Mr. Nash

Todos temos algo ou alguém que nos inspira, pela manhã, num cocktail semântico, que nos coloca no degrau mais alto de um pódio imaginário. Uns é o Jota, outros ouvem vozes, alguns possuem animais de estimação inusitados…eu tenho a companhia do Senhor Nash.

Aquando da mudança de apartamento, no dia 7 de Janeiro deste ano, e depois de uma semana a viver no enclave de Omonia, descobri que, sempre que usava o duche, se me juntava um irritante mosquito – mosquitinho, dada a pequenez do voador, apenas e só para marcar território.

Conforme o tempo foi decorrendo, e porque ele se tornou uma presença muito assídua e pontual, apelidei-o de Senhor Nash – por mais vezes que eu tentasse o homicídio qualificado do dito, com um belo de um jacto de água quente, ele voltava sempre, no duche seguinte.

Questionei-me se poderia existir o mais asseado dos mosquitos, e se o Senhor Nash seria o único exemplar. Ele usufruía de toda a minha parafernália de produtos de banho, era vítima de uma tentativa de homicídio voluntário (obviamente com dolo), e regressava sempre com o que me começou a parecer um sorriso.

Convivo com o Highlander dos mosquitos e ele nem sequer se digna partilhar a renda…temo que um dia ele grite “There can be only one!”

From Athens with love.

O surreal é rotina na Grécia.

Hoje é dia de linha verde e, ao contrário do normal, revês as caras que pertencem ao “teu” horário, na linha que liga o mar (Piraeus) à montanha (Kifissia). Instalado na primeira carruagem – faço o máximo de tarefas a dormitar, até chegar ao emprego – rodeado de gregas que abanam os leques que, por esta altura, são mais uma arma no combate ao calor pirolítico que se instalou na capital grega.

A instalação sonora vai avisando os utentes – mind the gap, stay away from the doors, etc…de repente, ao sair de Omonia, ouve-se o anúncio de Viktoria, Attiki, fim da linha e por favor desembarque porque a composição está avariada e vai ser substituída (é mato, o número de vezes que acontece). Olhamos todos, uns para os outros, e saímos todos do metro, num belo gesto sincronizado, na estação de Viktoria.

Imaginem, por favor, uma estação onde o metro chega e, ao contrário do habitual, todos abandonam a composição enquanto explicam aos que estão na plataforma o que ouviram. Ouve-se uma porta a abrir e todos olhamos na direção do maquinista que, para espanto nosso, se ri, de gargalhada aberta que não lhe permite falar, ele quase chora…

Qual professora primária, ele afasta-se um pouco mais para o centro da plataforma e, por entre lágrimas de alegria, exclama algo em grego…não em tom de desculpa (um grego não comete erros) mas sim num tom autoritário. A mulher ao meu lado começa a caminhar para dentro do metro e eu sigo-a. Ela explica, assim que nos instalamos novamente, que o maquinista ordenou: o facto de termos a instalação sonora avariada não nos impede de chegar ao destino! Importam-se de voltar a entrar?

Percebem agora como tudo flui neste país? Sempre com uma gargalhada…😂

Humilde narrador esfria a moleirinha com um freddo expresso!

As cores do verão.

A vizinha saiu de casa depois de mim e, fruto de uma coincidência ou plano bem elaborado, estamos agora a lanchar, lado a lado, cada um na sua mesa. Sorrisos, falsamente envergonhados, cruzados com gestos tão espontâneos que parecem fruto de um nervosismo real, a mesma troca de olhares que temos, sempre que nos cruzamos nos espaços comuns do prédio.

Talvez seja esquecimento, ou apenas um acaso da vida de que todos podemos padecer, mas ela esqueceu-se do isqueiro (acontece bastante na Grécia, todos sabemos a que preço está o gás). Finge olhar à volta – o que, de facto faz – não conseguindo visualizar o meu maravilhoso “Clipper reusable”, finge pretender levantar-se para ir comprar um isqueiro – está a 7 passos do kiosk que os vende – mas prefere exclamar um “Oh”, quando finalmente assume enxergar o meu isqueiro.

A chama acende-se, sem que a alta temperatura sofra alterações, ela coloca a mão dela atrás da minha – obviamente para proteger de um vento que temo não sentir, a chama aproxima-se do extremo do cigarro, num movimento que me faz escutar acordes das mais belas músicas que conheço – num devaneio mental e musical que visa apenas embalar o momento. Ela agradece em inglês (como saberia) e eu respondo com um “ora essa”, em grego.

A tosta mista acaba, a Coca-Cola também já não demora muito e o calor….esse continua a ser brutal. Passa o 1 e o 5, e recordas que ambos conduzem a Sigrou. Recordas os meses aí vividos – apenas para constatar que o apartamento em Victoria foi dos melhores achados – nestas desventuras de ser um expatriado sorridente.

A maneira como era possível viver, num bairro problemático de Atenas, sem que sentisses o mínimo receio, só pode ser atribuída a um maravilhoso vizinho albanês que, fruto de ser o comandante local da noite, protegeu o meu apartamento (no único dia em que me esqueci da porta aberta), com uma simples cadeira, e sentou-se no sofá…a observar se alguém ousava desrespeitar a disciplinadora cadeira.

Acordava com um realejo ou violino, todas as semanas a biblioteca ambulante parava na rua, tinha mercado de rua duas vezes por semana!

Agora, na Boavista, tenho a avenida toda para mim, facilmente consigo fazer as compras inevitáveis, posso vegetar diante de um livro sem ser interrompido, o ruído citadino é menor e o prazer de viver exponencialmente maior!

Foi aqui que tudo começou, em 2015, e as passagens por outros locais apenas acentuam o quão diversificada a Grécia é – um amor que fica gravado onde realmente importa!

Tardes quentes – 5 de julho de 2023

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Esplanando…

O sítio tornou-se o do costume e, sentado na mesa habitual, vou trincando o lanche encomendado. A Coca-Cola vem, erradamente, com um zero mas o erro é imediatamente corrigido e a empregada de mesa condenada a beber a dita, no refúgio seguro dela, mas que é bem visível da esplanada.

As motos de baixa cilindrada que fazem mais ruído do que os topos de gama, as conversas de trânsito – algo que pode sempre resvalar, as pessoas que se benzem quando o sino da igreja soa. Os grupos que bebem cervejas frente aos grupos que conversam, os telemóveis como alienamento permanente.

O Kiosk, frontalmente colocado, em permanente rebuliço – a servir todos os que buscam “as falhas” a caminho de casa, os casais que tentam distrair os bebés do calor, os namorados que discutem o dia que agora começa a acabar. O Lenny Kravitz que grita que quer “Fly away”, as pessoas que se abanam – numa infrutífera tentativa de se manterem frescas.

O toldo da esplanada é entretanto aberto e o humilde narrador tenta descortinar de onde chega toda esta “nova luminosidade”, a empregada de mesa que sorri – ao descortinar a procura do narrador e responde com um gesto que demonstra que é ela que está a gerir o processo, mostrando o comando do toldo.

Uma escultural grega que chega – obrigando a um discreto, mas muito forte, empurrar do queixo caído que, aproveitando a distração do dono, coloca a nu toda a indiscrição da situação. Limpados os resíduos do salivar intenso e já recomposto de mais um monumento ambulante que não conhecias. Toca o telemóvel e respondes com toda a segurança: estou em casa, a ouvir música. Pagas a conta e corres para casa!

A maratona nasceu aqui perto – 28/6/2023

Tarde de calor.

O dia de trabalho passou sem que desses por isso e o duche frio disciplinou a moleirinha de volta ao mundo terrestre. A tosta mista na esplanada, de perna suada alçada, a Coca-Cola como refrigerante obrigatório, a água que fugiu num trago.

Música de fundo, ligeira quanto a brisa, duas beldades na mesa do lado, uma trinca como início das hostilidades; na tosta, entenda-se! O Sultans of swing salta nas colunas, conduzindo a uma reflexão pelos muitos momentos em que escutaste a música.

Recordas a frase cómica que ontem, antes do concerto, ouviste um ilustre desconhecido americano proferir “who the fuck wants to see an 80’s rock band playing in an Ancient Greek theater?”…descobri depois que era um dos teclistas do grupo! 😂👌

De sorriso em sorriso, sem roubar sorrisos alheios. Saltando de dia para dia, sem sucumbir ao calor. Sempre munido de uma garrafa de água, mantendo o esbelto corpo hidratado. Eu devia ter nascido grego e ter navegado…

A golden hour a cair, as luzes dos carros pressentem-se agora – apesar de sempre terem estado lá, pessoas que correm entre outras que, muito calmamente, observam as montras – o caos ordeiro, tanto no passeio como na estrada. Ao longe, os peões que correm na passadeira – enquanto se benzem – face a uma igreja com que se deparam.

As cores desbotadas – que se fixam perfeitamente, assim que colocas os óculos, uma brisa de 9 Km/h que a app de meteorologia afirma tornar os 30 em 31. As laranjeiras que dão a frescura a toda uma cidade, as pessoas que a animam, os animais que a habitam – com mais direitos adquiridos que muitos humanos, as luzes das farmácias que se acendem para uma eventual emergência. As famílias com o passo descoordenado, conforme o filho por que são responsáveis.

Por vezes reparas em detalhes…23/6/2023

Inspirar sorrindo, bom exercício! 👌

Atenas, pelos meus olhos.

O calor chegou, e trouxe com ele a habitual adaptação da indumentária, o que – dado que estamos na Grécia – equivale a um desfile de monumentos históricos (porque imediatamente te ocorre ser um ombro amigo e ouvir todas as histórias, obedientemente), em trajes minimalistas, qual tela branca, por pintar, que clama por ser coberta por uma pluralidade de cores. Não nasci pintor, e não tenho a mínima veia para a arte, mas sei apreciar!

Imaginem um cérebro que, tirando proveito da rotina do caminho para o emprego, aproveita para deambular e apreciar “as bistas”, como se diz na minha terra. Equiparem a imagem dessa rotina à mais bela obra de arte que o vosso coração guarda e, mesmo assim, talvez não estejamos, ambos, sincronizados. Curioso, como o gosto por arte pode ser diversificado: o que é que nos conquista na arte? Porque não discutimos com ela mas sobre ela? Talvez seja precisamente esse facto que a torna tão bela…

As caras envergonhadas, as gatas assanhadas, os decotes suados, as saias que são curtas pela anca – mas que elas teimam em puxar para baixo. Os saloios e os olhares fotográficos, os encontrões do metro, o acaso da conversa, a coincidência de irmos ao mesmo concerto, a ousadia do trocar contactos, a notificação dos familiares mais próximos…

Vai começar o verão – 20/6/2023.

Dias de Atenas…parte CXL…😂

O despertar e o lento interiorizar o quão bem dormiste…acenas a ti próprio um sinal de concordância, após visualizar umas preguiçosas 8:30 no despertador – para quem habitualmente acorda às 5, há que celebrar estes eventos.

Sonhaste, e dás um sorriso envergonhado, assim que te ocorre o porquê de um sono tão retemperador. Olhas-te ao espelho, ciente de que não podes estar envergonhado contigo mesmo, isso não acontece…

Talvez o amadurecimento da vida traga estas mudanças de comportamento! Sei que havia duas covas que havia que transpor, após um galanteio mal dissimulado, e uma pergunta que havia que fazer. A pergunta libertava e soltava o humilde narrador para a tarefa seguinte.

Talvez tenha havido alguma palpação, para um duplo sentido de estímulo e a celebração da conquista daquelas duas adversárias, com tanto de ameaçador quanto erótico. Recordar, com saudade, que a louça ficou por lavar; apesar de bem esfregada, a gordura não se libertava e houve necessidade de recorrer a um desengordurante original, o sentimento de pleno a preencher os dotes de lavador de pratos do vosso humilde narrador…

Devaneio matinal, sonho…18/6/2023

É feriado…

Acordas, lavas a cara, atiras um bocado de desodorizante, lavas os dentes e sais.

A 20 metros da porta está um vizinho, que aguarda que o cão obre. Olhamo-nos e eu fico a pensar na situação do gajo: cerca de 2 metros de altura, uma trela enorme (só para chegar à manápula do gajo…), um cão que se assemelha a um coelho anão…que ladra e, salvo se não tivermos desenvolvimentos à vista, também obra!

O pensamento de merda esfuma-se e reduzo o ritmo (já de si bastante lento) para olhar a fotografia do grego irritado – há um fotógrafo grego, na esquina, que tem uma fotografia de um bebé irritado com o banho que o obrigam a tomar…dobro a esquina, como um verdadeiro super-herói, e vejo um café abandonado no orelhão da vizinhança…

Aproximo-me – o que, na Grécia, significa que fui para a rua e mantive uma distância segura – e vejo uma T-shirt, que descai de um suporte que o orelhão possui. No chão jazem calças e meias…apalpo-me e sinto o casaco vestido…não pode ter sido um golpe de calor, penso eu! 😂 Fotografo o momento, para a posteridade.

O caminho até ao café é longo e assemelha-se a uma travessia no deserto – quando, após umas centenas de quilómetros montado nas costas de um camelo, finalmente chegas ao oásis – apenas para constatares que tens que ir urinar, o que te obrigará a seres o último na fila de água do oásis (não é nada disto, fica a 100 metros de casa, mas há que enquadrar…😂😎). A areia são os passeios irregulares, a tempestade de areia é a possibilidade de levares com uma laranja nos cornos, ressalvo, couro cabeludo, o café é o almejado oásis…

Freddo espresso sketo, parakalo!

Um pequeno gole para o café, um enorme despertar para o Henrique!

Cabine de teletransporte!

O futebol na Grécia.

Sorrio, com um sarcasmo interior que até tenho que conter os espasmos musculares de satisfação plena, quando lhes respondo “Não dá mesmo, tenho cenas combinadas que me é impossível cancelar.” E assim tenho sido feliz ( bem sei que sou um egoista exacerbado nessa procura mas, afinal, a minha felicidade merece essa devoção!)

Recordo, sem saudade, o dia em que a curiosidade se apoderou de mim e, num misto de procura, loucura e estoicismo, embarquei na caravana dos vencedores do passatempo. Faço aqui uma pausa, para reler o escrito, e constatar que a frase anterior é muito típica do vosso humilde narrador; sendo que, normalmente, a saudade existe! Adiante, onde íamos? Sim, na caravana dos vencedores do passatempo da empresa, no camarote, com cozinha aberta.

O inverno estava a chegar, e a promessa de um jogo de futebol em que o campeão nacional estava envolvido, prometia o tipo de aventura de que normalmente um expatriado não usufrui – jantar incluído, bar aberto, umas esculturas ambulantes a servirem-nos…um jogo de futebol ao vivo, em que elas servem os comes (um ideal machista internacional que fui obrigado a usufruir de).

Estava na primeira fila, com um prato preenchido com um misto de carnes brancas e porco, ladeados por um Tzaziki maravilhoso. Os cumprimentos das equipas, umas músicas que não conheço (era o hino do visitado), começa o jogo.

Da imaginação fértil – 2/6/2023

Final score: 1-0

O decatlo como analogia da vida.

Na infância e adolescência temos os sprints em busca do conhecimento – corremos curtas distâncias na ânsia de obter as respostas que esclarecem as perguntas que constantemente nos assolam. Tudo é novo, tudo pode ser experimentado e o risco é algo que nem sequer cruza o nosso pensamento. Somos apelidados de putos – sem que o arrojo seja considerado, de imaturos – porque a experiência de vida carece de erros para providenciar certezas, de pessoas em fase de crescimento – uma analogia aos países em vias de desenvolvimento que desmotiva, face a uma evolução que não vemos esses países atingirem – ficaremos assim para sempre? Em vias de desenvolvimento? Podemos aspirar a ser um país desenvolvido? É a questão que nos colocamos, na certeza de nunca desistir em tão curta etapa! É assim que vejo a competição de abertura, com a corrida dos 100 metros.

O salto em comprimento acompanha-nos pela vida fora e mais não é do que um método alternativo para cobrir a distância que nos separa do objectivo – com a virtude de nos permitir saltar para mais longe, se queremos evitar um obstáculo, ou mais perto, se o objectivo é abraçar não um obstáculo mas uma qualquer fonte do nosso prazer interior.

O lançamento de peso é constante nas nossas vidas e mais não é do que o equilíbrio em que nos pesamos e nos sentimos bem – num mundo perfeito, sem pretensos magros ou gordos, em que gerimos o nosso peso no grau de satisfação interior que ele nos dá – num menosprezo total pelo que os outros pensam! Só tu interessas; porque no fim não há céu que nos acolha ou inferno que nos mantenha quentinhos!

O salto em altura é o crescimento – a constante que nos acompanha até ao final da vida, pois o conhecimento foi feito para crescer incessantemente. Como um alpinista, que escala cada nova montanha com uma atenção redobrada, nunca confiando na solidez providenciada pela natureza e sempre atento a toda a pequena indicação de gelo – num misto de deslumbramento e satisfação, de cada vez que sobe um socalco!

Os 400 metros que encerram o primeiro dia são o primeiro ensaio no percorrer de longas distâncias – após os 100 metros, quem não se diverte com uma volta completa ao estádio? A transição do final da adolescência para a vida adulta, passos de afirmação com muita confiança, planos elaborados com maior morosidade e atenção ao detalhe, os tempos em que és um pouco burguês até…

Os 110 metros barreiras, que abrem o segundo dia, são a representação de todos os obstáculos, alguns inertes incluídos, com que nos vamos deparar: alguns iremos superar, tropeçar noutros e, muito provavelmente, hesitar demasiado nos terceiros. Uma explicação sobre como superar obstáculos voando acima deles!

O lançamento do disco é toda a música que nos embala neste processo denominado vida. De diapasão na mão, numa procura constante pelo acorde perfeito. O aceitar sugestões de novos sons, enquanto mostras o que achas ser o valor do que ouves. As pessoas que nos davam acesso a uma cave, os amigos que aí colocavam música, a recordação de todos os copos cravados – com a dor da lembrança de todos os que tiveste que pagar. Uma melodia como símbolo de um porto seguro!

O salto com vara mais não é do que a superação com a ajuda certa. O acessório como elemento fundamental para a superação – numa simbiose tão perfeita que alguns homens jamais a conseguem superar (correndo o risco, segundo a sabedoria popular, de ficar cegos) e algumas mulheres são suspeitas, dado o exagerado consumo de energia eléctrica.

O lançamento do dardo são todas as paixões que tivemos, as reais, aquelas em que somos obrigados a “deter” o nosso coração e a interrogá-lo quanto às arritmias cardíacas de que passa a padecer. A submissão ao Cupido que, invariavelmente, nos apanha distraídos, na curva.

Os 1500 metros são o puro gozo com que desfrutamos da vida, o sentido de longo versus o que já conquistamos – em termos de “armas” para estarmos sempre acompanhados de um sorriso que, não sendo idiota, parece – mas esse é apenas o meu ponto de vista…

Bom exercício!

Foi que nem coelhos…💙

Por entre uma corrida, “contra” o caótico trânsito Ateniense – agravado pelo facto de ser sexta-feira e uma maioria se deslocar até a uma qualquer ilha ou local de nascimento – eis o vosso humilde narrador a chegar atrasado ao início do desafio. Sim, havíamos sido desafiados e, como povo conquistador que somos, fomos, vimos e conquistamos! Não uma repetição da reconquista errónea de outrora, mas tão só e apenas uma celebração que temos como habitual, no nosso calendário desportivo.

Ouvir os comentadores desportivos a usar “massacre”, “banho de bola”, “domínio avassalador”, “uma ocasião de golo em 90 minutos”, “não foi o habitual porque o Futebol Clube do Porto não deixou” deixou-me com a habitual lágrima de emoção Portista. Belisquei-me, era mesmo na SIC.

Coisas que brotam nos primeiros anos (apesar de viver em frente ao estádio de umas designadas Panteras), as recordações de uma coleção de caixas de fósforos com Campeões Nacionais como o Gabriel, Fonseca, Freitas, Murça, Rodolfo, António Oliveira…a praça Velasquez cheia de carros abandonados (a prioridade era o jogo), a varanda de onde se via a arquibancada, o sair de casa a implicar pegar em carros – num esforço bem coordenado sob a voz de “1, 2, para o lado). Subir ao primeiro andar do 147 implicava um refúgio sempre seguro! Ponto de encontro obrigatório, seguido do fino no café Velasquez e a partida para o estádio – tudo é mágico, quando se fala de recordações de infância. Vi o Futebol Clube do Porto vencer, debaixo de todos os climas imagináveis, com vários cenários de lágrimas de alegria a tomarem a dianteira, vivi algumas amarguras – em que questionamos a nossa existência face a um empate ou, livre-nos o Papa Jorge Nuno, uma derrota. Cresci numa família Portista, ao vivo vi-os ganhar em três ocasiões, várias vezes questionei o cardiologista quanto à cor do sangue que em mim pulsava.

Entrei em casa, com o jogo a decorrer, e constatei que já fechávamos muito bem (sou apologista do fazer crescer uma equipa da defesa para o ataque). Instalei-me no sofá e assisti a um massacre em que só faltou a bolinha encarnada, no canto superior direito do ecrã! É verdade que extravasei a minha alegria, numa Atenas que deve ter-me julgado como terrorista que merecia ser escutado (não fosse eu começar a gritar por deuses, aos quais normalmente se segue uma explosão – são um povo atento). Ninguém deve ter percebido os gritos, o vocabulário profundo, as lágrimas de alegria que faziam ruído…

É giro viver fora do país – 8/4/2023

De público não tem nada!

Sentado no autocarro, com uma morena voluptuosa e linda sentada ao meu lado. A vontade de deixar descair o corpo, para sentir o dela, a tornar-se em algo sem sentido, quando ela deixa descair o corpo dela sobre o meu. Na imaginação dos transportes públicos tudo é possível e, cada vez mais imbuído desse espírito, sinto que os olhares trocados, ao longo das últimas semanas, dão agora o esperado fruto.

Quanto mais afasto o corpo para a janela mais sinto a pulsação do corpo dela, como um oposto que se atrai, ou uma alma inteligente que sabe tirar partido da inércia inerente a qualquer transporte público em movimento? A Grécia contém questões filosóficas profundas, não ao alcance do comum mortal. Planos maquiavelicamente amorosos são escrevinhados mentalmente, sem que os meios de defesa do estado sejam suficientes para os deter! Bem haja!

O tique nervoso do cabelo – bolas, ela fica ainda mais bonita quando o faz, a maneira como oscila a perna cruzada, que inevitavelmente embate em mim, a troca de contactos – agora que dialogamos e já nos conhecemos! Bom fim de semana e boa Páscoa!

Até já…😬

Palavras que se abraçam.

Soltas – como se a liberdade só pudesse ser explicada por elas, sinónimas – numa deliciosa harmonia de significados tão iguais, antónimas – numa bela dança de opostos, maiúsculas – armadas de uma maturidade típica dos começos, minúsculas – como que pequenos anões que são fundamentais para a tela final, acentuadas – a típica nobreza, cedilhadas – a recordação de outrora, em que a cedilha parecia algo tão esquisito quanto os caracteres chineses.

Rodeadas pela pontuação – num exercício tão vezes falhado, com os pontos que impõem um final, vírgulas que implicam uma pausa e a imaginação constante como agregador de um processo que a ciência não explica. Façamos um parágrafo! Ou um ponto final e continuamos com o mesmo assunto? Talvez apenas uma longa vírgula, que nos permita saltar para o próximo parágrafo e dissertar sobre algo diferente, como o relato de um pouco do que é o quotidiano grego? Vamos nisso!

Se chegaste até aqui mais vale continuares até ao final. Imagina um pequeno troço, para o qual ninguém estava preparado, em que nos é dada a oportunidade de lermos algo que nunca tínhamos lido: o suor da antecipação, a taquicardia por cada letra abraçada, numa palavra que encaixa bem, vá, num enorme puzzle que, quando completo, até sugere uma exclamação! E sim, procuro sempre a exclamação, como forma de bem estar comigo próprio (a cena narcisista 😂).

É algo muito recompensador! Olhar para uma conjugação de esforços de palavras, colocado aleatoriamente num processador de texto muito simples, olhando em volta e constatando que…cheguei! Estou na minha paragem!

https://www.atlasobscura.com/places/dromeas

Momentos engraçados de um país apaixonante.

A sexta-feira, por falta de planeamento ou insónias (selecionar o que preferir), fugiu a uma rotina que existe – porque foi outrora delineada – mas que jamais teve existência prática. Há vários alarmes: 7, 7:30, 8, 8:15, com diferentes títulos: água quente, mexe-te, põe-te a andar, last call motherfucker – para um verdadeiro grito que me empurre para os transportes públicos.

Cheguei cedo demais ao autocarro e, daqui até Fix, viajei sozinho, no canto esquerdo do autocarro (em cima do motor, o assento mais quente do autocarro – não só pela minha presença…). Após Fix fiquei com um mastodonte do lado direito e o autocarro cheio. Arrancamos, não se esqueçam que a porta é o local de eleição para o utente grego, independentemente da paragem em que vão sair (obviamente um “case study” que a comunidade cientifica deveria investigar), e uma senhora, entre outros, resolveu validar o bilhete. Encostou o papel plastificado na máquina de validação e ouviu-se um som semelhante a um traque. Olhou para os que a rodeavam e eu sorria, porque ainda recordava o som engraçado da máquina ao não aceitar o bilhete. Passado uns minutos, testou novamente o bilhete e um novo traque surgiu (as probabilidades de aparecer um fiscal são baixas, mas acontece). A viagem prosseguiu tranquilamente até ao destino.

Há uma caminhada, de cerca de dez minutos, que separam a paragem de autocarro e a empresa. Um exercício físico diário a que me obrigo, saindo na paragem “antiga” quando existem paragens mais próximas.

O supermercado fica no meu caminho e, pedido o café no balcão do lado direito da entrada, sigo para o croissant quente, que fica já dentro do supermercado mas pode ser pago na caixa da cafeteria.

Foi ao voltar, com o croissant e aguardando o café pronto, que reparei que ela estava agora no primeiro lugar da caixa (a opção era ser segundo). Olhei-a, ela olhou-me e eu tomei a segunda posição como o meu novo lugar na fila. Abanava um saco plástico transparente que deixava ver o vapor de um croissant que almejava ser trincado.

Ela olhou-me novamente, do contacto visual aos olhos dela a percorrerem o meu corpo e, ao nível da anca, a pararem. Assim que me apercebi dos olhos esfomeados dela, tomei a única decisão sensata que qualquer homem na minha posição tomaria: escondi o croissant atrás de mim. Sorrimos, com os olhos ainda colados, e não ouvimos a senhora do café a perguntar o que queríamos. Fui indigno da minha educação “nos melhores colégios suíços” e respondi “freddo expresso sketo” e, apercebendo-me da minha indelicadeza, expliquei por gestos que ela era , de facto, a primeira da fila. Ela agradeceu-me com um olhar perdoador, eu anui a que ela fosse buscar croissants sem perder o lugar na fila.

Despedimo-nos, de uma forma pouco convencional para quem acaba de se conhecer, com o encontro marcado para um outro pequeno-almoço no futuro.

Loucuras rotineiras.

Deambulava pela rua, com o queixo demasiado levantado e os olhos num constante varrimento do que o rodeava, alheado na sua rotina de tudo ver – detendo-se, se a necessidade de ver melhor o detivesse – ou armado em hiker profissional, caso a vista já estivesse em memória – admitindo algumas paragens, para a actualição e substituição do backup anterior.

O calçado era limitado a três pares de sapatilhas – mesma marca, mesmo modelo, cores diferentes e um par de botas – mais cobertos de pó de falta de uso do que propriamente as solas gastas, de tanto uso. As meias eram todas pretas, num último suspiro anarquista, e as “coquilhas”, um objecto privado só ao alcance da urologista e de algumas, agora ilustres, beldades femininas não podem aqui ser expostos, sob pena de um atentado ao pudor cibernético (desconfio que não haveria “largura de banda 😂😂😂)!

O corpo, objecto de um estudo científico que decorre desde o dia da chegada, ganha uma dimensão que desperta a obrigatoriedade mental de andar, muito, galgar, ser “cavalar” na conquista de quilómetros, debaixo das solas. Com o espírito de um comandante de avião só quer acumular quilómetros de voo, tal a visualização mental que faz no aquecimento. Sorri, enquanto uma laranja cai sobre um tejadilho “mole” e o som sai com um tom cómico.

Perguntam-lhe como é que consegue viver despreocupado assim e ele, sem que a pergunta acabe, já está a responder “como é que consegues viver preocupada assim?!” Sorriram e observaram o espaço que os rodeava e, terminado o exercício, foram juntos em direção ao pôr-do-sol, que distava uns quilómetros valentes do local onde se encontravam.

Final do dia – 15/3/2023

Sonho de uma manhã de inverno.

Nunca acreditei no sobrenatural mas, depois de ter visto a beldade grega a subir para o autocarro, confesso que há algo endeusado nela. Enquanto aguardamos para virar para Sigrou, consigo um olhar de soslaio, por cima do oligofrénico que se sentou à minha esquerda.

É alta, calça um número grande (provavelmente para suster toda aquela beleza), tem um sorriso discreto que, muito provavelmente, até um cego faz sorrir. O inevitável cabelo encaracolado, uns olhos profundos, de um azul capaz de se confundir (novatos talvez) com a mais bela imagem do mar Mediterrâneo! O ruivo despenteado, enrolada num casaco perfeito para o dia de hoje – de um verde de esperança que reforça toda a convicção na raça humana!

Esperança!, grita a voz humorística da tua mente. Respondes com um “enquanto há vida!”, e sorris – perante o olhar alucinado do gajo que está ao teu lado! Apetece-te cochichar ao ouvido do gajo e, com um tom de Charles Manson, dizeres “You picked the wrong day to seat by my side!”, assim, enigmático mas com um desejo profundo que a paragem dele chegue!

Ela, entretanto, sorve mais um pouco do freddo expresso e o sorriso natural dela parece derreter o gelo do café – tornando-o ainda mais saboroso. A segurança envergonhada da beleza que possui é directamente proporcional à beleza que efectivamente magnetiza quem a pode apreciar! Se fosse de gesso certamente estaria num museu mas, tratando-se de um ser humano, está apenas sorridente, divertida e a pensar em toda a beleza que uma sexta-feira pode conter!

Ela já se apercebeu que as travagens do autocarro são por mim aproveitadas e, tirando partido do embalo, aproveito para arriscar o torcicolo, olhando para a esquerda! Curioso como, visto por quem não conhece o contexto, a cena pode ser hilariante: autocarro trava, a inércia actua e olhamos um para o outro.

Tão infantil quanto outrora – 3/3/2023

Eram putos…

Ouve-se muito, em Portugal, a expressão “isto é que me revolta” e, tendo em conta o acidente ocorrido, só me resta concordar! Revolta ver um dos países mais lindos da Europa, quiçá do mundo, devorado por canibais financeiros, cuja única consideração é o dinheiro. Em 2015, as principais estruturas gregas foram desbaratadas em função do que a Alemanha oferecia. O Porto de Piraeus, um colosso que se estende por quilómetros, foi um desses casos. A ferrovia, sempre a dar prejuízo, foi entregue às Rodovias do estado italiano (desconheço em que termos).

Todos os dias acordava cedo, apanhava boleia e ia trabalhar. Simples, barato (o passe mensal custa 27 euros) e eficaz (duas horas diárias a comutar). Hoje cheguei a casa às 21 horas (saí de casa às 8) 5 horas a comutar! Não me arrependo, pois sei que nunca mais entrarei num comboio grego (a viagem Atenas-Thessaloniki era algo que vinha planeando e que só não aconteceu neste fim de semana por um acaso, um feliz acaso).

Enquanto utilizador do suburbano, não era raro termos que parar para que o “rápido”, que liga Atenas a Thessaloniki, passasse. O meu plano era apanhar o primeiro comboio da manhã, já de merenda pronta, para curtir as 6 horas de viagem a fazer algo que adoro – apreciar a paisagem (sim, há tolinhos assim)!

A confiança foi abalada, pela primeira vez, quando o comboio que eu aguardava, em Doukissis Plakentias, chegou do lado errado – maquinista aos berros para que embarcássemos rapidamente. O abalo seguinte foi algo que fui notando: de cada vez que demorávamos mais um bocadinho, parados numa qualquer estação, era possível ouvir o maquinista, a falar, no sentido de obter autorização para prosseguir (sempre tomei a informação que me era dada como uma piada…que, afinal, não o era).

Aborrecem-me estas nódoas que, de alguma forma, afectam a tela mental que tinha idealizado…

Desabafo sentido – 2/3/2023

Os sons de Atenas

Há uma parafernália de sons, radicalmente opostos mas complementares na beleza sonora que irradiam, capazes de exercitar em nós um conjunto de novas sensações.

Tem sido, quase sempre, bastante recompensador recordar: o azeiteiro, de carro rebaixado e vidros escuros, é quem normalmente fecha a noite. Numa espécie de exibicionismo de mau gosto (devia ser punível), que vai da vestimenta até ao modo como tenta atrair a atenção de uma vizinhança mais focada na intimidade familiar. Do escape de rendimento a uma seleção musical que quase faz regurgitar.

