Abstraído do que me rodeia e completamente livre de pensamentos, decisões ou o que quer que seja que habitualmente faz o cérebro funcionar. Olhos perdidos no horizonte – sem que o enxergue – mas somente para atingir a plenitude do deixar o pensamento vaguear sem que a ação de pensar sequer exista. Olhos que se dividem entre os chapéus do cigano aqui em frente e o vestido amarelo, com tons de cinza, da mulher que se encontra em frente a mim.
Agora que constato que o texto não surgiria a menos que houvesse algum – por muito mínimo que seja – pensamento articulado que permite colocar o que se passa em palavras perceptíveis para os que, não estando presentes, consigam perceber e visualizar o desenrolar de tudo o que descrevo, entendo que é possível divagar sem pensar ou, talvez melhor descrito, pensar enquanto se divaga com o olhar perdido. Entretanto ela levanta-se e muda de lugar.
Está ligeiramente posicionada à minha direita e o sol brilha sobre ela. O vestido parece reflectir as linhas do corpo e estar perfeitamente ajustado – como que esculpindo a silhueta e revelando a nudez que esconde. Os cabelos são compridos e os chinelos condizem com o amarelo do vestido – talvez, melhor ainda, conseguem fazer perceber que há uma intenção de fazer o conjunto rimar – numa imagem poética que, sempre que tento captar mais detalhes, sou flagrantemente apanhado a delinear o que pretendo descrever.
Tem uma cara séria, não sorridente e de poucos amigos. Como que habituada a ser observada mas jamais contente por se sentir observada. Trocamos olhares mas a expressão não se dilui da dureza que ela impõe. Os minutos passam e a hora de partir está agora mais perto. Impõe-se a pergunta: tentas que sorria ou deixas a vida continuar sem que saibas a resposta a uma pergunta que não colocaste?
Era dia de Portugal e, desde que me lembro, sempre celebrei o dia 10 de Junho. Não porque fosse a celebração do dia do nosso país mas porque a melhor amiga do mundo celebrava o aniversário nesse dia.
Era uma comemoração muito intimista, com poucos mas bons amigos, o celebrar de mais um ano de amizade e a recordação alegre dos bons momentos e o recordar de quanto os maus momentos nos haviam ensinado.
Bebíamos sobretudo sumos e afins – porque a vingança alcoólica era nocturna e ficava escondida pela escuridão do sol posto. Conversávamos sobre as aventuras de cada um, com um sorriso pela superação das adversidades.
O champanhe era o mote para um brinde, simples de gesto mas como se um abraço nos envolvesse a todos e gritássemos os parabéns, a uma só voz. A aniversariante enchia-nos o coração com o seu sorriso – pleno de honestidade, satisfação e alegria.
O restaurante era o mote para estreitarmos o diálogo, as bebidas o catalisador para uma conversa mais fluida e descomplexada, as entradas como o verdadeiro aperitivo para um momento a sós, com ela e para ela. A despesa era solenemente dividida por todos menos a festejada.
Atravessávamos a rua para um pub conhecido, que o tempo remodelou em clínica do coração, e espalhávamos a nossa magia e bem estar por inúmeras das pequenas mesas para quatro pessoas. O café era pedido a um senhor com nome de flor e a fronteira aberta para uma dimensão mais alcoolizada das celebrações.
Éramos chamados ao telefone, porque a hora do recolher já havia sido ultrapassada, e caminhávamos até à casa da matriarca da aniversariante a solicitar uma extensão temporal que o telefonema já havia negado. Descíamos novamente a rua, todos juntos, felizes por termos mais umas horas de celebração.
Seja no acaso de chegar no mesmo comboio, no facto de ouvir uma voz que diz que vou todo esticadinho pela rua fora, ou alguém que já não vemos há anos. Seja pelo impacto que têm ou tiveram em algum momento da nossa vida, pelo pulsar que nos dão quando os revemos e, ao contrário de outrora, ao facto de agora pararmos para um pequeno mas recompensador diálogo.
Porque nem todos os campos são cultivados com belas tulipas, porque algumas planícies são mais aconchegantes do que outros topos de montanha, porque todos pensamos e agimos de forma diferente numa sociedade que procura mais a uniformidade do igual. Porque somos humanos e reagimos ao chamamento de quem nos interpela para um momento de conversa e, com a espontaneidade a prevalecer, tem um “sabor” a perfeição.
