiado atrevido e outros poderiam usufruir dele – obviamente, com o seu sarcasmo habitual, afirmou “É a invenção que deixo ao mundo.”, sorriu e esqueceu a ideia sem deixar de praticar o conceito).

Numa cabeça que fervilha de saudade, num corpo que transpira por antecipação, nuns membros que se intimidam com toda a emoção – como uma espécie de jogo de tabuleiro em que o dado define todo o progresso ou retrocesso, recorda cada bocadinho – porque uma manta de retalhos consegue unir tanto, em tão pouco espaço – acima de tudo, recorda a maneira peculiar como era chamado – algo que sempre teve o poder de o fazer parar (gelar, já que estamos a ser honestos) e encarar a amada,  com a mesma cara que os cachorrinhos abandonados fazem, quando os donos adoptivos os tentam encontrar – uma cara desprovida de tudo, menos atenção, num misto de amor, alegria, subserviência amorosa e total disponibilidade, sempre num contexto livre.

Pode o sonho condicionar a realidade? De que forma é possível sonhar e, poucas horas depois, enfrentar o sonho? Os movimentos sonhados são agora reais, a voz – escutada ao longe – é agora audível, os meus olhos podem agora procurar os dela. É todo um jogo de apetites: apetece-me isto e aquilo e aqueloutro, com uma fome voraz, mas sem os utensílios de coragem necessários para que a refeição gourmet realmente aconteça. Provavelmente, será o passo intermédio entre o sonho e a realidade: os couverts!

Monólogos do humilde narrador – 16/4/2024

A hidratação como parte fundamental da vida.

Rotinas não são uma alimentação saudável.

O adormecer foi fruto do esforço despendido e, ao contrário do que seria expectável, não viste o The Hateful Eight até ao fim – o que trouxe para hoje a interrogação do porquê de tal falha. O Kill Bill, um e dois, ainda vá, tolera-se, mas o The Hateful Eight é caso para te sentares num divã e debruçares-te sobre o que é que pode andar a condicionar o teu comportamento: será a caminhada, a cafeína, as águas das pedras? Não sabes a resposta, o que te leva a repetir os passos dados, imbuído de uma inconsciência fictícia, em que sabes perfeitamente o porquê mas, envergonhadamente, escolhes fingir que não.

Escreves o script mental, fazes uma antevisão de todos os cenários possíveis: deglutes no teu imaginário todo um tabuleiro de xadrez de hipóteses e quais os movimentos seguintes. Suspiras com a imagem mental do nariz perfeito, das covinhas nas bochechas, na indumentária tão condizente com a pessoa que a veste. Acordas do sonho acordado, lavas a cara – como farias se estivesses a acordar de um sonho real, sorris com a capacidade de tanto imaginar, cumprimentas-te pela falta de eficiência entre sonhos e ações. Sais de casa e vais tomar um café, uma água das pedras para ajudar a engolir tantas ideias, tantos pensamentos, tantos projectos. Não pedes um doce porque o doce já o imaginas tu.

Que as diabetes nunca me atinjam – 15/4/2024

Que a beleza nunca falte.

A grande lufada de ar fresco.

Depois da tempestade emocional, que me sugou uma parte importante do capital de resistência que vinha sendo acumulado, eis uma imersão na natureza – para fotografar o Parque Nacional Peneda-Gerês. Acompanhado de duas pessoas habituadíssimas a este tipo de eventos, dei por mim a esquecer, momentaneamente, o dia anterior (é mentira mas fica bem no texto).

Não que o pretendesse esquecer mas simplesmente porque tinha sido algo demasiado atípico para ser verdade. Se o sonho realmente comandasse a vida, o dia teria sido passado a conversar e a pensar em partilhar algo – um presente ou um futuro. Assim, tal como as natas da manhã, houve a degustação e o doce desapareceu. Como há idiotas, semelhantes a mim, que renegam os sonhos, é óbvio que a tarde e noite foram vingadas com leitura e escrita.

Adiantei o livro que nunca publicarei e perdi-me nas palavras dos cem anos de solidão. Não sendo o cenário ideal – a revisão hoje feita, dos escritos de ontem, bem o confirmou – a verdade é que é um cenário que cria resistência literária e, vagueando no que escrevo, abstraio-me no sentido que as palavras escritas ditam. Sim, é uma autocracia de frases, que culminam no fabricar de um exercito de imagens, que transportam para um paraíso literário.

O domingo começou de madrugada, o que nos permitiu apanhar as primeiras luzes e reflexos da natureza. Sem vento, com muito brilho, evitando a luz de frente, acertando a velocidade, ISO e abertura do diafragma. Capturei três centenas de imagens que, após uma revisão exaustiva, deram origem a cerca de sessenta fotografias com piada e até alguma qualidade (reconheço o meu amadorismo da mesma forma que reconheço o quanto o hobby tem amadurecido).

Andamos bastante, para cima e para baixo, houve quem molhasse o pezinho, almoçamos muito bem e com uma paisagem de perder o fôlego. Sonhei, acordado mas sonhei. Com a ideia de tudo explorar contigo a meu lado. Algo ridículo quando tanto fiz para que tal não acontecesse. A vida é uma sucessão de momentos e, os de hoje, foram a união de um sonho impossível com uma natureza digna de tudo superar. Curiosa esta natureza…supera-se! Até nos sonhos.

A respirar fundo – 14/4/2024

Mais uma bela ponte do Engenheiro Edgar Cardoso.

Poker face.

Apesar da experiência com o jogo das duas cartas escondidas, e as cinco comunitárias, a verdade é que a vida sentimental é muito mais difícil. Ao invés de apostar fichas, apostamos o miocárdio, ao invés de usarmos óculos escuros, deixamos transparecer a emoção, ao invés de apostarmos tudo, numa só jogada, apesar de não termos jogo para o fazer, desistimos temporariamente da jogada até que o par perfeito de cartas iniciais surja.

É um verdadeiro jogo sem limites – o miocárdio no meio da mesa, ciente do valor do sentimento, exposto a uma qualquer outra mão que possa desfazer a nossa aposta e revelar, sem qualquer atropina que nos salve, que o fim chegou. Não há massagem cardíaca para o segundo classificado e qualquer centro cardíaco está sempre demasiado longe para o imediatismo necessário.

Poderíamos tentar sangrar o sentimento, e receber uma transfusão de um outro sangue, mas tal não constituiria uma solução – tal a dificuldade de alcançar todo o sangue infectado pelo sentimento, e ser capaz de o substituir, com a plena certeza de que obteríamos o resultado necessário. Optar por um internamento e tentar uma diálise profunda mais não seria do que um passatempo, face ao inevitável reencontro.

A recaída é o melhor remédio: levas um tabefe emocional, andas completamente de lado e até és afectado pela visão deturpada – que parece ver hesitação nos passos da mulher amada, semelhante em todos os humanos, quando tentam impor ao corpo uma rigidez de gestos que o sentimento não permite que seja tão rígida. Lavas a cara, passas uma gota de água pelo interior de cada olho e suspiras…e, enquanto o fazes, a racionalidade impõe-te que tudo não passou de uma ilusão.

Um café e uma nata sff – 13/4/2024

Pulsação cardíaca.

Era bom poder dizer que foi como um balde de água fria, mas não havia nada de frio na circunstância. Era bom poder mentir e dizer que tudo continuou igual, mas a inteligência emocional tomou conta da racional. Era bom poder afirmar que não senti nada, mas mentir nunca fez parte de quem sou.

É verdade que o havia sonhado, justamente esta noite, mas a realidade supera sempre o sonho não palpável. Os detalhes, que não revelo e invoco a intimidade como razão para o não fazer, eram exactamente iguais ao sonho mas, a emoção, colocou o batimento cardíaco muito para além do que havia sonhado. 

Fugi, como habitualmente, para o meu canto secreto e, revendo-te mentalmente, percebo o que o coração me transmite. A sensação visual e palpável dá-me uma certeza que jaz nas palavras mais íntimas partilhadas entre um casal – que não somos mas poderíamos ser, que não existe porque eu preferi sentir o doer. Estar errado dói…mas, acima de tudo, sou honesto comigo mesmo.

Numa qualquer manhã imaginada, com imensa falta de coragem â mistura – 13/4/2024

Mar da tranquilidade absoluta.

Assim que chegas, e mercê do facto de seres de um país de marinheiros, colocas o teu barco na água. Há uma série de imponderáveis que sabes que serão desafiantes mas, como povo descobridor, já percorreste o processo demasiadas vezes para te deixares intimidar. O sorriso é tímido mas esconde ousadia, os gestos são lentos mas não escondem a garra, o alento é demasiado grande e o mar afigura-se como uma piscina olímpica a ser conquistada.