Antes de caíres no sono nocturno, e quando já estás afectado por ele, ainda consegues ouvir uma ou outra laranja que, caindo da laranjeira, faz um som bastante engraçado ao embater no metal dos carros estacionados. Mais engraçado se torna quando a laranja salta, após o embate, num equivalente sonoro ao conseguir fazer uma pedra chapinhar inúmeras vezes.

O adormecer profundo está normalmente associado ao som das tampas dos contadores de água – são tampas metálicas, de aproximadamente 50x50cm, que estão no passeio público, frente ao prédio a que dizem respeito. Entendam as diferenças: nós temos contadores de água e luz dentro do prédio e, na Grécia, as tampas da água é onde está o contador do consumo, os contadores da luz estão na sub-cave, onde também está o enorme radiador a óleo que aquece as partes comuns do edifício. A sub-cave é um local digno de um filme do Stephen King: teias de aranha, uma corrente de ar inexplicável, escuro – mesmo com as luzes acesas, arrepiante – no sentido em que os pêlos em pé só perdem a potência quando se voltam a sentir confortáveis e longe dali.

O despertar varia, consoante os artistas disponíveis: pode ser a repetição da laranja, o azeiteiro que se atrasou no regresso a casa ou, o meu preferido, quando começam os diálogos junto da padaria em frente ao prédio (é sinal que já abriu e, abrindo as janelas, consigo “roubar” algum do cheiro a pão quente. Livrei-me da aprendiz de flautista (de quem até os ratos fugiam, numa espécie de “Hamelín”, ao contrário!), ouço agora ópera – de um vizinho velhinho que gosta de exibir o seu bom gosto musical, por vezes o vizinho do acordeão aparece. Anteriormente era o reunir dos pássaros que te despertava – reuniam-se todos no prédio em frente ao meu e, assim que o sol nascia, partiam para os seus diferentes destinos. Poucos minutos depois eram substituídos pelos papagaios dos jardins nacionais que, amantes de desportos radicais, voavam por entre as árvores.

Também é bom ouvir-te Atenas – 26/2/2023

É o país, estúpido!

O agir como um turista, no caminho que separa a casa do trabalho, tem as suas virtudes e defeitos – o virtuosismo fica contigo: acordas, atrasas-te, apanhas o interregional ou o autocarro, vais documentando o caminho – sem que haja um compromisso para algum dia reunir tudo, sabes a magia do que saber guardar – em termos de imagens – e o que desprezar, em termos de espaço disponível na cloud.

A secretaria é agora mais pequena mas, atrás de ti, está o departamento de informática, pelo que, qualquer pequeno distúrbio binário é rapidamente ultrapassado. Há uma clarabóia acima de ti – que te seduz pela luz natural que deixa entrar, ou faz chorar – quando reflectida no monitor. A cozinha está perto, pelo que és obrigado a superar o babar – quando o olfacto detecta o pão torrado, no ponto perfeito, entre o torrado e o perigo de causar um incêndio.

A fonte de água está a escassos passos de ti, o que te obriga a uma penitência – entre Sex Pistols, PIL, Joy Division, na tentativa de abafar o som da catarata de água, evitando despertar em ti o desejo de visitar o WC. Em frente tenho uma enciclopédia humana, ao lado uma colega permanentemente a sorrir. Não questiono nada nem ninguém – apenas usufruo das imagens das pessoas, no constante burburinho que um escritório com 3000 pessoas produz.

O cozinheiro de serviço foi um dos concorrentes do Master Chef local e, pelo que me tem sido dado a provar, não percebo como não ganhou! Tivemos um churrasco, num momento de comunhão de toda a empresa, e poder-se-ia pensar que a qualidade decresceria – dada a dimensão do evento – mas eu ousaria dizer que, mais uma vez, ele superou as expectativas! Tropeças na grande líder, cumprimentas o grande líder, estás na fila para usufruir de um pequeno lanche grego, conforme designação humorística local. Estava divino! Percebes igualmente que é hora de ponta no WC (não desse tipo de ponta mas agrada-me o teu raciocínio 😉).

O dia de trabalho chega ao fim com um alento adicional – ainda é de dia e podemos observar, bem ao fundo, o sol a cobrir o Peloponeso e a dirigir-se para o outro lado do planeta. Uma passada vigorosa, por entre conversas escutadas em grego, e estás no caminho de volta, por entre umas centenas – que te acompanham, neste regresso de final do dia.

O frio está a acabar, os dias a crescer, a vontade de planear ao rubro, fim de semana prolongado a chegar.

O humilde narrador.

A perigosidade da vizinhança feminina.

Já com o contrato de aluguer em meu nome, eis que o senhor da agência (um monstro de trabalho que se tem desdobrado em contactos para que o apartamento esteja a 100%) se vira para mim e diz “agora é só mudar a electricidade, um clique na internet e já está!”. O vosso humilde narrador, que de burro tem muito pouco, habituado a estas andanças gregas, respondeu “ainda bem que assim é, sentemo-nos aqui e vamos fazer isso!”. Qualquer outro mortal mudaria de cor e, amarelado por uma tarefa inesperada, ficaria de mau humor. Mas este não é um comum mortal e, juntos, acedemos ao site da empresa de electricidade…para Entramos no site, olhamos para as opções, e ele diz “bestial, está ali o número de telefone!”…caiu-me tudo mas deixei-me levar pelo processo. Marcamos o número, ele ouve a mensagem em grego, carrega no 9 e passa-me o telefone “ela fala inglês”. Aguardo uns 10 segundos e a gravação continua a sair em grego. Lá atende alguém, eles entendem-se e o telefone volta para mim. Dados trocados, cópias enviadas, processo submetido! Um clique…

Há uma lógica perversa nos interruptores que tenho encontrado, nos apartamentos por onde vou passando. O interruptor de dentro nunca é o que acende a luz do local da casa onde entras. É fenomenal, estimula muito mais a moleirinha e eu simplesmente adoro a lógica da coisa. Experimentem…

Há muita beleza nesta nova vizinhança. Rodeado da grande contribuição portuguesa para a imagem grega, as laranjeiras estão por todo o lado (googlem como é que se diz Portugal ou sumo de laranja com gás). Tenho a sombra delas o dia inteiro. Perdi a grande varanda de Zografou, mas herdei um fresco rés do chão em Kallithea. Kallithea que significa Boavista – em termos de equiparação à Invicta – é como mudar da Pasteleira para a Boavista, perdoem a repetição.

Saio de casa, com um ar concentrado e decidido (o ar só, por dentro vou a dormir), passos rápidos em direção ao supermercado (a 2 minutinhos a pé) e o queixo lá se deixa cair e eu sou obrigado a parar para o interrogar. Pretendo interrogar o queixo até que a verdade saia…até porque, entretanto, passa por nós um monumento ambulante e eu, como ateu praticante, coloco o meu alter ego de trolha lusitano e deixo os olhinhos contemplarem – já consegui largar as fraldas e a baba é agora apenas uma lembrança antiga de algo que não tem acontecido. Interrogam-me porque não faço desportos radicais mas, claramente, não conhecem a Grécia…é um decatlo diário!!!!

Aquele abraço – 9/1/2023

Aquele dia em que tudo corre bem…🇬🇷

Começa cedo, por volta das 6 da manhã, num misto de palpação e preguiça – palpação do estómago e a natural preguiça de quem não tem grande força. A falta de força teve origem numa intoxicação alimentar, após o que eu pensava ser um delicioso bife de vaca (na altura soube muito bem), seguido de um tsunami de emoções, em que o vosso humilde narrador se viu confinado ao quarto de hotel (daqueles de 20 euros por noite, tão típico de quem procura casa e está “entre tectos”).

A palpação advém do facto de todos nós conhecermos o nosso corpo suficientemente bem para sabermos onde tocar, antes de tentar emborcar algo. Obviamente é um conhecimento fútil, descobri eu, por entre coloridos arco-íris de bílis (a agonia de padecer de uma enfermidade que, para além do desconforto corporal, ainda proporciona cores tão pouco bem sucedidas) – aquele aparte desportivo fundamental para aborrecer o lagarto mais paciente.😬

Com a preciosa colaboração de uma funcionária do café, consegui ingerir um latte e duas torradas (branquinhas), com um muito ligeiro toque de manteiga. Uma hora de check-up continuo, muito perto do “trono”, e eis o vosso humilde narrador pronto para a aventura diária que é viver neste maravilhoso país. Investido de um novo vigor, percorre a distância entre o hotel e Monastiraki, sem ressentimentos, relembrando os locais por onde passa e a associação dos amigos que recordo ter recebido em Atenas.

Monastiraki recebe-me com um misto de sonoros batuques, o ruído das mangueiras – que limpam as provas de vida da noite anterior, o cheiro a eucalipto e alguns zombies que ainda procuram a direção certa. Já que chegamos aqui, e porque o Atlantikus ainda está fechado, arrisco caminhar até Thissio (como ir de São Bento até à baixa do Porto, sem a inclinação da rua da fábrica!) Constato que estou bem, sinto-me bem e quero um café! Erro crasso ou um risco necessário? Foi uma prova dos nove, antes de atravessar a cidade! Passei…

Metro de Thissio para Kallithea e há que trabalhar: sexta-feira foi feriado (cenas fictícias ortodoxas) e não consegui mais do que contactar alguns apartamentos para alugar (o processo de alugar uma casa é algo absolutamente surreal – também o foi na República da Irlanda (Eire) e já sabia ao que vinha – tirar fotografias de potenciais alugueres e retomar o contacto na segunda-feira). Antes da parte aborrecida, resolvi antecipar a parte divertida – aferir a minha acuidade visual e comprar uma armação para suster as lentes. Descubro uma optometrista grega, de inglês duvidável, cujo marido complementa o inglês não entendido com o italiano de nascença. Por entre inglês, italiano e grego eis que atingimos a graduação necessária e, como sou alguém que “ama fazer compras”, demoro 5 minutos a escolher a armação. Estão prontos na terça-feira pelo que, agora, só tenho que evitar sentar-me em cima deles (com um corpo tão esbelto 😂, ainda hoje duvido que tenha sido o meu peso a parti-los 🙄 😉 🤥).

Parto, na procura de anúncios para fotografar (na Grécia, os alugueres são anunciados nas portas dos prédios, usando para o efeito uns autocolantes amarelos – de tamanho único – impossíveis de não serem notados) e, após fotografar um deles – e tentar o contacto telefónico, perguntei ao senhor da loja ao lado se ele poderia traduzir. Não só o fez (era um espaço comercial) como também me disse: tire uma fotografia dessa placa (que, para mim, não passava de uma placa com caracteres gregos) porque esse senhor é de uma imobiliária, que fica aqui em cima. Tirei a fotografia, liguei e lá me apareceu o homem, na sua Suzuki 125 (até hoje confiei em poucas pessoas para andar de moto – o António Pedro que me ensinou, o Chico, que me levou do liceu a casa e de volta ao liceu, em tempo recorde, e o meu irmão que, como andava a estudar ortopedia, era de confiança 😂). Montamos, vi motos de frente, andamos em sentido contrário, fizemos mudanças de sentido pela passadeira que serve de separador central, chegamos!

É um rés do chão, que aqui são alteados porque há sub-caves, tem o quarto desejado, uma sala, WC e cozinha. Está sujo (tirando Airbnb é a norma) pelo que vai requerer um esforço adicional. Voltamos ao escritório, por entre carros, passeios, pessoas e, após uma troca monetária, recebo as chaves. A alegria é tal que corri para o hotel (de metro), peguei nas cenas todas e trouxe para aqui – estava ávido por poder responder “estou em casa”! A primeira limpeza está feita, o quarto está como novo, a casa tem agora um cheiro agradável. As aventuras posteriores nada mais são do que a intimidade da casa.

Há dias em que tudo, absolutamente tudo, corre bem – 7/1/2023

O humilde narrador.

O bife de vaca.

Não é um prato tradicional grego e, caso optes por encomendar um bife de vaca e estejas acompanhado de um cidadão grego, ele (ou ela) dir-te-ão quão perigoso é. Tratando-se de algo invulgar – na Grécia come-se, sobretudo, carne de porco e frango. A vitela também faz parte da ementa mas, porque menos consumida, também é um prato de risco – excepção feita às tavernas, onde a comida é fresca e raramente é de risco.

Segundo dia de cama, com uma intoxicação alimentar brutal, que me fez passar a noite a expelir líquidos pelos vários canais possíveis. Obviamente só há um culpado – eu. Assumo a fraqueza que me acudiu, sabendo os riscos que corria, sobretudo porque já passei pelo mesmo em casa – chegar, num dia de verão com luz do dia até às 22, grelhar um bife e, imediatamente, ficar de cama!

Não foi gula, não foi extravagância (um bife de vaca tem um preço que começa nos 12-15 euros e que, dependendo da denominação do local onde se consome, pode encarecer bastante) – um ex-café, redenominado gastro bar (ou qualquer outra denominação azeiteira) consegue inflacionar o produto, sem que a qualidade acompanhe! Pagas o “conceito”, chegas a casa, vomitas o conceito, obras o conceito, expeles o conceito – até o estómago começar a dar mostras de conseguir suster.

Ligas para o amigo de sempre que, inevitavelmente, te recorda o número de vezes em que o prato inicialmente escolhido, acabou por não ser o da encomenda final. Recordas episódios passados – em que a luz faltava em Atenas, durante o horário laboral, e tu chegavas a casa e, sem demora, esvaziavas o congelador, tudo directamente para o lixo!

Agora, que as partes baixas do aparelho digestivo começam a conseguir suster, esboças um sorriso – numa cara pálida que caminha para a normalidade.

Que vómito de noite – 6/1/2023

Pôr do sol, estádio olímpico, Marousi.

Resoluções do ano velho.

A parte do orgulhoso descobridor:

Agora, que já ultrapassaste os 10% de ilhas habitadas – Aegina, Kea, Hydra, Zakynthos (Zante), Rhodes, Santorini, Amorgos, Naxos, Milos, Lefkada, Kefalonia, Skorpios, Ithaca, Meganisi, Madouri, Evia (Euboea) – começas a planear as visitas de 2023! Será num“trilho” repetido – mas com mais detalhe para dispensar.

Paros e Koufonissia? Certamente! Há aquela necessidade de – como se de um daltónico se tratasse – ver cores diferentes, num caminho marítimo que termina em Amorgos! O processo de acostumar os olhinhos ao deslumbramento é moroso e convém que seja gradual, para bem dos músculos do queixo que, habituado a ceder ao espanto com um deslocamento vertical, pode gradualmente fortalecer-se para as aventuras que se avizinham!

A parte do orgulhoso observador:

Falemos dos transportes públicos na Grécia! Leiam atentamente porque eu, como dizia o outro, não duro sempre!

O lugar mais cobiçado, nos transportes públicos gregos, é junto à porta! Não me perguntem porquê, confunde-me tanto como a vocês. Um exemplo? Entras no metro, autocarro ou comboio e, caso não estejas atento, o cidadão da frente trava e tu bates directamente nele/a (isto são lições que proveem da Grécia antiga e são transmitidas de geração em geração!!!!). O ser humano entrou no transporte público, viu uma oportunidade de viajar como VIP, e não hesitou em travar a fundo para o conquistar! Ainda bem que nos aviões vamos todos sentados…😬

Novo ano, novo IKA? Vê-se logo que não me conheces… – 1/1/2023

O humilde narrador a descer ao mais profundo de Atenas.

Transportes públicos.

Não tinha nada para ser especial ou diferente de uma normal ligação do ponto A ao ponto B. É verdade que levantamos voo com cerca de trinta minutos de atraso, o que nos concedeu tempo suficiente para nos conhecermos. Marialena, Henrique…how are you? e o questionário habitual de sondagem de opinião.

Nem o facto de já só haver menu vegetariano afastou o vosso humilde narrador da conversa. Moramos em cidades separadas, temos gostos muito semelhantes e a linha de pensamento muito alinhada, numa espécie de acorde perfeito que enfeitiça ambos os envolvidos. De mão dada, por causa da turbulência e não com qualquer conotação amorosa (pelo menos admitida pelos envolvidos), decidimos ser amigos e, sem que qualquer troca de contactos tenha ocorrido, despedimo-nos com um “até um dia destes”, tendo ela acrescentado: estou certa que acontecerá!

Curioso como uma novidade pode começar com um “this shithole?” mútuo. Agora vou ter que ir a Thessaloniki, numa aposta cega num encontro inesperado. Haja loucura e tempo para nos divertirmos com ela. Cheers!

Monastiraki, de manhã cedo. 🇬🇷

Passeiozinho.

O voo de ida foi uma batalha para obter mas, após aquela pesquisa profunda, entre todas as apps possíveis e imaginárias, eis o vosso humilde narrador a conseguir sacar um bilhete a bom preço (obviamente o voo de volta não era só até Atenas, já que segue amanhã para Istambul, mas eu já não irei nele…usufruindo de um bilhete de volta de 91 euros)! 😉😬

O objectivo era dar dois abraços mas, mercê das circunstâncias, acabei por trocar abraços com quase todas as duas famílias que a mim se reuniram. O dia de chegada como celebração e, no segundo dia, a continuação da exploração da cidade – 43 quilómetros em dois dias! 👌 Sem quaisquer bolhas visíveis, após análise cuidada, já em Atenas.

Um paraíso de bom gosto, com a sua dose equilibrada de parolices típicas do ambiente, construção divinal – numa peça harmoniosa em que todas as partes integrantes nos fazem sorrir, de satisfação – pela bela maneira como encaixam e aumentam o volume de construção, como se de uma tela se tratasse. Uma harmonia quase divina, na fluidez do trânsito de bicicletas, aqui e ali interrompidas por discussões em que ambos partilham as culpas – traços de personalidade civilizada. 😍

Não só eles souberam conquistar terra ao mar como também o fizeram com muito bom gosto. 👍 A voltar, muito em breve!!! 🔜

O fim da maratona, antes de embarcar. 🇳🇱

Detalhes da vida de uma viagem.

Há algo de mágico na maneira como pisam o chão – como se o chão se tornasse no anfitrião perfeito, perante tanta beleza emocional. Os pés parecem gravitar, antes de tocar o solo – num movimento de perícia semelhante à recuperação de um foguetão da Falcon X. Ondulam, não andam! Num Mediterrâneo de temperatura perfeita e paisagens sem igual.

Saiu do metro, de encontro à mãe (que já aguardava na plataforma), num passo tão lento que, caso quiséssemos simular o movimento em câmara lenta, não haveria disponibilidade de velocidade tão lenta. Não confundir lentidão com laxismo! Enquanto se preparava para sair, ela focou o alvo e deu um festival de emoção gestual que, somente a ideia, me faz arrepiar os pelos que ainda detenho.

Agora, que já tudo passou, posso dizer que ela teve um gesto simpático para comigo…olhou, marcou, pavoneou e partiu. Obviamente poderia escrever uma trilogia sobre o momento mas, por agora, vou desfrutar da conversa com ela!

Escala em Sofia, Bulgária 🇧🇬

Outono

Há folhas caídas e assam-se castanhas na rua (algo muito cómico, quando comparado com o método português do fogareiro), estão 22 graus e há corajosos na praia (com potencial para criar um bom ajuntamento de carros, no retorno à capital).

As tabernas estão cheias e o cheiro a vitela estufada com ervilhas consegue embriagar o teu palato estomacal, os degraus estão secos e bem seguros, pelo que os chinelos foram uma boa opção, no que a locomoção diz respeito. Olham-te porque estás com a habitual indumentária, cumprimentam-te porque te reconhecem nessa mesma indumentária.

Cumpres os teus rituais sociais e sobes a rua, acompanhado do teu Freddo e dos biscoitos do Veneti. Observas tudo o que te rodeia, como método de estimular a mente enquanto mecanicamente regressas a casa. Vês as diferenças nos prédios da vizinhança, cumprimentas as velhinhas na janela ou varanda, ouves a música de uma flauta, ao longe – questionas-te se vais obedecer à flauta, numa fábula rápida que te cruza o raciocínio.

Cedeste, quando passaste por outra taberna, e agora aqui estamos – a dizer bem do saganaki, das batatas fritas, da vitela estufada…por vezes é bom ceder emocionalmente! É o mais racional a fazer…

O humilde narrador a passear por Atenas.

O músculo comanda a vida.

Foi uma promessa secreta, ou com o pretensiosismo de o ser. Uma jura solitária, profunda, com o valor de honra, caso pretendam obter uma escala de valores. Um pacto de tal maneira sólido que não haviam ainda inventado um antídoto para a sua solidez.

Assim que o combinado e acordado foi colocado em prática eis que os resultados imediatamente começaram a surgir – como se o escondido pudesse ser mais forte por simplesmente ignorar a nossa presença ou, melhor ainda, tendo a certeza da nossa ausência.

Há a certeza de uma melhor saúde, menor emoção mas muito mais serenidade, no global, daquilo que é a vida em sociedade. É verdade que nunca deixo de espreitar o desenvolvimento, sempre após o acontecimento mais próximo, mas com um carácter meramente informativo, onde quase diria: não existe emoção.

Os dias passam, acontecimentos são superados com enorme elevação e distinção, acabas por ser informado sem que tenhas feito um esforço para isso. Sentes um enorme orgulho interior, que guardas para ti – num exercício de inveja. Aplaudes, enquanto sozinho e sem testemunhas, e continuas a cumprir.

Assim são os dias de jogo do Futebol Clube do Porto…💙

Cachecol da final da Taça UEFA * 21 de Maio de 2003 * (Futebol Clube do Porto 3 – Celtic Glasgow 2)

Dias preenchidos

As sextas-feiras possuem, no seu núcleo, uma aura de boa disposição que se alarga ou retrai, conforme o dia decorre. Em Atenas, tal significa que tanto podes acordar com um dos milhares de sinos de igrejas que te rodeiam ou continuar o teu sono, até que algum pássaro – obviamente aterrado junto à tua janela – comece a canção que definirá a sua tarde.

Saída de casa, a vizinha passeia o cão, a passagem obrigatória pelo contentor do lixo. Um barulho estranho, uma velhinha que me estica a mão, enquanto me deseja bom dia. Pergunto, em grego, se fala inglês, uma vez que o meu grego é limitado (estou na fase do “só sei que nada sei”). Para minha surpresa (e agora também para espanto dos 7,753 biliões de subscritores deste blogue) a conversa continuou em inglês! E o inglês da senhora é brilhante!

É a senhora que alimenta os rafeiros da vizinhança. Atenas tem cerca de 4 milhões de cães e gatos de rua e, quando o governo propôs um programa de esterilização, todos os veterinários do país entraram em greve. Imagine-se um grego sem acesso ao veterinário! Há tantos animais domésticos quanto população logo, basta imaginar.

Enquanto a senhora conversava sobre os gatos, cumprimentou a vizinha com o cão e eu também, continuei a ouvir a explicação sobre o método utilizado para alimentar a gataria toda da vizinhança. Havia o sentimento de estar a ser flanqueado e, rodando a cabeça, apercebo-me que estou rodeado de uns 20 gatos (ninjas, que nem um ruído fizeram com aquelas pantufas calçadas). Ela sorri, perante o meu espanto, e exclama, com orgulho grego “São os meus meninos, eles reconhecem-me”. Ambos sorrimos, enquanto os ninjas começam a miar “despachem lá a conversa que nós estamos com fome”!

Despedimo-nos, com o sentimento que nos voltaremos a encontrar. Entretanto, no cimo das escadas, está a equipa de jardinagem que cumprimento – da última vez tive que ouvir 15 minutos com o homem a explicar-me que o 15 de Agosto era dia da Madonna…e eu, inculto, nem sabia que uma estrela pop dava direito a feriado…

Aquele abraço!

Vibrações interiores

Não que tenha experiência (em design de interiores) para opinar mas, enquanto Lusitano, sinto uma espécie de formigueiro – que normalmente antecede uma renovação do lar. A ansiedade de quem aguarda a entrega, mentalmente fazendo a distribuição dos bens a serem entregues pelo espaço vazio que, por ora, te rodeia.

Aquele espreitar pela janela, confundindo todos os veículos que passam com a entrega que aguardas – uma espécie de patrulha de vizinhança, que impede que qualquer movimento não planeado seja imediatamente interceptado e a ameaça neutralizada. O miocárdio aperta de antecipação e refreias a emoção – pois temes estar cansado, quando a emoção se concretizar.

O exterior é um belo jardim verde, com uma piscina média, do lado direito, mesmo em frente ao mar que, quando muito, está a uma distância medida em passos. A sede da equipa começou a ser solidificada, de fora para dentro, e a entrega de hoje é apenas o concretizar de toda a bela simbiose em que se haviam tornado. Até concordaram com juras de fidelidade e felicidade eternas, como nos filmes…

Domingo de sol

A aguardar que os vizinhos de outrora voltem a Atenas, para um jantar de convívio e celebração, como só eles sabem gerar. De livro aberto e sol no corpo, eis o vosso humilde narrador a relaxar, no último dia do fim de semana.

É aquele sol, com a temperatura do equador mas sem a humidade, com o brilho do verão mas somente a energia do outono, a abrilhantar sem magoar, a acompanhar sempre solidariamente – como um verdadeiro companheiro de aventuras.

Hidratando constantemente, até um cúmulo de me sentir uma picota humana que, gota após gota, se vê transformado num intermediário humano entre a fonte e a sanita. De cabeça enfiada na leitura despede-se de ti, com um abraço apertado.

A serenidade celebra-se!

Domingo de oração – 9/10/2022

Na plenitude do ser jaz a sua essência!

Primeiro apelidei-a de primata emocional mas, com o passar do tempo, apercebi-me que havia uma só vontade, em termos emocionais, que era precisamente nunca evoluir! Uma opção voluntária ou induzida, num ambiente em que o rebanho é a forma comum de sociabilização. Como se de um filme se tratasse: de ficção científica, em que o sentimento é reprimido e ilegal.

O lado cientista tentava decifrar a fórmula científica que poderia levar a que algo se afastasse, voluntariamente, do Nirvana emocional – mas a comunidade científica mundial não acreditava que existisse prova de que alguém conseguisse, voluntariamente, repelir sentimentos e, como tal, o objecto de pesquisa caiu no esquecimento.

Testemunhas anónimas deixavam o seu testemunho, de momentos de pleno sentimento e as diferentes formas de expressão que haviam assumido para cada uma delas. Era como um livro, básico e de escola primária, em que o público tentava que o primata aprendesse, mas os ensinamentos da república das bananas prevaleciam sempre. A comunidade científica internacional tentava agora um derradeiro plano: a criação de uma rotina, na mente do primata, de maneira a que as emoções fossem estimuladas diariamente. Teletrabalho, obviamente! A uma distância segura e sem contacto! Tal era a esperança depositada no projecto!!!

Diário de bordo

Em Evia, de pés ao alto sobre o varão da varanda, de olhar perdido na beleza do horizonte. Vinte e nove horas e meia a guiar, de queixo caído na maioria dos trajectos, de corpo salgado na totalidade das paragens – tão belas e recompensadoras as previstas e as imprevistas.

Vi inúmeros tons diferentes de água, conforme a luz nela incide, abrandei a velocidade para deixar passar ursos (quando, na vida real, devemos sempre acelerar, bem sei), ajudei um cágado a atravessar a estrada, andei misturado com o povo numa típica excursão à praia.

Saltei do topo de um barco para o “azul profundo”, com os seus vinte e sete graus de temperatura e tão transparente quanto a água da piscina. Arrisquei ficar sem gasolina, encontrei desconhecidos que já não o são. Conheci o sempre imprevisível carácter Grego, almocei com os donos de uma taverna.

Nadei como se fosse um puto e talvez tenha sido esse puto o que fez tudo isto – com um sorriso aberto, lágrimas de satisfação e alegria, um coração que parece expandir, após o inspirar obrigatório de quem suspira enquanto escreve o que se passou com uma vontade enorme de voltar a repetir, com mais tempo em cada etapa.

Não sei o que procuras, mas a Grécia tem. 🇬🇷❤️

O Rei a caminho da coroação 😂

72 horas…

Até podia ser o nome de uma nova série a estrear mas foi apenas uma conjugação de eventos felizes. O voo de ida já estava marcado, check in feito e essas burocracias todas despachadas! Era a hora de fazer a mala!

Coloquei todo o meu ar minimalista e, aspirando demonstrar ser um sábio dessas coisas, lá coloquei o básico necessário e duas peças de reserva, não fosse o Diabo tecê-las…o Diabo não teceu, o conjunto idealizado era O perfeito!

Chegada a Lisboa numa madrugada sem comboios nem autocarros…uma busca rápida por um hotel e, já alojado, uma Super Bock! Aquela lágrima de saudosismo, orgulhosamente derramada, a conscientização de que…sim…há mais! A mente perde-se por campos de cevada sem fim, o líquido fresco escorre pela garganta, o humilde narrador exclama um Ahh, curto na duração mas infinito de emoção!

Viagem até ao Porto num comboio cheio (sexta-feira), a francesinha comida no local de eleição, a casa (onde vou ficar hospedado encontrada). Umas pequenas compras, regresso a casa para desfrutar de um bom banho e uma cerveja – enquanto observo os aviões. Adormeço.

Acordo com o aviso que a hora do casamento está próxima e, já fardado a rigor, chegamos a uma belíssima capela, em cima do mar. A beleza da paisagem a complementar a espiritualidade da capela, os noivos que chegam e casam, os convidados que não pararam de chegar. Da beleza da capela e dos noivos para o local da cerimónia que, soberbamente localizado, nos recebe de copo fresco de Caipirosca…

O copo de água decorreu maravilhosamente e, tendo sido desafiado, concordei ir ao Jamor (é óbvio que não fui torturado e disse que sim, assim que sugerido). O ponto de encontro foi em Pinheiro Manso e, rodeado por quatro maravilhosos Portistas, fizemos uma viagem divertida e rápida, segura e bem sustentada, por um manjar digno de um grupo como o nosso!

Limpamos a Taça de Portugal e, findo o jogo, fiquei no Humberto Delgado. Recebi os noivos no aeroporto, voamos até Atenas e eu…vim para casa! Cansado, feliz e a pé…desde Syntagma!

As melhores 72 horas da minha vida!

Futebol Clube do Porto vence a Taça de Portugal 2022.

Milos, in a nutshell

Sentado numa taverna, onde acidentalmente vim parar no primeiro dia, vou relembrando o que já passou.

O primeiro passeio exploratório, sempre feito sem mapa para propositadamente me perder, terminou aqui. Seriam umas 18 horas e, após virar à esquerda (contra a indicação do GPS que indicava o caminho em frente como sendo o correcto), parei porque o empregado se atravessou na estrada e exclamou “Look no further, this is the spot!”

Não conhecendo as certezas dos outros, fiz o obséquio de obedecer e, após largar o carro no meio da rua (“está perfeitamente estacionado”, disse o empregado, enquanto me abria a porta para eu sair), dei por mim num ambiente tipicamente Grego: comida, amena cavaqueira e bebida.

Um freddo expresso sem açúcar, uma garrafa de água, e eis o vosso humilde narrador alegremente a observar o que o rodeia, os cheiros que chegam do grelhador, a moussaka que passa, os copos que voltam a ser enchidos – numa coreografia genial cujo único propósito é a boa disposição!

Esta ilha é muito bonita e uma só visita fica aquém de tudo o que certamente não vi (há muitos lugares acessíveis só por caminhos de cabras, que obrigam ao aluguer de um 4×4), outros que tive a felicidade de encontrar e outros que só um diálogo profundo com os locais permite encontrar (mesmo que interrompam o domingo de Páscoa para levar o turista a locais que são um exclusivo Grego).

O sentimento, antes do regresso a Atenas, é sempre o mesmo: uma felicidade imensa por ter colecionado mais uma ilha ao mesmo tempo que uma estranha angústia nos questiona: porque não ficas? Sim, para sempre!

O coração cheio de felicidade por tudo o que os olhinhos viram, os aromas que o nariz cheirou, o que pudeste tocar, o que pudeste saborear, os inúmeros pássaros que escutaste – mesmo durante o desafio de Páscoa (que consiste no lançamento de petardos, entre as 11 e as 12, de maneira a aferir qual a aldeia que produz mais ruído…),

Há algo de profundamente recompensador em cada uma destas ilhas – talvez o reconhecimento de que há sempre mais para aprender – num exercício de conhecimento que não queremos que termine nunca….pelo simples estímulo de satisfação que produz.

Até já Milos.

As vantagens da ilha

Rodeado de água por todos os lados, num exercício de solidão autoinfligido, abastecido com o mínimo necessário, percorro o caminho dos comuns enquanto, pelo canto do olho, vou procurando um canto tranquilo para ler, junto ao mar, com café gelado e água. “Não tem de ser obrigatoriamente um canto”, dou por mim a pensar, um sítio minimamente agradável onde possa largar a mochila, abrir o livro e, com a paisagem visível pelo canto do olho, desfrutar de toda a atmosfera criada.