Há momentos em que, muito indiscretamente, literalmente não exalo simpatia ou vontade de participar mas, ao contrário desses momentos, esta semana foi de inspiração pela forma como colocou tanto sujeito bom, em tão pouco tempo, diante de mim. É quando o coração repousa enquanto bate, os pulmões se enchem sem que o peito se mova, os olhos emocionam-se obrigando a um pouco de racional para suster tanta emoção.
Colegas de infância, da primária, da equipa com a qual sempre treinaste e da qual foste o 55o reserva, vizinhos e até conhecidos que querem ultrapassar essa definição na relação existente. Como se o universo se tivesse conjugado para que sorrisses, despreocupado, espontaneamente, do nada.
Sem planeamento, sem visita marcada, sem o reservar de tempo para que tal aconteça e, quando assim é, olho as estrelas e, deslumbrado com o alinhamento que observo, pergunto-me como agradecer quando, sei de antemão, que os acontecimentos em si são uma forma de também agradecermos e sermos agradecidos.
O passeio foi o de sempre, quando se trata de vaguear pela cidade em que nasceu, e hoje teve o dom de ter a lua alinhada com a segunda prancha da piscina local. Até podia ter olhado e continuado mas a memória traiu-o! Parou e recordou os inúmeros saltos da segunda prancha, um dos quais foi de cabeça e teve o dom de o convencer a nunca mais repetir a façanha – correu bem mas o tempo entre o salto e a entrada na água é algo que fica na memória.
Os dois saltos da terceira prancha – uma loucura para quem tem vertigens e, uma vez chegado ao terceiro andar, não conseguia recuar. Aí sim, recordou-se de ter encontrado o Zé e, num diálogo curto, saltou para o que pareceu uma aventura sem fim – foi o voo de uma vida. O diálogo foi de pretensos heróis e ambos os putos presentes mentiram quando afirmaram estar habituadíssimos a saltar daquelas alturas…
Senti-me voar novamente, porque quis sentí-lo e, por uns míseros segundos, estive na companhia de pessoas tão queridas de outrora. Num sonho acordado, com os pés bem assentes na terra, com os olhos bem despertos para a realidade, sorri com eles e, por entre fantasmas, senti uma boa disposição imensa, como se a mente tivesse perdido toda a razão e somente o coração pulsasse. Numa embriaguez sóbria, numa inconsciência muito presente, num voar imaginário em que não só ultrapassei Ícaro, sem asas, mas também o superei numa satisfação tão plena que nenhuma cera conseguiria suster.
Cada gota um pensamento e cada sucessão de gotas uma emoção que parte e não volta. A cadência da chuva é o martelo pneumático, que afunda pensamentos nefastos numa fossa mais profunda do que as Marianas. Selados pelo cinzento do céu que, na sua cor impenetrável torna impossível qualquer regressão, eis que o sorriso se impõe como a bonança após a tempestade.
As covinhas que substituem a falta de expressão, o brilho nos olhos – com a alegria de quem desvenda o futuro numa bola de cristal que só a imaginação permite existir – enquanto o corpo se adapta a toda uma aragem, que renova o estado de espírito, e faz o miocárdio bater mais forte e mais confiante. Disposto a contagiar o mundo com o seu abraço e a destruir tudo e todos que se lhe oponham.
Como um exterminador implacável, imbuído de alegria e boa vontade, rumando sem mapa e aceitando o destino como bússola. Recordando agruras, que se esbatem em gotas, e são constantemente substituídas por abraços das folhas verdes e castanhas que, não só representam a mudança de estação mas também são o catalisador de toda uma mudança emocional. Suspiros, de alegria.
Naquele passo de quem nada faz e nada tem para fazer, nos antípodas dos stressados com que me cruzo, com um sorriso sincero a cumprimentar quem conheço, de jornal debaixo do braço a desforrar-me de três anos sem poder desfolhá-lo.
Retiro os óculos porque não enxergo a esplanada, coloco os óculos porque quero cumprir o resto do trajecto em segurança, entro na padaria e constato que está cheia e que a esplanada vai demorar. Foco os olhos num rabiosque bem desenhado e a proprietária do dito saúda-me com um “não preferes tirar uma fotografia IKA?”.
As bochechas vermelhas denunciam a mentira contida na resposta – “estava a escolher o bolo para o pequeno-almoço!” – e ela, que não é daltónica e distingue o rubor da cara, ainda me atasca mais com um “é teu, sempre que o quiseres!” Finjo que escolhi um bolo e respondo “Sem dúvida que aquele queque é meu, e quero-o hoje!” Ela responde com um sorriso angelical e sabe perfeitamente o que eu sinto.