Com um automatismo que não pára de crescer, assim que ultrapassada a primeira vaga, encaras as ondas seguintes como meras repetições da primeira e, imbuído de um espírito de conquista, sobes ao mastro e apontas a rota a ser seguida. 

Dialogas com peixes, que rapidamente se tornam confidentes que imergem com a conversa partilhada – seguro de que a comunicação por borbulhas não permitirá o decifrar da mensagem, dás oito dedos de atenção a um polvo que acompanha a odisseia – na certeza de que defenderá a intimidade da conversa com toda a sua tinta, escutas um tubarão branco, que se confessa, admitindo já ter devorado alguns “dos da tua espécie”.

Utilizas a leitura como abstração, o rádio para a informação e os olhos para a satisfação plena do cérebro carente das mais belas emoções que vais vivendo. Cada dia como uma nova folha escrita de um livro fictício, cada momento vivido com a satisfação plena que só um suspiro de alegria se assemelha. Conquistas novos oceanos nas tuas caminhadas, ousas um mergulho gelado – em pelo – sem que o atentado ao pudor te prenda, percorres a areia, como se fosse a mais retemperadora alcatifa.

A mente vagueia com uma sensação de liberdade, o corpo dói com a satisfação da realidade, os olhos ardem de tanta novidade adquirida.

Um belo dia – 11/4/2023

Uma aranha que tudo conquista.

Pontos de vista…

Ao longe parecias ser tu e, à medida que aquele corpo escultural se aproximava, a minha confiança esvaía-se e diluía-se na imagem colossal que os meus olhos tinham dificuldade em transmitir ao cérebro. Num samba, entre os neurónios e as sinapses, dava-me conta que havia uma pausa – como se eles retivessem a imagem, retocassem detalhes como o ruído da imagem e o ângulo com que a luz em ti incidia.

Havia demasiadas coincidências para que não fosse verdade! Coloquei os óculos, tirei os óculos, fingi ter um cisco no olho, tentei assegurar-me que nenhuma pestana interferiria com o campo de visão, apeteceu-me roubar óculos alheios para certificar-me do óbvio, passei ambas as mãos pela cara, de maneira a assegurar que estava tudo vivo na cara e funcional para a inevitável aproximação.

Sentia-me quente e culpava as alterações climáticas, sentia-me desidratado e culpava-me por não ter água das pedras de reserva. Sentia-me num deserto de ideias e tu eras o oásis que se aproximava a passos largos, belisquei-me – discretamente – apenas para concluir que a realidade era clara e inequívoca, sentia-me encurralado e desejoso da “tortura” da tua presença.

Depois bati com o pé no fundo da cama e constatei que tudo não passava de um sonho…

Hidratem-se que a primavera é sedenta de aventuras – 5/4/2023

A quilometragem.

Extraindo todo o potencial do vento sul, na mesma passada de sempre, olhando para o mar como ele me olhava a mim – de lado e com cara de poucos amigos – enfrentando caminhos de madeira entremeados por pedaços soterrados de areia, assustado com lagartos e sentimental com a visão das mães e crianças na praia.

O dia está quente mas a forte ventania obriga a cuidados especiais: evitar caminhar de frente para a ventania – se bem que, de costas, acabo com areia colada nos braços e mãos desnudados, que agora retiro enquanto descanso. Esplanadas viradas para sul estão desertas e, as viradas para norte, demasiado cheias – como incentivo adicional para continuar…sempre, sem paragens.

Um devaneio sonhado, uma mensagem enviada, um convívio falhado. O ónus do encontro transposto para outrem, um suspiro solto, uma esperança renovada. Um grilo falante evitado, um cumprimento dado a quem o merece, um abraço apertado a quem já te fazia falta encontrar. Um sorriso como forma de agradecimento a quem te faz o coração pulsar.

E tudo enquanto exercitas…o melhor ginásio é ao ar livre!

O cansaço de uma caminhada retemperadora – 5/4/2024

O tolo no meio da ponte.

A batalha de uma vida.

De um lado – pesando uns valentes quilos cujo valor exacto prefere não revelar – estava o humilde narrador e do outro lado – com um peso ainda por apurar – um habitante do Atlântico que lutava por permanecer no seu lar e continuar a sua modesta vida, comendo umas tapas aquáticas, aqui e ali, evitando as mais brilhantes – que os peixes anciãos diziam “ser de morte”.

Entre os dois havia um pedaço de oceano e nenhum dos dois se encontrava disposto a ceder – o humilde narrador pretendia que o mar providenciasse uma refeição enquanto que a refeição pretendida lutava pela sua vida. Houve puxões, numa espécie de braço de ferro que só os profissionais da pesca entenderão, houve avanços e recuos – intercalados por lágrimas de esforço de ambos os lados, houve gritos de auto incentivo – sob a forma de borbulhas que saiam das guelras ou a plenos pulmões de um pescador que não cederia ao bicho.

No final, qual Highlander do mundo da pesca, só um poderia vencer. Apesar de não nos encontrarmos na Escócia o sentimento era frio entre ambos e, após um último esforço de parte a parte, só um venceu!

A imaginação de um peixe – 3/4/2023

A realidade como consequência da expectativa.

Há que rentabilizar uma tarde em que sabes que a cidade vai estar cheia. O planeamento é muito importante e os dados recolhidos são fundamentais para o cálculo quântico (lol) do destino a escolher: qual a proveniência dos que enchem a cidade? Quais as horas a que chegam e partem da cidade? Que tipo de transporte usam? Se viajam por etapas, como evitar os pontos de trânsito, entre etapas? Onde é que há uma boa esplanada, com sombra, onde possa ver o MotoGP em paz e sossego?

Após a introdução dos dados, no mega computador que é a tua imaginação, decides não optar por Alfarelos e rumas a Ovar. Não é o pão de ló que te conduz – muito embora a sedução por ele exista. Um simples apalpão nos seios é suficiente para te afastar da doçaria. A pergunta “porque tens uns seios pronunciados?” é suficiente para te afastar de guloseimas eróticas e conduzir o pensamento para o lanche: “um cachorro especial é apenas o colmatar de uma saudade de quem não usufrui dele há bastante tempo…”

Um par de estalos emocional – faz-se mentalmente, sem necessidade de uma auto-agressão na via pública – é suficiente para te focares no objectivo: a esplanada, a sombra, o GP de Portugal de MotoGP! A memória, essa traiçoeira, passa-te a imagem mental de um jardim que ficava perto da estação…uma revista aos azulejos da estação – que podiam estar melhor cuidados – e começas a trilhar a rua, rumo ao destino que esperas ainda corresponda à imagem mental. 

Ouves pássaros, há um rio, “é aqui perto”, exclamas com alegria. Mais uns metros e enxergas uma esplanada deserta de onde vem o som do hino nacional. Perfeito, diz-te o coração, como se aconchegasse num abraço ao corpo. “Tem multibanco?”, procurando por um terminal que não consta dos objectos presentes no balcão. Indicam-te o Santander (o banco e não a cidade da Cantábria) e partes para a recolha de um montante mínimo que te permita pagar a despesa resultante do tempo passado a ver o Grande Prémio. 

Desces a rampa que subiste e escolhes uma mesa exterior com vista central para o ecrã interior. “Perfeito!”, exclamas. Os pilotos estão a terminar a volta de reconhecimento e a partida segue-se! Corrida louca, como sempre, com alguns erros a baralharem o resultado final (o costume). Segue-se o caminho de volta e, apesar de teres planeado um regresso a pé, resolves mudar o ponto de partida para mais perto de casa. Fazes o percurso nuns 90 minutos e, comandado por um automatismo que não controlas, dás por ti a enfrentar um cachorro especial…

Porque até os domingos são especiais. – 24/3/2024

Rumo ao norte, enfrentando a nortada.

A espeleologia.

Saudações

Primeiro há todo um ritual de saudações, entre duas pessoas que se conhecem, seguido de uma pequena conversa sobre o dia-a-dia. Actualizada a actualidade, segue-se a disposição do paciente na cadeira – num filme de terror, corresponde ao momento em que, desafortunadamente, abres os olhos apenas para ouvir e ver o médico – armado com uma motosserra e um sorriso como o do Hannibal Lecter, a preparar-se para um pequeno snack – mas, na situação presente impera a calma e boa disposição, e há que diagnosticar antes de começar.