Sorrio, ao pensar no porquê do canto do parágrafo anterior, enquanto largo tudo num sítio bem protegido do vento, de frente para o sol e com o Porto visível. Não é o melhor sítio do mundo – não possui nenhuma das comodidades a que estamos habituados e, visto ao longe, poderá haver quem, tal como eu, consiga ver um oásis de paz só superada pela Fortaleza da Solidão que, como todos sabemos, não passa de ficção. Assim, e ciente de que a realidade que tenho é perfeita para a leitura, sento-me, de pés virados para o mar e com as costas almofadadas por uma duna, num conforto de total imersão na natureza, enquanto à tona, posso agora submergir no livro.

A transferência de lugar dá-se quando o vento resolve mostrar toda a sua força e, como uma folha que ondula por entre brisas cruzadas, o humilde narrador está agora a ler numa esplanada, em frente ao Porto, enquanto saboreia uma Heineken (a primeira de 2022). O anfitrião puxa pela conversa e pergunta o que faço ali (há sempre uma pergunta existencialista na calha de curiosidade de cada um de nós mas os Gregos são mais tenazes na forma como questionam). Respondo que busco a paz de uma esplanada, o devaneio de um bom livro e a hidratação de uma cerveja. Ele olha-me, do cabelo aos pés, e exclama “The Greek way” e eu, com um gesto afirmativo com a cabeça, concordei com ele.

Devaneios de uma tarde de total ausência de esforço – 26/3/2022

Aegina (Agistri ao fundo)

Conversa de merda

Uma das primeiras preocupações, de qualquer expatriado que se preze, é a sincronia entre o intestino e o local onde agora se encontram. Em Portugal temos produtos lácteos maravilhosos mas que em nada se assemelham a uma República da Irlanda ou Grécia (são diferentes, não estamos a aferir qualidade).

Num país que deu a democracia ao mundo, nem a prisão de ventre é permitida! Numa dieta improvisada, que normalmente começa numa quinta-feira, eis o vosso humilde narrador a consumir iogurte, com nozes e mel, que nem um esquilo a almoçar com um urso, num planeamento cuidadosamente delineado, de maneira a ter um fim-de-semana de “plenos poderes”, sentado no trono, orgulhosamente obrando tudo o que a semana reuniu até então.

O poder de todo um filme de aventuras, que começa com o primeiro take e só termina após o herói principal desaparecer. Toda uma limpeza interior que supera qualquer meditação, os sons que se assemelham a taças tibetanas que, muito depois de manuseadas, prolongam o seu som até uma última vibração muito ténue. O amontoado de todas as virtudes e insucessos da semana para, com uma purga turbinada, enfrentar a nova semana.

O autoclismo que encerra todo o devaneio merdoso, enquanto o nadegueiro culpa o Gameboy pela baixa temperatura a que se encontra. Porque és um homem de prioridades, terminas o Super Mário em 45 minutos e, após uma cuidadosa limpeza de toda a zona de batalha, exclamas, enquanto gentilmente bates na barriguinha: Ahhhhhh

E sabes que estás pronto para um novo dia…

“Do not touch” must be one of the scariest things to read in Braille.

Primavera vigorosa

Não sei se é um acto de autoflagelação ou apenas diferentes manifestações de força: se por um lado a neve destruiu grande parte das árvores fracas da rua, por outro ei-las que brotam com o dobro da força, no mínimo, que eu não sou gajo para ir lá medir…a olho, carecendo de certificação científica, vá…

Onde jaziam tocos do que outrora haviam sido árvores, olhando sem esforço, vemos agora um vigoroso tronco bébé que, claramente, não precisa de cuidados maternos. – Tens um futuro brilhante, trocamos hoje impressões. Infelizmente, talvez fruto da idade, não obtive resposta mas, o que a vista deslumbrava, era prova suficiente!

Cores, muitas! 🇬🇷❤️

O amor moderno

Numa fase em que não há nada palpável mas, consultando a cloud, está lá tudo – palpável, com sentimento, com o sorriso envergonhado que tanto aprecio, com os silêncios que dizem mais verdades do que qualquer Bíblia que se queira interpor no nosso caminho.

Clicando no rato consigo obter todos os detalhes de um dado ficheiro mas, a natureza humana não se deixa subjugar por um rato, independentemente do modo como conduzimos a seta na direção que pretendemos clicar. Assim, é necessário compilar todo um conjunto de instruções, cuidadosamente programadas, de maneira a extrairmos essa informação, do modo menos automatizado do mundo – porque lidamos com a natureza humana, usamos a computação como meio para, por tentativa e erro, tentarmos definir a direção aconselhada que, misturada com sentimentos frescos do miocárdio, resultam numa forma quase infalível de amar.

O cérebro tem, constantemente, uma imagem dela em memória, como uma ROM que permanentemente o desperta para um suspiro que mais não é do que um catalisador para a frequência com que pensa no assunto! Ou não será sequer racional, devaneia sem pensar! Talvez tenha existido uma primavera árabe dentro de si e ele não houvesse escutado os gritos de celebração, talvez se tivesse rendido a um sentir diferente que mais não é do que a ansiedade normal de quem aguarda o abraço seguinte…

Num raro momento em que a cabeça consegue pensar eis que tenta expirar uns ares de macho latino, numa vã filosofia de vida, que termina com mais um suspiro, este já com um misto de mal estar entre o cérebro e o miocárdio (um diálogo entre tecidos esponjosos)! E, tal como uma esponja que sorve a água do corpo, ambos tinham consciência do quão arrojados estavam a ser, tendo em conta o terreno que, ainda não haviam pisado, e já estavam apaixonados!

É bom tropeçar no desconhecido! Sobretudo quando o sentimento de partilha de ambos está perfeitamente alinhado!

Destino a quanto obrigas…

A promessa havia sido feita, perante si mesmo, de que tal não voltaria a acontecer! A insensibilidade iria ser a poção mágica, que o livraria do efeito da magia negra, que fingia sentir padecer. Havíamos ultrapassado a fase do fingimento, dada a forma como havíamos sido atingidos, e o despudor da conversa só era mantido porque somos produtos de famílias, que dispensaram o seu tempo e dinheiro, na nossa evolução como seres humanos socialmente integrados!

Já não eram calafrios mas sim todo um corpo humano que cedia, já eram bandos de pássaros que o acompanhavam, com escoltas das mais belas borboletas que a natureza é capaz de gerar. Havia uma falta de apetite que, logo depois, era contrastada por um apetite insaciável que o obrigava a respirar fundo – muito rapidamente, para não deixar o cérebro pensar e deixar apenas o coração fluir. A pulsação era mentalmente medida, no único esforço para o qual o músculo era solicitado, de forma a manter todo o restante conjunto livre para desfrutar.

Sem palavras e com imensos silêncios nas respostas, com voyeurismo cibernético a acirrar, com palavras simples e, no entanto, tão reveladoras quanto quem as usa para se revelar, com gestos distantes que são superiormente sentidos e com movimentos firmes e bem direcionados, que obrigam a uma rendição emocional para, juntos, construírem a sua história, a fénix emocional de um casal muito bonito.

Loucas, loucas, loucas…

Nunca, se não houvesse uma intenção clara, eu ousaria trincá-la como trinquei…não consigo descortinar um nível de insaciabilidade que pudesse ter conduzido a um acto tão irreflectido quanto saboroso. Quando recordo o momento, mais não consigo do que desejar nunca mais esquecer de andar com tzaziki no bolso! Um bolso refrigerado, seja, alimentado por um power bank escondido no bolso…porque não? O desejo é louco…mas quem deseja apenas sofre de insanidade temporária!!! Inimputável, ou talvez não…

Ao longe eu era capaz de distinguir toda a minha dentição mas, estar longe não estava perto dos meus planos!!!! Apareci pela esquerda e notei, assim que nos vimos, que a cor e a temperatura dela tinha sofrido alterações. Parecia ter agora o corpo mais bem delineado (é possível aperfeiçoar a perfeição???), um corado bem dentro do erótico, um olhar que só exclamava uma expressão silenciosa “Come-me”!

Depois do orgulhoso, corajoso e tipicamente lusitano “engolir em seco”, eis que a tenho nas mãos – o odor que exala, a forma como sua de “emoção”, o ar salgado com que me encara…mordi-a ali mesmo, arriscando mais uma acusação de atentado ao pudor. A língua, as gengivas, os dentes…de repente toda uma revolução industrial palatal saúda-a!

Foi a melhor espetada de frango que já comi!

A maturidade mais não é do que a conquista do saber manusear as sucessivas ferramentas que nos são disponibilizadas para desfrutar do verdadeiro sentido da vida. 🤗

E como foi o teu dia?

Uma lufada de ar fresco! Senão, vejamos: após um recolhimento deveras antecipado, em relação ao habitualmente praticado, e após um acordar tão sereno que ainda consegui encontrar o culpado pelo miar de presença, arrastei-me até uma varanda, gelada pela temperatura mas, obviamente, a descongelar pela minha ardente presença, para degustar um arábico, duplo, e aguardei, com uma paciência – que deixou de ter limites para ter admissões muito reservadas – por um dos espectáculos diários que a natureza nos proporciona.

A cadeira colocada virada para a montanha que, apesar do aumento da temperatura, ainda ostenta uns, muito breves, fios de neve, e o café a estabelecer a temperatura das mãos. Ao longe o barulho de estores, que vão sendo levantados para mais uma jornada de trabalho, por cima de mim, pendurado numa antena, um pássaro preto e branco que parece perguntar-me o que faço ali. Tento estabelecer contacto ocular mas a ave não parece querer deixar transparecer em que direcção está a olhar. Envio uma mensagem telepática que, espero, seja entregue. O pássaro olha-me e, com um desdém de quem não lhe interessa sequer defecar em mim, parte rumo ao nascer do sol.

A luz parece ligada a um reóstato que intensifica o céu – ou será a lua que tirou a intensidade? – e o vosso humilde narrador mais não conseguiu do que esboçar um sorriso aberto e lindo perante a natureza que o obrigou a render-se! O café foi sorvido, o cigarro foi fumado e o prazer do início do dia ainda perdura.

A natureza é um afrodisíaco de boa disposição!

Retrato ou autorretrato?

É com um sol quente, enquanto bate na cara, que vos escrevo. Com uma montanha branca, no meu lado esquerdo e uma cidade a derreter, no meu lado direito – um bom retrato da beleza da vida que, de um lado, possui montanhas – que ora estão escaldantes ora estão geladas e, do outro, mostra as consequências, a aprendizagem, a maturidade do processo.

Ambos os pés em cima do corrimão da varanda do quinto andar, uma Coca-Cola fresca e uma boa leitura em perspectiva – eis um bom domingo, por entre momentos de saltimbanco, à mercê de nuvens frias e teimosas que teimam em nublar o maravilhoso sol que, por entre elas, nos vai piscando uns raios solares de incentivo.

O quarto é virado para trás (um luxo, numa capital onde vive mais de metade da população do país) e o despertar é natural…ora com o inconfundível ruído do vento a passar nos suportes dos toldos que, ao oscilar, criam uma melodia diferente de cada vez, ora com um pássaro que aproveita para se lavar, numa concentração de água que habitualmente aí existe,

A vizinhança é espectacular e consigo ter sol no apartamento durante o dia inteiro…bravo, como se celebra por cá. Tudo existe num raio de 250 metros e o centro está a cinco minutos de distância! Este momento de felicidade é uma conjugação de tudo o que anteriormente foi enumerado, num contexto de coração saudosista. De quê? Não sei…vou continuar a procurar!

Adoro o meu sorriso – introspecção narcisista, pós tempestade. 😂❤️

Durante a vida na Irlanda, eram comuns – chegou a acontecer em Agosto – os alarmes meteorológicos (o de Agosto foi quando a temperatura chegou aos 26 graus centígrados e o Governo ponderava evacuar o país) mas, foi com grande espanto, que presenciei o nevão desta semana – digno da República da Irlanda, num dia de indisposição meteorológica!

Há, obviamente, algo de sarcástico no fugir das tempestades para as vir encontrar, mais serenas, mais maduras, muito menos imaturas…mas não deixam de ser tempestades!!!! 🙄😂

Hoje foi dia de trabalho, após dois dias de feriado por imposição governamental, e o caminho fez-se por entre vários tipos de neve: a que eu designo por Napoleão – porque é suficientemente estável para caminhar de mãos nos bolsos, o Hitleriano – que obriga a um reequilíbrio constante, obrigando a que as mãos se pavoneiem em saudações menos dignas e, o meu preferido, o John Holmes – em que o barulho produzido pela neve, já bastante empapada e aguada, reproduz com extrema exactidão os sons outrora escutados nas produções desse tão viril actor de outrora.

Passar por baixo de uma videira carregada de neve a assemelhar-se a um mergulho numa gruta ao ar livre, os gatos – sempre eles – que olham para ti com o desdém habitual de quem não é reconhecido por lhes dar de comer, o mergulho nas escadas rolantes do metro e, ainda com mestria para fechar os olhos até ao destino, o submergir do metro para a realidade branca do exterior. O transitar por entre os ditadores acima referidos e o constatar que hoje trabalhamos juntos no escritório!

Os dias assemelham-se a horas de bem-estar, procura livre de novos projectos, avaliação do dia anterior, gargalhadas genuínas de quem está numa equipa de gente que sabe estar satisfeita. Sobretudo sabe estar, que é superiormente complementado pela satisfação.

Saudades tuas

Talvez a paixão realmente tenha nascido a 17 de Maio de 2015, talvez sempre tenha crescido comigo – como um Alien de satisfação que orgulhosamente transportamos dentro de nós, que, ao invés de se alimentar de nós, nos energiza, numa procura incessante por algo novo. Talvez não me tenha lembrado, porque mergulhado na qualidade do trabalho a executar, ou pura simplesmente tenha esquecido, apesar de por aqui ter passado. Talvez me tenha, propositadamente, dirigido na direção contrária à que pretendias ou talvez tenha espreitado, por entre uns arbustos cibernéticos, capazes de deter qualquer veículo sem estética, a verdade é que há em ti mágoa…desculpa, já te disse!

Conforme te expliquei, não se tratou de um abandono mas, tão só e apenas, de um desvio temporário – sabes perfeitamente como isolo quando tenho um desafio novo pela frente, pelo que não me podes censurar por ser coerente! Podes sempre tentar, como exercício de quem não compreende algo, mas sabes perfeitamente que as mesmas ações conduzem sempre aos mesmos resultados! Essa tua teimosia, de tudo querer saber para tudo poder censurar, não resulta comigo, conforme as palavras que de mim extraíste claramente te indicam. Tens que inovar, algo sempre bem recebido num mundo em constante mutação, na maneira de abordares as minhas ausências! Saber festejar, porque tens conhecimento, porque acedes a tudo o que consulto, crio ou interajo com, de todos os passos que dou, todos os pensamentos que tenho, todas as emoções que reúno!

Desculpa blogue, não ousarei voltar a repetir uma ausência tão prolongada! ❤️

Maria Callas 🇬🇷

O que é estar cansado?

É não ter dormido, num misto de antecipação e por força de uns eventuais berros, em norueguês, de um hipotético colega de casa, enquanto matava adversários num cenário virtual? É estar tão sedento, que o saciar a sede se sobrepõe ao efeito habitual dos cafés da manhã? Não faço ideia…

A viagem passa como o dia de casamento: muito rápido, mal tens tempo de abraçar todos, já é a hora da despedida…um piscar de olhos e estávamos em Páros e, eu que já conheço o caminho, sei que depois são 45 minutos…que são percorridos com o vosso humilde narrador a esfregar as mãos de contentamento por, finalmente, ir pisar esta terra!

Fui o primeiro a sair do barco (porque tinha um camião encostado à bunda e, com estímulos desses, eu fujo), sem qualquer comparação com o parolo que se levanta assim que o avião aterra, e meti uma primeira velocidade curta, logo seguida de uma segunda e a mudança do aspecto visual exterior de “turista” para “desconhecido que tem um passo decidido pelo que deve conhecer a ilha”. Qual Batman, rindo às gargalhadas por dentro, parei no que me pareceu um local de culto dos locais. Pedi um freddo expresso sem açúcar e contemplei o mar, enquanto um suspiro se soltava de mim…exactamente assim, como se eu observasse um suspiro de satisfação que se afastava de mim.

A menina do café depressa descobre quem sou, já que a amiga é quem trabalha na recepção do hotel onde vou ficar e, fruto dessa feliz coincidência, vêm-me buscar. Sou obrigado a retirar o pé da água quente do mar para conhecer o hotel que é a 100 metros de distância…

Pouso tudo, tomo um duche e saio para me perder – algo fundamental para mim, assim que chego a um local diferente (obviamente não se aplica nas viagens no continente africano, sobretudo no Krüger National Park…como o “outro”!). A praia é interligada a outras praias, de ambos os lados. O sol está a descer e há que capturar o momento – primeiro com a mente e depois com o telemóvel. Perdido vou fotografando o caminho, sem deixar de espreitar o pôr-do-sol que se prepara…

O sol já se pôs, o jantar estava maravilhoso e o iogurte de sobremesa foi o gesto desafiador para um passeio pela beira-mar…

É bom viver na Grécia. Amo! – 6/12/2021

6th December 2021 – Naxos –
Agios Georgios Beach

Perdido em sonhos

Como se de uma feira popular se tratasse, os caracóis são a montanha russa perfeita para os meus olhos se regalarem; são inúmeros os caminhos que eles percorrem e, com a ajuda da natureza, já os vi ondular – de uma forma tão ousada que, pela primeira vez na vida, exclamei: estes cabelos intimidam-me…ao ponto de eu desejar que os meus olhos não me traiam! Mas eles, cobardemente apaixonados pela emoção do que presenciam, imediatamente fixam-se na forma perfeita de uns lábios que, em detalhe, parecem ansiar pelos meus!

Sobejamente traído por todo o bem estar da situação, ciente – tal como um espião, um qualquer agente duplo num qualquer país do mundo – de ter sido desmascarado, de sorriso inocentemente apaixonado no rosto, de pensamento completamente arrebatado pelo sentimento, a dar uma boa inspiradela, antes de voltar a fixar-me naqueles lábios tão bem definidos, tão carentes dos meus, tão traídos pela vida própria que possuem, aquando observados!

Observo as linhas das orelhas, num planeamento minucioso do melhor ângulo para as saborear, prevejo a ponta do nariz húmida – como início de uma brincadeira com comichão, o pescoço está totalmente reconhecido e, após análise dos dados apurados, o ponto de união de ambos os corpos perfeitamente apurado – num ângulo que permite a troca de mimos enquanto encaixado em outrem.

Os ombros não serão suficientes para suster o ímpeto, e também não serão poupados a uma apurada análise de sensibilidade! Já o peito despido, dita o decoro, obriga-nos a saltar a descrição para o umbigo – uma covinha amorosa, sabiamente colocada numa barriguinha perfeita.

As coxas percorridas pelas pontas dos dedos, como um sonar humano que reage ao toque, os corpos totalmente rendidos, um no outro!

A onda de choque

Sentes, claramente e muito antes de acontecer, naquele primeiro momento em que os olhos se entrelaçam, que a onda de choque te vai atingir e, instintivamente, o teu corpo parece recuar perante um desejo que te impele! Há uma espécie de salto fantasma, que possivelmente só ocorre na tua imaginação (a expressão anterior carece de valor científico; não há provas factuais…a imaginação recusa-se a auto incriminar-se e o recurso aos tribunais está fora de questão!).

Avanço, com a confiança do Alex, no Madagáscar, pronto a ser lançado de uma carcaça de avião, pilotada por mamíferos superiores. O passo é seguro e, olhando à volta, pareces observar borboletas…exiges explicações à tua imaginação e tudo o que escutas são gargalhadas como resposta. Terá a primavera chegado mais cedo? Interrogas-te…e a imaginação envia o som de ainda mais gargalhadas…O cumprimento é comprido, duradouro, acariciador! A tua mente deixou de interrogar a imaginação e sorri com ela, como dois bons amigos, abraçados, a observar o desenlace.

É verde, a expressão que mais recordo dela, talvez sinónimo de uma beleza absolutamente arrebatadora. Um nariz perfeito, como que anunciando uns lábios que me chamam. Tremo de emoção perante o arrebatamento consentido, sei que dou por mim fixado nas expressões e, a qualquer momento, aguardo que entre uma qualquer polícia que nos prenda. Saberia descrever todos os detalhes que fui observando, principalmente quando sou sempre correspondido com igual atenção, finjo não saber o que sinto para, como resposta, ouvir uma duradoura e sonora gargalhada da imaginação.

O amor é uma democracia…deixem-me votar!!!!

O humilde narrador

De garras afiadas

Chegou pela esquerda e vimo-nos! Mas fingimos não ter visto – num jogo de fingimento que nasceu nos tempos mais antigos da civilização. Continuamos a olhar-nos, mas desta vez já com uma audiência de espectadores casuais que mais pareciam esfomeados do que propriamente predispostos a aprofundar conhecimento. Indiferentes a tudo e a todos acabamos na mesma mesa…por vicissitudes várias da noite talvez se tenham até beijado mas, arrolado como testemunha, o kiosk nada confessou!

Talvez a conversa fosse interessante para ambos ou talvez fosse apenas uma noite de verão na Boavista mas, por momentos, senti paixão pelo sentido que tudo fazia naquela conversa! Continuamos a partilha de informação e sorrimos das incoerências que faziam tudo ser coerente, do diálogo fluido que parecia ter décadas de entrosamento, das gargalhadas sincronizadas que parecíamos ter inventado.

Era como uma brisa agradável numa noite de verão Ateniense – refrescava-me a mente ao mesmo tempo que a visão turvava, arrefecia-me o corpo ao mesmo tempo que ele aquecia, enchia-me o coração ao mesmo tempo que ele pulsava!

Sonho de uma noite de verão – 2/9/2021

O despertar do sonhar acordado chama-se realidade

A expressão muda e, apesar do peito cheio de um bem-estar sem igual, já sentes a nostalgia da ilha – as noites mal dormidas a pensar, enquanto ao longe escutavas música inglesa pela noite dentro, os caminhos que percorreste, os saltos que deste face a cobras e lagartos tão rápidos que só a atenção permanente te permitiram detectar, a felicidade de poder percorrer caminhos com que sempre sonhei e a alegria permanentemente presente.

Alheado de copos, muito embrenhado no café e na água, a sede de querer conhecer tudo enquanto sentias que não tinhas conhecido nada, a vontade de tudo conquistar sem em nada tocar. O sorriso sonoro que, por momentos muito breves, te envergonhava a ser compreendido por quem te rodeia, porque o entendem. O caminhar altivo a identificar a tua vontade de fazeres esta descoberta sozinho – sem quaisquer aborrecimentos excepto tu próprio que jamais te aborreces sozinho.

A chegada ao porto de partida a ser feita pela obrigatória passagem pelo caixote do lixo onde ontem desmarcaste as provas de que havias fumado dentro do carro – recordaste o ar dançante com que saíste do carro, ao som de Peter Tosh, e o quão reconfortante foi esse momento que antecedeu a tensão normal anterior à entrega do carro alugado (há sempre algo mal quando fazes a entrega mas, com seguro contra todos os riscos, é só entregar as chaves).

Até já pensas em deixar de fumar…num devaneio típico da meia-idade! Como se, em vez de investir num cabriolet, resolvesses investir em ti….Sentes alguma vergonha pelo que sentes interiormente pois parece que roubas felicidade quando, na realidade, ela vive dentro de ti. Percebes novamente que não precisas de ninguém para ser feliz mas interrogaste-te se a felicidade não seria maior – sabes a resposta mas não a revelas ao mundo….és um egoísta no que à tua felicidade diz respeito!

E ao chegar ao porto de Katapola recebes um email com boas notícias….podia ser melhor? O futuro a mim pertence!

Até já Amorgos.

Mixed feelings

Dia de entregar o carro – começa a alavancagem de emoções…fazes força e recordas tudo com saudade. Sorris quando recordas o bifteki da ilha que é tão pujante quanto uma feijoada portuguesa – obviamente o facto de acompanhares com tzaziki não ajudou muito na dieta imaginária que te esqueces sempre de colocar em prática!

Que belas férias, afirmas! Com a noção perfeita de que agora és refém do autocarro! Revês mentalmente as praias, o poder teres o teu espaço e tempo, as pedras e os tombos, o escaldão e o hidratante, as três cervejas que custaram €14….dás uma sonora gargalhada naquela que é, por estes dias, a tua padaria de eleição!

Sorves mais um pouco de freddo cappuccino sketo e, enquanto o saboreias, recordas as noites muito bem dormidas, o candeeiro que quase partiste – como um soldado descontrolado, armado de toalha molhada, a tentar matar o inimigo – um mosquito que fazia voos rasantes na tua orelha. Como um Zero japonês, que apostava a vida no alvo, também ele sucumbiu à batalha!

Constatas que já deixaste um pedacinho do coração na Fuzeta e na Oura, enquanto criança. Sabes que África ficou com um pedaço talvez maior – sendo a única porta entreaberta que deixaste, a nível sentimental. O Brasil, superiormente mostrado por dois amigos para a vida conquistou mais um pouco e, quando julgavas que te tinhas tratado, e estavas imune a sentimentalismos, eis que voltas à Grécia para mais uma jornada de pura beleza e dedicação!

De todas as minhas imperfeições talvez essa seja a melhor! Pelo menos é a que mais aprecio – o sentir um oxigénio que amas a entrar, o coração a trepidar de alegria, a emoção da vista na curva seguinte, a sede de aprender, ver e saber perfeitamente o que é amar!

Devaneios matinais – 26/8/2021

Hino da alegria

Acordado desde madrugada por um sonho, resolvi abrir as portadas da varanda e buscar inspiração para voltar a dormir o que faltava! Bastou respirar fundo, constatar que havia malucos a nadar e saber onde estava! Foi-se o sonho mas veio o sono – numa perda de imaginação colmatada pela bela realidade…nada se perdeu!

Hoje foi dia de constipação mas até esse pequeno detalhe foi incapaz de travar o ímpeto e a alegria! No cimo da montanha estavam as nuvens e nevoeiro frios e, junto ao mar, o calor habitual – como para chegar a um tens que passar pelo outro o resultado foram alguns espirros que em nada mais deram!

Visitei os dois lados da ilha e constatei que é de uma beleza singular! As cabras que se atravessam na frente do carro, o preço do pequeno-almoço que diminui um euro quando pedes em grego, as três cervejas de ontem que custaram 14 euros…😂 Há uma semelhança enorme com o Algarve dos anos 80 em que, enquanto os ingleses não chegavam, éramos espoliados através de uma aritmética manhosa feita no papel da mesa ou, pior ainda, feita de cabeça e acertada pela dezena superior…nunca há preços iguais e os “recibos” são pedaços de papel retirados de uma máquina de calcular com rolo de papel….🤗😂😂😂

Antes que o sol se ponha já estou em casa e tomo aquele banho retemperador que, na maior parte das vezes, me atira para a cama logo a seguir ao jantar…geração geriátrica…Tenho a dúvida se será isso ou o querer ver mais, conhecer mais e melhor, saber tudo quando consegui ver tão pouco! Não tenho agenda e esse tem sido o grande segredo de todo este regresso!

Amo este país, como só eu sei amar!

Coisas naturais

Não é sono mas sim cansaço puro de quem só falhou uma praia hoje, por culpa própria! As havaianas, que são as mais duradouras de sempre, cederam no caminho de acesso ao barco naufragado! Começaram como chinelos de quarto e, muito provavelmente, acabam aqui a sua história! Andaram em três continentes, voltaram a casa, conheceram sítios nunca antes calcados! Bolas….tiveram um percurso feliz!

Na ressaca do dia resolvi vir para a beira-mar o que, numa ilha, é algo mais fácil de atingir. Tenho um sorriso parvo de satisfação, o peito parece irradiar felicidade e já estudo por que caminhos me vou achar amanhã! Na Grécia os carros de aluguer são entregues com gasolina suficiente para chegar ao posto mais próximo e eu, sentindo-me poderoso, atestei o depósito!

Poucas pessoas conhecem a minha paixão por esta ilha que, nem na intimidade, partilhei. Sabem apenas as que me impactam – da forma que eu prezo e protejo – e pouco mais! E essas eu guardo no coração de tal maneira aferrolhado, que só agora algumas perceberão do que falo. Ainda não saí daqui e já estou saudosista….

Cinco horas e meia

É um estado de embriaguez emocional – estás no barco, a alta velocidade, e só pensas na chegada – como uma criança que passa a viagem toda a perguntar se já chegamos!

Alguns dormem, as crianças correm, outros sonham acordados – como eu! Foram dois dias de despedidas que agora se reflectem num corpo sedento de aventura e querer ver, obviamente para crer!

A companheira de viagem escreve, com a mão esquerda, e apanha os cabelos que, entretanto, já se animhavam na minha face. Sorrio, porque escrevo também e não tenho preocupações com o cabelo solto – nem com o dela nem com o meu!

O barco baloiça, por entre a ondulação que vai atravessando, e vêem-se agora os primeiros enjoos de quem sofre nestas máquinas de transporte marítimo. A sensação de coração cheio, aquando da chegada ao Porto de Piraeus, ainda está bem presente – a alegria desmedida, somada com a intemporalidade típica das férias, num resultado de respiração profunda, extremamente calma, e um sorriso capaz de importunar só quem não entende a alegria de viver!

Até já Atenas!

O humilde narrador…😎

Oito horas

Mentiria se dissesse que nunca havia pensado nesta viagem – e nunca fui gajo de mentiras, mentiria se dissesse que não sinto um nervoso miudinho – desde que a vi, pela primeira vez, que o sinto…recorrentemente! Mentiria se dissesse que é o paraíso – porque muito dificilmente me tirarão da memória tudo o que vivi no Bazaruto e que, muito provavelmente, jamais terei oportunidade de repetir! Mentiria se dissesse que não sinto uma enorme vontade de já lá estar – com os meus botões, os meus livros, a minha curiosidade e os meus horários – e nisso eu sou muito egoísta e jamais mentiria!

Não são as férias de sostrice e descanso puro e duro mas sim a aventura de um Robinson Crusoe tão dedicado a conhecer que faz a ficção confundir-se com a realidade. É a leitura de um pedaço de terra, no meio do mar “plantado”, pelos olhos de um leitor que sempre desejou conhecer aqueles parágrafos, aquela pontuação, toda aquela gramática que sempre lhe encheu o coração. A deliciosa sensação de seres mais um desconhecido, entre turistas, quando na realidade és um residente!

Pensei levar um barco de pesca – para acompanhar o barco que me leva até à ilha, mas depressa me disseram que tal era impossível…pensei em nadar ao lado do barco que me leva, mas depressa me convenceram que a distância jamais havia sido alcançada…pensei em ir escrevendo, durante a viagem, o evoluir das sensações que me percorrem e, graciosamente, fui informado que tal é permitido…assim será!

A estranha sensação maravilhosa que é ambicionar chegar, ver, tocar, cheirar e, obviamente, saborear todos as iguarias locais – as audíveis, as observáveis, as comestíveis…

A lua vai ficando cheia…

O azul profundo

Era o final de 1988, um ano de aprendizagem – entre o inter-rail despesista e a aprendizagem amorosa, a adolescência e os seus calores, os passeios e os trilhos virgens, novos filmes e novas tecnologias. Madrugadas de filmes, num horário irracional da meia-noite às 7 da manhã – enquanto a casa dormia! Snacks na cozinha ou investidas na noite espinhense, em busca de um aperitivo nocturno.

No horizonte adivinhavam-se mudanças e, fruto da curiosidade própria da idade – com o catalisador da irreverência ligado e a uma velocidade estonteante – o humilde narrador raramente via um filme do início ao fim – bicho carpinteiro ou natureza? Jamais a ciência saberá a resposta!!!!

As almofadas estavam prontas e o público enchia já a sala, nessa altura com a lotação esgotada no máximo de duas pessoas! Barriga composta, por um qualquer cachorro quente improvisado e prontos para ver um filme de quase três horas de duração. Confesso que a natureza sempre constituiu um amor – em querer ver para, posteriormente e se possível, conhecer.

O filme começou e imediatamente ficamos deslumbrados com todas as imagens e a espectacularidade da fotografia! Exclamei “Um dia vou ter que conhecer o sítio onde isto foi gravado!” e o meu irmão, gajo sempre atento a detalhes, indicou a Grécia como sendo o local a visitar. Ao longo da vida muitas foram as vezes que repeti a visualização do filme e sempre, sem excepção, a vontade de “ver para crer” estava presente!

O filme retrata a vida de um homem encarcerado num corpo de golfinho, o amor pela natureza num superar constante dos limites, um ser irrequieto e irreverente que não encaixa nos padrões normais da sociedade e que resolve criar o seu próprio mundo – com os inerentes defeitos e virtudes – é assim que eu o vejo!