Trago um café e uma nata, sento-me na esplanada, que entretanto já está montada. Ela passa por mim e, com uma forma de estar super descontraída, exclama “Tu vais ter que te confessar a mim, é inevitável!” E é, ela tem razão. Mas será a seu tempo, quando o outono chegar e as folhas enfeitarem o caminho que percorreremos juntos.
As palmas dos pés a ressentirem-se da distância, a garganta ligeiramente afectada apesar do lenço, um sorriso amarelo de quem cumpriu a distância mas agora jaz refém do percurso percorrido.
Agarrado ao Steinbeck, lendo muito lentamente para saborear cada palavra, cada frase, cada parágrafo. Antevendo os factos mas embriagado nas palavras usadas para a eles chegar.
Entre o prazer da sombra da varanda da frente e o calor com vento frio da varanda das traseiras, sonhando com a varanda de Amorgos e o “Love will tear us apart”, naquela madrugada em que resolveste viver uma noite completa, contigo, e te levantaste com o nascer do sol e constataste que não eras o primeiro a chegar à praia.
Entre o prazer da leitura e os momentos de alegria da vida, o primeiro que te obriga a sonhar com o que o autor deseja e o segundo que te traz o desejo de escrever para que outros possam sonhar com as tuas aventuras. Um sorriso de bem estar pleno e um coração cheio de amor próprio.
O processo assemelha-se muito ao estar debaixo de água, sem respirar, até ao limite. O jornal diário – que já só os velhotes compram, de acordo com o senhor da papelaria que os vende – é, tal como todos os outros, constituído por diversos artigos, divididos por secções.
Sentado na mais do que suspeita esplanada de sempre, já depois de ter atravessado a parte alta da cidade para comprar o diário, dou por mim a descascar um queque com uvas passas e a ler a última página. O descascar porque não consigo comer o queque às trincas – preferindo ir arrancando pequenos pedaços que vou mastigando – e a última página porque, apesar de todos os cuidados no tratamento do jornal, como se de o melhor livro se tratasse, poderei eventualmente ter gordura nos dedos e assim só afectarei aquela parte.
No intervalo de um dos curtos artigos contidos nessa última página faço uma pausa, como que interrompendo a apneia de leitura em que estive imerso, e ergo a cabeça para observar o que me rodeia, antes da apneia no artigo seguinte. Nas costas de alguém que entra, e pedindo licença para entrar, está uma beldade cujo nome não recordo e que abre um sorriso daqueles que o coração detecta. Não é só um sorriso, seguido de um bom dia, há ali mais substrato do que é dado a ver.
O cérebro, normalmente tão ausente nestas circunstâncias, tenta buscar informação adicional no catálogo da memória e nenhum dos resultados que retorna justificam a presença dela ali – não é vizinha, o último local de residência em que a coloca é longe dali e, ironicamente, tem um estabelecimento comercial com o mesmo tipo de serviços mesmo ao lado, o contacto visual continua durante a consulta da base de dados cerebral. Sentes-te como que observado e despido, o que te obriga a olhares para ti próprio e constatar que o calção de banho, as xanatas e a tshirt estão longe de constituir um atentado ao pudor.
Quando ergues a cabeça novamente tudo parece não ter passado de um sonho. Talvez um efeito secundário da apneia, uma visão pela ausência de oxigenação do cérebro, um devaneio – fruto de uma uva passa psicadélica que não foi detectada no controle de qualidade. Olhas para o cartoon da última página e sorris com a piada que ele contém, ergues a cabeça como que perguntando se de facto tudo aquilo foi real, sorris com a ideia de toda a interação. Estás imerso num questionário imaginário para o qual tens todas as respostas.
Ela sai, e agora já não há dúvidas, outras pessoas, nada que perturbe o teu campo de visão. Sentes que a tua cara se prepara para derreter, num semblante enamorado e totalmente rendido a esta mulher que já não vias há uma década ou outra. Fazes um esforço por contrariar esse processo e sai-te um sorriso, ainda mais derretido do que o pensamento do semblante enamorado – que é gerido pelo coração e desprovido de racionalidade – impossível de contrariar. O raciocínio parece criar um outro eu que, tentando colocar-se entre ti e ela, te interroga “Olha que figurinha…”, “Disfarça!!!” (com uns estalos imaginários de quem tenta acordar outrém de um transe), num esforço inútil do racional perante o emocional.