Diagnóstico

Com um olho de lince e a experiência acumulada por muitas cáries tratadas, há uma primeira conclusão, que requer confirmação do raio x, obrigando a umas fotografias do interior da cavidade oral. Conclusões alcançadas, diagnóstico atingido, eis que chega a altura da anestesia.

Anestesia

A agulha no nervo, o lábio que se despede, a boca que parece partir para uma galáxia distante. A sacramental pergunta – sarcástica quanto baste – a aferir se ainda há sensação no lábio. Resposta dada, com a sensação de ter andaimes na boca, e eis que uma enorme broca surge no campo de visão.

Escavação 

Tal como um martelo pneumático consegue atingir o seu objectivo, também a broca – ao fim de muitas voltas – consegue alcançar a gengiva. Ouvem-se termos como limpeza, há uns rolos de algodão a segurar o caminho, alguém fala em limpar o ácido – solto uma gargalhada enquanto peço, respeitosamente, que deixem ficar o ácido. Sorrimos, como se de uma piada se tratasse, e começas a cheirar a massa a chegar.

Decoração de interiores 

Começando com um interior totalmente oco e despido, a massa progride para decorar o interior do dente, outrora vazio. Não estamos numa passerele mas todo o processo é, em muito, semelhante. Mais um retoque, secador, uma trinca no papel de teste, um acerto da artista, secador, outra trinca a testar o resultado que, no final, se assemelha a um Picasso dentário.

Saudações finais 

De boca descaída, mas com uma obra de arte que pretende expor, despede-se da artista e caminha em direção à dolorosa.

Pagamento da obra 

Chega o valor a ser cobrado e eis que o subconsciente pretende gritar de dor – não por falta de concordância mas por princípio. Dá um toque com o multibanco, insere o código secreto e, orgulhoso mas sentindo-se a descair da boca, enfrenta a multidão que, sem qualquer sentido artístico, não reconhece a obra de arte que o humilde narrador carrega consigo.

Nos idos anos 70.

Sentimentalismo premeditado.

A expressão, claramente emprestada pelo maior autor Colombiano que li (até hoje e que dificilmente será destronado, porque sou eu quem decide), resume o belo dia de hoje. 

Uma bela caminhada entre a Baixa e a Foz, sem que fosse São João e o humilde narrador estivesse ébrio a caminho da praia, por entre uma neblina que teimava em não levantar, causando um efeito tão retemperador quanto a imagem mental de sentirmos cada ossinho do corpo. Um pequeno intervalo para o café e a água das pedras, os olhos constantemente desviados para tudo o que me rodeava, um passo de cinquentão – armado em gajo que gosta muito de caminhar (o que até é um facto), mochila com uma bela máquina fotográfica para recolher os momentos mais inesperados ou sensibilizadores.

Um repasto na companhia de três Portistas – nervosos, como sempre, em noite de jornada europeia. O lagarto presente lá nos impôs uma conferência de imprensa do clube dele o que nos obrigou a despender uns minutos a explicar-lhe a história do clube dele, sobretudo em termos de conquistas europeias (é sempre bom e recompensador enviarmos uma criança para casa com mais perguntas – e mais profundas – do que quando chegou. A educação é um processo sem fim!)

Conversa amiga e saudável, comida tão maravilhosa quanto o sentimento que nos une, gargalhadas honestas e de encher o fôlego de um oxigénio amoroso, por algo que ainda decorre mas do qual já sentimos saudades. Água fresca a repor a desidratação da caminhada, o cigarro que surge depois do café. 

Tradicionalmente, a visita à madrinha é um evento para o qual vestimos a nossa melhor roupinha e cuidamos da linguagem, enquanto a visita decorre. Mas, há muitos anos que ultrapassamos a tradição e o casual surge como a melhor forma de estarmos juntos. 

Muita saudade, muito amor e a certeza de que não carecia de que, realmente, tenho muita sorte da família que tenho – todos com as nossas virtudes e defeitos mas sempre prontos a corrigir tudo e todos, por entre gargalhadas e o amor que nos une.

Obrigado madrinha, é sempre indescritível o sentimento com que daí saio.

Singela homenagem a um casal maravilhoso com um neto impecável (apesar de sportinguista). – 21/2/2024

Também me agradas.

A distância, essa meretriz que tantas manifestações de afecto reduz, era substancial e o grau de desconhecimento – enorme – era apenas mais uma desculpa para te manteres afastado, amorosamente cobarde. Havia uma enorme cumplicidade de gostos – alguns manifestados por mensagens,  sem outro nexo que não fosse o simples “paquerar” – provocar (alguém) amorosamente, demonstrar interesse amoroso por – de acordo com a definição brasileira da palavra ou, de uma maneira mais portuguesa – o mostrar interesse em.

A distância reduziu-se mas a ousadia manteve-se – entre o ousado e o auto renegado – num tabuleiro imaginário em que não fazes a mínima ideia de qual a “jogada” do adversário. Verdade seja dita: havia algumas jogadas que conseguias visualizar e, numa antecipação típica de grande mestre de xadrez (que nunca jogaste), corrias (num sentido figurado pois o que adoras é andar, vaguear sem destino) na direção oposta. Numa analogia em que, figurativamente, te apetecia fazer festinhas, acariciar, conversar sem que horários houvesse e, na realidade, estivesses no extremo oposto a ler, nas margens de uma qualquer ria, rodeado de desconhecidos.

Armado em aprendiz de prisioneiro de imagens, esquecendo metade do material, caminhas com uma ideia na cabeça – como se fosse uma melga que quisesses que te picasse. Obrigas-te a parar, num pedaço de relva protegido do sol, sacas do antídoto da mochila e mergulhas a mente na leitura. Sorris, enquanto o cérebro vagueia ao sabor do mestre Gabriel García Márquez, para apenas constatar que, inevitavelmente, quem viaja contigo é ela…

Overdose de ovos moles – 18/2/2024

Transparências ou reflexos?

A rua dele possuía dois tipos de personagens: os transparentes e os reflexivos.

Desde cedo apreciou uns e acumulava o saber dos outros – um apreciar nobre, despojado de conhecimento – como se partisse da douta ignorância para o conhecimento, num exercício supremo e constante de negar tudo para melhor absorver o diálogo dos conhecedores presentes na tertúlia. Com os erros inerentes a cada ser humano que, em conjunto, superava as agruras do conhecimento singular (ou do questionamento de tudo e todos, inerentes ao singular), num exercício constante de superação, rumo a um dogma citadino que só a união permite.

Os reflexivos, fruto de um constante auto-questionamento, equiparavam-se a enciclopédias – que, na ausência da internet, precisavam das actualizações que só a cooperação dos transparentes providenciava. Uma conjugação de putos “vadios” que faziam da união a sua força. Tertúlias maioritariamente desportivas que, por entre alterações no marcador, possuíam o dom de educar, aprofundar as relações e ideias, melhorar-nos enquanto seres humanos. O resultado final era secundário face a tudo o que era apreendido.

Os transparentes, que possuíam uma presença e personalidade bem visível, eram os introvertidos de hoje em dia. Calados mas atentos, parecendo desligados mas sendo sempre os primeiros a introduzir alterações ou a fazer notar incongruências no ambiente. Capazes de discordar para melhorar o aprofundamento do assunto, sempre dispostos a questionar para que novos termos fossem introduzidos (e todos estivessem equiparados no entender do assunto em questão), eternamente atentos para que nenhum detalhe escapasse no diálogo comunitário rumo ao saber.

A união faz a força, poderá o leitor resumir mas a vida não se resume – bem pelo contrário. A vida, tal como a ciência, é o constante questionar tudo e todos até que assente numa verdade impossível de ser desmentida e os participantes possam sorrir perante a descoberta do debate de ideias.

Where the streets have no name – 10/2/2024

Vadios que nos visitam.

Os que mais amo.

Entre a obrigação e o querer vão sentimentos distintos. A obrigação é o correspondente ao “picar o ponto” – algo rotineiro, insosso, com presença mas sem algo que o poderia transformar em querer. Uma obrigação que não é natural, espontânea, real – uma espécie de reunião de actores e actrizes que seguem um guião desprovido de realidade, interesse, emoção – face a uma audiência que, provida de alguma cultura e mundo, desfaz a peça que perante si se desenrola – como um profissional de poker, a enfrentar um qualquer macho-alfa, desprovido da realidade e assente numa confiança total nos seus dotes de actor amador – tal a distopia que alimenta os seus egos (sim, no plural).