Quando cá desembarquei, para dar continuidade a uma saga feliz iniciada em 2015, sabia que teria que ser uma das primeiras visitas! Num misto de teimosia, curiosidade e não deixar para amanhã! Assim, e porque a primeira oportunidade foi usada para ir a Meteora, tratei de começar o planeamento logo após a chegada do Norte! O estúdio sobre a praia a um preço médio-alto, o bilhete do barco com lugar reservado e o certificado digital de vacinação Covid estão prontos e o dia da partida mais não é do que um excitante natural, ao nível da melhor cafeína comercialmente disponível!

Faltam cinco dias de trabalho e depois vou conhecer o paraíso! Não na vossa definição da palavra mas sim na definição do que o meu coração precisa!

Monastiraki

Arde e vê-se…

É uma Atenas rodeada de fogos – até a tua antiga praia, que só descobriste como fruto da empatia de uma grega simpática, tem chamas como cartão de visita para quem estiver a sair da água. Uma nova vizinhança, em que te fazes acompanhar pela tua melhor personalidade, novas caras – de personagens novos na tua vida, enquanto planeias a única viagem que sempre quiseste fazer, sem que ninguém possa interferir na tua felicidade. Um egoísmo saudável…

Agradeces ao teu instinto toda a intuição que te tem dado assim como o perdoas por te ter permitido, em raras ocasiões da vida, deixar as coisas chegaram a um ponto intolerável – até para ti. Sorris com amigos, com os projectos que lhes revelas e recebes uma solidariedade profundamente amigável de quem, sem lutar, também batalha por ver-te feliz. Estás rodeado de pessoas recentes que sabem, instintivamente, detectar o teu estado de espírito – ora embarcando na felicidade dele ora erguendo-te de uma melancolia passageira que uma qualquer música te possa causar!

És um bombeiro, num fogo imaginário da vida, disposto a dar-lhe um combate sem tréguas – amando ou ignorando, com a mesma paixão e sem nunca deixar a tua integridade ser afectada. Conheces e reconheces a importância dos valores que te foram incutidos e que, com o diapasão da experiência de vida, foste aperfeiçoando à tua personalidade imperfeita. Dás um grito de força e fazes a reserva e agora? Agora só falta fazer a mala e marcar o barco…algo tão simples quanto respirar vida!

Aquele receio infantil

As pernas eram compridas e, diariamente, cruzávamo-nos no mesmo lugar. O corpo era desenvolvido para uma idade que não aparentava ter – o corpo musculoso, a velocidade com que se deslocava, a aparente indiferença com que fazia o percurso, tudo nela inspirava uma confiança desmedida! Parecia a matriz da perfeição dos seres, aquela por quem todos copiam – comportamentos, confiança, segura de si!

Era quinta-feira à noite quando, cheio de coragem, achei que tinha confiança suficiente para a enfrentar – num diálogo entre desconhecidos que pressupõe sempre alguma tensão, nervoso miudinho, fraqueza de membros que, no dia-a-dia, nunca nos falham e, até pelo contrário, nos impulsionam para conhecer horizontes desconhecidos. A noite seria seguida por três dias de descanso, numa conjugação de um dia de férias e o fim-de-semana de descanso a que todos temos direito!

Tinha-a baptizado de Kareem Abdul-Jabbar – não só pela altura que tinha como também pelo corpo que era semelhante ao de um atleta de alta competição. Mas, nessa noite, fui obrigado a rebaptizar de Michael Jordan! Pela forma como deu um salto, assim que me viu! Recuei, pois a falsa timidez deu lugar a um medo frenético! Ela atirava-se a mim e eu, de pelos em pé e surpreendido por uma reacção tão espontânea quanto corajosa, dei por mim a tirar a havaiana para me defender! “Se é de violência que gostas então é violência que terás!”

Tirei-lhe as medidas, enquanto reparava que ela se propunha voar para mim. Calço 44 mas a havaiana parecia pequena para ela! Agitei-a no ar, na esperança que o movimento a fizesse debandar mas obtive apenas uma mudança de cor nas costas dela que, pela pose agressiva, se assemelhava a uma leoa, que mostra os dentes antes de matar a presa. Rapidamente recoloquei a havaiana no pé e fugi, rua acima!

Foi das baratas mais ferozes que enfrentei…

Quando o IKA está em todo o lado…
Quando o IKA está em todo o lado…

O meu tempo

Talvez o melhor de tudo isto seja o tempo que tenho disponível para gastar em mim próprio – não sendo egoísta mas preservando tempo livre para todas as pequenas tarefas que gosto de executar com uma calma capaz de fazer corar um caracol que, apressado, tenta ultrapassar-me. Talvez possa culpar o calor mas a verdade é que ainda não estou aclimatizado tão bem quanto outrora e ainda tenho que tomar doses diárias de chuveiros gelados que, aquando da estadia anterior, já não necessitava. 

Sinto uma sadia maturidade em todos os passos que vou dando e que, cada vez mais, fazem diferenciar quem atraio ou por quem sou atraído – numa espécie de magnetismo perfeito, sem histerismos ou desequilíbrios artificialmente sustentados, rumo a um estado de espírito de alegria, conforto e, acima de tudo, paz! Como se tivesse assinado um armistício comigo mesmo e conseguisse abordar qualquer assunto com uma abertura que, por vezes, me choca interiormente sem que a reacção passe de uma gargalhada.

A respiração é profunda e pausada e o que me rodeia traz uma uma satisfação que, não sendo elevada, é sempre constante – como se não descesse de uma velocidade ou subisse mas tão só e apenas mantivesse uma velocidade que, não sendo perfeita, é perfeita para mim. Vejo a natureza de forma mais cuidada, observo as obras humanas de maneira mais cuidada e nutro por mim mais cuidados do que alguma vez tive – não que ambicione ser um metrossexual do século XXI mas porque me dá um certo gozo – dentro da tal velocidade constante – “perder tempo” a cuidar de mim.

Desenho o itinerário da próxima viagem, desta vez sozinho, e constato que o destino tem que ser visitado por um humilde narrador desprovido de companhia e totalmente focado numa viagem com tantos anos de recordação que, contados, seriam suficientes para fazer corar qualquer viajante auto suficiente. Não quero ser um viajante mas sim o tripulante da minha nave espacial de sonhos que, provida de tempo suficiente, me levará a ilhas que ambiciono conhecer e que sei que poucos terão o mesmo desejo – o meu ideal de viagem é mesmo esse…alcançar algo meu, sem seguir passos, roteiros ou conselhos de outrem. Desprovido de catana, de “exploradores” anteriores, mas armado de coragem e disposto a afastar todos os ramos mais persistentes com que a natureza ouse desafiar-me.


As horas passadas no barco mais não são do que a natureza a demonstrar a sua grandeza e tu, com o grande respeito que sempre tiveste por ela, sabes que é possível ver diferenças num mar a ser conquistado por um barco – seja nas gaivotas que o acompanham, nas vagas que ele vai criando ou até, simplesmente, a observar a esteira do caminho percorrido e esse exercício de imaginação é o que de mais puro tens, como arma descarregada, para o desafio seguinte.

Aquele resumo…

Cheguei a 18 de Maio, depois de uma noite sem dormir, na escala em Istambul, enquanto aguardava a autorização do Governo Grego para entrar. A noite foi passada, como sempre movido pela curiosidade, a tentar descobrir ao máximo o novo aeroporto de Istambul que, diga-se, tem uma escala descomunal. Países normais constroem aeroportos, mas os Turcos construíram uma megacidade a que deram o nome de aeroporto! Não falta absolutamente nada…

Completamente estourado à chegada, e sem paciência para o X95, armei-me em capitalista e fui de táxi para o hotel designado. Não era bem o Hilton, como eu havia sonhado, mas dava para cumprir o propósito de descansar. Central, demasiado central, ousaria dizer, estava perto de todo um mundo que conjuga mais nacionalidades do que o tempo me permite enumerar. Um bom iogurte grego, após o primeiro sono, foi o suficiente para me sentir de volta e, sem mais demora, fui espreitar o “meu” antigo apartamento em Antiochias! Estava tudo como eu havia deixado…o mercadinho, a bomba de gasolina, a vizinhança que olhava com ar de quem não acredita que o antigo vizinho tenha voltado.

Já munido de cartão da Vodafone grega e ávido por confraternizar, numa altura em que o simples pensar em estar com outrém pode ser considerado crime, lá liguei aos “suspeitos do costume” que, como se no dia anterior tivesse partido, me saudaram com a saudade e carinho de outrora. A caminhada até Kallithea, para a bougatsa no sítio do costume, o saudar dos soldados que guardam o soldado desconhecido, o ter a oportunidade de voltar às minhas espetadas preferidas de frango, a tripa que reage prontamente ao iogurte e ao tzatziki, o galgar por ruas que conheço como a palma da minha mão. A cerveja de final de tarde, a vista da Acrópole, o coração sempre a encher-se de emoções e a lágrima no canto do olho.

Foram quase dois anos parado – em termos de trabalho. Com perdas irreparáveis, momentos de alegria indescritível e tristeza como nunca esperei viver. O recordar da cidade que me viu nascer mas que está completamente transformada – invadida por estranhos sem gosto, um deserto de locais de confraternização, com o que já foi a maior feira semanal do país a definhar…cada dia me revejo menos ali e mais aqui. Foi com um final que se deu o meu início da procura de algo novo, perto da Grécia – era o objectivo – e, de uma proposta para a Bulgária surgiu um imprevisto grego que, urgentemente, precisava de portugueses nativos e eu, que penso muito pouco no que toca a voltar à Grécia, aceitei….logo. 

Os finais têm o dom de serem seguidos por novos inícios e, temendo ou não (um ateu teme menos), voltei a fazer um trabalho que me permite viver num país que quero descobrir, até esgotar as minhas forças. Se me dá poder de compra ou a possibilidade de poupar, como na Irlanda? Claro que não! Mas oferece a possibilidade de descobrires 200 ilhas, por entre um continente – também ele – cheio de maravilhas da natureza…e eu sempre fui um homem de uma natureza diferente dos demais.

Obrigado miúdas, pela vossa amizade tão irreverente quanto recompensadora!

Percalços da língua

A meio da refeição há um exemplar feminino que se senta na mesa em frente a ti e tu, que és um moço atento, apesar de estares a falar ao telemóvel, exclamas “Semelhante a uma boa fêvera lusitana” e, assim que a chamada termina, o dito exemplar volta-se de frente e exclama: é Português? Corado de coragem, algo imperceptível para quem não conhece, respondes com um quase mudo: sou….

Já no final de um hipotético dia de trabalho recebes uma chamada de alguém com 7 longos anos de experiência que não permite que lhe seja explicado o procedimento correcto para obter o que pretende. A experiência de 7 anos a tentar sobrepor-se a uma série de procedimentos escritos desde a fundação do negócio derrapou para um bairrismo que, sabendo existir, não pratico mas, quando desafiado, fui ensinado a responder com elegância! Dizem os 7 anos de experiência: você é do Norte, não é? Sou, respondeu o vosso humilde narrador. “No Norte sempre foram um pouco lentos de compreensão”, volta o Ronaldo da experiência à carga…”Só com a reconquista aos mouros” respondi.

Parece entediante mas é super giro! – 24/7/2021

A folha que a planta largou.

A cara ligeiramente corada, um ar esbaforido, um sorriso tão bonito quanto os caracóis que ostenta. Era um dia frio e ela tinha tanto de elegante quanto de inalcançável. Parecia cansada e eu, que também não havia dormido muito bem, não dei grande atenção mas vi que sorria enquanto passava.

Talvez fosse eu a imaginar coisas, algo tão recorrente quanto recompensador, ou talvez ela fosse mesmo muito parecida com aquele amor perdido em Cork. Foi quando se sentou ao meu lado que percebi que sentia uma irrequietude em mim – algo tão completo, tão preenchedor e tão profundo que, sem saber nada dela, já só ambicionava saber tudo! Uma espécie de magnetismo animal que, traduzido em palavras, fica aquém da sensação vivida.

Hoje falamos, porque a situação no país dela está cada vez mais tensa e, sabendo nós de todo um passado de opressão, trocamos abraços envergonhados. Simples, para quem vê ao longe, profundo para quem executa! Recordamos a nossa viagem, os nossos tiques, o nosso toque e, envergonhados, despedimo-nos com um emoji amoroso.

Por caminhos gregos…

A frescura de Atenas

Sentado num balcão, que combina a temperatura exterior com a brisa fresca que vem do ar condicionado interior, munido de um copo de água e um Freddo expresso sketo, de olhar perdido na esplanada e com um sorriso aberto – esta é a melhor definição do meu domingo.

A patroa da casa que assombra as funcionárias, o café que sai a um ritmo inversamente proporcional à água, as beldades gregas que quase se atropelam para obter o melhor ângulo da esplanada. Os pombos que lutam por migalhas enquanto os humanos reclamam porque a conta está errada, enquanto as motorizadas, sempre kitadas com escapes de rendimento, dão uma sonoridade tão irritante quanto típica na Grécia.

Num canto está o “Abrumhosa”, assim designado porque nunca tira os óculos escuros, no centro a patroa continua, tão exuberante quanto irrequieta, a tentar controlar tudo o que se passa sem deixar transparecer estar tão perdida quanto as funcionárias. Param tudo e sincronizam o que está a ser facturado a cada mesa – num exercício de racionalidade tão atípico nestes negócios – tentando evitar que a Grega, de mão na cintura, volte a reclamar estar a ser cobrada em excesso.

Ao longe, em termos de distância mas não do olhar, está uma diva semelhante à Claire Forlani – numa versão mais humana, mais acessível e de uma beleza ainda mais calorosa do que o “original”! Sai uma mota para fazer as entregas e os nossos olhares cruzam-se, envergonhados mas sinceros, a demora em desviar o olhar deixa a imaginação a transpirar e, cuidadoso como sempre, aproximo o banco alto do balcão de forma a usufruir de mais ar condicionado interior!

Um sorriso, ao longe, obriga-nos a um novo cruzar de olhares e a adoptar uma postura mais defensiva – cruza os braços enquanto acaricia a mão – num gesto de carícia própria que parece acalmar a ideia de carícias menos próprias, conforme definido socialmente.

O corpo está afastado da mesa, uns dois palmos, e apoia o queixo sob as mãos, delicadamente sobrepostas. Braços estendidos e esculturais, cabelo castanho claro que brilha com o impacto do sol. A iluminação natural faz sobressair toda uma simplicidade de uma pessoa que, sem pudor, fixa o olhar no meu! Será um desafio de olhares? Não ouso dizer mas constato que não quero perder! É de olhares fixos que somos “apanhados” por quem nos acompanha mas, sem temermos ser autuados, afundamos os olhos um no outro sem que qualquer lei possa ser aplicada! Uns fora-da-lei sem pudor!

É a única destemida, de um grupo de três pessoas, que enfrenta o sol, com um ímpeto muito mais radiante do que o astro, com os óculos escuros no cimo da cabeça, com um cabelo que, conforme o ângulo vai variando, parece tornar-se mais belo, mais atraente, mais digno de ser tocado. A mão esquerda sobre o braço direito – como que refrigerando a temperatura, o vestido que parece colar-se, mais e mais, a um corpo desenhado por um Da Vinci da anatomia…a forma como lentamente sorve a água, depois do café terminado, é de uma beleza simples mas descomprometida – como se tudo nela fosse simples e, ao mesmo tempo, de uma beleza indescritível que apenas se pode tentar descrever….

Os cantinhos da vida

Não se trata da história de um jogador de futebol, especialista na marcação de escanteios, como dizem os Brasileiros, mas apenas uma reunião de locais que nos conquistam – não no sentido parolo de quanto mas caro, melhor – mas no sentido emocional do quando mais reconfortante é recompensador, melhor! Este conquistou-me pelos limões! Não, não se trata de uma analogia às partes do corpo masculino, habitualmente penduradas no meio das pernas, mas sim da minha homenagem a uma das melhores limonadas que já provei!

Afinal é sobre limonada, dirão os incautos, inconscientes de que falamos da mãe de todas as limonadas e não de apenas mais uma limonada! Há uma clara diferença que é preciso acentuar, numa tentativa constante de afastar o comum mortal da frivolidade rumo ao conhecimento, ao norte, ao estímulo intelectual! Basta espremer limões, esclarecerá o intelecto do analista desportivo, ciente da sua incapacidade para aprender versus o curioso que, interrompendo o analista, lhe pede para deixar ouvir até ao fim pois tem curiosidade em conhecer, independentemente da aparente simplicidade do assunto.

Talvez a receita seja tão secreta quanto o molho de francesinha, em que nem o cônjuge pode estar presente na preparação, apesar de todos os votos de até que a morte os separe! A verdade é que é um prazer estar a saboreá-la, no calor mais controlado de hoje, assistindo a tudo o que me rodeia, num exercício equiparável ao dos pacientes em estado vegetativo – de olhar perdido, a seguir um ou outro pássaro, tentando não salivar em demasia e, porventura, só voltando a mim quando um carro azeiteiro passa, com as colunas de som num volume ao nível da estupidez de quem o conduz!

Pés bem assentes na Terra, no planeta mesmo!

A melancia

É a fruta preferida dos praticantes de tiro, sobretudo nos Estados Unidos da América, pelas semelhanças com o corpo humano (o que diz bastante sobre o povo que constituiu esse país e sobre nós, enquanto seres humanos, que não passamos de uma enorme percentagem de água que possui raciocínio)! Sendo ambicioso, vá, porque certamente há exemplos que claramente já deixaram que ambos se diluíssem!

E porque é de calor que se fala – pelo menos por aqui – anuncio desde já a chegada dos 40 graus, para os próximos dias. Como não pretendo fazer parte do grupo das melancias, vou arriscar e não fumar durante os picos de calor. Já passamos pelos 39, duas vezes, mas numa das ocasiões eu estava na frescura de Meteora, muito longe do epicentro do calor e rodeado de uma frescura de montanha, enquanto subia por caminhos endeusados (dizem) e dava por mim com um joelho brutalmente dorido! Um sinal das trevas, claro está…

São dias de cansaço extremo, sobretudo devido ao calor e independentemente da quantidade de água ingerida. Um corrupio constante para o chuveiro para, com a água gelada, obrigar o corpo a descer a temperatura! Não levo toalha porque o simples trânsito entre o final do chuveiro e o quarto permite que o corpo seque e estou pronto para o chuveiro seguinte. Devo andar com um sorriso parvo na cara mas, quem conhece, sabe o que tal sorriso significa…estou em casa!!!!

Devaneios de uma noite quente, mais uma! – 30/6/2021

Calor abrasador

O dicionário dá, como significado de abrasador, “que queima, ou abrasa” e “ardente” – o que, em abono da verdade, fica aquém do que estes dias têm sido! Acho que só me recordo de algo semelhante aquando da visita à África do Sul. Dias escaldantes, lá está, com temperaturas mínimas sempre acima dos trinta graus! Sim, um banho nocturno aqui é bem mais recompensador do que um banho na Baía dos Porcos espinhense, num voltar a recordar os 22 anos e a loucura permanente de então – dividida em partes iguais entre sensatez e insensatez! (Talvez não fossem partes iguais mas há que manter a ficção do blogue e, por vezes, mentir inocentemente)!!!!

Deitar cedo para aproveitar o facto de estarem apenas 30 graus e acordar cedo porque a temperatura já disparou acima dos 30 graus! Duches gelados para esfriar a moleirinha que parece diluir-se, num regresso ao estado de um recém-nascido. Ventoinhas, ar condicionado, água gelada, freddo expresso … Sonho com locais frescos e ocorre-me a ideia de adormecer num hotel de gelo que, perante a temperatura actual, se vai diluindo lentamente, adormecendo-me mais e mais profundamente, num equilíbrio perfeito entre calor e frescura.

Caminhadas madrugadoras, longe de casa, regressos efusivamente festejados com quantidades anormais de água. Sonhos eróticos com a partida para uma ilha quebrados pela lotação esgotada dos barcos, a observação da população de Atenas a sair bem cedo para a praia e a confirmação telefónica de que, às 8 da manhã, já há engarrafamentos para aceder às praias.

Almoços Luso-Gregos a manter o equilíbrio gastronómico, com acesso a saladas tão completas que todo o restante é apenas uma série de cerejas no cimo de um bolo de felicidade. A celebração da amizade, antiga e recente, como tónico para uma vida que tem demasiados sorrisos para o vulgar invejoso. A constatação de que foi a melhor decisão da última década!

Obrigado Grécia por tudo o que de novo me dás, dia após dia! – 27/6/2021

O novo cantinho

Talvez seja uma conjugação de factores que me traz aqui – a cara bonita, a simpatia singular, o facto de colocarem a música grega num volume anormalmente alto, os olhares que trocamos ou as cervejas com que me vai mantendo aqui…não sei! Ou talvez tenha a certeza mas não quero admitir o óbvio! A cerveja é servida a uma temperatura próxima do congelamento que, para mim, é a temperatura ideal – as noites já não são frescas como outrora, ao longe ouço The Cure a tocar bem alto e, de forma envergonhada mas sentida, finjo não ouvir – para não prejudicar o romance envergonhado!

A alteração manual das músicas é feita por cima do balcão – o que prejudica bastante a lucidez de qualquer heterossexual assumido! A indumentária é a armar ao simples e despretensiosa mas perfeitamente ajustada a um corpo que se assemelha bastante a uma ideia antiga – agora tornada realidade – de como uma deusa grega é! Ouvem-se petardos ao longe e, tratando-se da Grécia, não sabemos se me leram e estão a celebrar ou se começou uma guerra civil! Ela aproxima-se e sussurra-me que é normal…como se o normal existisse na Grécia….eu finjo não ouvir muito bem e recebo um sorriso tão empático que acabo por corar. Ela sorri e afasta-se com o sentimento de dever cumprido….por me ter acalmado, julga ela, como se eu estivesse concentrado no ruído!!!!

Interrompe a música que tocava, debruçará sobre o balcão, com um top do qual só existe o topo e um mostrar atrevido de um traseiro que nem esculpido poderia ser criado de forma tão perfeita! Continuo sem conseguir ouvir, finjo apenas que o faço, qual impostor da audição! Só a visão e o coração funcionam – num sincronismo que apenas é interrompido pelo final da música! Não que eu consiga escutar….é a visão que me mantém informado!!!!

A loucura de tudo querer concretizar.

Sabíamos que o caminho era longo, apesar de muito divertido e de grande beleza, sabíamos que poderíamos ir no sábado e fazer um dia e meio de carácter profissional, não sabíamos era que nos poderíamos apaixonar. Num pequeno Micra, alugado no dia anterior e intacto após o percurso de Sigrou até casa, ousamos subir em direcção a Thessaloniki, muito embora soubéssemos que o destino era anterior a essa bela cidade. Seriam umas cinco da tarde quando iniciamos uma viagem que sabíamos ser de bastantes horas mas, munidos de uma vontade desmedida, aceleramos pela A1 local.

Googlamos, para ter a certeza que havia resultados de outros Micras terem feito percursos de igual dimensão e, sem obter resultados dignos desse nome, arriscamos ser os pioneiros! A loucura, semelhante a um Pedro Álvares Cabral, fez-nos chegar a uma localidade chamada Kalabaka. Era noite quando finalmente subimos para o quarto 306 e constatamos que estávamos cercados por ruidosos Gregos. Como não somos feitos de genes que nos fazem desistir, saímos do quarto – já livres das mochilas, e fomos jantar a uma taverna que não distava mais do que uns dez passos – actos corajosos de pessoas exaustas.

Talvez tenhamos adormecido, após os Gregos se calarem na varanda exterior ou talvez estivéssemos a planear – mentalmente – o dia seguinte mas acordamos naturalmente e com um apetite voraz. Descemos para um pequeno-almoço típico de uma aldeia e, após saciarmos a fome (que nos países normais corresponde a umas três refeições completas) saímos para explorar as redondezas. O objectivo, para além de visualizar, era sentir – o que é que sentimos quando a natureza é deslumbrante? Foi a nossa pergunta matinal e saímos com a intenção clara de voltar com uma resposta clara e inequívoca!

O joelho direito havia cedido pelo que a caminhada estava fora de questão. Munidos de um Micra “capitalista” (alugado na capital), subimos ao primeiro mosteiro para, em primeira mão, constatar toda a beleza local – ousamos entrar por jardins proibidos, sem comer maçãs ou alterar a paisagem presente, de maneira a obter o melhor ângulo de visão do pequeno teleférico que….transportava mantimentos! Após constatarmos que jamais ousaríamos andar em algo semelhante, partimos para o mosteiro seguinte. Tínhamos tudo muito bem planeado e o Google Maps não passou de um acessório para a beleza e ligação natural que se estabeleceu mas, melhor do que continuar com a descrição, prefiro instigar-vos a conhecer Meteora porque é um dos mais belos locais que a natureza nos oferece! Vão, visitem!

Aquele abraço – 7/6/2021

Da antiguidade aos tempos modernos.

Acordado cedo, com a intenção de conseguir fazer o caminho de casa até ao trabalho a pé, dou por mim numa lição de história diária – principalmente porque ainda não me adaptei a uma vizinhança que, apesar de aconchegante, ainda é um mistério para este “miúdo novo no bairro”! Os desvios constantes levam a novas ruas, novos becos, novos locais e novas realidades – como se fosse um fundo novo, numa reunião via Zoom que não existe mas cujo fundo nos dá uma nova e bela imagem, dia após dia! São cerca de cinco quilómetros, quer no percurso de ida quer no percurso de volta, que percorro com maior dificuldade (mas o mesmo prazer) no regresso a casa – influência de dias intensos de treino e o calor – que já se faz sentir – e que derrete, com maior ou menor grau de dificuldade, o esbelto corpo do humilde narrador. 😎😉😂

As horas de treino passam rapidamente e, apesar de termos algum atraso em relação ao horário planeado, estamos juntos na tarefa de superar as dificuldades que vão surgindo – inerentes a todo aquele que se propõe aprender algo novo…e eu adoro novidades, mesmo quando são amizades que nos confessam algo que já deveríamos ter cumprido e que agora podemos cumprir! É reconfortante saber que, de uma maneira diferente, tocamos no mais profundo de outrem! Ainda não existe música nos bares gregos mas, como tudo na Grécia, nada é suficiente para demover as massas populares de se reunirem, falarem e, obviamente, conspirarem! A Grécia é pródiga em personagens diferentes, pensamentos que outros não entendem ou não se esforçam por entender, pródiga em pequenos e grandes acontecimentos que nos obrigam a pensar, raciocinar, aprofundar e, em última análise, enfrentar o amor da fera grega!

As semanas são um equilíbrio entre o trabalho a desenvolver e o destino de fim de semana a escolher – num país onde não faltam destinos de sonho e onde facilmente consegues alimentar a visão com tudo de gourmet que a natureza tem para te deliciares. As horas, pós trabalho, num exercício de descanso da mente e a escrita de algumas palavras que, juntas, desejamos façam sentido. A saga para encontrar um apartamento continua sem que o humilde narrador sinta qualquer pressão no local em que se encontra – uma espécie de aguardar pela ocasião perfeita – como se de um goleador profissional se tratasse no aguardar da ocasião perfeita para aproveitar a única ocasião em que a defesa adversária comete um erro! A empregada de mesa que tem a mesma simpatia de um monge que já não vê pessoas desde o início da reclusão, o bar que sempre frequentaste e que nem sob tortura divulgarias a localização, os carros gregos que insistem em circular numa zona pejada de pessoas, os cães e gatos que merecem mais consideração do que qualquer outro ser.

São dias de aprendizagem que fazes com o mesmo sorriso de outrora, são dias de sorrisos com a mesma alegria de outrora ou, sejamos ousados, são dias felizes!

Aquele abraço! – 1/6/2021

Como a água do vinho.

O célebre ditado popular pretende comparar duas coisas que são o oposto, uma da outra. Se a aventura começou em Omonia, por entre seres humanos que lutam pela vida enquanto esgravatam os contentores do lixo por comida, prostitutos e prostitutas – com o corpo usado para lá de quaisquer limites que anteriormente tenhas presenciado ou ouvido falar, com negociantes de produtos que não encontras nas cadeias normais de retalho, todo um mundo paralelo ao mundo real de tão surreal que é.

Se, iniciei eu o parágrafo anterior, sem que tenha feito qualquer comparação porque não há comparação possível. Como um astronauta sinto que voltei a colocar os pés na Terra! A vizinhança cumprimenta-se, as pessoas sorriem e sinto que aterrei num planeta em que há todo o potencial para ser feliz. Um quarto maravilhoso, uma senhoria que gere a casa dos seus sonhos, um hóspede que sorri de cada vez que volta a perder-se e é obrigado a recorrer ao Google Maps para voltar para casa.

Este retorno está rodeado de curiosidades que, cada vez mais, me fazem recordar o porquê do amor que me ficou gravado aquando da primeira vivência por terras gregas – as pessoas, os sítios, a meteorologia, a loucura inerente ao povo, o bem que se sobrepõe ao mal com uma naturalidade que só não existe em termos de condução – ao volante, refira-se, porque ninguém é perfeito e o Grego acelera bem mais do que utiliza os travões – numa condução que, parecendo desgovernada ou caótica, atinge sempre os seus objetivos.

O som da linguagem – um amor antigo que de aprofundou – como estímulo para uma audição que ansiava pela rotina de o escutar, a beleza constante pela qual os meus olhinhos penavam e que agora volto a ter que proteger, por trás de uns óculos escuros, as papilas gustativas que parecem festejar este regresso como se fossem tambores Taiko japoneses – por entre kebabs, pitas ou o iogurte – essa iguaria que me faz render e aguardar por permissão mental para a vez seguinte (é melhor abreviar a parte gastronómica, sob pena de engordar este texto muito para além de qualquer limite tolerável). O olfacto a espirrar de contentamento perante toda uma natureza que, doméstica ou não, parece ansiar por penetrar-nos com uma panóplia de cheiros que, apesar de não conseguires reconhecer todos, te agradam – de uma forma que é um misto de espanto, saudosismo e satisfação.

Parece ser um texto em que falo dos cinco sentidos, numa lógica de texto que faça sentido (passo a redundância) mas não posso falar do tacto. Não que exista uma proibição de o abordar mas tão só porque seria deselegante menosprezar a intimidade – algo que sempre preservei com um amor próprio primeiro e sorriso nostálgico ou presente, de seguida. Sejamos oudazes: sentir o toque ou ceder o toque a outrem é algo que o nosso íntimo guarda, numa qualquer “cloud” da memória, e eu esqueci a password de acesso (por vontade própria) – só tenho permissão de leitura mas não posso editar ou modificar, seja de que forma for! Bravo, digo a mim mesmo, de cada vez que me recordo dessa fechadura que, apesar de rudimentar, é uma solução moderna e actual.

Não sei o que é a felicidade enquanto estado de espírito permanente mas reconheço, com muito respeito e carinho, o momento presente de felicidade!

A nova vizinhança – 29/5/2021

Passeios históricos

Das caminhadas junto ao mar até às caminhadas por Atenas – se bem que o mar rejuvenesce a alma, a verdade é que a minha cabeça sempre ficou por aqui. Poderão afirmar que menti a mim mesmo durante o tempo em que estive ausente mas a verdade é que fui vivendo, amando, conhecendo e sorrindo enquanto não voltei! Com total entrega – e até dei por mim a não me importar de seguir outrem para que não houvesse interrupções na entrega mútua. Se a vida assim não quis então será porque a Grécia, com o seu espírito livre e amoroso, me quis ainda mais.

Fui fiel a mim mesmo e, na impossibilidade de simplesmente voltar sem trabalhar (que chegou a ser questionada, uma vez que tenho toda a documentação de cidadão Grego), entreguei-me nos braços de um amor antigo que, mea culpa feita, eu não soube preservar – com todo o respeito e carinho que ainda conseguimos ter.

Assisti a uma partida deste mundo que levou muita da beleza que só uma amizade singular proporciona – a irmã que nunca tive decidiu descansar de todas as agruras que a maldita doença lhe provocava e jamais deixarei de a chorar – pois sinto, constantemente, a sua presença – com o sorriso maravilhoso de incentivo, o abraço de profunda amizade, o recordar de segredos tão nossos que eu juraria terem começado quando ainda éramos bebés. Visitarei o Petros, na ilha que visitaste, para recordar locais que não conheço mas, sabendo e conhecendo a tua curiosidade, estou certo que conheceste toda a ilha para depois, com conhecimento de causa, teres deitado na melhor praia que havias descoberto. Sinto em mim o teu incentivo e tal advém da forma única como crescemos – como grandes e inseparáveis amigos.

Num dia concorro a Sofia, na Bulgária, mas dada a demora da empresa a responder, a recrutadora da agência falou em Atenas, como se de uma alternativa se tratasse!!!! O meu mundo parou e o meu tom de voz despiu-se perante a possibilidade de regressar. A recrutadora estava pasmada com a expressão que eu usei, assim que ouvi “Atenas”. Hoje tomei a liberdade de lhe enviar uma mensagem, com uma fotografia anexada, a agradecer o facto de estar aqui. A resposta dela não tardou e dizia “Raramente nas fotografias vemos a felicidade nua que exibes. Um obrigado por me teres deixado participar na tua felicidade”!