Os olhos estão rendidos, as bochechas roseadas, o sorriso é a soma da felicidade com o total alheamento do racional, o corpo parece abandonar-se num abraço que, por agora metafísico, mas que urge concretizar. Há ainda um olhar brejeiro, a tirar as medidas à traseira da visão, e um olhar de 360 graus – apenas para constatar que toda a ação foi visualizada por duas funcionárias do estabelecimento, que sorriem com um olhar de quem finge nada ter visto…
Da rua, pelo facto dos pais serem amigos, da praia, das brincadeiras iniciadas por amigos comuns, porque o irmão era muito amigo…não recordo quando nos conhecemos mas recordo o sorriso, desde tenra idade, como sendo dos mais bonitos – porque honesto – com que me cruzei.
O destino, esse “eterno fundamentador” de relações humanas, colocou-nos numa mesma rotina matinal e, fruto da periodicidade, pedi-te uma coisa simples para o dia que então começava: que sorrises. E tu, com o carinho de sempre, anuíste com uma concordância dada com um rápido movimento da cabeça.
Quis o destino que nos cruzássemos, em lados opostos da mesma rua e, porque possuis uma memória incrível, sorriste. E eu, apanhado de surpresa por um segredo nosso, dei uma enorme gargalhada que, espero eu, tenha evitado que se visse que estava corado. Como cereja no topo do bolo, ainda completaste o nosso encontro com um subtil cumprimento de mão aberta, de abanar seguro e com contacto visual. E o miocárdio palpitou ainda mais…
Numa esplanada, algures ao lado de uma bela floresta portuguesa, com o barulho e o cheiro do mar ao fundo, sentindo a aragem do vento norte. Há três senhoras sentadas a uma mesa, numa conversa sobre a saudade e de que maneira ela afecta cada um de nós. A conversa é interrompida por uma quarta senhora que chega, mesmo no momento mais importante da parte que eu, até então, havia escutado. A última frase que se ouviu foi “essa é uma mulher frustrada, com o chakra do coração fechado!”
Como nunca fui grande fã do hinduísmo, e porque a hipótese de haver corações fechados para a vida me soou como o supremo acto de irracionalidade, fui investigar o que aquilo poderia significar. O chakra cardíaco, segundo a literatura disponível, regula a capacidade de amar e ser amado! Caiu-me o queixo com a sugestão de que efectivamente existem seres humanos incapazes de amar ou serem amados. Mentalmente procurei encontrar semelhanças com cenários de vida com que me tivesse deparado e, mesmo apesar do absurdo de algumas situações, nunca o atribuiria a uma falta de capacidade…condicionamento, quando muito.
Lembrei-me dos tempos das aldeias, essas trevas face ao desenvolvimento citadino, em que o filho dos ricos só pode casar com outro semelhante, em termos de riqueza. Sorri, com a ausência de sentimentos face a uma diluição de património entre iguais ou semelhantes, mas a racionalidade impôs-se ao emocional e, por breves momentos, dei por mim a concordar. Felizmente, e porque o planeta é pródigo em lições imediatas, uma das senhoras sentadas (facilmente reconhecível) começou a discorrer sobre a situação da sua família.
A filha, herdeira de uma cadeia de distribuição local, havia preterido a herança para emigrar para a Suíça. “O amor pelo marido superou tudo!”, dizia ela e, acrescentou “Ainda hoje me envergonho de lhe termos tentado negar um futuro amoroso com o argumento do dinheiro!”, dizia amargurada. “Deu-nos uma lição do que é o amor, três netos que são o orgulho da família e, ainda por cima, visita-nos todos os anos em Agosto como se nada tivesse acontecido.” Explicou depois, literalmente com o coração nas mãos, o quanto mais a amava – por ter confiado no coração, por ter triunfado com coração e por continuar a demonstrar o quanto o coração comanda a vida.
“Eu, em Agosto, não estou para ninguém!”, acrescentou. “Sorvo cada bocadinho do amor que eles espalham e tento tornar-me uma pessoa melhor com o que aprendo, constantemente, com eles.” e, completando o raciocínio de todo o processo, concluiu dizendo “O meu neto assumiu o negócio da distribuição e já somos uma multinacional europeia! Há uma certa ironia em tudo isto, não há?” – a pergunta retórica merecia ser respondida mas eu achei que todo o contexto e processo já o havia feito. Tremi de satisfação e alegria sabendo que o amor ainda triunfa por este mundo fora…
Desde tenra idade que foi colecionando sítios que, pela tranquilidade e bem estar que transmitem, eram criteriosamente selecionados para escapadelas de reflexão e bem estar. Fosse perto de casa ou longe dela, a verdade é que esse conjunto de sítios era o segredo mais bem guardado que tinha.