Rever primos, num ambiente tão simples e rotineiro como outrora, é um recuar no tempo. Um tempo que te traz a confirmação de que, felizmente, o tempo e o dinheiro – bem como toda a evolução familiar, de então até ao reencontro, não afecta minimamente os que são bem formados. O background familiar – pedra basilar a partir da qual se espera que progridamos – impede todo e qualquer retrocesso e dei por mim a ser mimado de vários ângulos. O bife foi encomendado por um, a água foi-me servida por outro, o diálogo fluiu como se aquela fosse a nossa rotina.

Muito embora a refeição fosse o que eu havia sonhado – demasiadas vezes numa Grécia que não se pauta pelo consumo de carne de vaca, devo confessar que a companhia é o condimento fundamental para que o miocárdio grite de alegria pela felicidade que sente. As tostinhas escondidas pelo bife, as batatas fritas redondas e fininhas, o cantinho de arroz branco e o esparregado, com o verde de esperança, foram o orgasmo gastronómico com que a minha imaginação me vinha torturando. Estamos mais velhos, com a mesma boa disposição face às adversidades, os abraços são iguais e a disponibilidade é total, de uns para os outros.

Posso não ter a família ideal mas devo confessar que estamos muito perto de o ser – com as nossas virtudes e defeitos, com a nossa solidariedade e compaixão. Foi um excelente almoço!

Porque nem sempre é só uma refeição – 6/2/2024

Um espantalho amigo.

Cantinhos por conhecer.

A maior virtude do ser humano é a sua fome de conhecimento. É a minha opinião e não desistirei dela – do conhecer e analisar o que de novo nos é dado, tudo provém: a sociabilização serena, a empatia social, o sorriso de quem dialoga com o dia-a-dia munido de uma munição de que todos dispõem mas nem todos entendem. Colocar a racionalidade em prática mais não é do que afirmar a nossa diferença para com os seres irracionais que, cada vez mais, tentam sobressair e sobreviver sem que a curiosidade seja, para esses, sequer um hobby.

Num mundo de possibilidades, a escolha de uma realidade de rebanho mais não é do que a afirmação de falta de inteligência ou, no mínimo, a simples falta de saber como interpretar algo novo, uma situação nova, uma realidade diferente do status quo a que se habituaram. Enquanto seres singulares, temos a obrigação de ter um pensamento crítico sobre tudo e cultivar-mo-nos de maneira a superar a novidade.

Acordar muito cedo, num sábado, nunca foi algo que me atraísse mas, “refém” de uma grande dose de curiosidade , assemelhou-se a um grito de Ipiranga – com a força da revolta mas sem mortes à mistura. Mais um misto de curiosidade latente e a possibilidade de colmatar uma parte dessa interminável curiosidade. O despertar foi automático, como sempre, e o modo automático tomou conta deste corpinho que os meus pais fabricaram. O duche, a vestimenta e o material a usar estavam prontos, desde a noite anterior.

Partimos num tanque de guerra, capaz de ultrapassar qualquer obstáculo terrestre, e fizemos do diálogo a “arma” ideal para passar o tempo até ao destino – sem que tivéssemos ideia de que destino se tratava. O dia correu, ou as horas passaram a correr, os detalhes – primeiro visualizados e posteriormente capturados pelo meu amadorismo fotográfico – só no final seriam analisados, a natureza parecia querer mostrar-se e a lente fotográfica parecia anuir a um relacionamento que, apesar de ser de captura, não implicava uma prisão.

Tudo era novidade para mim: os ângulos, as aberturas, a luz solar, os trilhos, o ensopado de rodovalho, a viagem, o sorriso de quem se estava a divertir, enquanto caminhava longas distâncias: como se o ginásio perfeito e ao ar livre fosse algo que eu estava a usufruir de – sem que qualquer mensalidade ou período mínimo de permanência existisse. Uma enorme lufada de ar fresco e o acordar de uma curiosidade pela fotografia.

Estou em dívida – a toda uma natureza humana, a todo um conjunto de estranhos com que nos fomos cruzando, a todos os cenários irrepetíveis com os quais sorri, a todo o ar que inspirei e que, extravasando os pulmões, satisfez a alma. Foi como “andar perdido”, pela República da Irlanda – sem chuva, sem frio, sem obstáculos que a natureza criava. Foi o desumidificar ou despertar a vontade enorme de estar em contacto com a natureza.

A frescura da natureza – 4/2/2024

Reflexos.

Coisas que nunca mudam…

Ao contrário das pessoas, incapazes de uma mudança que afecte o status quo, os locais trazem-nos um resumo de todas as vicissitudes – sobretudo sendo nortenhas.

– Esqueci-me da pasta, com testes por corrigir, em São Bento…(diz uma utente do metro)

– Tem dinheiro?, pergunta o meu vizinho de viagem.

– Não, só os testes por corrigir…

– Então não se preocupe que vão lá estar. No Porto ninguém corrige testes de borla…

Tinha saudades da empatia nortenha!!!! 💪💙

Percorri demasiados quilómetros, com o sorriso parvo e ritmo de sempre. Troquei a Acrópole pela Rua de Trinta e Um de Janeiro e, muito embora não a tenha subido, prestei-lhe a devida homenagem. Visitei ruas que já foram parte do meu dia-a-dia e conheci pessoas maravilhosamente belas – não só no profissionalismo mas também na arte de bem servir o cliente.

Confirmei o que não queria confirmar e apreciei um belo prego no prato, visitei o “meu” emblemático Tamisa e os meus ouvidos viram restituído o sentido apurado para o bom humor portuense. Senti um valente vibrar, ao passar no Pérola Negra, mas deve ter sido um espasmo da imaginação – pois a referida casa estava fechada. Andei na rua, em cima de paralelos, para sentir o chão da Invicta e ouvi a retórica dos transeuntes – num sorver de saudade imaginativa que se transformou em realidade.

Não passei muito tempo na cidade – a Baixa parece um estaleiro a céu aberto – mas senti um sentimento de justiça – por finalmente haver dinheiro para a obra. Não disse um único palavrão mas escutei imensos, não chorei de saudade mas, a ter acontecido, jamais o revelaria.

De pernas cansadas e ao alto, só me apetece exclamar, bem alto, “é uma cidade que tenho em mim entranhada!” mas, fruto do lado racional, limitei-me a apreciar – com um olhar mais voraz do que qualquer turista – todos os detalhes da cidade que, a mim, fortalece o coração (incrível como o racional se dilui num belo emocional).

Agradas-me Invicta, todos os dias! Obrigado pelo homicídio de saudade que hoje me concedeste. Bem haja.

Avenida dos Aliados e o humilde narrador. 🇵🇹

Palavras desencontradas.

Ao escrever um texto, num conjunto de palavras que, de início, só para ti fazem sentido, deparas-te com imperfeições, desilusões e ilusões. A beleza do retoque permite, não só mas também, apreciar a linha de pensamento que trilhaste e, se bem que cries um novo ciclo a partir da amálgama inicial, sabes bem que o resultado final não existiria sem que as imperfeições fossem corrigidas.

Não é tentativa e erro mas sim o escrever “ao correr da pena” – por mim traduzido – corresponde ao despejar de tudo o que a mente imagina, mas sabendo de antemão que uma revisão providenciará algo mais perfeito do que apenas a soma das palavras. Como se dissesses tudo o que tens a dizer mas, na impossibilidade de ser directo, o corrigisses com a educação recebida e suavizasses o resultado final.

O ficheiro começa em branco e o título fica para o final. O turbilhão imaginativo toma conta da tela e, qual pintor “enraivecidamente comandado”, palavras soltas chegam ao cérebro que comanda o teclado e, com um sorriso na cara, vês a composição a tomar forma. Não ligas a erros, acentuação ou gramática – pois sabes que a revisão final permitirá eliminar as toxinas do texto. Uma pintura inicial é apreciada pelo autor que, nessa altura, já está a pensar no resultado final – que em nada se assemelha a tal pintura inicial.

Recordas o objetivo inicial, enquanto revês o conjunto de frases que agora compõem o rascunho, cortas palavras, acrescentas pontuação e tentas mudar o tom – para que fique de acordo com o anteriormente revisto. Lês, relês e, sabendo de antemão que a perfeição é inalcançável, dás a tarefa por terminada. Talvez o sentido seja agora diferente, afirmas tu mas, relendo mais uma vez, constatas que o final corresponde ao inicialmente pensado, agora embelezado por regras que fazem o texto fazer sentido. Ou talvez só faça sentido para ti mas, acima de tudo, escreves para ti – tornando assim redundante saber se mais alguém aprecia.