Tenho a certeza que ela também tem razão e, tal como outrora me dizias que a Grécia era o meu país, também eu começo a ter a certeza que ambas têm razão – eu é que simplesmente neguei o inegável! Um abraço muito forte, com todo o cuidado. Daqueles que as pessoas comentavam que lhes causava inveja!

Atenas – 23/5/2021

Recuperação

Do cansaço ao querer passear, do brinde ao querer beber água, do sol brutal ao sonho por chuva – assim passam as horas do pensamento. Bolhas dos pés tratadas, higiene feita, roupa lavada, refeições feitas e sempre pronto para mais – assim vou reconstruindo o corpo das agruras que as caminhadas diárias vão, com orgulho, causando.

A saudade dos sumos, dos doces fantásticos, da simpatia de um povo cujos membros escondem tanto sofrimento, do som da língua Grega falada, dos inúmeros polícias que se reúnem nas arcadas em frente ao hotel, de toda uma massa que se movimenta como se fossem um gato e um rato – os anarquistas a levar nas trombas, os avanços e recuos – tudo parte de um jogo sem regras mas cujo funcionamento está enraizado no povo.

Do sol que aquece durante o almoço até à sombra que arrefece, de maneira subtil, o lanche – em que mais um sumo de 9 frutos é sorvido com o gozo – dos mercados abertos ao diálogo com desconhecidos, da partilha do que sobra de uma refeição até ao sentimento de tristeza que é ver a verdadeira tragédia humana que este país sofre, do sorriso até à lágrima numa realidade social para a qual ninguém está preparado…assim é o dia…numa volta continua de 360 graus em que tudo parece diferente para apenas recomeçar exactamente da mesma forma.

A sentir o pulso do país – 22/5/2021

Auto proclamado macho Alpha (por influência da cerveja Alpha, obviamente!)
😂😂😂

Memórias

Dia fenomenal em que consegui estar com o melhor amigo Grego e com a melhor amiga Grega (sem qualquer relação de parentesco entre eles). Foi reconfortante receber o abraço do George e voltar a viver a “doce loucura sã” da Angelina, foi bom continuar as conversas como se o tempo não tivesse passado, foi delicioso estar com duas pessoas tão singulares quanto a pluralidade cultural que representam para mim.

Amanhã começa a formação e continua o convívio com os amigos que ainda falta rever – a Maria, o Thanasis, o Mido (que saudades de um Egípcio que é o mais europeu de todos nós), rever a Vicky, ir ao Dry…uma infinidade de tarefas que encaro com um sorriso aberto que condena a palavra “tarefas”, atrás usada.

Estamos no terraço a conversar sobre o dedilhar de guitarras que, entretanto, transformamos em dedilhar de corpos femininos gregos – influência do país em que nos encontramos 🙄😂

O desporto como forma de aproveitar para passear – estamos numa cidade em que tudo pode ser feito a pé e, o vosso humilde narrador tem uma bolha de água em cada pé para provar o amor que coloca em cada um dos momentos exploratórios! (Orgulho Lusitano!!!!).

Tenho sono mas a temperatura amena convida a estar a confraternizar enquanto, de maneira participativa mas talvez egoísta, vos escrevo estas palavras! Admito…ainda acordo de noite para me beliscar e poder exclamar: é verdade, estou de volta à minha amada pátria!

Confidências de uma noite de convívio – 19/5/2021

As cores de Plaka.

Degraus

Já em casa da mãe há uma predileção por um degrau – não há nada de especial com ele mas, se aprofundarmos a relação, um degrau pode ser tudo na vida – um assento improvisado, o último ou o primeiro a ser conquistado, um exercício de cardio, um ponto de encontro. Quando aprofundado tudo pode ser o que nós quisermos que seja…

Uma viagem de 4 horas e meia transformou-se numa aventura de 40 horas – a obrigatoriedade de dormir em Istambul porque o Governo Grego obriga a um registo prévio de todos os cidadãos que chegam e eu cingi-me ao teste negativo de Covid….Quando soube só pude sorrir e, ao telefone com um cidadão local, rirmo-nos porque a chegada é feita com o amor grego – só entra se cumprir – e está de tal forma enraizado que os países de partida se recusam a deixar voar, quem quer que seja, sem o Passenger Locator Form!

Nada nervoso mas ansioso por fazer o que neste momento faço – beber uma limonada nos degraus de Plaka! O local de reunião que sempre usamos, o ponto de encontro onde anda sempre um amigo, o meio caminho entre as pitas 🥙 e o prazer de aperitivar, entre o ócio criativo anterior ao jantar e o visualizar o passado com o respeito e intimidade que ele merece. As flores que enchem o quadro visual de cores, os gatos que se passeiam como os verdadeiros donos disto tudo que realmente são.

A Grécia não é igual a nenhum país por onde eu tenha passado – há um orgulho imenso na república mas também gozam os percalços de que a mesma sofre, há uma solidariedade sem igual mas, no mínimo, exige-se uma conversa como método de “pagamento” dessa mesma solidariedade – e há conversas profundas sobre todos os temas, tal como a que me foi “exigida” quando a limonada me foi servida (obviamente o método de elaboração do sumo foi o tema).

Há um prazer simples em conversar, aprender, crescer como pessoa e isso, perdoem-me, faz muita falta em qualquer lugar do mundo! E sim, eles também são fanáticos por futebol…

Esta é a minha opinião – 18/5/2021

O azul e branco

Não me recordo como me tornei adepto do Futebol Clube do Porto mas o primeiro momento, a primeira recordação de afecto clubístico que tenho é o momento da celebração do título, após 19 anos de jejum.

Na varanda da Velasquez, rodeado por família, recordo-me de ver a praça completamente cheia de carros estacionados – nesse dia a fluidez do trânsito podia esperar – as pessoas que tinham um sorriso aberto, muito perto do verter a lágrima.

Alegria indescritível, talvez seja esse o termo que procurava – a sensação de que tudo vai passar pela Bulgária, República Checa ou Roménia e, no final, estou a caminho de Atenas! A vida é feita de pequenos detalhes mas há os pequenos que se agigantam e, apesar de nascerem detalhes, tornam-se a opção de vida da qual já tinhas saudades.

Pequenos percalços no caminho, a obrigar a uma noite passada em Istambul, a dar ainda mais força à vontade de chegar, ir ver o apartamento e começar a viver Helenicamente! (Inventei o termo)!

Já desço os jardins nacionais, já subi ao Philopappos inúmeras vezes, já tomei café como um louco! Já visto roupa de verão, já me banhei em duas ilhas diferentes, já….já sonhei que nunca tinha partido! O visualizar tantas coisas a repetir como método para melhor lidar com a saudade!

Relembrar é viver

Rodeado por três beldades, a única expressão que me ocorreu dizer foi: morri e estou no céu?! A verdade é que estava vivo mas ligeiramente ébrio. De um salto surgiu a expressão “Bebi demais, vou para casa!” e o final de tarde estava salvo! A mania de dizer verdades, despreocupadamente, é o ponto de saturação que me indica o caminho para casa, numa velocidade estonteante, como se estivesse atrasado para o meu funeral (rumo a uma decisão que não tomei mas que fui dirigido para)!

As palavras são ditas e o interrogatório que se segue é das mais doces sensações da vida – porque há quem pretenda aferir de quanta verdade havia nelas! Suores frios, pelos eriçados em locais que nem sabias existirem, a verdade nua e crua face a uma resposta que pode condicionar o teu presente e futuro, o nervoso miudinho das borboletas – sempre elas – a pavonearem todas as suas cores num cenário que pretendem duradouro. A justiça de o poder ver nos teus olhos! A verdade como motor simples e duradouro face às agruras com que nos deparemos!

A única certeza que o olhar delas havia deixado era o mais retemperador dos tónicos! A imaginação dele já só vagueava numa tempestade de cores que o obrigava a escolher uma cor preferida mas a experiência de vida, essa varinha de condão da ausência de razão face a uma exacerbada presença de emoção, disse-lhe ao ouvido “Deixa fluir….!” 

Em cada Carlsberg uma amiga – 10/5/2021

A tela da vida

Muito embora ele olhasse a obra actual com olhos de quem terminou o quadro, a verdade é que ele reconhecia, para lá da obra que agora contemplava, todas as obras passadas sobre as quais havia pintado. A obra acabada era algo em progresso e ele mentia a si próprio quando dizia que era uma obra acabada – como todas as anteriores obras “acabadas” sobre as quais havia reflectido melhor e procedido a alterações, inúmeras vezes…

A maneira de espalhar as tintas era difícil, por cima de mais camadas do que uma cebola, mas o pincel era a única ferramenta capaz de pactuar com a velocidade vertiginosa a que os rasgos de imaginação, misturados com realidade, eram transferidos para a tela. Os pelos tinham a juventude necessária para o esforço em progresso, mas a musculatura do pintor sentia as consequências de tanto pintar, disfarçar, pintar por cima…

O homem da maratona virou pintor – 4/5/2021

😂😂😂

Desejos

Desejos são objectivos que definimos como sendo tão recompensadores quanto a nossa imaginação os valoriza ou sente. É a melhor definição que me ocorre, enquanto deitado numa cama de rede que o sol teima, e bem, em aquecer!

Há desejos na vida que alcançamos, outros que continuamos a ambicionar e existem ainda os desejos que, após alcançados, não pretendemos reviver e que, prescrevem na memória enquanto aprendizagem – sendo relevante reter os sinais/sintomas que nos podem ajudar a reescrever toda uma história de desejos e melhor alcançar o pretendido – sem nos determos nos desvios a que a aprendizagem obriga mas antes focando no objectivo final que é o nosso bem estar!

Há desejos muito fortificantes, que nos relançam para o momento seguinte da vida com o fôlego de um super-herói há desejos inalcançáveis que perduram como se fossem a última tentação de um ateu (os ateus também são tentados) mas cuja temporalidade vai sendo questionada – obrigando assim a uma desvalorização em termos de importância, há os desejos simples de concretizar mas dependentes de cooperação externa – o que obriga a um trabalho de equipa para o qual não nascemos vocacionados mas que facilmente aprendemos na sociedade em que vivemos.

Talvez os desejos, aquando de um relacionamento, sejam a soma perfeita de duas vontades que exibem socialmente, mas mais até intimamente, o prazer da sincronia de duas mentes que, não sendo perfeitas, possuem a ambição de aprender de mãos dadas!

A idade do talvez – 3/5/2021

Se a vida te dá limões…

Entrei na cozinha e senti a presença amarela – olhamo-nos e, após um breve duelo de olhos nos olhos, num silêncio de intimidade, aproximamo-nos e eu toquei-lhe – suave, enquanto sentia a sua textura e muito lentamente, para mais desfrutar do momento.

Estava maduro e responsavelmente presente; pronto a dar o seu fruto ao meu paladar. Um misto de prazer antecipado e água na boca, a necessidade da presença de gelo, para manter a temperatura controlada e o açúcar, de maneira a adoçar o dia.

Desci ao jardim e colhi reforços para misturar, subi os degraus e, com múltiplas unidades, eu era um homem pronto para a obra. Começou amarga e quente mas, no final, era a limonada mais perfeita que estas papilas gustativas já degustaram. O açúcar e o gelo como complemento perfeito para algo que a natureza nos dá!

Do amargo ao doce em 4 limões – 2/5/2021

O saco de pão diz tudo!

Num qualquer portal distante, a muitos anos-luz da Terra, havia uma sincronia entre duas pessoas: uma baseava-se nos sentimentos para comunicar e a outra no ego – ambas conseguiam assim a cobertura de rede necessária para psiquicamente comunicarem. As noites passavam a ser de insónia, as saídas a escassear ou a serem dirigidas para novos destinos, o batimento cardíaco fica amorosamente descompassado e a razão começa a esfumar-se para uma galáxia ainda mais distante. Num último suspiro de razão – no momento anterior ao embarque na nave espacial que a enviaria para muito longe – ela ainda conseguiu gritar as palavras: Pensa!!!!!! E ele, ciente de que a razão tinha o habitual dom de ter razão, não se tratando aqui de uma redundância mas sim de uma certeza, abraçou-a e sentiu o batimento cardíaco dela e não mais a soltou. A partida foi adiada e, de mãos dadas com a razão, sentaram-se a um canto a recordar os momentos racionais passíveis de serem recordados – com alegria, sem mágoa ou qualquer tipo de ressentimento, apenas recordando.

A razão havia trazido a maturidade – outrora tão ausente, havia trazido a responsabilidade – outrora inexistente, o compromisso havia passado a constar do vocabulário – não apenas como uma palavra sem nexo “alpha” mas como uma acção capaz de ser praticada, a cooperação era feita de mimos permanentes – em prol de um sucesso comum e a dois umbigos, os dois corpos fundindo-se numa só força de vontade que, apesar de ter altos e baixos, mantinha uma média de felicidade bem acima dos comuns mortais. Talvez haja um boneco de vodu envolvido nisto, e existam diferentes alfinetes que despertam diferentes sentimentos, talvez nenhum de nós esteja na posse desse boneco e seja urgente que o recuperemos, talvez um esforço conjunto seja o ideal para um primeiro passo – recuperar o boneco que gere os nossos sentimentos parece-me a tarefa ideal de libertação e prosperidade conjunta mas….porque é que sou eu sempre a falar?

Acordou quando a mão embateu na mesinha de cabeceira e derrubou a revista “Sábado” que aí se encontrava (a “Visão” estava esgotada). Havia um misto de medo e alegria no seu rosto e, com a visão turva – de sonhos, do despertar repentino e de toda uma série de questões existenciais que nos assombram assim que despertamos, do tipo “consigo mesmo tomar café antes de chegar ao WC?” e coisas do género (normalmente levo o café comigo para o WC, se precisam mesmo de saber) – sorriu e lembrou-se que tudo não tinha passado de um sonho demasiado antigo.

E tudo isto porque o Indiana levava um saco cheio de pão…

Por aqui também chove!

Existem vários feitios, de acordo com os cientistas da área, e afectam-nos de forma diferente, de acordo com a explicação abaixo, que obviamente é tudo menos científica!

A chuva alheia, como eu gosto de designar, é uma chuva que se nota que já vem exausta de um esforço húmido anterior e a cadência é muito irregular. Cai como se fosse, após a queda, fazer exigências – como uma criança que segura um guarda-chuva automático mas pretende “dar ares” de quem desconhece o funcionamento do objecto. Não acrescenta absolutamente nada com a sua chegada e, caso não nos atingisse, passaria totalmente despercebida!

A chuva caseira (só o nome remete-nos logo para recordações de casa – seja ela onde fôr!) É a chuva que nos cativa, de maneira tão profunda, que, só a ideia dela, causa em nós um arrepio delicioso de prazer antecipado! É a chuva que queremos para companhia, para um exercício de intimidade breve mas fortuita – queremos sentir a sua presença sem compromisso futuro. Podemos sempre voltar a casa mas, quem nos acompanha, é uma escolha pessoal, sempre baseada numa equivalência emocional que não sabemos explicar mas que apelidamos de algo superior (que não podemos fazer prova de porque não é real).

A chuva erótica é a minha preferida! São as gotas com as quais alinhamos, num pacto secreto e íntimo em que só nós e a chuva é que sabemos o conteúdo do que assinamos! São as gotas a quem tudo permitimos – são as gotas que alcançam partes da anatomia que nos fazem ruborizar na via pública, são as gotas que nos lembram que, apesar de adultos, podemos voltar a ter sensações infantis e recompensadoras, são as gotas que nos obrigam a um exercício de intimidade silenciosa que, apesar de muito agradável, receamos sempre que vá terminar com uma acusação de atentado ao pudor.
É verdade que a chuva limpa as memórias dos passeios da vida – a frase é do Woody Allen – e as memórias podem ser tão presentes quanto a gota de chuva que escolhemos receber.

Um dia constatei uma chuvada improvável – 23/4/2021

ICBM’s

Mísseis balísticos intercontinentais, numa tradução directa. Daqueles que conquistam a distância em poucos minutos mas cujo único propósito é a destruição da humanidade. Todo o génio humano representado numa máquina que tem tanto de bondade como de malvadez! Como diria o Batman em relação ao Pinguim: “tem tanto de génio quanto de malvadez. Se ousasse conhecer a bondade poderia aspirar a ser o melhor dos seres humanos!”

De olhos postos no objectivo, guiado por sistemas de navegação que jamais a sociedade civil virá a conhecer, imbuída de responsabilidade muito acima da tecnologia outrora usada e agora caída em desuso. O vórtex criado pela tremenda velocidade como único sinal observável da Terra – num misto de admiração e tristeza, o ruído ensurdecedor que ainda ecoa nos ouvidos dos presentes que almejam pelo recuperar da audição…e tudo isto num sofá desconhecido que, de repente e sem convite, era a testemunha parisiense.

Havia monumentos históricos, de grandiosidade inigualável, a cercar os presentes que, de olhos postos no céu, testemunhavam aquele que podia ser o final de toda a civilização, a menos que algo de racional acontecesse – nos olhos das pessoas havia um misto de satisfação (pela arma inventada), de horror (por saberem o grau de exposição a que o destinatário estava sujeito), de esperança…que alguém abortasse o lançamento.

Assim era Paris – 17/4/2021

Os pássaros

Identificados todos os especímenes de um bando de pardais é agora mais fácil descortinar cada um pelos diferentes tipos de voos – com a contribuição de columbófilos de toda a região, e num exercício de natureza empática – ou de empatia com a natureza, conforme prefiram ler.

As migalhas deixadas constituíam o alimento que não se podiam negar a bicar e, inevitavelmente, voltavam diariamente para alegria dos que preferem a paz do seu canto matinal. As manhãs começavam sempre com o chilrear envergonhado que, muito rapidamente, dava lugar a um cantar mais pujante e desavergonhado.

Os melros e o seu contraste de cores como exemplo da possibilidade de convivência entre pássaros que não são iguais, as gaivotas que não conseguem aterrar neste jardim mas defecam abundantemente os jardins vizinhos, o casal, de uma espécie que não identifico, que chega para aterrar na nespereira e deliciar-se com uma dieta de fruta.

A paz de olhar para o chaveiro de casa e constatar que há molhos de chaves que não voltarão e outros que deveriam voltar, a olhar para o canto da sala e sorrir – com a cadeira ao sol, o chapéu do Rio Grande do Sul. A ultimar a chegada de amigos do coração que merecem tudo o que tiver em mim para dar!

Retalhos de uma manta bem desenhada! – 17/4/2021

A casinha.

A fachada impõe-se perante uma sucessão de outros edifícios e, sem dúvida, desperta a curiosidade daquele investidor que, tendo o coração cheio de amor para investir, pretende uma casa onde o aspecto exterior também tem o seu valor.

Assim que sobe as escadas exteriores o autor repara que há uma série de caminhos pelos quais pode começar – uma espécie de encruzilhada que não o intimida mas, pelo contrário, o estimula. Sente-se seguro mas não deixa de averiguar se tudo não passará de uma fachada – uma antecâmara interior que evita, de forma subtil, qualquer forma de responsabilização do comportamento do arquitecto.

Vê um WC à direita e, sem hesitar, entra e lava a cara das impurezas do exterior – numa espécie de gesto educado face ao desconhecido perante o qual se pretende apresentar da melhor maneira – não que exista a necessidade de mascarar algo mas, bem pelo contrário, porque foi educado de maneira a nunca julgar sem conhecer o réu e a apresentar-se sempre de face lavada e descoberta de qualquer preconceito.

Saiu do WC e, virando à direita, dirigiu-se a um espaço aberto onde sentiu a segurança necessária para dizer tudo o que pensava. Os alicerces da casa tremiam, pois nunca antes haviam enfrentado a verdade nua e crua – era a primeira vez que ouviam a palavra responsabilidade! O autor não pretende derrubar os alicerces mas tão só e apenas aferir se, apesar de a nova realidade os obrigar a ser responsáveis, tal é suficiente para que a obra se mantenha firme por muitas gerações! Ele sabe a resposta!

Os alicerces desconfiam – não que tenham nascido assim mas, infelizmente, foram desenvolvidos para serem assim. O humilde narrador, continuando virado para norte, dirige-se a uma porta, pelo seu lado direito, e atravessa a cozinha até chegar a um degrau que outrora foi seu confidente.

Aquele degrau, honesto como pedra, recordou-o de alguns detalhes – do melhor do mundo ao pior. A pedra e respectiva temperatura eram o tónico para a reflexão que já inúmeras vezes havia sido feita sem que a casa perdesse toda uma série de defeitos de construção que, parecia, se orgulhava de ter ou, num orgulho desmedido, por não obedecer a nenhum arquitecto – se tornava algo tão idiota e infantil que, por mais que se esforçasse, não encontrava palavras para descrever.

Respirou fundo, olhou num ângulo que abrangia todo o seu campo de visão, e levantou-se para sair. O agente imobiliário ainda lhe disse que faltava ver o andar superior mas a qualidade dos alicerces continuava a deixar demasiado a desejar pelo que sugeriu algo ao vendedor: coloque toda a honestidade neste seu empreendimento e eu serei o primeiro a apresentar-se para nele embarcar – da mesma forma que o caminho marítimo para a Índia nos mostrou o Brasil, também aqui o erro passado poderia constituir o grande feito do futuro!

Abandonou, relutantemente, o degrau de pedra e, levando consigo a bituca do cigarro, levantou-se e atravessou a cozinha, não sem antes olhar para a placa do fogão e, até aí, recordar que tudo o que havia feito havia sempre sido classificado como um erro, uma culpa que não transportava mas que recordava lhe haver sido sempre imputada. Talvez o vendedor lhe tivesse vendido a ideia de uma casa e, após a vistoria, ele achasse que o vendedor só poderia estar a falar de outra habitação que não aquela em que se encontrava.

Atravessou o espaço aberto que constituía a sala de estar e de jantar e olhou, muito discretamente, para o instrumento musical à esquerda e sorriu perante o pensamento que lhe atravessou o emocional cérebro! “Começou como uma melodia mas depressa se transformou em thrash metal que abominava, apesar de ser grande fã de heavy metal!” – numa conclusão só sua: por vezes o estilo de música até pode ser semelhante mas os solos de guitarra, esses gestos tão egoístas, deixavam sempre transparecer a verdade.

Mentalmente sentia-se um baterista de grande nível – muito embora tivesse os pés sempre com o ritmo correcto, sem afectar o ritmo diferente das mãos, o som que saía ainda não era a verdadeira essência do que pretendia. Saiu do “sonho acordado”, suspirou com tantas infantilidades que, não só mas também, ali havia presenciado e, de um só salto, abriu a pesada porta da casa e saiu – sem ruído, gentilmente encostando a porta até sentir o trinco da fechadura a impedi-lo de voltar.

Respirou fundo – fazia sempre este exercício para estimular o pulmão e, com um bocadinho de sorte, o músculo que se encontra ao lado do pulmão esquerdo! Desceu os degraus de pedra – a pedra, naquele edifício, pecava por escassa, tendo em conta sobretudo a frieza que aí havia conhecido, esboçou um sorriso aberto e recordou que até naqueles degraus havia a recordação de pretensos erros seus!

Exclamou “Foda-se!”, baixinho o suficiente para que a memória ficasse gravada no músculo anteriormente mencionado, fez uns quadradinhos mentais enquanto dava uma gargalhada para dentro e, de maneira involuntária, fez um coração com as mãos de maneira a abrir o portão com um sorriso – a expressão facial que mais o caracteriza.

Não fugia! Essas fugas estavam sempre reservadas à parte irresponsável da obra. Andou, tão lentamente quanto o gozo interior que sentia! Ainda não havia chegado à esquina e já ouvia o ruído de alguém a fazer as malas. Não pestanejou sequer e, numa rápida e muito breve reflexão mental, sorriu…era o costume, só isso.

A partir desse dia foi feliz – 12/4/2021

Deve ser um vírus…

Despertar louco, de madrugada, numa tentativa vã de acalmar a passarada que alimento. Uma mistura de pão recesso com bolachas de água e sal e os jovens lá acalmaram de maneira a permitir o sono do vosso humilde narrador.

A gata preta que salta o portão, os pássaros que fogem e eu que fico sem saber se, quando voltarem, terei que novamente os calar com mais comida….parece aquela aldeia de irredutíveis gauleses em que a comida é o ponto de ligação entre as tarefas do dia.

Felizmente eu adoro o som que os pássaros produzem e entendo o privilégio de morar numa casa com jardim que permite que eu os alimente e eles, em troca, alimentam-me os ouvidos com as suas melodias que rapidamente me adormecem – numa simbiose perfeita!

Acordei com fome e lá fui obrigado a desistir do aconchego do pijama – o presente de aniversário que mais prezo no mundo – e, levitando após o duche tomado, fui até uma padaria da vizinhança. A esplanada estava vazia e eu podia esticar-me a meu belo prazer.

O croissant com fiambre, o ice tea de limão, o café após os dois toques ligeiros no vidro que me separa do interior. Um ritual do fim-de-semana que apenas varia de local.

A chuva que começa a cair – levando a que as clientes entretanto chegadas tivessem que se aproximar. A funcionária que, com algum sarcasmo subtil e muito engraçado, exclama que, com todos bem apertadinhos, ninguém se molhará…mas não acatamos o conselho e mantivemos a distância a que a lei obriga.

Expulso às 13 horas em ponto e, como ainda chovia, obrigado a fazer o caminho de volta – de havaianas – a curtir a chuva na cara e nos pés nus. A chuva é fria mas, há que testar uma boa dose, de cabeça tombada para trás e oferecendo a face a uma natureza que não se faz rogada em humidificar o humilde narrador. A comunhão ideal para início de fim-de-semana! Um sorriso numa cara humidamente feliz. ☺️

Bom fim de semana – 10/4/2021

Final de tarde.

Começou inocentemente, como as coisas simples e bonitas da vida começam, mas depressa o sumo de cevada começou a libertar os presentes para um final de tarde de maravilhoso convívio, boa conversa e muitas gargalhadas.

A ausência do contacto, ou de convívio, expressão usada pelo patrão, talvez tenha contribuído mas a qualidade dos presentes era muito mais do que qualquer planeamento poderia reunir! Havia calor, saudade, carinho mas, acima de tudo, uma saudade enorme de celebrar de copo na mão, de dar gargalhadas sonoras e saudáveis.

Até o inquilino e amigo passou e deu o seu aval ao festim saudosista que no Bombar se desenrolava. Fomos putos saudáveis, num excelente final de tarde que, posteriormente e fruto do calção molhado, degenerou em resfriado bem chato de afastar – nada que a receita do mano não cure mas que me chumbou em sonos profundos dois dias seguidos!

Poder-se-ia dizer que houve de tudo um pouco – numa clara alusão ao contributo de cada um – mas seria redutor tendo em conta que só o conjunto fez o sucesso do convívio. Até o espanhol, agora residente português, compareceu para os habituais amendoins…

Foi como voltar a Buenos Aires, abraçar o Aníbal e a sua família e recordar que a amizade pode sempre acontecer…até no táxi de um Peronista que, indo buscar um cliente ao hotel mais capitalista, se surpreendeu por ele não ser tão capitalista quanto o hotel!

Memórias de um final de tarde maravilhoso – 9/4/2021

O canto do olho

Numa conotação meramente futebolística o humilde narrador havia cortado a bola pela linha final, chutando assim o assunto para canto. O árbitro apitou para o final e todo o estádio percebeu que o resultado estava manipulado pela razão, muito acima de qualquer emoção…e que bem que ele se sentiu com o resultado final. Saboreou a derrota como a mais bela vitória do palmarés do clube! Como uma dádiva da razão ao emocional do moço que escreve. Deu inúmeras voltas a um estádio vazio celebrando a razão! Parecia um filósofo grego armado em atleta…feliz e escrevendo umas cenas! ✌️

A alegria contagiou a mente e o coração bombeava melhor a cada caminhada – mesmo quando o caminho é o saboroso norte – oposto de desnorte (Ahahah). O hotel ao fundo, numa perspectiva de início de caminhada dantesca, a mente completamente liberta de pensamento, o passo que, de cada vez que penso nele, sai trocado, a madeira que cede de diferentes formas sob o peso – cada vez menor – do humilde narrador. Um respirar mais profundo a despertar a ideia de um cigarro que a mente, mentindo a si mesmo, diz ser desnecessário ao esforço em progresso. 🍺

Uma das coisas mais apetecíveis, para mim é o retornar a uma alegria egoísta – que além de ser só minha e ter a aura de intimidade própria – é o mais estimulante dos tónicos. Há quem o entenda como egoísmo ou arrogância, mas eu chamo-lhe amor-próprio. A alegria da leitura sem horários, o ver e rever aqueles documentários sobre desastres aéreos – que estão espectacularmente bem feitos – ao ponto de colocarem o humilde narrador no lugar do investigador, sem que ele se mova do cadeirão! África, sempre África, com as paisagens a perder de vista e o bichinho adormecido a acordar para te enumerar os destinos que te faltam visitar mas que, enquanto não visitas, saboreias com os olhinhos, através das imagens que sorves da televisão. A leitura e a música como instrumentos ideais para conjugar as palavras do autor com a mente do humilde narrador – num vaguear ao nível de um saltimbanco profissional, que nunca constrói algo permanente mas apenas procura a subsistência, andando até encontrar…esse tipo de vaguear da mente! ❤️

Imaginação vadia, o quanto eu gosto de ti! Eu deixo-a ir e ela, quando volta, traz os ensinamentos ao nível dos descobridores portugueses de outrora! Vou comprar uma pulseira electrónica, numa tentativa vã de conter a amplitude de movimento da imaginação! Até lá, vou amando a natureza! 😎

Chapéus há muitos – 3/4/2021

Boa Páscoa!

A mulher ideal

Talvez o cenário se assemelhasse a um vão de porta – o que, por si só já é um convite à entrada, numa perspectiva de copo meio cheio – e de certeza que a pose estava perfeita – uns tons de vermelho e branco que, apesar de não serem as minhas cores de eleição, te tornavam ainda mais radiante. As curvas estão memorizadas e revê-las é sempre um prazer extra pela atitude de quem as conduz.

Curiosamente, ou talvez não, o facto de ter alterado todo o caminho de ida e volta foi a mais bela decisão espontânea do presente século. Percorrendo o passeio, ziguezagueando tanto quanto a distância social obriga, a verdade é que não esperava ver uma pessoa que desperta tanta curiosidade e saudade imediata – numa espécie de reboliço mental que é emocionalmente controlado. Algo que destrona o pescoço de vergonha e, desavergonhadamente, permite ver-te e apreciar-te – num misto de risco de torcicolo e artes marciais de sedução.

Talvez os meus olhos tenham cruzado os teus, num ângulo impossível de 180 graus, ou talvez fosse eu que o tivesse imaginado. Talvez eu tivesse sentido um estímulo amoroso, no momento que antecedeu o nosso encontro ocular ou talvez fosses tu quem o enviou. Talvez tenhamos um campo visual só nosso que nos permite ser traquinas socialmente aceites…

As dúvidas de um marinheiro de cidade – 2/4/2021

Paz

Não surge do nada e há que a cultivar para colher sempre o mais rapidamente possível – como uma agricultura de precisão em que os meios justificam os fins.

A Wikipedia define assim:

“A Agricultura de Precisão (AP) tem por objetivo identificar a diversidade espacial e temporal no campo, em busca de melhorias no manejo das culturas, diminuir a contaminação dos solos das áreas produtivas, aperfeiçoar o uso de insumos agropecuários, redução dos custos de produção e aumento de produtividade, buscando sempre a proteção do ambiente.”

A definição acima é o retrato da vida – a diversidade espacial e temporal é algo que estamos constantemente a aferir, as melhorias no manejo de culturas são a aprendizagem que retiramos de cada situação e que nos permitem evoluir tanto quanto a aprendizagem feita, diminuir a contaminação dos solos das áreas produtivas são todos aqueles que escolhemos para a nossa intimidade e a gestão necessária para preservar uns e deixar partir outros, sempre com a mesma alegria de quem está a construir uma vida – com serenidade, diria o meu Pai. O uso de insumos agropecuários, redução dos custos de produção e aumento de produtividade corresponde a toda uma parte económica da vida que pretendemos o mais próspera e menos dispendiosa possível e, por último, a protecção do ambiente que, em última análise, somos nós! A preservação do indivíduo que pretende evoluir, aprender constantemente – com os acertos e com os erros – rumo a uma sensação de bem estar pleno em que, para a nossa voz interior, exclamamos: eis um dia produtivo!

As coisas simples da vida, quando racionalizadas, impedem o coração de intervir na conversa – um mal necessário mas fundamental para a aprendizagem da vida!

O circuito perfeito.

A recta da meta, feita com o acelerador a fundo e com o corpo alinhado com o vento, de maneira a gerar o mínimo de atrito. A travagem é feita com a perfeição inerente a um campeão que aprendeu a triunfar muito precocemente e é sem surpresa que a abordagem da recta interior é feita com a imaginação tirada de um reconhecimento precoce feito numa qualquer PlayStation. O vento não é um obstáculo mas apenas uma presença natural de que o campeão sabe beneficiar. Porque sempre se manteve perto da natureza talvez tenha criado laços de amizade que lhe permitem voar numa competição em que as rodas são construídas para se colarem ao solo e dele extrair o máximo de tracção…quando voltou a cruzar a recta da meta, e fruto de toda a mestria colocada em pista, ele sabia que o primeiro lugar do pódio era seu – fruto de uma ligação que ele não saberia descrever excepto através da repetição constante da palavra “electrizante”. O segredo consiste em tornar cada volta ao circuito tão emocionante – ou superior – quanto a inicial. Um desafio fácil para nós.