A tela imaginária coberta por letras ordenadas em frases – 12/1/2024

Será doença ou sanidade plena?

Que se sofre por antecipação, que se torna uma realidade permanente, no teu sonho. O corpo e mente totalmente projectados no futuro, apenas e só porque a vista pretende enxergar o que sempre consideraste como “a tua terra”.

A família faz questão de estar presente e, o “convidado”, sente um calor imenso que já quase não reconhecia – por falta de prática, por falta de visão ou, como interiormente ele pulsava e uma voz associada lhe dizia “por falta da presença efectiva e próxima.”

Fazia um esforço enorme por conter manifestações de júbilo que, eventualmente, poderiam revelar e desnudar todos os sentimentos internos. Engolia em seco, como forma de agradecer a todos os que estavam presentes.

Vertia lágrimas de felicidade, derramadas internamente, sem deixar transparecer o atentado ao pudor que poderiam constituir – caso o secretismo fosse descoberto. O sorriso – sobejamente revelador – mostrava o quanto cada um dos presentes o tocava, sentimentalmente.

Por um longo momento, o humilde narrador pareceu ter uma “Out-of-body experience” e, observando todo o cenário a uma distância imaginária e próxima, exclamou “É deveras reconfortante estar em casa.” E, de volta ao mundo real, sorriu, para todos os presentes que, um por um, lhe foram retribuindo o carinho.

De Atenas a Espinho, por um caminho de carinho. – 9/1/2024

We can laugh about feelings!

The breakfast club

Semelhanças com os salões de sábado são nulas – excepção feita a todas as ameaças que são proferidas, numa demonstração clara da pedagogia de outrora (assente, maioritariamente, em disciplina sob a forma de cana – que mais se assemelhava a sentir um raio a embater nas pernas).

Não havia paizinhos a levar os meninos ao colégio e, elementos do sexo feminino, só atravessando a N1 (uma combinação entre tensão (sem o n) e risco de morte (atravessar a principal via de trânsito, na altura, do país).

A camioneta das 8:15, chegada ao colégio às nove. Entrar por uma porta principal que nunca utilizavas para, num passo semelhante a um prisioneiro de guerra a quem é negada a Convenção de Genebra, subires ao segundo andar. Uns calafrios, ao seres reconhecido por uns internos convidados a passar o fim de semana no colégio (obviamente como prémio de bom comportamento…), olhares solidários na preparação para o início da pena.

Não há fila para o croissant, os corredores estão silenciosos, o prefeito marca, no quadro de ardósia, a hora de saída com um gigantesco 13 (como se não soubéssemos ou não tivéssemos relógio). Saltam os livros da mochila, abre-se numa página qualquer, coloca-se o olhar perdido – no pouco que se consegue observar – começam-se a contar os segundos…

Camioneta de volta pelas 13:15 para uma chegada a Espinho pelas 14. Começava então o fim de semana…

Greece 🇬🇷

Hábitos de Atenas

Que os alarmes vieram resolver muitos dos problemas, sobretudo daqueles que assumem não ser omnipresentes, também é verdade que trouxeram com eles um nível de poluição sonora que não existia. Atenas tem várias redes criminosas – uma das quais especializada em pequenas motorizadas (outras existem, obviamente, para “cobrir” todo o “mercado”) – o que leva a que, a bem da segurança, esses motociclos tenham um alarme – para dissuadir qualquer criminoso mais expedito!

Para uma maior proximidade, deduzo que por razões sentimentais, os proprietários colocam os veículos motorizados mesmo junto à porta de entrada do prédio que habitam (independentemente do as andar em que habitam), possibilitando assim a reunião amorosa, entre proprietários e veículos, assim que atravessam a porta de entrada comum do edifício.

Recordo que existem em Atenas cerca de 2 milhões de motorizadas – dos vários tipos e feitios – que permitem o normal funcionamento da economia local (uns recolhem metais e reciclam, outros recolhem plástico para o mesmo efeito, uns deslocam-se para o emprego enquanto outros fazem da condução o emprego…).

Tentem recordar sons de brinquedos dos vossos filhos e certamente recordarão um ruído histérico – que é uma mescla de vários sons de veículos de emergência – que vocês, muito provavelmente, também odiavam e se peniticiavam pela compra do dito. É esse o som que a maioria das motocicletas possui! Num volume que supera a chegada do avião de Thessaloniki e faz estremecer o mais incauto dos transeuntes – que não consegue esboçar uma reação melhor do que um salto aflito, perante um som que faz estremecer o mais forte dos humanos! Há um modo “ARTILHARIA” nos alarmes gregos…

Uma ideia dos sons de Atenas – 27/11/2023

Full moon and the Parthenon Temple.

Mr. Nash

Todos temos algo ou alguém que nos inspira, pela manhã, num cocktail semântico, que nos coloca no degrau mais alto de um pódio imaginário. Uns é o Jota, outros ouvem vozes, alguns possuem animais de estimação inusitados…eu tenho a companhia do Senhor Nash.

Aquando da mudança de apartamento, no dia 7 de Janeiro deste ano, e depois de uma semana a viver no enclave de Omonia, descobri que, sempre que usava o duche, se me juntava um irritante mosquito – mosquitinho, dada a pequenez do voador, apenas e só para marcar território.

Conforme o tempo foi decorrendo, e porque ele se tornou uma presença muito assídua e pontual, apelidei-o de Senhor Nash – por mais vezes que eu tentasse o homicídio qualificado do dito, com um belo de um jacto de água quente, ele voltava sempre, no duche seguinte.

Questionei-me se poderia existir o mais asseado dos mosquitos, e se o Senhor Nash seria o único exemplar. Ele usufruía de toda a minha parafernália de produtos de banho, era vítima de uma tentativa de homicídio voluntário (obviamente com dolo), e regressava sempre com o que me começou a parecer um sorriso.

Convivo com o Highlander dos mosquitos e ele nem sequer se digna partilhar a renda…temo que um dia ele grite “There can be only one!”

From Athens with love.

O surreal é rotina na Grécia.

Hoje é dia de linha verde e, ao contrário do normal, revês as caras que pertencem ao “teu” horário, na linha que liga o mar (Piraeus) à montanha (Kifissia). Instalado na primeira carruagem – faço o máximo de tarefas a dormitar, até chegar ao emprego – rodeado de gregas que abanam os leques que, por esta altura, são mais uma arma no combate ao calor pirolítico que se instalou na capital grega.

A instalação sonora vai avisando os utentes – mind the gap, stay away from the doors, etc…de repente, ao sair de Omonia, ouve-se o anúncio de Viktoria, Attiki, fim da linha e por favor desembarque porque a composição está avariada e vai ser substituída (é mato, o número de vezes que acontece). Olhamos todos, uns para os outros, e saímos todos do metro, num belo gesto sincronizado, na estação de Viktoria.

Imaginem, por favor, uma estação onde o metro chega e, ao contrário do habitual, todos abandonam a composição enquanto explicam aos que estão na plataforma o que ouviram. Ouve-se uma porta a abrir e todos olhamos na direção do maquinista que, para espanto nosso, se ri, de gargalhada aberta que não lhe permite falar, ele quase chora…

Qual professora primária, ele afasta-se um pouco mais para o centro da plataforma e, por entre lágrimas de alegria, exclama algo em grego…não em tom de desculpa (um grego não comete erros) mas sim num tom autoritário. A mulher ao meu lado começa a caminhar para dentro do metro e eu sigo-a. Ela explica, assim que nos instalamos novamente, que o maquinista ordenou: o facto de termos a instalação sonora avariada não nos impede de chegar ao destino! Importam-se de voltar a entrar?

Percebem agora como tudo flui neste país? Sempre com uma gargalhada…😂

Humilde narrador esfria a moleirinha com um freddo expresso!

As cores do verão.

A vizinha saiu de casa depois de mim e, fruto de uma coincidência ou plano bem elaborado, estamos agora a lanchar, lado a lado, cada um na sua mesa. Sorrisos, falsamente envergonhados, cruzados com gestos tão espontâneos que parecem fruto de um nervosismo real, a mesma troca de olhares que temos, sempre que nos cruzamos nos espaços comuns do prédio.

Talvez seja esquecimento, ou apenas um acaso da vida de que todos podemos padecer, mas ela esqueceu-se do isqueiro (acontece bastante na Grécia, todos sabemos a que preço está o gás). Finge olhar à volta – o que, de facto faz – não conseguindo visualizar o meu maravilhoso “Clipper reusable”, finge pretender levantar-se para ir comprar um isqueiro – está a 7 passos do kiosk que os vende – mas prefere exclamar um “Oh”, quando finalmente assume enxergar o meu isqueiro.

A chama acende-se, sem que a alta temperatura sofra alterações, ela coloca a mão dela atrás da minha – obviamente para proteger de um vento que temo não sentir, a chama aproxima-se do extremo do cigarro, num movimento que me faz escutar acordes das mais belas músicas que conheço – num devaneio mental e musical que visa apenas embalar o momento. Ela agradece em inglês (como saberia) e eu respondo com um “ora essa”, em grego.

A tosta mista acaba, a Coca-Cola também já não demora muito e o calor….esse continua a ser brutal. Passa o 1 e o 5, e recordas que ambos conduzem a Sigrou. Recordas os meses aí vividos – apenas para constatar que o apartamento em Victoria foi dos melhores achados – nestas desventuras de ser um expatriado sorridente.

A maneira como era possível viver, num bairro problemático de Atenas, sem que sentisses o mínimo receio, só pode ser atribuída a um maravilhoso vizinho albanês que, fruto de ser o comandante local da noite, protegeu o meu apartamento (no único dia em que me esqueci da porta aberta), com uma simples cadeira, e sentou-se no sofá…a observar se alguém ousava desrespeitar a disciplinadora cadeira.

Acordava com um realejo ou violino, todas as semanas a biblioteca ambulante parava na rua, tinha mercado de rua duas vezes por semana!

Agora, na Boavista, tenho a avenida toda para mim, facilmente consigo fazer as compras inevitáveis, posso vegetar diante de um livro sem ser interrompido, o ruído citadino é menor e o prazer de viver exponencialmente maior!

Foi aqui que tudo começou, em 2015, e as passagens por outros locais apenas acentuam o quão diversificada a Grécia é – um amor que fica gravado onde realmente importa!

Tardes quentes – 5 de julho de 2023

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Esplanando…

O sítio tornou-se o do costume e, sentado na mesa habitual, vou trincando o lanche encomendado. A Coca-Cola vem, erradamente, com um zero mas o erro é imediatamente corrigido e a empregada de mesa condenada a beber a dita, no refúgio seguro dela, mas que é bem visível da esplanada.

As motos de baixa cilindrada que fazem mais ruído do que os topos de gama, as conversas de trânsito – algo que pode sempre resvalar, as pessoas que se benzem quando o sino da igreja soa. Os grupos que bebem cervejas frente aos grupos que conversam, os telemóveis como alienamento permanente.

O Kiosk, frontalmente colocado, em permanente rebuliço – a servir todos os que buscam “as falhas” a caminho de casa, os casais que tentam distrair os bebés do calor, os namorados que discutem o dia que agora começa a acabar. O Lenny Kravitz que grita que quer “Fly away”, as pessoas que se abanam – numa infrutífera tentativa de se manterem frescas.

O toldo da esplanada é entretanto aberto e o humilde narrador tenta descortinar de onde chega toda esta “nova luminosidade”, a empregada de mesa que sorri – ao descortinar a procura do narrador e responde com um gesto que demonstra que é ela que está a gerir o processo, mostrando o comando do toldo.

Uma escultural grega que chega – obrigando a um discreto, mas muito forte, empurrar do queixo caído que, aproveitando a distração do dono, coloca a nu toda a indiscrição da situação. Limpados os resíduos do salivar intenso e já recomposto de mais um monumento ambulante que não conhecias. Toca o telemóvel e respondes com toda a segurança: estou em casa, a ouvir música. Pagas a conta e corres para casa!

A maratona nasceu aqui perto – 28/6/2023

Tarde de calor.

O dia de trabalho passou sem que desses por isso e o duche frio disciplinou a moleirinha de volta ao mundo terrestre. A tosta mista na esplanada, de perna suada alçada, a Coca-Cola como refrigerante obrigatório, a água que fugiu num trago.

Música de fundo, ligeira quanto a brisa, duas beldades na mesa do lado, uma trinca como início das hostilidades; na tosta, entenda-se! O Sultans of swing salta nas colunas, conduzindo a uma reflexão pelos muitos momentos em que escutaste a música.

Recordas a frase cómica que ontem, antes do concerto, ouviste um ilustre desconhecido americano proferir “who the fuck wants to see an 80’s rock band playing in an Ancient Greek theater?”…descobri depois que era um dos teclistas do grupo! 😂👌

De sorriso em sorriso, sem roubar sorrisos alheios. Saltando de dia para dia, sem sucumbir ao calor. Sempre munido de uma garrafa de água, mantendo o esbelto corpo hidratado. Eu devia ter nascido grego e ter navegado…

A golden hour a cair, as luzes dos carros pressentem-se agora – apesar de sempre terem estado lá, pessoas que correm entre outras que, muito calmamente, observam as montras – o caos ordeiro, tanto no passeio como na estrada. Ao longe, os peões que correm na passadeira – enquanto se benzem – face a uma igreja com que se deparam.

As cores desbotadas – que se fixam perfeitamente, assim que colocas os óculos, uma brisa de 9 Km/h que a app de meteorologia afirma tornar os 30 em 31. As laranjeiras que dão a frescura a toda uma cidade, as pessoas que a animam, os animais que a habitam – com mais direitos adquiridos que muitos humanos, as luzes das farmácias que se acendem para uma eventual emergência. As famílias com o passo descoordenado, conforme o filho por que são responsáveis.

Por vezes reparas em detalhes…23/6/2023

Inspirar sorrindo, bom exercício! 👌

Atenas, pelos meus olhos.

O calor chegou, e trouxe com ele a habitual adaptação da indumentária, o que – dado que estamos na Grécia – equivale a um desfile de monumentos históricos (porque imediatamente te ocorre ser um ombro amigo e ouvir todas as histórias, obedientemente), em trajes minimalistas, qual tela branca, por pintar, que clama por ser coberta por uma pluralidade de cores. Não nasci pintor, e não tenho a mínima veia para a arte, mas sei apreciar!

Imaginem um cérebro que, tirando proveito da rotina do caminho para o emprego, aproveita para deambular e apreciar “as bistas”, como se diz na minha terra. Equiparem a imagem dessa rotina à mais bela obra de arte que o vosso coração guarda e, mesmo assim, talvez não estejamos, ambos, sincronizados. Curioso, como o gosto por arte pode ser diversificado: o que é que nos conquista na arte? Porque não discutimos com ela mas sobre ela? Talvez seja precisamente esse facto que a torna tão bela…

As caras envergonhadas, as gatas assanhadas, os decotes suados, as saias que são curtas pela anca – mas que elas teimam em puxar para baixo. Os saloios e os olhares fotográficos, os encontrões do metro, o acaso da conversa, a coincidência de irmos ao mesmo concerto, a ousadia do trocar contactos, a notificação dos familiares mais próximos…

Vai começar o verão – 20/6/2023.

Dias de Atenas…parte CXL…😂

O despertar e o lento interiorizar o quão bem dormiste…acenas a ti próprio um sinal de concordância, após visualizar umas preguiçosas 8:30 no despertador – para quem habitualmente acorda às 5, há que celebrar estes eventos.

Sonhaste, e dás um sorriso envergonhado, assim que te ocorre o porquê de um sono tão retemperador. Olhas-te ao espelho, ciente de que não podes estar envergonhado contigo mesmo, isso não acontece…

Talvez o amadurecimento da vida traga estas mudanças de comportamento! Sei que havia duas covas que havia que transpor, após um galanteio mal dissimulado, e uma pergunta que havia que fazer. A pergunta libertava e soltava o humilde narrador para a tarefa seguinte.

Talvez tenha havido alguma palpação, para um duplo sentido de estímulo e a celebração da conquista daquelas duas adversárias, com tanto de ameaçador quanto erótico. Recordar, com saudade, que a louça ficou por lavar; apesar de bem esfregada, a gordura não se libertava e houve necessidade de recorrer a um desengordurante original, o sentimento de pleno a preencher os dotes de lavador de pratos do vosso humilde narrador…

Devaneio matinal, sonho…18/6/2023

É feriado…

Acordas, lavas a cara, atiras um bocado de desodorizante, lavas os dentes e sais.

A 20 metros da porta está um vizinho, que aguarda que o cão obre. Olhamo-nos e eu fico a pensar na situação do gajo: cerca de 2 metros de altura, uma trela enorme (só para chegar à manápula do gajo…), um cão que se assemelha a um coelho anão…que ladra e, salvo se não tivermos desenvolvimentos à vista, também obra!