A sorte que foi a chegada da água por volta das 16:15….até aí eu arriscava-me a ser um cavalo de odores disfarçado com quantidades militares de desodorizante! O receio seguinte era saber se o cilindro tinha água quente ou se, por outro lado, eu teria que aguardar até que a água quente estivesse disponível. Os deuses da água quente estavam connosco e, com doses de água comparáveis às actuais cheias da Nova Gales do Sul, foi possível remover a película de desodorizante que, por precaução já estava colocada e havia de ser complementada por uma segunda “demão” de maneira a evitar a presença de moscas em volta de um corpo que, apesar de vivo, fedia. O chuveiro é realmente fabuloso e o homem que saiu era um ser racional, humano, com vapor a afastar-se do corpo e com um sorriso – idiota porque feliz – pelo simples facto de, naquele momento, ele se saber consciente e pronto para ela.

Foram doze os quilómetros hoje mas, por entre tantas saídas e passeios, estimo uns quinze quilómetros como total do dia – neste momento é mais valioso para mim fazer os quilómetros propostos (5 de manhã e 5 de tarde) a tentar somar tudo – numa corrida neurótica para saber todo e qualquer detalhe dos meus passeios que retira todo o prazer ao simples passeio que, assim que adquire a designação de “simples”, torna tudo mais apetecível.

Duas pessoas que até se podem amar – 23/3/2021

Que floresça, apesar do vento.

Terça-feira com emoção mas sem água em casa.

Clássico do bairro piscatório.
Olhando o norte de costas para o sul.
Olhando o sul de costas para o norte.
A praia de Silvalde ao longe.
Entrada da praia de Silvalde.
Uma paixão sem idade.
Silvalde-> Espinho no passadiço.
Início do regresso a Espinho.
Golfe verdejante.
Espinho ao fundo.
Redes que capturam nuvens.
Sombra ambidestra.
Manutenção precisa-se!!!!!
O destino lá ao fundo.
A janela.
Um clássico espinhense.

Novas paisagens

Mudado para outra localidade do concelho, novamente seguro e certo de que a concentração estará toda no magnífico espectáculo que a natureza prepara.

Praias novas, ondas diferentes, pessoas tão iguais que nos permitem confundir o concelho como um todo e não dividido. A nortada – tão inconfundível quanto presente e, desta vez, a soprar do Polo Norte, as redes de pesca dispostas para serem colocadas nos barcos, os olhares cooperantes que visualizam se tudo está conforme o mar que se avizinha.

É bom poder fugir, mesmo que seja só para respirar fundo e em paz plena! Pessoas novas logo sem drama, pessoas que ensinam e cooperam, pessoas que tiram o sustento do mar e partilham connosco a experiência. Uma definição diferente de amor. ❤️

Porque mudar o ponto de vista torna tudo mais abrangente – 19/3/2021

Mudança de cenário

Era hoje o dia programado para ver o pôr-do-sol mas, como nem sempre na vida as circunstâncias são ideais, retirei a minha percepção do pôr-do-sol que abaixo publico.

Onze quilómetros cumpridos, com uns headphones maravilhosos a cancelar o ruído e a deixar o humilde narrador curtir a música na plenitude. Por entre cafés e água no Bombar, a constatação da beleza que o sol constitui.

O banho a recuperar um corpo cansado e o cansaço de ver quem visita mas nada mais ousa…

Dias de um mundo perverso – 18/3/2021

Exalar sentimento

Como se de um aroma se tratasse, como um teste às papilas gustativas, como uma série de borboletas que contemplamos, este era o maior receio de um Zé que estava com a razão toldada por um sentimento – o amor. Tal como na anedota também aqui tudo lhe fazia lembrar a cara-metade que havia eleito para o seu coração idolatrar, de maneira consciente e responsável (Ahahah, como se o coração pactuasse com tais princípios….LOL).

Não eram grãos de areia que lhe falavam ou ondas que o surpreendiam! Era o recordar das emoções tidas nesses momentos! Com o raciocínio toldado pelas palpitações que sentia, após deslocar o dedo sobre a fotografia seguinte – o dedo, trémulo de vontade, lá ousava tocar a imagem para o lado enquanto a seguinte surgia. O simples toque do dedo no ecrã a ser o interface para um toque virtual que só ele pode imaginar, enquanto a mente o faz sentir.

Expliquei ao Zé que há crueldades na vida que não nascemos para entender mas, acima de tudo, saber sempre que quem toma as ações é o responsável por elas, e não tu Zé!!!

Imagino que o Zé ainda me esteja a abraçar – 18/3/2021

Psicologia reversa

Tal como o Horóscopo, a Homeopatia, o Tarot eis o humilde narrador a fazer figas e a afirmar, com a convicção de um daqueles seres unicelulares que habitam o fundo da fossa das Marianas, que a cena terminava aqui. Não pretendia deslocar-se, excepto para as caminhadas que adoptou e deslocações dentro da área turística escolhida – como quando doseamos um sentimento e descobrimos que é impossível camuflar o óbvio mas…continuamos, sem parar (muito embora por vezes o sentimento nos leve a comportarmo-nos como um autocarro que, rotineiramente, faz as mesmas paragens e o mesmo trajecto – numa “asfixia auto-infligida” cujo único objectivo é fazer perdurar algo que até nos pode fazer algum bem, muito bem, mostrar-nos que um mundo novo pode ser muito mais facilmente criado por duas pessoas unidas – num cenário de quase ficção científica amorosa, tal a profundidade cardíaca que atingem).

O diálogo, conforme a reputada doutora que nos visita poderá confirmar, é a base de tudo – semelhante ao estado comunista em que a Sociedade é a base de tudo, muito embora o diálogo comunista seja “um pouco intolerante”. Pretende aqui o autor demonstrar a força e importância do diálogo – a utilização da ideologia comunista como exemplo serve apenas como demonstração da força do diálogo e não qualquer conotação política (simpatia, apenas). Saudade dos nossos diálogos sem infelizmente conseguir esquecer os silêncios.

Numa folha de papel eu escrevi um segredo. Algo que me disseste no dia em que o telemóvel perdeu a rede mas, desta vez, a sério!

Retalhos da preparação para visualizar o pôr do sol – 16/3/2021

A viagem de uma vida.

Poderia parecer o nome de um filme bacoco, de baixo orçamento e com inúmeros actores e actrizes a fazerem corações com as mãos, a falharem falas e a verem o futuro muito negro mas, apercebendo-se que o guião estava nas suas mãos, ele ia escrever não apenas mais uma obra-prima mas o livro que contava a viagem de uma vida que não a sua!

Decidira ser invejoso num só detalhe e viajou sozinho. Ainda tinha na memória o desconforto que uma pessoa desagradável trouxe, em anteriores expedições, pelo que se sentia seguro não sabendo o que queria mas tendo a certeza absoluta quanto ao que não queria – drama oligofrénico, assim a havia apelidado “A criança que tem um problema para cada solução”. O respirar fundo que se seguia, de cada vez que mais um detalhe se acercava da memória, era libertador, revigorante e, de tal forma retemperador, que ele resolveu criar uma memória constante, com um qualquer facto perturbador de outrora, de maneira a melhorar a sua higiene pulmonar e a sua saúde, em geral.

A mala de cabine com todos os artigos fundamentais e um desejo imenso de partir à descoberta. Vou voltar a uma aldeia portuguesa maravilhosa e posso, em paz, rever todos os detalhes que fazem dela uma das mais emblemáticas do Algarve. Relembrar amigos, campos e caminhos, a doce alegria de sentir o dia correr sem ter que correr atrás dele mas sim tendo dias que nos fazem correr, sem termos a noção de estar a praticar exercício. Um sorriso de criança como forma de responder a quem nos chama, mais uma comidinha porque estamos eternamente a crescer (conceito português que adoro e que a muitas dietas obriga), alguém que inventa uma brincadeira nova ou um jogo tradicional português que surge.

Alte é das aldeias portuguesas mais lindas onde o tradicional português tem uma representação pública – num espectáculo de cor e ordenamento que deveria ser copiado para as cidades. Uma espécie de quadro que não pintaríamos da mesma maneira mas que imediatamente reconhecemos a necessidade de existir, preservar e incentivar de forma a podermos mostrar a beleza aos que mais apreciamos!

Após memorizar cada detalhe, porque gosto muito da ideia de ter uma ideia mental completa das coisas, senti que tinha necessidade de ar fresco e rumei ao Carvoeiro. Passei no Gramacho a espreitar o golfe e, meia volta dada, eis o carro à entrada da Praia do Carvoeiro. Faço o check in no Mistral e desço a rua para procurar um restaurante. Olho para “O Bote” e sorrio com a memória de todas as histórias que ouvi sobre este local e a minha presença, com 10 anos, numa noite de verão em que eu só sorria porque tudo era novo e agradável de conhecer. Comi bem, passeei no “Rossio” do Carvoeiro, recordei o primeiro Snoopy aqui comprado e o fabuloso companheiro de férias em que se tornou. Na manhã seguinte subi ao Algar Seco e dei um mergulho da rocha directamente para a água e da água directamente para a rocha – a praia que eu adorava precisamente por causa desse detalhe que é a inexistência de areia. Passagem por Benagil e Centianes e parto rumo à Praia da Oura.

A Oura mostra muitos capítulos mas esconde um Borda d’Água onde existia a mais bela e eficiente esplanada sobre a praia. Dei um mergulho madrugador, a relembrar os bons momentos passados na Casa da Carroça, julguei ouvir Jô Soares, ao fundo, novamente. Sem tempo a perder rumei a Monsanto e almocei com os meus primos. A tarde é sempre um “faça o que quiser” que culmina com um passeio ao castelo, após todos terem dormido a sesta. A hora do lanche apenas serviu para uma bucha rápida e a partida para Viseu.

Perdido no Fontelo, de café na mão, constatando que a beleza que o meu pai atribuía a este local fica aquém do que sentimos, quando afundados no manto verde, sentindo o palpitar de um corpo que agradece uma qualidade do ar muito superior ao que está habituado. Hora de partir para Vila Real uma vez que comida boa nunca tem faltado pelo caminho….talvez uma pequena paragem em Trancoso!? Melhor não….😂

A descrição que tenho de Vila Real é algo que em mim guardo e onde a viagem termina. Não foi o fim do mundo!? Obviamente que não! Foi uma viagem feita com sentimento! Experiência que nem todos conseguem alcançar!!!! – 17/3/2021

As coisas boas da vida

Se o esforço já se tornou uma rotina o facto de ser possível beber um café no Bombar foi uma agradável surpresa – uma espécie de troféu para este atleta de alta competição (cof, cof…maldita tosse…😂😂😂), o subir ao mais alto degrau do pódio para, com um braço esticado e a mão oposta a segurar o café, proclamar “Black coffee matters”!

De rabo alapado no muro de pedra esquentada pelo sol, eis o vosso humilde narrador a olhar o horizonte e a perder-se nele. Um gole de café, o abrir da garrafa de água fresca, o recolher involuntário das últimas notícias relevantes da cidade. A visualizar os detalhes de cada onda como se fôssemos uma paixão que vicissitudes da vida impediram de se concretizar ou, nas vagas mais fortes, a visão de que o mar é o responsável pela erosão das rochas – um monstro de força ilimitada. É uma boa linha de pensamento, se bem que soe erótica mas “água mole em pedra dura tanto bate até que fura!” o que, para moços curiosos e persistentes, é um incentivo de força!

Não seriam certamente os primeiros ares do verão, até porque a primavera só chega na próxima semana, mas houve algo de profundamente acolhedor na maneira como o sol presenteou o período da tarde que dediquei à leitura – se fosse católico ter-me-ia sentido “iluminado” mas, enquanto ateu, senti apenas como um momento que me foi concedido para uma leitura ainda mais saborosa – um misturar da ficção da leitura com a envolvência da natureza a unificar tudo numa leitura de sonho!

Sonhar acordado faz bem à saúde – 15/3/2021

O puto que há em ti

Já tantas vezes nos cruzamos e sempre, mesmo sempre, senti aquele arrepio na espinha dorsal – que não esperamos mas que, quando dá…bate forte! Uma espécie de dor semelhante ao que sentimos quando a dentista procura os canais para desvitalizar o dente – mas sem a dor, só com a celebração por ter encontrado mais um canal.

Talvez eu tivesse dito a mim próprio, imbuído de muita confiança e espírito juvenil, que se eu olhasse para trás e estivesses a olhar então o futuro seria nosso. Tenho uma neblina quanto ao que aconteceu a seguir mas, por entre as abertas que a neblina permite, eu vejo o teu rosto – não estavas séria nem sorrias, não celebravas nem te mexias mas o presunçoso que há em mim deixou os nossos olhos falarem e, tal e qual o pitosga que sai satisfeito do oculista, também eu continuei a subir a rua, com um agradável incómodo na espinha dorsal.

Perdidos e achados – 15/3/2021

Aquele talvez

Talvez fosse do esforço, no retomar do passeio diário, ou o efeito de estar a respirar profundamente o ar do mar. Talvez seja uma maleita e tu o parasita (sempre calorosamente acolhida, retirando qualquer sentido menos bom que alguém queira tirar do parasitismo consentido! Tal como as baleias são constantemente seguidas por cracas coladas ao corpo – que muitos acham que é um parasita – que aproveitam a boleia sem interferir no normal dia-a-dia da baleia! Mais uma vez vale a pena realçar que uso o exemplo da baleia sem pretender inferir que a tua esbelta silhueta esteja a ser colocada em causa, bem pelo contrário, relembro cada detalhe de ti conforme a descrição que o coração me dá e esse músculo, ao contrário do cérebro, não mente! Até me lembro de sermos felizes numa cozinha…jovens que deviam claramente estar presos! Um ao outro! Talvez me tenha lembrado de ti…malditos carrilhões do sino da igreja!!!! 😉😘

O gozo de ter adormecido cedo e o gozo de cedo acordar imediatamente passaram a uma obrigatoriedade – acertar o passo! Não é acertar o passo a alguém mas sim efectuar a rotina diária de passeio higiénico. Desloquei-me até à casa-mãe e cumpri com a refeição mais importante do dia. Findo o repasto eis o vosso humilde narrador a caminho do hipermercado para abastecer de água (as pêras seguem no bolso, lavadinhas e a vários dias de estarem maduras ou, resumindo, como eu gosto!).

Lá arranquei o vizinho da cama e fizemos-nos à estrada. Cumprido o troço urbano – continua a andar muito povinho sem máscara – eis que entramos na parte de vegetação…um bom hino ao respirar fundo e à higiene pulmonar. Algum alarme quando vimos o passadiço fechado mas, como bons vareiros que somos, demos a volta à coisa! Fizemos o passadiço como se fôssemos traficantes de droga galegos e rapidamente chegamos ao bairro piscatório e a território seguro. Limpo o suor da testa e recompostos do momento galego eis-nos a caminho do checkpoint Charlie, de café. Ao longe vimos o objectivo com uma multidão digna de uma festa do avante em tempos de pandemia e passamos ao largo, para evitar um aglomerado de pessoas ainda maior! Um caminhar até aos degraus da piscina e o merecido descanso enquanto observávamos quem ainda se esforçava! Um cigarro de pulmão aberto fumado e eis-nos a caminho de casa.

Não é uma loucura, são passeios – 14/3/2021

Hobbies

A leitura sempre foi, desde tenra idade, um vício desta família. A forma como disputávamos o jornal, que nos era entregue diariamente à porta (envolvendo esquemas que implicavam colocar o despertador mais cedo de maneira a surpreendermos quem anteriormente tinha a melhor hora), a forma como os livros novos percorriam a família e se tornavam tópico de conversa aquando do almoço e jantar, o espanto quando me subtraiam os primeiros livros que a escola me pedia para ler porque “tinham saudades daquele livro”, a enormidade de banda desenhada que acumulamos e cujos exemplares chegavam semanalmente ao quiosque da avenida. Era simplesmente impossível não estar constantemente ladeado por livros – enquanto devorávamos um havia sempre outro já escondido da concorrência! O tempo parecia prolongar-se, a imaginação parecia estimular-se e o intelecto ia apreendendo a forma de construir frases, o escalar do suspense, as mil e uma formas de entreter o leitor que é, em última análise, o objectivo do autor.

Os dias de chuva eram sinónimo de almofada no chão, peito deitado sobre a almofada e o aproveitar da luz que as janelas deixavam passar. Sentir a chuva a bater no vidro e acompanhar algumas “corridas de gotas” (em que mentalmente apostas numa gota para ser a primeira a atingir o limite do vidro), o barulho da madeira que estala na lareira e que se traduz em calor, a manta que alguém te coloca nas costas para maior aconchego – a leitura sempre foi sinónimo de bem estar, conforto e o deixar a mente vaguear (algo em que sou um profissional não certificado).

O verão é sinónimo de banhos de mangueira entre banhos de sol, uma música discreta – mas que normalmente é um Chico Buarque, calminho e carinhoso como o ambiente tranquilo que se reúne. Quem quer desce a 33, dá um mergulho e volta para um churrasco que, no mínimo, se prolonga até ao pôr do sol – altura em que as camas de rede e a relva passam a estar ocupadas para uma sesta merecida. Com uns chuveiros pelo meio e já damos por nós sentados a comer novamente “Porque estás a crescer”, dizem…como desculpa para mais uma garfada. A noite é da chavalada, que vai sair, e de reunião para os que ficam – uma tertúlia improvisada, conversa despreocupada, mentes que se esvaziam num diálogo íntimo de amigos.

A ocupação de tempos livres como forma de crescimento – 13/3/2021

A jornada de recuperação

As pernas já não davam mais e o exagero de caminhar dez quilómetros seguidos estava bem marcado no corpo que, aparentando ter um sentido próprio da vida, adormeceu no sofá. A madrugada da uma da manhã foi o despertar e, sem estar ainda na posse de todas as faculdades, dirigiu-se para a cama onde tombou, sonora e pesadamente.

Abriu as persianas pela manhã apenas para encontrar a meteorologia perfeita para fazer um sábado de pijama – a versão “festa de pijama em tempos de pandemia” em que apenas há um convidado que se prepara para jogar às escondidas consigo próprio! Muito embora pareça uma tarefa árdua e de grande desgaste físico a verdade é que todo o jogo é feito com a “realidade virtual” do século passado – a imaginação.

Comecei a ler o Daniel Silva com o propósito adicional de ir adiando o final da trilogia do século do Ken Follett. Tal como na vida, por vezes adiamos um final porque sabemos a emoção que causará (obviamente há casos de sádicas narcisistas em que não só não adiamos como, após concretizarmos o final, fugimos para os antípodas do local em que estamos – sem nunca deixar de olhar para trás, colocando uma cruz ao alto e exclamando “VADE RETRO SATANA”, enquanto vamos borrifando água benta a cada cinco centímetros percorridos)! Mas, voltando à leitura, são quatro grandes livros fundamentais!

De café na mão esquerda e evitando o aparecimento do cigarro na mão direita, de óculos a evitar as lentes de contacto, de memórias de um dia de praia muito molhado e salgado. Com a tua expressão na memória, sem a recordação do detalhe que nos separa, de ar nostálgico na face enquanto tenta vislumbrar dias em que estávamos em hemisférios diferentes e a comunicação fluía, como um rio para o mar! A minha guia turística online! 

A curiosidade esclarecida é um dom a que poucas vezes temos acesso – 13/3/2021

Analisado ao microscópio

Colocada a primeira lamela e ligado o microscópio nuclear – era este o cenário montado quando me apercebi que a amostra de cérebro a ser analisada me pertencia. 

O técnico e o médico presentes avisavam-me quanto a emoções e esclareciam cabalmente todo o procedimento. O objectivo final do estudo é determinar a capacidade racional do indivíduo enquanto apaixonado.

Sorri, após ouvir o objectivo final do estudo porque tinha a certeza do resultado…seria inconclusivo! Foi quando me ocorreu que havia amostras recolhidas anteriormente e aí comecei a roer uma unha. 

Assim que todos vimos a imagem do microscópio projectada na tela eis que ambos abrem a boca de espanto – enquanto eu tentava destrinçar algo da imagem projectada, sem nenhum sucesso.

Olharam para mim, apertaram-me a mão e eu, que continuava a olhar para a imagem projectada, apertei ambas as mãos de volta. “Há imensa actividade cerebral”, exclamou o técnico…”o cérebro jamais sucumbiria perante um simples sentimento”! afirmou, com uma expressão de “Eureka” na face.

Eu continuava a olhar para a imagem projectada na tela…até que me ocorreu perguntar “A que período se refere a amostra?” e, perante a resposta, fui eu que soltei uma sonora gargalhada! 

O período da amostra pertence a um período de autoconhecimento profundo que impediu, de forma racionalmente definida, qualquer assalto a um coração protegido pela razão, mesmo tratando-se de razão egoísta em prol da auto preservação. Blindado!

Expliquei a ambos os cientistas presentes a impossibilidade dos factos! Havia que admitir que a amostra mostrava actividade cerebral, algo sempre louvável e salutar o suficiente para ser celebrado.

Todos os olhos estavam agora colocados na segunda lamela. Os cientistas – esses matreiros….quem não se lembra das manhãs de domingo com os desenhos animados do professor Balthazar? – interrogaram-me para confirmar se a segunda lamela continha uma amostra activa (paleio deles). 

Confirmei que a amostra se referia a um período em que a minha actividade cerebral deveria estar ao nível de uma folha, de um qualquer quintal, enquanto é trincada (torturada) por um caracol. “Amostra activa!”, gritaram ambos com o semblante de Eureka novamente presente.

A emoção havia voltado e todos aguardávamos a troca das lamelas e o aparecimento da nova imagem a analisar. A tensão no ar era palpável, corria um frio pela espinha dorsal, o corpo ganhou vida própria e surgem uns tiques de nervosismo.

A imagem era nítida e, se eu havia confirmado que a amostra era “activa”, a verdade é que a imagem era imensamente estática, não tinha actividade cerebral absolutamente nenhuma! Nem um nenúfar conseguiria…

“Confirma-se a quase oligofrenia do sujeito quando submetido a condições amorosas de extrema intensidade!”, declarou o médico, após assinar o relatório e apontando para o local onde o técnico começou a assinar.

Retalhos da vida de um filho de médico (achei piada ao trocadilho com o original) – 12/3/2021

Loucura sã

Talvez seja da idade ou talvez tenhas sido sempre assim e agora detectas mais facilmente, talvez seja a Primavera a chegar e já tens os sonos trocados, talvez seja o teu retomado apetite voraz por estabelecer novos recordes num qualquer pedómetro imaginário…a verdade é que, na primeira volta, ainda havia estabelecimentos comerciais fechados (não é verdade mas dá um ar mais dramático ao texto) , a chuva ameaçava o caminho e o facto da tua rua estar fechada era um presságio!

De fato impermeável completo e de sapatilhas de andar eis a maneira ideal de combater insónias inoportunas! Comprado um pão para o caminho, duas garrafas de água e eis o vosso humilde narrador e vosso herói em tantas aventuras passadas a caminho dos primeiros cinco quilómetros do dia.

O Carlos Avelino já estava aberto e, uma vez ultrapassado, já se pode tirar a máscara. Ritmo endiabrado na recta e uma mudança de direção para a direita de maneira a evitar um transeunte que passeava o seu cão. Após a curva temos cerca de cem metros de recta seguidos por quinhentos metros a desafiar a morte – perante o trânsito de frente ou o esgoto à esquerda. O coração palpita, as pernas adquirem um ritmo próprio, há um plano de emergência que implica um salto lateral de cerca de dois metros (algo impossível de executar mas não deixa de ser um plano…). 

O descanso, após a “recta da morte”, é feito em terreno firme e seco. Umas inspirações fundas pelo nariz e expirações pela boca, o coração que sorri dizendo “Ainda não foi desta!”, com o “ainda” a fazer sobressair o sarcasmo do músculo.

Iniciamos a recta da praia, saindo da parte citadina do circuito e imergindo na natureza que ainda resta no concelho. Rodeado de arbustos, relva, pólen que voa e que eu tenho que evitar inspirar, sem nunca deixar de me deslumbrar com todo aquele tom amarelo vivo que voa para polinizar. 

Acordo do meu sonho acordado quando o passeio acaba e a areia começa. São cerca de vinte passos na areia e eis-nos perante o enorme oceano atlântico. Hora de inspirar profundamente o ar que a jet stream empurra para a Europa.

Um ligeiro travo a maresia na garganta, uma tossidela provocada para aferir da qualidade da higiene pulmonar, um sorriso aberto numa cara agora ligeiramente húmida (de um pouco de chuva….drama, lembrem-se sempre!), um bater dos pés de maneira a sentir que ainda estão na extremidade do corpo.

Tal como num rally também aqui temos mudanças de piso e se bem que eu não troco de calçado – aguando da mudança do cimento para a areia e, posteriormente, piso de madeira – profissionais do ofício haverá que o façam. A passada ainda é firme e já terminaste a primeira garrafa de água.

Aproximas-te da parte mais viva de Espinho e, ao longe, observas os pescadores que consertam as redes – corpo curvado, caras muito bronzeadas, uma destreza sem igual que é repetida até toda a rede estar vista, revista e aprovada. Mulheres com indumentárias de viuvez misturam-se com jovens com indumentárias de malvadez, jovens distanciados bebem um copo, pescadores reunidos trocam impressões sobre um mar que está mais energético do que o habitual. Respiramos profundamente aquele misto de conhecimento marítimo profundo, maresia, vozes com tons e palavras tão castiças de escutar…entramos novamente em terreno urbano.

Evito a esplanada indo pelo lado nascente da rua 2 e subo a rua 23 com cara de poucos amigos, para voltar na rua 20 e começar a segunda volta do trajecto!

Não é rotina, é usufruir da natureza, de todos os tipos – 11/2/2021

May be an image of body of water and nature

Passeios

Podia ter fingido que não te via, apesar do conflito que estavas a ter com a máscara, mas jamais deixaria de presentear os meus olhos com a tua visão. É verdade que dei um mau jeito ao pescoço e hoje já tive que massajar durante o passeio. Foi apenas um hino ao silêncio, tal como o “Sound of silence” que outrora ouvimos juntos, muito embora eu sentisse demasiado ruído em torno de nós – não é de agora mas senti muito ruído numa linha de comunicação que já soubeste gerir melhor mas, por outro lado, quem sou eu para questionar o ruído que cada um escolhe como acompanhamento? É uma pergunta retórica! 

A manhã começou bem cedo – num misto de cansaço dos passeios diários e vontade de ficar ainda mais cansado – e a meteorologia estava perfeita – sol nas costas no retorno e de frente no caminho de ida (que maioritariamente pode ser feito sem máscara pois não há ninguém com quem te cruzes). Apenas me cruzei com um carro e um cão minúsculo mas com uma atitude de pastor alemão! Os jardineiros procedem ao corte de algumas plantas com mais pólen e as abelhas que ainda existem acompanham-nos – há uma coreografia improvisada pelo facto do acompanhamento de abelhas não estar tão cuidadosamente planeado por parte dos jardineiros!

O misto urbano/floresta permite a conjugação de um pouco de vida social – enquanto andas e cumprimentas quem passa, sem abrandar o ritmo – e o respirar fundo por entre uns bons hectares de floresta – onde sentes o teu corpo a agradecer a dádiva! 

São dias atípicos mas facilmente moldáveis para satisfazer o autor – 11/3/2021

A imaginação e as suas asas

Sentado na minha esplanada caseira, de pernas bem esticadas em cima da mesa e a recuperar dos cinco quilómetros da tarde – de tarde o mais curioso, em relação ao passeio da manhã, é a existência de mais povo do que de manhã – uma demonstração de como as pessoas sabem dividir os horários de maneira a nunca encavalitar tudo numa massa humana digna de CMTV.

Os locais onde outrora treinávamos atletismo e alongamentos, quando chegávamos da bicha das sete cabeças. Ter tido o professor quer como treinador de voleibol quer como professor foi espectacular para ainda recordar os trilhos que ficaram gravados na caixinha dos bons momentos de infância.

Dez quilómetros feitos com tranquilidade e sempre de olho posto na natureza – uma forma subtil de enganar a mente quanto à distância percorrida – embriagado pela quantidade de informação observada o cérebro tem mais dificuldade em dizer não, amuar e fazer uma cena (obviamente em público!)

Um café que não retira o cansaço de uns olhos que clamam por uma sesta, a falta de café a obrigar-te a adiar o sonho. O supermercado que, cada vez mais, é o ponto de encontro por excelência – uma adaptação dos tempos modernos em que o cumprimento ao longe é uma arma de defesa! A ver o Platoon pela enésima vez, pelo simples gozo de ver uma obra de arte do cinema.

O dinâmica da manhã a passar o testemunho ao doce conforto do sofá azul – 9/3/2021

Cansaço natural

O corpo vai-se afundando no cadeirão que nos acompanha desde tempos imemoriais e anteriores ao meu nascimento. Um cadeirão com mais de 50 anos, terá tido as suas mudanças de forro, que ostenta uma juventude que desmente qualquer tentativa de maioridade que lhe pretendam atribuir. 

Sinto que conheço todas as posições possíveis neste cadeirão – como se um cadeirão pudesse ser classificado usando um qualquer Kama Sutra do mobiliário…recordo inúmeros campeonatos do mundo de futebol em que este cadeirão era o craque da equipa mas a idade não perdoa e, apesar de todas as operações cosméticas, viu-se relegado para a “segunda casa”.

Confesso que, talvez de forma inconsciente, me adaptei a ter pouca roupa – se no retorno da Grécia havia duas malas já no retorno da Irlanda era só a mala de porão e a mala de cabine! (Convém explicar que eu vinha com uma “mala” vestida e a viagem foi uma boa gargalhada…cenas imaturas para poupar o dinheiro do excesso de peso imposto pela companhia aérea). A minha moda sempre foi curta de roupa mas animada na conjugação – soa a uma bela frase que explica a minha ineficácia para perder tempo com coisas que acho fúteis.

Espinho é uma tshirt, uns calções e umas havaianas…descer a 31 para chegar à 18, seguir e atravessar o parque da igreja, na 16 até à 23 de onde descemos até ao Bombar, tomamos café e seguimos para a descida em frente. De inverno uma ganga com um bom casaco permitem, igualmente com simplicidade, estar bem no meio ambiente.

Velhos são os trapos – 8/3/2021

Arrependimento sem remorso é algo vazio.

Não conheço os efeitos secundários de pessoas auto proclamadas alfa mas, enquanto adepto do povo Zulu – que é um dos responsáveis por existir um dialecto que é falado em quase toda a África – reconheço-me como macho Zulu (ou Sigma, armado em moderno! 😂😂😂)

Dia 19 de Novembro de 1999 foi o dia em que parti para conhecer Moçambique. Saímos da Quinta do Lambert em cima da hora, para o habitual trajecto de cinco minutos que fizemos num táxi amigo (de maneira a evitar a má disposição que corridas curtas causam aos taxistas). Chovia, muito e o Futebol Clube do Porto jogava contra o clube de Lisboa que joga de vermelho. Embarcamos e, quando o A340 aterrou em Maputo, havíamos ganho o jogo por 2-0.

No aeroporto, aguando do primeiro golo – superiormente executado pelo Capucho, dei um salto enorme no ar e reparei que um desconhecido se aproximava, a esfregar as mãos e de sorriso aberto. Assumi uma posição defensiva uma vez que a última vez que eu tinha ouvido falar em tais reacções as notícias eram oriundas dos duches das penitenciárias de Custoias, Paços de Ferreira, Pinheiro da Cruz, etc…O sujeito chegou perto de mim e perguntou:

  • É golo? E eu, ainda com um golpe na traqueia em caso de emergência na mente, respondi afirmativamente.
  • Eu sabia, disse o aprendiz de feiticeiro. – Quem marcou?, acrescentou enquanto o sorriso lhe rasgava a cara – de orelha a orelha e mais além!
  • Foi o Capucho, respondi enquanto cerrava o punho com a força que só um Portista conhece.

Amuado, o sujeito afastou-se e eu, que não sou muito discreto no que toca a coisas irracionais como o futebol, soltei uma gargalhada tal que senti que os controladores de tráfego aéreo davam instruções a todos os aviões em espera até saberem o que era aquilo. Por um breve momento o sujeito foi feliz….

Nos dois dias que destinamos a visitar o Krüger houve momentos em que nos cruzamos com locais que não falavam nem Inglês nem Português. O Agostinho – um homem fenomenalmente culto transformado em guia turístico – tentou dialogar utilizando um dialecto e ficou tão pasmado quanto nós quando se deu conta de que o diálogo era possível. Foi um momento único de reconhecimento por tantas insuficiências que África tem e a maneira superior como conseguem sempre improvisar uma solução! Uma mudança de abordagem, por muita dúvida que provoque, é uma grande solução!