O pensamento de merda esfuma-se e reduzo o ritmo (já de si bastante lento) para olhar a fotografia do grego irritado – há um fotógrafo grego, na esquina, que tem uma fotografia de um bebé irritado com o banho que o obrigam a tomar…dobro a esquina, como um verdadeiro super-herói, e vejo um café abandonado no orelhão da vizinhança…

Aproximo-me – o que, na Grécia, significa que fui para a rua e mantive uma distância segura – e vejo uma T-shirt, que descai de um suporte que o orelhão possui. No chão jazem calças e meias…apalpo-me e sinto o casaco vestido…não pode ter sido um golpe de calor, penso eu! 😂 Fotografo o momento, para a posteridade.

O caminho até ao café é longo e assemelha-se a uma travessia no deserto – quando, após umas centenas de quilómetros montado nas costas de um camelo, finalmente chegas ao oásis – apenas para constatares que tens que ir urinar, o que te obrigará a seres o último na fila de água do oásis (não é nada disto, fica a 100 metros de casa, mas há que enquadrar…😂😎). A areia são os passeios irregulares, a tempestade de areia é a possibilidade de levares com uma laranja nos cornos, ressalvo, couro cabeludo, o café é o almejado oásis…

Freddo espresso sketo, parakalo!

Um pequeno gole para o café, um enorme despertar para o Henrique!

Cabine de teletransporte!

O futebol na Grécia.

Sorrio, com um sarcasmo interior que até tenho que conter os espasmos musculares de satisfação plena, quando lhes respondo “Não dá mesmo, tenho cenas combinadas que me é impossível cancelar.” E assim tenho sido feliz ( bem sei que sou um egoista exacerbado nessa procura mas, afinal, a minha felicidade merece essa devoção!)

Recordo, sem saudade, o dia em que a curiosidade se apoderou de mim e, num misto de procura, loucura e estoicismo, embarquei na caravana dos vencedores do passatempo. Faço aqui uma pausa, para reler o escrito, e constatar que a frase anterior é muito típica do vosso humilde narrador; sendo que, normalmente, a saudade existe! Adiante, onde íamos? Sim, na caravana dos vencedores do passatempo da empresa, no camarote, com cozinha aberta.

O inverno estava a chegar, e a promessa de um jogo de futebol em que o campeão nacional estava envolvido, prometia o tipo de aventura de que normalmente um expatriado não usufrui – jantar incluído, bar aberto, umas esculturas ambulantes a servirem-nos…um jogo de futebol ao vivo, em que elas servem os comes (um ideal machista internacional que fui obrigado a usufruir de).

Estava na primeira fila, com um prato preenchido com um misto de carnes brancas e porco, ladeados por um Tzaziki maravilhoso. Os cumprimentos das equipas, umas músicas que não conheço (era o hino do visitado), começa o jogo.

Da imaginação fértil – 2/6/2023

Final score: 1-0

O decatlo como analogia da vida.

Na infância e adolescência temos os sprints em busca do conhecimento – corremos curtas distâncias na ânsia de obter as respostas que esclarecem as perguntas que constantemente nos assolam. Tudo é novo, tudo pode ser experimentado e o risco é algo que nem sequer cruza o nosso pensamento. Somos apelidados de putos – sem que o arrojo seja considerado, de imaturos – porque a experiência de vida carece de erros para providenciar certezas, de pessoas em fase de crescimento – uma analogia aos países em vias de desenvolvimento que desmotiva, face a uma evolução que não vemos esses países atingirem – ficaremos assim para sempre? Em vias de desenvolvimento? Podemos aspirar a ser um país desenvolvido? É a questão que nos colocamos, na certeza de nunca desistir em tão curta etapa! É assim que vejo a competição de abertura, com a corrida dos 100 metros.

O salto em comprimento acompanha-nos pela vida fora e mais não é do que um método alternativo para cobrir a distância que nos separa do objectivo – com a virtude de nos permitir saltar para mais longe, se queremos evitar um obstáculo, ou mais perto, se o objectivo é abraçar não um obstáculo mas uma qualquer fonte do nosso prazer interior.

O lançamento de peso é constante nas nossas vidas e mais não é do que o equilíbrio em que nos pesamos e nos sentimos bem – num mundo perfeito, sem pretensos magros ou gordos, em que gerimos o nosso peso no grau de satisfação interior que ele nos dá – num menosprezo total pelo que os outros pensam! Só tu interessas; porque no fim não há céu que nos acolha ou inferno que nos mantenha quentinhos!

O salto em altura é o crescimento – a constante que nos acompanha até ao final da vida, pois o conhecimento foi feito para crescer incessantemente. Como um alpinista, que escala cada nova montanha com uma atenção redobrada, nunca confiando na solidez providenciada pela natureza e sempre atento a toda a pequena indicação de gelo – num misto de deslumbramento e satisfação, de cada vez que sobe um socalco!

Os 400 metros que encerram o primeiro dia são o primeiro ensaio no percorrer de longas distâncias – após os 100 metros, quem não se diverte com uma volta completa ao estádio? A transição do final da adolescência para a vida adulta, passos de afirmação com muita confiança, planos elaborados com maior morosidade e atenção ao detalhe, os tempos em que és um pouco burguês até…

Os 110 metros barreiras, que abrem o segundo dia, são a representação de todos os obstáculos, alguns inertes incluídos, com que nos vamos deparar: alguns iremos superar, tropeçar noutros e, muito provavelmente, hesitar demasiado nos terceiros. Uma explicação sobre como superar obstáculos voando acima deles!

O lançamento do disco é toda a música que nos embala neste processo denominado vida. De diapasão na mão, numa procura constante pelo acorde perfeito. O aceitar sugestões de novos sons, enquanto mostras o que achas ser o valor do que ouves. As pessoas que nos davam acesso a uma cave, os amigos que aí colocavam música, a recordação de todos os copos cravados – com a dor da lembrança de todos os que tiveste que pagar. Uma melodia como símbolo de um porto seguro!

O salto com vara mais não é do que a superação com a ajuda certa. O acessório como elemento fundamental para a superação – numa simbiose tão perfeita que alguns homens jamais a conseguem superar (correndo o risco, segundo a sabedoria popular, de ficar cegos) e algumas mulheres são suspeitas, dado o exagerado consumo de energia eléctrica.

O lançamento do dardo são todas as paixões que tivemos, as reais, aquelas em que somos obrigados a “deter” o nosso coração e a interrogá-lo quanto às arritmias cardíacas de que passa a padecer. A submissão ao Cupido que, invariavelmente, nos apanha distraídos, na curva.

Os 1500 metros são o puro gozo com que desfrutamos da vida, o sentido de longo versus o que já conquistamos – em termos de “armas” para estarmos sempre acompanhados de um sorriso que, não sendo idiota, parece – mas esse é apenas o meu ponto de vista…

Bom exercício!

Foi que nem coelhos…💙

Por entre uma corrida, “contra” o caótico trânsito Ateniense – agravado pelo facto de ser sexta-feira e uma maioria se deslocar até a uma qualquer ilha ou local de nascimento – eis o vosso humilde narrador a chegar atrasado ao início do desafio. Sim, havíamos sido desafiados e, como povo conquistador que somos, fomos, vimos e conquistamos! Não uma repetição da reconquista errónea de outrora, mas tão só e apenas uma celebração que temos como habitual, no nosso calendário desportivo.

Ouvir os comentadores desportivos a usar “massacre”, “banho de bola”, “domínio avassalador”, “uma ocasião de golo em 90 minutos”, “não foi o habitual porque o Futebol Clube do Porto não deixou” deixou-me com a habitual lágrima de emoção Portista. Belisquei-me, era mesmo na SIC.

Coisas que brotam nos primeiros anos (apesar de viver em frente ao estádio de umas designadas Panteras), as recordações de uma coleção de caixas de fósforos com Campeões Nacionais como o Gabriel, Fonseca, Freitas, Murça, Rodolfo, António Oliveira…a praça Velasquez cheia de carros abandonados (a prioridade era o jogo), a varanda de onde se via a arquibancada, o sair de casa a implicar pegar em carros – num esforço bem coordenado sob a voz de “1, 2, para o lado). Subir ao primeiro andar do 147 implicava um refúgio sempre seguro! Ponto de encontro obrigatório, seguido do fino no café Velasquez e a partida para o estádio – tudo é mágico, quando se fala de recordações de infância. Vi o Futebol Clube do Porto vencer, debaixo de todos os climas imagináveis, com vários cenários de lágrimas de alegria a tomarem a dianteira, vivi algumas amarguras – em que questionamos a nossa existência face a um empate ou, livre-nos o Papa Jorge Nuno, uma derrota. Cresci numa família Portista, ao vivo vi-os ganhar em três ocasiões, várias vezes questionei o cardiologista quanto à cor do sangue que em mim pulsava.