A Ana Claúdia um dia perguntou-me qual o local que eu mais gostaria de visitar e eu, que tenho a mania que tenho sempre uma resposta pronta, respondi: Bazaruto! Recordo que ela achou estranho que eu pretendesse visitar um sítio que já conhecia, sem reparar que o pretendido era mostrar-lhe um sítio que eu sei (é uma certeza) que é dos mais belos que o mundo tem.

Num pequeno arquipélago, ao largo de Inhambane, para onde nos deslocamos de helicóptero porque haviam cultivado no meio da pista de aterragem de aviões, há um resort do Pestana que é maravilhoso! Combinando o facto de sermos, na altura, da família do Director-geral, ajudou a que nada nos faltasse e nunca tivemos necessidade de pedir, o que quer que fosse, num exercício de telepatia que nós não sabíamos existir. Podes nadar com golfinhos ou com tubarões bebé, podes passar o tempo no mercado de rua mais arcaico que conhecerás ou a percorrer os quilómetros que a maré criou entre ti e o mar, podes subir uma duna – que demora cerca de uma hora a ser escalada – ou fazer ski aquático no Índico – sempre pronto para fugir, (dos tubarões adultos) em caso de queda! Em resumo: o pequeno arquipélago tem uma amostra muito reduzida do mundo, tal como o conhecemos – permite todo o tipo de relaxamento ou actividades e faz-te crescer numa empatia que provavelmente alguns descobrirão pela primeira vez. E isso…isso é o único gourmet da vida que eu procuro! A consciência de saber do que realmente gosto.

Retalhos do meu “África minha” – 8/3/2021

Virtudes de um solteiro confinado

As migalhas de uma dezena de pães oferecidas a uns pássaros que me olhavam com um misto de simpatia esfomeada e histeria controlada. Observo-os enquanto interiorizo a certeza de que até eles conseguem controlar histerias e pergunto-me o que diria Freud, se conseguisse deitar os pássaros num divã, para uma análise mais terrena e mais assente na terra.

Freud certamente culparia a mãe dos pássaros – todos os voos da vida seriam escrutinados, todos os sítios por onde voaram, de onde descolaram e onde aterraram. A dieta seria analisada em função dos voos efectuados – ao mais ínfimo ingrediente. 

Nada faria o cientista afastar-se da verdade e finalmente a humanidade saberia controlar as histerias individuais e assim progredir. É isso que se pretende da vida, não é? O nosso progresso individual, sem fricções, em prol de um conhecimento mais vasto e nunca se detendo na missão constante de angariar mais conhecimento. É a minha definição!

De uma amálgama de folhas mortas começa a surgir a primeira folha do que se deseja uma laranjeira! Não que não saibamos o que plantamos mas porque este jardim é uma experiência permanente no que à introdução de novas espécies diz respeito. Já teve mais de botânico mas sempre soube achar espaço para novas espécies! Numa espécie de altruísmo e bem receber, eis um jardim que se sabe adaptar para que outros possam sobreviver juntamente consigo.

O jardim dá-me uma retrospectiva da vida – são 41 anos de casa – e se é verdade que participei na aventura que foi o enchimento deste jardim também é verdade que o abandonei nos anos de trabalho no estrangeiro – perdem-se algumas virtudes e exercitam-se alguns defeitos, algo também inerente à vida! Mas, voltando ao jardim, ele é o meu campo de visão sempre que me sento no cimo das escadas de caracol (mais conhecido como o meu degrau). O jardim e as suas cores, os seus aromas, a sua frescura e a ternura com que ondula, os pássaros que mergulham na procura da migalha prometido e as formigas que fogem com uma migalha que não vai caber no formigueiro. Mania das grandezas….

Mas, os pássaros voam e nós aguardamos em terra pelo seu retorno! – 7/3/2021

Sorrisos não autorizados

Numa varanda emprestada, algures na cidade onde nasceste. Uma garrafa de água de 0,50L, um cigarro e o olhar solto no horizonte longínquo que o interior sul nos dá. Uma tarde de música via wireless a combinar todos os gostos logo agradando a Gregos, Troianos e aos presentes.

O mar ficou visto às 7:15 e, a caminhada foi feita mesmo antes do duche matinal – um recuar a rotinas agradáveis do confinamento do ano passado e a cedência do espaço e tempo aos negacionistas que tanto apreciam multidões, sobretudo em tempos de pandemia.

O reencontro deu-se em tom de brincadeira. Eu estava na fila do supermercado, com uma garrafa de água para pagar quando, vinda da esquerda, cortaste a minha caminhada para a caixa, também com um só objecto, para em troca me saudares com um sorriso aberto. Não faço ideia quem és mas, tal como disse a caixa do supermercado, foca no fundamental ! Ahahah, que situação divertida!

Tarde de pés esticados em cima da mesa, a aproveitar os 18 graus, acompanhado por um cafezinho maravilhoso e um cigarro a fechar. Por entre garrafas de água, caminhadas e gargalhadas espontâneas e inesperadas!

Sorrir é viver mas, viver num sorriso, é um obstáculo intransponível de bem estar – 6/3/2021

Dia de manifestação de impulsos

Cheguei junto da praia para tentar perceber que ruído era aquele…soava como vidro a raspar em vidro mas, após analisar mais atentamente, percebi que se tratava de uma manifestação de grãos de areia.

Do lado do mar estavam os grãos mais românticos e despreocupados e, já junto às cercas que preservam as dunas,  havia os grãos mais racionais e afastados do romantismo. No meio havia pedaços de vidro – obtida pela fusão dos grãos mais acalorados – e ninguém arbitrava a revolução de vidro que se avizinhava!

Caminhei lentamente para me aproximar do terrível cenário que os meus olhos testemunhavam, passando pelo grão mais curtido do mundo que, na cova de areia, comia pipocas e observava o espectáculo…divertido acima de qualquer outro grão de areia com que anteriormente me tenha cruzado – ofereceu-me pipocas, um pouco do sumo que bebia pela palhinha e convidou-me a sentar ao lado dele. 

Achei mais seguro ter a companhia de alguém que fazia parte da sociedade que os meus olhos testemunhavam estar a digladiar sem tréguas. Agradeci o que me foi oferecido mas a minha curiosidade era bem maior do que o minúsculo pacote de pipocas e sumo que o grão de areia ia abatendo – sôfrego, com uma expressão alucinada e mascando de boca aberta!

“É por causa de um casal de namorados”, exclamou o curtido, por entre pipocas e uma sorvidela do sumo.

Eu não fazia ideia que os grãos de areia formavam casais pelo que arrisquei perguntar:

“Há muitas discussões entre casais de grãos de areia?”

O grão de areia curtido olhou-me, muito lentamente, percorrendo a minha silhueta, da testa aos mindinhos, e exclamou:

“É também por tua causa Henrique.”

Se todo o cenário já se assemelhava estranho, estou certo de que conto com a solidariedade de V. Exas quando afirmo que fiquei perplexo! O grão de areia parou de olhar para mim e, terminando o sumo e as pipocas, levantou-se e eu, temendo ficar sem saber toda a verdade, segui-o até uma área de reciclagem e pedi-lhe para aprofundar o que tinha afirmado e ele, sem cerimónias, exclamou:

“Os grãos de areia estão a discordar em relação ao dia em que foram catupultados para dois belos corpos que eles achavam iriam ser o eterno porto de abrigo deles. De um lado estão os grãos que pretendem que o fluxo da comunicação seja o mais rápido possível e, do outro lado, os adeptos de Marconi e da comunicação por impulsos.”

A minha expressão corada deixou a nu qualquer tentativa de ocultar o que me ia na cabeça. Recordava o engraçado de todo esse dia e a empatia superior que unia os corpos. O detalhe de não existir detalhe que nos separasse, o abstrairmo-nos ao ponto de, mergulharmos juntos numa vaga que nos uniu ainda mais. Ou apenas molhou, julgava eu, até presenciar a manifestação dos grãos de areia.

Peguei no grão de areia curtido e, juntos, caminhamos até junto da torneira do lava pés. Ele, que era de raciocínio rápido, percebeu imediatamente o que se ia passar e deu uma sonora gargalhada. Carreguei na torneira do lava pés e a água começou a fluir. Libertando o pé direito da havaiana fui dirigindo a água para a manifestação que ameaçava transformar as praias do mundo em formações de perigoso vidro. Aos poucos os grãos de areia foram esfriando e, sem atingirem os 1250 Celsius, deixou de haver ajuntamentos de vidro. Eu e o grão de areia curtido trocamos um sorriso muito aberto e uma gargalhada sem paralelo no universo. Não havíamos vencido ou sido derrotados! Tão só e apenas resolvemos, pacificamente, uma manifestação que ameaçava transformar a face da terra, tal como a conhecemos.

O final da história a ti pertence – 5/3/2021

A liberdade do indivíduo

Da beira-mar até a um hotel na freguesia, concelho e distrito vizinhos. De voltas pelo interior, a visitar uma freguesia do meu concelho, atravessando de maneira a estender o passeio pelo limite sul da cidade – sem ritmos frenéticos ou outras invenções.

Os caminhos das aulas de Educação Física, os aromas dos 11 anos, a procura por marcos de então apenas para os redefinir ou actualizar para marcos de agora. A vegetação, a humidade, os animais e as pessoas são já totalmente diferentes da cidade….a minutos de distância!

Uma encruzilhada amorosa entre o querer ser sarcástico e oferecer um Tamagotchi a outrem e apelar a que a maturidade a ilumine e um amor constante a quem só apetece gritar ao ouvido, sem magoar “Temos o mais fácil dos problemas de comunicação para resolver. Queres trabalhar nisso?” 

Uma visita rápida, para comprar material de hidratação, um estímulo dado ao próprio e assim se continua a progredir por caminhos do concelho de Espinho e vizinhos – a fazer lembrar os tempos da Jota! De sorriso aberto, passo despreocupado, a definir a melhor direcção conforme vais progredindo no conhecimento global do teu concelho inteiro.

Não pretendo da vida ser melhor do que outrem mas tão somente cooperar para que todos sejamos sempre um bocadinho melhor. Soa a lírico mas também é verdade. ❤️ Enquanto ouço os carrilhões do sino da igreja….

Passeios literários – 4/3/2021

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O nosso novo mundo

Arrepia-me a desconfiança com que as pessoas circulam – nota-se um misto de receio versus desejo por voltar a repetir a festa do fim de semana passado, numa mistura tão incoerente, fruto do desconhecimento e do chico espertismo tão tipicamente lusitano em que a estupidez de querer usar óculos escuros prevalece sobre o uso obrigatório de máscara – como se desafiar a doença fosse mais importante ou inteligente do que descuidar a indumentária. 

Tenho o maior apreço por todos nós que, sem ingenuamente questionarmos o que a ciência dita, não deixamos de acompanhar a evolução dos métodos de defesa contra a virose vigente e os colocamos em prática – pela nossa e vossa saúde. Desagrada-me o facto de haver quem pensa que uma pandemia pode ser debatida nos mesmos termos de um jogo de futebol e, enquanto o povo não for educado, tentará sempre debater qualquer assunto como se de um jogo de futebol se tratasse – ignorando, ostensivamente, o claro fora de jogo!

Após uma volta matinal, feita num ritmo infernal que eu apelidei de “Espinho local during the pandemic” – que consiste em acelerar o ritmo habitual porque a volta higiénica deve ser um exercício de respeito pelo próximo e, ao aumentar o ritmo, posso queimar tantas calorias quanto um passeio mais longo num ritmo não tão radical, deparo-me com o aroma da Aipal e, como qualquer bom cidadão espinhense, cedi na aquisição de dois pães – sempre bem tostados e a sair do forno. Compro o jornal por puro saudosismo de coisas palpáveis – e enquanto a Wook não envia o último do Daniel Silva. Euromilhões registado e um olhar mortífero, ressalvo, daqueles que fere, por parte do polícia estacionado que já me viu a voltar da beira-mar actualmente existente.

A reserva de baked beans esgotou ao almoço e lá tive que ir ao ponto de encontro dos dias de hoje…o supermercado! É giro ver gente reunida com o pânico nas faces…há qualquer coisa de David Lynch na cena! Não houve trocas de olhares…foi apenas uma compra de laranjas, bolachas de e sal e o inevitável feijão! São dias feitos a um ritmo tão descontraído que, por vezes, tenho que acordar as pálpebras para efectivamente perceber o que me rodeia.

Imaginemos tudo isto como um simples jogo de solteiros contra casados em que, apesar de haver virtudes e defeitos em ambos, o amor prevalece e o abraço certo surge naturalmente…como uma onda do mar que rodeia um casal empenhado em namorar e que nem se apercebe do que os rodeia porque só eles existem! Esse tipo de amor.

A rir corrigem-se os costumes e, confinados, ainda melhor – 23/2/2021

A rotina que não o é.

Nunca os dias são iguais mas, se falarmos em rotina, há logo um maior respeito pela disciplina que a palavra contém…como se pretendesse dar uma imagem responsável a alguém demasiado brincalhão para a aceitar! 

Quando chove aproveito para ler no exterior – numa mesa verde, típica do verão – que me permite esticar as pernas enquanto mergulho na ficção/realidade do Ken Follett e da sua maneira tão própria e peculiar de nos ensinar o século XX. É obviamente mais frio do que o interior, mas é o preço a pagar por querer um ambiente de leitura tão próximo da natureza – junto do gato preto que passa sem dar cavaco, da gata preto e branca que está sempre grávida ou do gato branco que, muito recentemente, se mudou para a garagem…

Não há horários estabelecidos para absolutamente nada – numa espécie de empresa de novas tecnologias que prefere ver as tarefas cumpridas a ver os funcionários sob a alçada do horário rígido. Há a obrigatoriedade de comprar fruta e iogurtes, numa base diária, numa forma ingénua de arranjar uma desculpa para mais uma visita ao Pingo Doce. Há a reserva de tabaco que tem que estar acima dos 2 maços, a reserva de cerveja no mínimo de meia caixa (calma, são minis), a comida preparada para as fomes nocturnas.

Há a proximidade como só Espinho proporciona, por entre obras que teimam em manter a cidade dividida quando o projecto inicial pretendia justamente unir a cidade, vou por diferentes trajectos – para evitar o povo, registo o Euromilhões nos dias de sorteio, acrescento uns passos ao pedómetro diário quando reciclo o vidro da noite anterior. A corrida de caricas de cerveja foi a melhor gargalhada, até agora!

A leitura, a música e o Netflix como fiéis companheiros.

Pandemia Covid? Eu estive lá – 11/2/2021

A realidade do sonho

No sonho até as pequenas desavenças são engraçadas. 

No primeiro sono há a batalha pela intimidade partilhada, a reação a toda uma partilha do que foi o passado, o alinhavar de um futuro que se pretende tão sereno, fluido, apaixonante e abraçado quanto o fluxo de um rio que segue tranquilamente para o mar.

No segundo sono há uma série de projectos comuns que são lançados e apaixonadamente conquistados – uma praia a conhecer, uma montanha a visitar, um trilho que inevitavelmente temos que percorrer, como sempre, de mão dada! 

No terceiro sono, e mesmo antes do despertar, cumprimos tudo a que nos propusemos! Nenhum detalhe fica por ser superiormente conquistado por nós. Há sorrisos marotos, beliscões de incredulidade face a algo que tão fácil tornamos de criar, desenvolver e atingir.

Depois há a realidade…- 10/2/2021

Um conforto egoísta

Contei o máximo de gotas da chuva que me foi possível e, em cada uma delas, guardei um segredo meu. Implodiram no chão, com o ruído típico da água a bater no chão, e o segredo ficava assim guardado para sempre. Amigas de confiança estas gotas.

“I like the rain. It washes memories off the sidewalk of life.”
Woody Allen

O alongar do passeio higiénico, de forma a encontrar o Norte, e a visão – sempre diferente, sempre fresca, sempre pujante – do mar! As saudades, que vão sendo combatidas com uns olhares do cimo da Rua 33, acumulam-se numa vontade enorme de mergulhar de cabeça, naquela água gelada, mais uma vez.

O supermercado como ponto de encontro improvável e a esplanada como ponto de encontro fechado pelas autoridades. Todos respiram saudades cientes de que as suas dúvidas são as nossas e todos queremos um fim para voltarmos a ser o que outrora fomos – livres!

Rodeado de obras, como a cidade inteira está, e infernizado pelo ruído ensurdecedor dos camiões das obras a recuar – um PI, PI, PI que deve ter sido calibrado pelo gajo mais surdo à face da Terra pois ouve-se de um lado ao outro da cidade!

A areia lisa a tentar novos recomeços, a mente a negar quaisquer progressos. O mar a babar-se num sorriso aberto de espuma e o povo a sorrir perante cada nova onda – em forma, força e trajecto – como miúdos a verem algo novo…pela primeira vez!

Pela primeira vez – 4/2/2021

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As portas da vida

Portas entreabertas!? Fecho-as todas!

Há uma frase, atribuída a Fernando Pessoa mas que acho que não é verdade, que diz que o autor vai colecionar todas as pedras do seu caminho de vida para um dia construir um castelo mas, eu que sou um gajo que viaja leve, não concordo com o termos que carregar as adversidades para compreender o mundo – é preferível fazê-lo no momento e imediatamente seguir em frente, sem fardos desnecessários. Prefiro a resolução prática e pacífica – quando possível – a deixar portas entreabertas! A corrente de ar não é saudável e eu conheço as minhas limitações enquanto marceneiro. Também é verdade que conheço a chave que reabre cada uma delas e esse é o segredo mais bem guardado do planeta! 

Dias de poupança na leitura, profissionalismo no ócio, descrição na hora de ir ao vidrão largar as minis do dia anterior. Conversa com os confinados Gregos e Brasileiros na Irlanda, a impossibilidade de abordar a época do Grémio. Uma janela indiscreta e uma nova amizade “da semana”! Os risos que obrigam a risos de resposta e a interrogação: ela piscou-te o olho porque lhe agradas ou porque pretende colocar-te numa lista de predadores sexuais de trintonas?

As questões habituais em tempo de confinamento – 2/2/2021

Réstia

Tal como a esperança também já só restava um pouco. A meteorologia, pouco atraente nos dias que correm, facilita o recolhimento obrigatório e desperta a imaginação para toda uma série de ocupações que avaliamos consoante o sorriso que nos colocam na cara. Do simples ócio pós despertar e olhar para o tecto e imaginar momentos bons e vivos da vida ao início de mais uma lareira para acompanhar a leitura na sala. Da aletria quente que “aparece” para a merenda até ao café num local que habitualmente designa os asilos de oligofrénicos.

As nuvens, com um branco demasiado carregado a demonstrar que não trazem chuva mas sim algo bem mais frio, o frio a empurrar-nos para casa – num exercício de uma tal brutalidade que lavas as mãos com água quente, assim que chegas a casa, e verificas se a anatomia permanece intacta. A leitura do segundo volume da história do século, o cigarro que não há maneira de me abandonar e mais uma acha para a fogueira. Já vos contei que a madeira está a ser racionada? Dois sacos por dia a cada comprador! Andamos todos com frio e com vontade de aquecer…com tantas razões a favor!

O mar que mais parecia um lago que só as pedras conseguiam obrigar a formar uma pequena onda, o cheiro da manhã fria que acordava uns e abraçava outros que ainda não haviam sucumbido ao sono, o murinho cheio dos “humanos lagartos” habituais e os “maratonistas” habituais. Passa o poeta e cumprimenta, em passo rápido pois agora “anda a andar” com uma “amiga”.

É uma cidade que o mar enche – 9/1/2020

Feliz Ano

Há quem faça grandes cálculos para aferir se o ano foi positivo ou não. Salvo o romance do ano passado, feito mais de impulsos do que pulsação, o ano foi de resistência à adversidade causada pela virose. Novamente aquele abraço, aquele beijo, aquele enorme gozo de sentir o corpo todo a vibrar na entrega, sem pudor ou qualquer tipo de defesa. Das mãos dadas até à dificuldade de comunicação – numa extraordinária coincidência com o passado – foi um ano de lamento amoroso mas de orgulho próprio extremo – pelo gozo que é saber passar tempo de qualidade comigo próprio.

Já me conheço há uns anos valentes – e a valentia advém da despreocupação e entrega. Consigo hibernar comigo próprio ao mesmo tempo que engrandeço o meu amor próprio, sem mudar de método, sabendo que o método resulta com poucas mas perfeitas – sempre foi assim, com amizades e amores e só assim se sente a plenitude em algo! (Minha modesta opinião). Em método vencedor não se mexe e é sempre mais recompensador ter um amor sincero a brincarmos aos médicos….

Debruçado na leitura, a música – salvo algumas músicas que ainda evito – como companheiros. O sorriso fácil, que faz regressar o antigo IKA, o jeitinho juvenil a atravessar a rua, o cumprimento simpático que me havia sido roubado, o sentimento de compaixão com o mundo e os seus habitantes. Sei que não sou o cidadão comum mas também consigo ser – simplesmente opto por defender os meus valores e princípios sem precisar de solidariedade ou aprovação social para o fazer.

Cedo aprendi a não me importar com o que os outros pensam – é a opinião deles e em nada afecta a minha. Nunca consegui aprender a não amar despreocupadamente e jamais tomarei tal como um erro. Gosto de entregar tudo, num exercício contabilístico sem deve ou haver. Se é verdade que os erros magoam a verdade é que os acertos compensam plenamente. Amizades recuperadas – as que interessam, obviamente, e outras enterradas bem mais fundo do que os habituais 6 pés de profundidade. Dias de alegria plena e noites de recolhimento. Muita saudade de uma amizade que nunca mais voltarei a encontrar mas cujos ensinamentos nunca caducarão em mim! Quem amo?! Os que me são mais próximos, obviamente!!!

Um ano de falta de esforço, eis 2020!

Dissertações sobre o autor – 31/12/2020

Pequeno almoço

Sendo a refeição mais importante do dia há que não descurar o seu horário, o seu conteúdo e, acima de tudo, já projectando o dia que vamos enfrentar. A primeira refeição demora o seu tempo a mostrar-se (eu, pelo menos, acordo sempre com mais apetite por um café do que propriamente comida) e, enquanto cultivamos o apetite, fazemos uma pausa para um cigarro e, muito provavelmente, alguma forma de higiene pessoal (um primeiro passo ensonado).

De conteúdo sempre diferente mas sempre de forma a colmatar as falhas que sentimos, com duração sempre diferente – porque me distraio com notícias, novidades e afins – com um conforto sem igual – uma espécie de melhor braço direito sempre disposto a colocar-nos o caminho correcto, com indicações claras para não me perder em círculos desnecessários a uma vida que sabemos ter um tempo definido que não nos é fornecido. A vida como uma espécie de navegação à vista – aproveitando, com a maior celeridade, as virtudes e desprezando, com igual ou maior celeridade, refeições que não são do nosso agrado. Uma vida gourmet mas com luzes intensas que nos permitem visualizar o que degustamos (se quisesse meia-luz teria ido jantar ao restaurante de uma qualquer mina, com um capacete adequada e uma arma capaz de afastar todos os bichos que se movem nas entranhas da Terra bem como os gazes que, de maneira invisível, matam!)

Vista e avaliada a refeição cabe ao autor o prazer de sentir prazer com a sua degustação – um misto de empatia e gastronomia, numa espécie de aliança diária em prol da energia do humilde narrador. Poderia ser um iogurte Grego e um Freddo Cappuccino – sempre sem açúcar porque realmente eu já sou demasiado doce. Poderia ser o Irish breakfast, com os ovos mexidos, o bacon, as tostas e os pedacinhos de chouriço grelhados, tantas vezes repetido em Lancaster Gate. Ou até os flocos baratos do LIDL que, com um pouco de leite, fazem sempre uma boa refeição.

No fundo….basta haver um consenso em relação ao que gostamos da mesma maneira que o temos para o que não nos agrada.

A gastronomia como analogia para a felicidade – 28/12/2020

O peso dela

Acordei cedo e senti-a a olhar-me. Tinha um ar de quem controla as coisas e aguardou serenamente que nos cruzássemos novamente. Eu andava despreocupadamente pela casa, a cumprir com o dia-a-dia, a ouvir música, a ler uma trilogia, a divagar com os olhos perdidos no limoeiro do jardim. Foi já no final da manhã que senti o chamamento dela. Aproximei-me, de forma muito cautelosa, e olhei-a, de cima para baixo, e exclamei-lhe: não voltarás a controlar a minha vida! Ela, com a sua habitual e auto-intitulada característica Alfa, recusou obedecer e eu calquei-a! Primeiro com o pé esquerdo e depois com o direito. Ela devolveu o número 91 e eu, que não aprecio a presunção, deitei-a fora. Estamos de relações cortadas até o número obedecer ao equilíbrio fundamental numa relação que não queremos que seja de muito peso mas duma ligeireza sem igual.

A minha balança pesa mais do que a tua – 27/12/2020

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Wake-up call

Talvez tenha sido o tempo o culpado mas, acima dele estou eu, comandante supremo de como vou utilizar o meu tempo! Como culpado cabe-me a mim lutar pela minha inocência ou, após cumprir a pena, começar de novo. Sempre, desde que voltei da Irlanda, soube que este seria um ano sabático mas a pandemia veio prorrogar o tempo inicialmente estabelecido e, sem problema, fui ficando perto dos mimos e dos afectos ao invés de partir para um novo desconhecido no meio de uma crise de saúde mundial. Tenho a sorte de não me faltarem apoios mas, como forma de agradecimento, sinto que uma mudança é necessária.

Não se trata de resoluções de ano novo ou cenas do género mas tão só e apenas uma decisão que tomei que, muito provavelmente, me levará para um novo país (muito embora a Grécia nunca fique esquecida) onde chegarei em melhor forma – física e psicológica – do que aquando da chegada à Irlanda. Quero andar mais e muito e, se porventura voltar a dar os passeios de conhecimento pela cidade, não estranhem – é a minha maneira de tentar restabelecer o contacto com a cidade – constatar novos sítios, novas casas e, infelizmente, novos prédios. Sempre, desde os 14 anos, fiz estes passeios! Primeiro como forma de nunca usar o mesmo percurso para o emprego – que, na altura, era no Parque de campismo de Espinho e, mais tarde, como maneira de constatar o que havia mudado na cidade mesmo que tal obrigue a um esforço diferente para tentar recordar a imagem mental que tínhamos daquele local, antes da mudança. Um exercício que estimula a memória e nos dá a conhecer a cidade que, cada vez mais, está entregue a pessoas cuja visão de beleza da cidade é nula! Há excepções, que preservam uma das duas riquezas de Espinho, o património arquitectónico. A gente Espinhense é a outra riqueza que, cada vez mais, sentimos partir e, em sua substituição, recebemos uns habitantes tipo guna….

Tudo na vida está em constante evolução – seja positiva ou negativa. Cabe-nos a nós, e à nossa percepção da realidade, avaliar se há algo positivo ou negativo nessa mudança. Por vezes o instinto falha e acabamos por fazer juízos de valor que não correspondem ao que nos cerca mas, usando o intelecto, rapidamente conseguimos repor a verdade dos factos. Os factos, essas provas não refutáveis, impedem o sentimento pleno que, apesar de perdoar, não esquece.

Comemos polvo, ao contrário da maioria do povo, porque gostamos. Mãe e filho sentados na mesa, ao lado da lareira. A rever o “The Color Purple”, por entre as sobremesas com que sonhamos, a falar do ano que passou e perspectivas para o futuro. Uma noite tranquila, de confraternização, comes e bebes!

Bom Natal.

Uma noite de Natal – 25/12/2020

Porque é Natal

Se escreveste a carta e a enviaste atempadamente então não tens nada com que te preocupar. Espero e desejo que tenhas colocado o valor correcto do selo do correio e que a carta contenha a única palavra possível de nos reconciliar. Que seja uma carta frontal, por uma vez na vida, honesta e escrita com o coração e não com a mente, com a emoção a prevalecer sobre a razão.

A escrita deve ser fruto do que sentes e, sem pensar, colocar as palavras no texto. Não podes rasurar mas podes fazer ressalvas, podes fazer revelações que consideres pertinentes num sentido de uma bem maior transparência. Ler soluções, somar palavras que se traduzam em acções, sentir-te no meu coração a cada letra, sentir-me abraçado em ti fruto do texto.

Sonho de uma noite de Natal – 24/12/2020

O mar e o esporão

Uma espécie de analogia da vida – as ondas passam os dias a bater no esporão e a altura que alcançam parece ser maior a cada dia que passa. A quantidade de areia recolhida pelo esporão é directamente proporcional ao estado de conservação em que se encontra pelo que os locais agradecem e zelam pelo seu bom estado de conservação!

Numa espécie de visão sentimental da coisa a pergunta fica no ar: como se sente o mar com este desafio diário? E com o facto da areia lhe ser roubada? “Está na natureza do mar que assim seja”, poderão afirmar mas eu preciso de provas científicas de que todo aquele trabalho diário está documentado num qualquer acordo, com os direitos e deveres do mar devidamente salvaguardados!!!

Confesso o meu egoísmo, no que a captação de areia diz respeito, mas também confesso que me dá muito gozo ter uma praia tão grande. Uma praia que nos permite optar pelo melhor local para colocar a toalha e começar todo o trabalho que um dia de praia exige. A vantagem de poder escolher uma praia que começa no limite de Gaia e termina no limite do concelho de Espinho! O fazer um dia a dar um mergulho em cada praia, de ida e volta ao ponto inicial, é o meu desafio….assim que a meteorologia o permita. No final designarei a minha praia preferida e, com a areia dela enrolada em mim, seremos felizes para sempre!!!!!

Engoliu água salgada… – 22/12/2020

A chuva miudinha

O título até pode soar a pedofilia mas a designação advém da irritação causada por gotas que parecem conhecer o labirinto para nos irritar (tal como o exemplo da criança que faz uma birra). As gotas, com uma precisão ao nível do Google Maps, encontram um destino em nós – sempre com um impacto de frio que nos mostra que a realidade pode ser dura e refrescante, ao mesmo tempo! O incómodo pode, igualmente, ser visto como uma prova de vida! Senão vejamos: para uma pessoa muito sensível a gota vai despertar os sentidos adormecidos que, perante as evidências, apenas se podem render!

Gosto da chuva – e ela sabe bem disso ou não reagiria de uma maneira tão salutar. Mas não basta gostar da chuva – é preciso sabermos conviver e, acima de tudo, respeitar a sua natureza enquanto a nossa também é respeitada! É isso, assim simples, um salutar jogo de respeito mútuo! Sabermos usar um guarda-chuva para as situações em que a pluviosidade se adivinha perigosa e, pelo contrário, saber gostar das gotas de água a escorrerem pelo nosso rosto, com a situação de comichão inerentemente presente, sempre que se trata de uma chuva menos poderosa. O “saber estar” como condição fundamental para o triunfo de duas forças da natureza!

Não se trata de um jogo de poder de autor versus a natureza mas sim um pacto de não agressão, respeito mútuo e vida em conjunto – numa espécie de inevitabilidade amorosa entre dois elementos da mesma natureza. Não se trata de competir mas sim de entreajuda e superação. Não se trata de ganhar ou perder mas tão somente e apenas de, juntos, superarmos as agruras e desafios da vida. Quando a chuva passar de miudinha a chuva intensa…aí teremos o Nirvana que procurávamos!

Ventos do Golfo do México a afectar o autor – 21/12/2020

A meteorologia e nós

O início é sempre muito soalheiro (como o Alvarinho, que bebemos e nos faz soltar o melhor que há em nós), segue-se uma fase em que surge alguma rolha no vinho mas, sabendo-nos livres dos THC’s – que tanto vinho estraga, quando a rolha não é devidamente tratada – nós tragamos tudo até ao sorriso de quem bebeu e desfrutou! Depois surgem os “awkward silences” – já sem vinho mas com uma notória falta de rede para executar qualquer acrobacia mais ousada….sem entorpecentes a vida parece tornar-se mais real e menos idílica. Mas é com a realidade que vivemos e, independentemente de todo o Alvarinho soalheiro existente, ninguém consegue estar constantemente a forçar a rolha a ceder!

Num mundo perfeito toda a rolha saberia descobrir a garrafa perfeita para encaixar mas nem este mundo é perfeito nem as rolhas e garrafas são uniformes. Os líquidos são diferentes também e a diversidade de cores diferentes adensa o mistério para quem, visualmente, consegue imaginar todas as garrafas, com todas as suas cores e líquidos diferentes, alinhadas num espectáculo único de cor, magia e álcool. De volta à realidade e a uma pessoa com tempo e emoção, uma pessoa sem tempo e tentando perceber qual a emoção e a habitual bipolaridade do hoje cumprimento ou talvez não. É um mundo de sorrisos aquele que diariamente encontro – se não forem os alheios então levam com o meu sorriso (é gratuito e não ofende).