Entrei em casa, com o jogo a decorrer, e constatei que já fechávamos muito bem (sou apologista do fazer crescer uma equipa da defesa para o ataque). Instalei-me no sofá e assisti a um massacre em que só faltou a bolinha encarnada, no canto superior direito do ecrã! É verdade que extravasei a minha alegria, numa Atenas que deve ter-me julgado como terrorista que merecia ser escutado (não fosse eu começar a gritar por deuses, aos quais normalmente se segue uma explosão – são um povo atento). Ninguém deve ter percebido os gritos, o vocabulário profundo, as lágrimas de alegria que faziam ruído…

É giro viver fora do país – 8/4/2023

De público não tem nada!

Sentado no autocarro, com uma morena voluptuosa e linda sentada ao meu lado. A vontade de deixar descair o corpo, para sentir o dela, a tornar-se em algo sem sentido, quando ela deixa descair o corpo dela sobre o meu. Na imaginação dos transportes públicos tudo é possível e, cada vez mais imbuído desse espírito, sinto que os olhares trocados, ao longo das últimas semanas, dão agora o esperado fruto.

Quanto mais afasto o corpo para a janela mais sinto a pulsação do corpo dela, como um oposto que se atrai, ou uma alma inteligente que sabe tirar partido da inércia inerente a qualquer transporte público em movimento? A Grécia contém questões filosóficas profundas, não ao alcance do comum mortal. Planos maquiavelicamente amorosos são escrevinhados mentalmente, sem que os meios de defesa do estado sejam suficientes para os deter! Bem haja!

O tique nervoso do cabelo – bolas, ela fica ainda mais bonita quando o faz, a maneira como oscila a perna cruzada, que inevitavelmente embate em mim, a troca de contactos – agora que dialogamos e já nos conhecemos! Bom fim de semana e boa Páscoa!

Até já…😬

Palavras que se abraçam.

Soltas – como se a liberdade só pudesse ser explicada por elas, sinónimas – numa deliciosa harmonia de significados tão iguais, antónimas – numa bela dança de opostos, maiúsculas – armadas de uma maturidade típica dos começos, minúsculas – como que pequenos anões que são fundamentais para a tela final, acentuadas – a típica nobreza, cedilhadas – a recordação de outrora, em que a cedilha parecia algo tão esquisito quanto os caracteres chineses.

Rodeadas pela pontuação – num exercício tão vezes falhado, com os pontos que impõem um final, vírgulas que implicam uma pausa e a imaginação constante como agregador de um processo que a ciência não explica. Façamos um parágrafo! Ou um ponto final e continuamos com o mesmo assunto? Talvez apenas uma longa vírgula, que nos permita saltar para o próximo parágrafo e dissertar sobre algo diferente, como o relato de um pouco do que é o quotidiano grego? Vamos nisso!

Se chegaste até aqui mais vale continuares até ao final. Imagina um pequeno troço, para o qual ninguém estava preparado, em que nos é dada a oportunidade de lermos algo que nunca tínhamos lido: o suor da antecipação, a taquicardia por cada letra abraçada, numa palavra que encaixa bem, vá, num enorme puzzle que, quando completo, até sugere uma exclamação! E sim, procuro sempre a exclamação, como forma de bem estar comigo próprio (a cena narcisista 😂).

É algo muito recompensador! Olhar para uma conjugação de esforços de palavras, colocado aleatoriamente num processador de texto muito simples, olhando em volta e constatando que…cheguei! Estou na minha paragem!

https://www.atlasobscura.com/places/dromeas

Momentos engraçados de um país apaixonante.

A sexta-feira, por falta de planeamento ou insónias (selecionar o que preferir), fugiu a uma rotina que existe – porque foi outrora delineada – mas que jamais teve existência prática. Há vários alarmes: 7, 7:30, 8, 8:15, com diferentes títulos: água quente, mexe-te, põe-te a andar, last call motherfucker – para um verdadeiro grito que me empurre para os transportes públicos.

Cheguei cedo demais ao autocarro e, daqui até Fix, viajei sozinho, no canto esquerdo do autocarro (em cima do motor, o assento mais quente do autocarro – não só pela minha presença…). Após Fix fiquei com um mastodonte do lado direito e o autocarro cheio. Arrancamos, não se esqueçam que a porta é o local de eleição para o utente grego, independentemente da paragem em que vão sair (obviamente um “case study” que a comunidade cientifica deveria investigar), e uma senhora, entre outros, resolveu validar o bilhete. Encostou o papel plastificado na máquina de validação e ouviu-se um som semelhante a um traque. Olhou para os que a rodeavam e eu sorria, porque ainda recordava o som engraçado da máquina ao não aceitar o bilhete. Passado uns minutos, testou novamente o bilhete e um novo traque surgiu (as probabilidades de aparecer um fiscal são baixas, mas acontece). A viagem prosseguiu tranquilamente até ao destino.

Há uma caminhada, de cerca de dez minutos, que separam a paragem de autocarro e a empresa. Um exercício físico diário a que me obrigo, saindo na paragem “antiga” quando existem paragens mais próximas.

O supermercado fica no meu caminho e, pedido o café no balcão do lado direito da entrada, sigo para o croissant quente, que fica já dentro do supermercado mas pode ser pago na caixa da cafeteria.

Foi ao voltar, com o croissant e aguardando o café pronto, que reparei que ela estava agora no primeiro lugar da caixa (a opção era ser segundo). Olhei-a, ela olhou-me e eu tomei a segunda posição como o meu novo lugar na fila. Abanava um saco plástico transparente que deixava ver o vapor de um croissant que almejava ser trincado.

Ela olhou-me novamente, do contacto visual aos olhos dela a percorrerem o meu corpo e, ao nível da anca, a pararem. Assim que me apercebi dos olhos esfomeados dela, tomei a única decisão sensata que qualquer homem na minha posição tomaria: escondi o croissant atrás de mim. Sorrimos, com os olhos ainda colados, e não ouvimos a senhora do café a perguntar o que queríamos. Fui indigno da minha educação “nos melhores colégios suíços” e respondi “freddo expresso sketo” e, apercebendo-me da minha indelicadeza, expliquei por gestos que ela era , de facto, a primeira da fila. Ela agradeceu-me com um olhar perdoador, eu anui a que ela fosse buscar croissants sem perder o lugar na fila.

Despedimo-nos, de uma forma pouco convencional para quem acaba de se conhecer, com o encontro marcado para um outro pequeno-almoço no futuro.

Loucuras rotineiras.

Deambulava pela rua, com o queixo demasiado levantado e os olhos num constante varrimento do que o rodeava, alheado na sua rotina de tudo ver – detendo-se, se a necessidade de ver melhor o detivesse – ou armado em hiker profissional, caso a vista já estivesse em memória – admitindo algumas paragens, para a actualição e substituição do backup anterior.

O calçado era limitado a três pares de sapatilhas – mesma marca, mesmo modelo, cores diferentes e um par de botas – mais cobertos de pó de falta de uso do que propriamente as solas gastas, de tanto uso. As meias eram todas pretas, num último suspiro anarquista, e as “coquilhas”, um objecto privado só ao alcance da urologista e de algumas, agora ilustres, beldades femininas não podem aqui ser expostos, sob pena de um atentado ao pudor cibernético (desconfio que não haveria “largura de banda 😂😂😂)!

O corpo, objecto de um estudo científico que decorre desde o dia da chegada, ganha uma dimensão que desperta a obrigatoriedade mental de andar, muito, galgar, ser “cavalar” na conquista de quilómetros, debaixo das solas. Com o espírito de um comandante de avião só quer acumular quilómetros de voo, tal a visualização mental que faz no aquecimento. Sorri, enquanto uma laranja cai sobre um tejadilho “mole” e o som sai com um tom cómico.

Perguntam-lhe como é que consegue viver despreocupado assim e ele, sem que a pergunta acabe, já está a responder “como é que consegues viver preocupada assim?!” Sorriram e observaram o espaço que os rodeava e, terminado o exercício, foram juntos em direção ao pôr-do-sol, que distava uns quilómetros valentes do local onde se encontravam.

Final do dia – 15/3/2023