Curiosamente, ou talvez não, continuo a colocar a leitura em dia e a abstrair-me cada vez mais destes tempos de reclusão, ameaça que paira no ar, a pandemia. Escrevo imenso, para mim, textos que jamais publicarei mas que me delicio a ler – como um miúdo de tenra idade que encontra a primeira carrinha de gelados! O vocabulário aumenta, a memória visual é estimulada e, quando damos por ela, nem saímos desta nova configuração da sala! A lenha….falta a lenha para saborear uma noite – que seja – a ouvir a madeira a estalar, o cheiro da madeira quente, o calor proporcionado por ela. A meteorologia, não só mas também, a condicionar uma série de reencontros que tardam em se proporcionar – ora por intervenção “divina” (recordo que sou ateu) ou por pura falta de vontade que mais não é do que contagiante para a outra pessoa.

São dias de sol e chuva…está na hora de estrear o fato de chuva irlandês em solo português!!!! LOL

Longe da vista

É um bom exercício físico: envolve fugas, envolve passeios por ruas novas, envolve paz! Como um camaleão, vai-se camuflando com a natureza existente enquanto observa a triste diversidade de prédios feios que se acumula pela cidade. O interruptor desligado e lacrado para que assim permaneça. A mente constantemente a ler as notícias que o mundo nos vai dando, os livros que levam a cabeça a vaguear pelas descrições dos autores. O Netflix nos intervalos, o passeio higiénico dado no corredor de estacionamento. São dias de um novo ar, depois de pela manhã cedo desconfinar…rimou!

Sem tempo para as manhãs de gins, assustado por um casal de gatos que vive na garagem, assustado com o barulho do vizinho a cortar a fruta da árvore. De manhã cedo satisfeito com o passeio matinal e confinado antes que a onda de gringos atinja a cidade. O pão, do palácio dele, que é o aperitivo ideal para o almoço que se segue. A água, sempre ela, a repor os valores fundamentais dos 80% que compõem o corpo, a cerveja – sempre brutalmente gelada e quase no limiar do congelamento – a acompanhar a noite, ao lado de um aquecedor que faz uma cara empática de cada vez que olho para ele.

Ver o Singles, passados estes anos todos, foi um recuar aos tempos da explosão de música em Seattle. Não só o filme é cómico como a banda sonora é, provavelmente, a melhor que um filme alguma vez teve! Foi bom, muito bom…embora 92 não tenha sido o melhor dos anos. O café curto em chávena fria está digerido, a caminhada matinal efectuada e o recolhimento continua, por entre gargalhadas, a ser visto como um conjunto de dias agradáveis de auto reflexão, sem espelhos!

Image may contain: 2 people, text that says "SADANDUSELESS.COM What are you doing? Faiem my problem."

Fora da caixa

Nada fora ensaiado e a fluidez fez com que o personagem tomasse conta do sujeito e, com a aprovação do sujeito, resolveu a situação que tardava em ter uma pesada rocha – semelhante ou superior a uma existente no Castelo de Monsanto – para que o presente corra sem sobressaltos. Se há excesso de que jamais me poderão acusar é de amar demais – a vida ensinou-me a expurgar fantasmas – soltando, posteriormente e na intimidade do seu espaço – a correspondente flatulência que se dilui no ar, não sem antes dar um cheiro da sua graça.

Há um comediante português que afirma sempre que a vida é como os interruptores: umas vezes está para cima e outras está para baixo mas eu, que sou um gajo de corrente contínua, não partilho da opinião dele. Prefiro uma ligação contínua – numa espécie de mal necessário amoroso, para que ambos sobrevivam. Um coração constantemente aberto a conhecer a natureza da Terra e a natureza das pessoas; frontalmente ignorando os que nada possuem de valor e rejubilando sempre que uma espécie de corrente eléctrica te percorre o corpo e, percorrendo o espaço que te rodeia, descobres uma alma feminina a pulsar com a mesma corrente.

A vida tem muito pouco tempo para intrigas, boatos, bullyings e afins – que, acima de tudo, só denuncia a personalidade de quem os pratica – numa democracia de vida perfeita os maus teriam o seu tempo diminuído e os bons o seu tempo aumentado (Sim, a Madre Teresa seria uma capitalista a vender tempo a preços exorbitantes…ahahahahah). Adoro os 50 e tudo o que de bom eles já me conseguiram dar: o sorriso já há muito abundava, o saber desligar já tresanda de profissionalismo e o ter uma fome de vida enorme não passa…provavelmente chegarei aos 100Kg…ahahahahahah

Devaneio de um sorriso enorme – 10/12/2020

Analógico ou digital?

Se é verdade que tudo começou com o velhinho 720701, e que a ligação ao ponto de acesso do Porto era feita somente de madrugada, também é verdade que os NUIs ajudavam a poupar dinheiro. Nos primeiros tempos de internet o poupar era fundamental pois cada impulso custava cerca de 8 escudos e, tudo somado, dava uns belos 50 contos de telefone.

Ser early adopter tem destas coisas…a internet começava por ser um primeiro acesso a Stanford, para download do browser, ferramentas de FTP, Gopher, Telnet, etc…só posteriormente podia aceder ao que quer que fosse. Os impulsos sempre a somar, numa conta telefónica astronómica! Foi então que as linhas digitais surgiram em Espinho….Tentar convencer os meus pais a trocar um número de telefone com mais idade do que eu era um acto ousado mas lá consegui trocar para um 731xxxx que ainda hoje perdura!

O filtro da linha analógica foi para o lixo, a nova linha funcionava com 0’s (desligado) e 1’s (ligado) e o número de erros no tráfego desapareceu por completo! Ligado ao mesmo ponto de acesso do Porto eu conseguia agora velocidades dignas de linhas RDIS ao preço de uma linha normal. Eram outros tempos e, muito provavelmente a linha analógica achará que os impulsos são mais importantes do que os 0’s e 1’s mas eu, enquanto ser emocionalmente radical, prefiro a evolução ao saudosismo.

Um brinde à vida! – 8/12/2020 (o último dia dos quarentas)

Sempre ela!

Sempre foi o meu segredo mal escondido, aquele amor antigo que, mais do que crescer comigo, fez do meu crescimento uma aventura de deliciosas visões. Imatura pela manhã, em que se assemelha a um bocejo humano, muito madura na forma como se deixa cobrir pela escuridão. Sempre com sons novos, por vezes interrompidos pela estupidez humana que preza o ruído como forma de comunicação, sempre com tons novos, sempre com coisas novas que mudam de forma e alteram a nossa percepção que tínhamos das coisas.

Adormeço acordado a deliciar-me com cada momento novo e, como pessoa que não tem paciência para futilidades, refuto toda e qualquer tentativa de desestabilizar essa paz. Ando de cabeça erguida na rua, não porque esteja acometido de alguma enfermidade mental mas tão só e apenas porque não quero perder nenhum dos momentos (dentro do humanamente possível) que ela me proporciona. Uma espécie de amor profundo cujo corpo se vai adaptando às necessidades do dia e o sentimento evolui numa dimensão honesta e despreocupada.

Sempre me afastei de pessoas menos dotadas intelectualmente – não que eu seja um génio – bem longe disso – mas porque considero que a procura do conhecimento é um dos nossos objectivos máximos na Terra. Não porque seja arrogante mas porque tratando-se da minha vida, da minha felicidade, do meu amor, eu posso ser autoritário na minha procura e, como o nosso tempo escasseia numa medida que não nos é dada a conhecer, prefiro aproveitar o meu tempo com aqueles que realmente adicionam algo ao meu percurso. Já me cruzei com pessoas brilhantes mas desprovidas de sentimentos, já me cruzei com pessoas cheias de sentimentos mas desprovidas de razão e talvez tenha sido essa lição de vida que me tenha trazido aqui.

É a natureza o amor de que falo. Tem sempre razão e delicia-nos com essa racionalidade. Dá-nos dias maravilhosos que, usando os olhinhos, conseguimos perceber. Muda, constantemente, e sabe ilustrar essas mudanças constantes com tons de cores magnificos – daqueles que tentamos recriar numa paleta de cores mas a tarefa assemelha-se impossível e a tela fica aquém da realidade – uma mentira, portanto. Não procuro, apenas encontro. E será sempre esse o mote a comandar este amor pela natureza…nunca procurar….apenas olhar! E, assim, sou feliz. Irónico que o seja com tão pouco? Nunca enxergaste a natureza em todo o seu esplendor se não concordas e essa ignorância só será superada com uma abertura total ao que a natureza nos dá!

O amor é…

Eu não lhes chamava curvas mas sim as linhas perfeitamente idealizadas para mim. Esculpidas no mais belo tom, ruborizada de maneira sempre oportuna, um sorriso que me faz engolir em seco e apreciar, mãos que me permitem a proximidade sem as indecências que o cérebro conjetura. A primeira vez que te vi o queixo caiu-me pelo que mantive sempre a coerência quando colocado perante a tua presença. Provavelmente notaste e eu talvez também tivesse notado que saías do banho – de toalha geometricamente enrolada num revelar de formas que gravei numa ROM da minha cabeça!

A maneira como nos fomos conhecendo envolveu a estratégia de fugir do local errado, o chegar ao maior mercado semanal sem querer largar, o ouvir o “The sound of silence”, a humidade de uma onda que nos enrolou e nós, inocentemente, enrolamo-nos ainda mais. Aspiramos a ser o que quisermos e como quisermos. O gorro obriga a um pouco de cardio – fundamental para dinamizar o fluxo intestinal, o teu toque faz-me vibrar e a tua mão fria é o ânimo necessário para mais um dos nossos sorrisos vermelhos que, por trás do corar infantil, esconde dois corações adultos imersos um no outro.

Perdido no 4G – porque amantes de todo o tipo de ondas – achou-se no contacto. Achado no contacto perdeu-se no toque e teve – sim, foi uma obrigatoriedade racional e, se pesquisarem na internet, certamente encontrarão literatura sobre o assunto – teve que a abraçar e, como duas peças de um puzzle, encaixaram nos braços de uma maneira tão perfeita que nem os melhores artistas conseguiriam produzir ou, permitam-me a modéstia, jamais sequer aspirar a reproduzir! Era mais do que uma obra de arte….era a NOSSA obra.

Ocupacionista

Estamos em pleno Outono mas há partes da natureza que já se desdobram em sinais de inverno – seja a extrema força com que a água bate no esporão seja a força como ela leva a nossa praia de outrora. Sim, lá estive “estacionado” a ver as ondas a cultivarem todo um novo terreno para, mais longo por volta das 17, começar a galgar o muro que separa a praia do picadeiro.

Virei as costas a Sul e foquei-me no Norte. Não que alguma vez tenha perdido o Norte mas por uma questão de protecção face ao vento que soprava. Imaginei que me chamavas mas não chamaste, imaginei que me telefonavas mas não telefonaste…enfim, tenho uma imaginação fértil. O mar começou a rondar o muro e eu, saído do transe em que o mar me coloca, decidi subir a 33 para vir até casa. É verdade que apanhei uma vaga de Vouguinha mas, como local que conhece atalhos, consegui desviar-me deles….sem covids ou sotaque!

Depois da caminhada matinal ainda houve tempo para o pequeno-almoço tardio e já passava das 13 quando saí da Igreja da rua 2. Tem sido um dia pleno de imaginação, a confirmar o Ikinha de outrora que, acima de uma maluqueira socialmente aceite respondia sempre com outra. Dias de riso fácil, de coração aberto e alegre por apanhar com alguma chuva na cara.

Isto de ter leitores gregos nos Estados Unidos é outra classe…

Rambo

Só ao terceiro dia, apercebendo-me que afinal eu é que precisava de ajuda para me ver livre dele e não o contrário, é que o baptizei de Rambo. Só imaginava o que seria necessário para que a execução decorresse com o mínimo de dor e máximo de efeito letal. 

No primeiro dia, assim que abri a cortina do chuveiro, senti uma “presença” e, após uma revista minuciosa, o fdp (deve ler-se filho de peixe) lá saiu do cimo da minha orelha, de onde já havia retirado o sangue que pretendia. Procurei-o mas sem sucesso.

No segundo dia procurei-o – tal como outrora bati o pé a uma barata, na Grécia, e ela se começou a dirigir a mim…acabando eu por ir dormir a um hostel – também agora eu estava disposto a enfrentar o Diabo…até certo ponto. O duche decorria normalmente quando, mercê de um jeito dado à cortina, vejo o Rambo a dirigir-se a mim. Estava sem lentes mas era capaz de jurar que nos olhamos, olhos nos olhos. Tentei capturar a presa mas, mais uma vez, sem sucesso. Descobri, no final do duche, uma nova picadela na orelha (devem ter mel….).

O terceiro dia foi estilo David versus Golias e o Golias era ele e eu havia mudado de nome! Vasculhei o pequeno quarto de banho, por todo o lado possível e imaginável, numa tarefa digna de ser vista e revista por um CSI capaz de estar à minha altura. Fechei a porta do WC e iniciei o duche. Foi já com o shampoo na cabeça e de corpo ensaboado que senti uma picada na orelha oposta e, após verificar, lá vejo o Rambo, Parte III, a voar pelos céus do WC…

Ao quarto dia nada foi deixado ao acaso. Acordei e a primeira coisa que fiz foi encher o WC de insecticida, fechar a porta, lavar as mãos e aguardar o efeito enquanto tomava o pequeno almoço. Passadas umas horas, e devidamente prevenido de rede profissional para matar cenas que voam das quais não gostamos, dirigi-me para o WC e, antes de entrar, vejo no cimo da porta do WC o Rambo. 

Paz à sua alma…

Jogar às escondidas

Era um dos jogos da pequenada, no meu tempo, por ser um jogo que combinava o físico (correr para o mais longe possível), a inteligência (até podias nem precisar de correr desde que te soubesses esconder), amizade (jamais envergonharias um amigo sendo o primeiro a aparecer e “livrar-se”), confraternização (independentemente do resultado o final era sempre uma celebração de gargalhadas e boa disposição).

Foi nos desses jogos que decidi não guardar o nome de um dos participantes. Entabulei conversa e aguardei serenamente que o habitual acontecesse. A previsibilidade permite sempre prevenir a perplexidade (adorei esta frase profunda…não volto a escrever outra tão cedo…ahahahahahah). No jogo de escondidas a previsibilidade é, aliada a uma boa audição, o antídoto de todos os futuros mal entendidos. “Não jogo mais contigo”, apeteceu-me exclamar mas o nome do jogo proíbe que os participantes deixem de participar. Quem fez as regras????

Fugiu da sociedade habitual e refugiou-se em novos hábitos (alguns dignos de agente secreto). Por entre becos e ruas, por entre obras e ruas normalizadas, escondia-se em percursos que jamais se recordaria de percorrer – tendo inclusive percorrido áreas consideradas – pela sua interior Protecção Civil – como sendo pontos amarelos e/ou vermelhos. Houve momentos de alto risco mas a prova foi superiormente superada com apenas meia dúzia de encontros. Um registo digno de um sniper, na sua melhor semana de campo!

Desabafos por entre gargalhadas não recalcadas!!!! – 19/10/2020

Sangue, suor e lágrimas

Talvez fossem apenas a soma de uma série de exageros gastronómicos, superiormente regados por pipas de cerveja – sempre estupidamente gelada, noites feitas a partir do comprimento da reserva de cerveja existente, sofás a merecerem uma olhadela por parte de uma equipa do CSI mais experiente, gargalhadas e recordações, frases feitas e tradições, sorrisos sobrepostos enquanto as mentes vagueiam. Quais varizes, tatuadas no ânus, as hemorróidas atormentavam o autor mas nada o faria parar e, qual fénix renascida, começou a usar o bidé mais amiúde.

Não sendo o exercício físico ideal era o possível. Enquanto homem que caminha para o meio século de existência ele foi o sujeito passivo e, deitado na cama, observava calmamente cada nova incursão da adversária. Via-a a caminhar despreocupadamente pelo terreno e, sem pudor, a avançar a passos largos para a vitória. Confesso que a emoção me percorreu a espinha quando a última bola foi tocada. É verdade que já tinha havido momentos muito mais espontâneos e até com pessoas a chamarem-nos para a mesa mas guardo esta meia-final do torneio feminino de ténis como uma batalha a que fui feliz por ter tido a oportunidade de assistir. A felicidade é o atingir de um dia à dia de momentos felizes que, qual manta de retalhos, colocam um sorriso parvo nas nossas faces! Que exibimos, com orgulho!

Consigo transformar pesadelos em sonhos e lágrimas de dor em lágrimas de alegria! Os pesadelos são sempre dirigidos para um Henrique puto, sentado diante do mar espinhense, e a rir-se com a alegria que sempre foi mergulhá-lo e sentí-lo no corpo. De cabelos sempre longos e encaracolados, cheios de areia das máquinas de lavar com que as ondas nos projectavam para fora. De férias – os míticos 3 meses de férias – de fato de banho de padrão escocês, comprado no Marks and Spencer. Para as lágrimas tornou-se ainda mais fácil desde a vitória do Miguel Oliveira….hoje em dia basta-me revêr as imagens da vitória para que qualquer eventual derrame do lago lacrimal passe a ser de alegria. Vou experimentar com cebolas e ver se resulta!

O madrugador

Estes novos hábitos de deitar cedo e cedo erguer dão para umas caminhadas maravilhosas mas a cama, à medida que o frio se aproxima, parece cada vez mais e mais acolhedora! É da manta verde, só pode…é erótica num sentido de sono profundo e arrasta qualquer inocente num sono retemperador  e profundo. Bem haja manta!

Tenho dado uma espreitadela ao campeonato de surf mas decididamente não é a minha onda. Antes deixar os olhinhos a pairar sobre o nevoeiro, perdidos e levando a minha mente a perder-se também….num ponto do horizonte que não sei definir mas que dá uma paz anormal. Uma espécie de transe, num ponto longínquo do horizonte nublado. É bom, muito bom…a mente descansa, tu “dormes” acordado…a sensação de paz é única e deve ser praticada amiúde!

Tomada a refeição mais importante do dia, entre outros clientes que já vão devorando uns hambúrgueres ou cachorros, foi hora de retornar à base. Obviamente nunca sem antes devorar uns petiscos, no tasco, para repôr a alegria no estómago e nos olhinhos. Uma das tardes mais divertidas do Verão começou assim…e ainda não acabou!!!! A dificuldade dos degraus, para aceder ao WC, a fazer lembrar o Museu da Cerveja…de onde vem a ideia de colocar escadas como desafio para bebedores de cerveja? Não entendo a arquitectura!!!!

Apostei tudo num surfista chamado D. Sebastião e aguardo novidades…

Recordações

É alguém que me acompanhou, num percurso profissional de 11 anos…quase 12, e que sempre me ajudou a concretizar as tarefas que o emprego impunha, com o menor esforço ou stress. Se a era das máscaras veio para ficar eu devo confessar que vou passar por pessoa mal educada pois não consigo reconhecer as pessoas mas, após a máscara removida, eis a antiga colega de trabalho que já não via desde 2013! Falamos de tudo, sem aprofundar nada. Matamos saudades de um tempo em que, apesar das poucas armas que tínhamos, fazíamos verdadeiros milagres em termos de vendas e a sua entrega ao domicílio. Foi uma salutar recordação de pessoas que tanto nos dizem e com quem já não teremos oportunidade de confraternizar novamente. Foi bom, muito bom!

A salutar constatação que uma noite que querias calma, a um canto, a ver passar tudo e todos se pode transformar numa amena cavaqueira entre pessoas que não encontrarias, mesmo se procurasses. Cumprimentos enviados a quem os merece e as despedidas trouxeram a última cerveja, acompanhada de um amoroso “É mesmo esta que vai fazer a diferença?” – ao que me apeteceu responder que sim, foi! O caminho, feito junto ao mar, foi a mais tranquila das viagens para casa deste verão – as ondas a mostrarem tantas oscilações, as rochas que ficam despidas quando a maré desce, a gota de maresia que bate na cara. E tudo isto enquanto aquele muro me ia acompanhando, do lado direito, e eu ia recordando o quantos muros serão necessários até nos sentarmos e

falar, num diálogo que parecia prometido mas que peca por tardio.

O domingo trouxe o ócio – uma vontade enorme de não despir o pijama, não tomar banho….ser um inerte humano, só hoje! Fechadinho no meu cubículo e em contacto com o mundo….é o máximo a que posso aspirar hoje! E muito feliz com isso!

A xanata de pedra

Ao contrário da jangada de pedra, o narrador navegava numa xanata maravilhosa, de um negro pronunciado e com a marca da xanata bem visível. Compradas em plena Copacabana e com percursos percorridos pela América do Sul e Europa, a xanata esbarrou numa pedra cujo discurso – pleno de promessas e oco de acção – se assemelhava a exactamente o mesmo percurso do ano passado e, segundo o Paulo Coelho “Quando você repete um erro, já não é mais um erro: virou uma decisão…”. 

Alguém, que não Fernando Pessoa, escreveu “Pedras no caminho? Eu guardo todas.” e eu, que assumo gostar de ser diferente do cidadão comum, olhei demoradamente para a pedra e, constatando que seria a pedra que um pinguim escolheria para oferecer à amada (faz parte do ritual de acasalamento) – era esférica, achatada e de cores belíssimas…talvez a mais bela das pedras – atirei a pedra rente à água e, após 2 chapinhadelas na água, ela afundou…e tudo se assemelhou à vida real. Demasiado real…

Após a caminhada da manhã – que hoje foi para Sul – seguiu-se a caminhada para Norte e, após os cerca de 20 Km percorridos, a equipa estava pronta para o recarregar de energias que o jantar providenciou….favas, estavam deliciosas! As reuniões na sede do agrupamento religioso com fins lucrativos é agora proibida após as 20 horas e o povo reúne-se na sede do agrupamento maçónico – sem régua, avental ou esquadro. Dias de aprendizagem contínua, chutando todas as pedras sem magoar os transeuntes.

A doce alegria de saber que posso sempre contar comigo!

Jogos da vida

Andando pela rua ia pedindo a todos os conhecidos, com quem se cruzava, uma forma de contacto – telefone, morada postal, email, etc…. Os conhecidos lá forneciam o contacto e ele partia, sorridente, sabendo que tinha deixado mais um conhecido à espera de ser contactado no contacto fornecido. Era um jogo infantil e havia anos que não se cruzava com ele mas ouviu ao longe alguém a praticá-lo – novamente – e repetiu os passos anteriormente dados porque os mesmos comportamentos e acções conduzem sempre às mesmas conclusões.

Circula agora muito mais, impondo-se umas caminhadas de razoável distância e já quase abateu o par de seios que a pandemia havia trazido. Sorri, com ou sem lentes de contacto, pois vive despreocupadamente a vida. Faz mais compras e dedica-se essencialmente às saladas e a enormes refeições de fruta. O corpo vem agradecendo a mudança de regime e dá umas exclamações de regozijo perante o novo caminhante.

Domingo de pijama….porque há dias que são melhores assim!

Pessoas novas

Ainda não consegui perceber como funciona o encontro de pessoas mas, por vezes, há momentos muito recompensadores, mesmo se só compreendemos o primeiro nome. Olhamo-nos, sem nos conhecermos, assim como já nos havíamos cumprimentado, sem que algum dia tenhamos sido apresentados. O António situou-me mas eu estava distraído a olhar-te, a construir a tua imagem no meu cérebro, para mais tarde recordar.

Tens detalhes de pessoa nova na vida de outrém, isto é, na minha imaginação. É um capital de confiança limpo, sem cadastro de inconfidências, manipulações, narcisismos ou a noção errada de que o tempo é eterno – pois, enquanto humanos, nós não o somos!
Se é verdade que todos temos virtudes e defeitos então a minha visão deve estar deturpada por sentimentos a quererem ser amorosos…

Desculpa se não fui mais longe mas a noite foi longa e a manhã também já o estava a ser. Sou, neste momento da vida, um alegre observador. Vejo tudo e aprecio – rapidamente desvio a atenção de conversas estéreis sobre futebol, política ou religião e foco a atenção em quem passa, quem está e, sobretudo, quem me sorri e, o teu sorriso, é enorme – em termos do conforto que proporciona. Captaste o meu campo de visão, na sua plenitude, e o mar passou a ser secundário (muito provavelmente vai vingar-se, no meu próximo mergulho).

Observar…esse pequeno gesto que nos pode dar tanto e que nós nos esquecemos de praticar com a atenção necessária…

A história da Carochinha

A história é das primeiras que aprendemos na vida e, ao longo da vida, vai servindo de diapasão…tal o número de versões diferentes que ouvimos da história.
As Carochinhas, todos sabemos, distinguem-se pelas pintas logo, a pinta é a unidade que separa umas “com mais pinta” de outras “com menos pinta”. Parece confuso mas é, como outrora disse um Primeiro Ministro Português “É uma questão de fazer as contas”!

Recentemente contaram-me uma versão – chamemos-lhe Versão 2020 – da história acima referida e, ao contrário da versão inicial, esta era um colosso de momentos felizes expressos por palavras. A pinta estava lá, até porque o amor tem tendência a deixar-nos estúpidos nessa apreciação, mas as acções estavam já planeadas para um futuro longínquo ou nunca. A Carochinha havia voado para longe – talvez tenha ido para Lisboa, como na versão portuguesa que envolve as joaninhas…voa, voa…que o teu Pai está em Lisboa (obviamente, nessa versão, havia sérios “Daddy issues” com a joaninha!!!!)

O Outono entrou a queimar e a constipar. Um último mergulho para a despedida e de olhos postos nas linhas humanas que vão passando. Uma última Carlsberg e o casaco a ser insuficiente para o frio. Uma nova constipação mas dessa…eu curo-me!

Mexer comigo

Sabes bem a sensação de frio levezinho a percorrer-me a espinha e o passo alterado que me causas…sabes, ou não o tivesses notado ontem. Abordamos temas tão pequenos quanto o futebol – as entradas a pés juntos tão típicas das equipas ofensivas – falamos de refeições que queremos partilhar, de momentos que pretendemos reganhar. Falamos, e isso é o fundamental de toda a nossa história juntos!

Sentir o teu toque novamente fez-me recordar todas as pequenas sensações de outrora sem as poder concretizar. Poder tocar-te foi a maneira de deliciar-me com as tuas expressões de prazer. Envergonhados, auto apelidamo-nos, sem que a vergonha fosse barreira para a nossa conversa. Algo que devíamos ter concretizado logo, quando tudo de impulsivo se deu. Foi um esvaziar de saudade acumulada o poder estar tão perto de ti, o podermos falar e o tempo para o fazer.

“Estás a falar com quem te quer bem” disse-te, como maneira de acalmarmos ao ponto de conseguirmos expressarmo-nos. Foi dos melhores nervosos da minha vida – directa, verdadeira e real, disponível e decidida…amei ver e amei, mais tarde, voltar a ver. Porque tudo isto está relacionado com amor e tempo…

Triunfaremos juntos.

O Sol que nos ilumina…

Notei a distância no toque – semelhante ao dia dos scones – mas não me ofendi por ela porque é merecida. Notei o sorriso despreocupado e livre que agora exibes e que todas as mulheres do mundo certamente o invejariam, caso o tivessem visto, como eu vi. Notei que queres construir com passos firmes mas bem certos, e isso sempre foi fundamental para mim. Notei que lutaste por restabelecer algo e, por trás de toda a liberdade que exibes, não podia ter ficado mais contente.

Notei as pistas que me foste dando, notei a vergonha em partes do diálogo. Notei, acima de tudo, que engrandeceste o teu vocabulário em mais um vernáculo fundamental para se triunfar nesta vida…o que se foda! Notei que pulsas de vida e adorava ser por ti escolhido para te acompanhar nessa odisséia.

Notei, acima de tudo, que muito provavelmente ambos nos precipitamos. Provavelmente haverá detalhes que não terei notado mas fiquei agradavelmente surpreendido com os que me foram dados a revelar. Obrigado por um pôr do sol singular. Bom descanso.

Aprendizagem

Lições de vida – há quem lhes chame assim – mas eu prefiro a palavra aprendizagem. O aprender a viver amando alguém com quem estás melhor à distância e sem contacto. Não é uma tarefa hercúlea, apesar do meu aumento de peso, mas apenas uma condição com que vivemos dentro de nós. 

Dói? Perguntou a Ana, logo depois de eu lhe explicar todo o parágrafo anterior. Ao que eu respondi que é algo que nos mói a mente sem que o coração deixe de estar presente – é suportável mas injustificável. É não conseguir compreender a outra pessoa e perder toda a intimidade passada. Uma espécie de ferida que jamais cicatriza porque estamos sempre a arrancar a crosta….

Estamos no Verão, vamos é divertir-nos! E assim foi….do pôr do Sol ao nascer dele. Exageramos? Talvez….mas a vida é feita de pequenos exageros de gargalhadas abertas!

Um brinde a uma bela noite!


Talvez…

Talvez fosse da pele morena ou da altura dela mas o facto é que os nossos olhos colam-se, quando os olhares se interceptam. A dada altura viraste-me as costas da maneira mais sexy do mundo e fiquei diante do teu rabo, levantado ao nível dos meus olhos. Senti-me um cãozinho, obedientemente de cabeça baixa enquanto olhava de esguelha. Acabamos sempre a sorrir, quando os olhares se cruzam…será alegria ou um simples jogo de olhos? O futuro o dirá…

É verdade que maioritariamente somos nós a força motriz daquele local, tão escondido quanto à vista de todos, e o teu andar e sorriso são um bom alento a querer ser ainda mais adepto daquele clube de bons amigos e conhecidos. De norte surge mais uma verdinha fresca e dou por nós fixados nos olhos um do outro. Talvez também tivesses pedido uma cerveja e julgasses que fosse a tua…

Subimos e descemos nas cadeiras, procurando o melhor ângulo de observação, de tal maneira que qualquer dia as cadeiras, com o desgaste, não passarão de pequenos bancos…ahahahahah. Estavam todos presentes e foi um gozo enorme a celebração espontânea que teve lugar. Saí antes do final porque o final costuma ser uma mistura de álcool e falta de bom senso e, nessas coisas, já tive a minha quota parte de azar.

A vida vai-nos sorrindo e ter sabido o teu primeiro nome foi um passo agradável para esse sorriso.

 

Os meus cantinhos.

Invariavelmente sentado no muro ou nas primeiras mesas, ele diz que é um poeta. Chega, bem vestidinho, durante o que eu denomino de “hora segura” e que é até às 11 da manhã, liga o wireless do telemóvel e começa a receber os seus emails. Após umas dezenas de notificações ele começa a ler o que recebeu mas não perde mais do que 2 ou 3 minutos até começar a conversar com as mulheres que passam.

Nunca gostei de pessoas autoproclamadas – porque sempre achei que o mérito deve ser concedido por outros e não pelo próprio, é algo que carece de reconhecimento público. Mas ele escreve umas cenas com piada e,, acima de tudo é um engatatão de primeira classe. Não há mulher que passe ali sem ser interpelada por ele, excepção feita às que seguem acompanhadas! Vou acompanhando a evolução do discurso e rindo-me, silenciosamente, com as táticas de engate aplicadas.

Como uma aranha, ele também tece uma teia para apanhar as mais distraídas. Normalmente interpela-as com os nomes de familiares próximos – nomeadamente netos – e, uma vez a conversa aberta, explora todo o potencial do diálogo. É um poeta, lá está! Gaba-se, perante os amigos, do valor das palavras e a maneira como as usa. Ele sabe da poda…Tira selfies, que provavelmente usa no blogue de que fala, circula de maneira a flanquear as vítimas para a teia acima descrita.

E eu? Vou curtindo a vida vendo o quanto os outros a sabem curtir. Sorvo os detalhes, seja para memória futura ou para escrever sobre eles. Delicioso o momento em que um puto, ainda em carrinho de bébé, exclamou o Awwwwww mais belo que algum dia ouvi. A honestidade da criança, ainda inocente, que sabe exclamar o seu espanto perante a impossibilidade de circular junto à areia.

abel

Gostos não se discutem.

Gosto das nossas conversas – escondidas e reveladoras, sensuais e com abraços. Como se estivesse num confessionário e tu fosses a pessoa do outro lado (que blasfémia). Seguros que estamos é bom ouvir a renascida que estás. Hoje, enquanto falávamos, recordei as conversas de outrora, que conduziram a umas férias de sonho, sem seguimento. Foi por falta de trincas, só pode ter sido! – admitiu, perante o juíz que o condenou a abraçar-se a ele próprio, todos os dias, nos 90 dias seguintes.

Dias de celebração, dias de conversas em dia e, acima de tudo, de claridade. Os óculos escuros como proteção suprema e o humor de volta aos níveis máximos! Ahahahahah, achei piada…
Dias de mergulhos rápidos e esplanadas longas. Jantaradas noite dentro e muita gargalhada. Dentro do que tem sido o confinamento eu diria que estamos com muito boa nota!

Noites de sono madrugador e de leituras mais do que prolongadas. Despertares ao mesmo tempo que o Sol aparece e o sorriso traquinas a abrir a persiana. Café curto no estómago vazio e um cigarro para despertar bem disposto. Noites longe do blogue mas perto de conversas recompensadoras. Noites, dias, minutos….belos, apenas.

light