Quando interrogado, sobre o destino para onde se dirigia, mentia sempre – para preservar a pacatez e o sentimento de algo seu, do qual não abdicava. Ali permitia-se ter a sua liberdade, à sua maneira, livre como um passarinho mas sem asas para voar mais alto e longe.
O caminho até ao destino implicava uma série de manobras dignas do melhor agente de contra-espionagem! Fosse o parar repentino para, fingindo apertar a sapatilha, vasculhar toda a envolvência fosse o optar por caminhos diferentes para um destino sempre igual.
Prezava tudo o que o processo envolvia mas, acima de tudo, adorava o nirvana em que lia uns capítulos de “A sombra do vento” e sonhava com um cemitério de livros onde também ele pudesse encontrar a mais bela obra literária…quase sem se dar conta que a estava a reler.
Os pés pediam descanso mas a mente queria cansaço, a vista queria ressonar mas a mente dizia-lhe para ir ver o mar, o caminho parecia longo mas o humilde narrador transformou-o num entretenimento.
Dois pares de sapatilhas, para parecer profissional da coisa; o espírito de um caracol que se mostrou com a melhor passada deste trilho, a vontade de comer um gelado que distava onze quilómetros.
A água que hidratou, a tosta mista que saciou, o gelado que foi de guloso orgulhoso da sua nova passada, o filho que te goza pela relação exercício/comida enquanto envia umas fotografias das férias.
Um dia preenchido de pequenos mas reconfortantes gestos de amor próprio e familiar. Ser um sentimental de merda tem as suas vantagens…
Com cinquenta quilómetros conquistados, em cinco dias úteis, começo a desconfiar que encontrei um dos trajectos ideais para o verão. O vento vem da direção contrária ao trajecto, há uma quantidade de sombra apreciável, bastantes grupos diferenciados a fazerem exactamente o mesmo.
Depois do excesso que foram os vinte quilómetros de floresta, tão longe de casa e sem a necessária leitura para desanuviar, eis que se conjuga a parte de montanha, cidade e praia – mercê de uma imaginação imparável, claro está. O chegar ao ponto de leitura completamente esgotado para, uns capítulos depois, fazer o caminho de volta.
Munido da sombra de um vento que me impulsiona, grato pelo exercício e pela qualidade da escrita, temo até que esteja mais refém da leitura do que do exercício. Ou talvez não esteja refém de absolutamente nada e, ao desfrutar de uma liberdade absurda, tente encontrar uma explicação lógica para um sorriso inapto, duradouro, parte integrante deste novo eu.
Arrisquei a vida sentimental e deixei uma página escrita, dobrada em três e com a indicação “Multa”, no pára-brisas da menina que diariamente cumprimento e, fruto do humor que a missiva continha, temos um encontro marcado. Curioso como, sem palavras e só com gestos, o diálogo flui tão bem…
Começou com uns inocentes olhares, com muito zoom para algumas das curvas, um olhar inocente sempre que apanhado na análise pormenorizada, uns sorrisos sem contacto visual.
Evoluiu para um educado bom dia, de circunstância entre clientes habituais, como se naturalmente tivesse que evoluir assim. Começou a haver mais contacto visual, com risinhos típicos da escola primária.
Já está no tratamento por tu, longos contactos visuais, alguns gaguejos, um bom sentido de humor de parte a parte, sobrevivência após uma piada feita acerca dos dotes inaptos que ela tem(!?) para estacionar em cima do passeio, um longo hiato de tempo antes de partir, com uns olhares que se fixam um no outro, o quase acidente na hora de tirar o carro do estacionamento improvisado.
Vibrações da alma, numa tradução livre do termo anglo-saxónico. O sentir alguém sem que necessariamente consigamos observar (ou até discernir) de quem se trata e, posteriormente, sem a necessidade de termos esse alguém presente.
A primeira vez que se recordava de sentir algo assim foi no segundo ano do ciclo – havia uma colega dele que, sem que ele a conseguisse visualizar, lhe detectava a vibração. Não se trata da vibração amorosa por outrém mas sim o sentir a presença de outrém sem que haja sentimentos agregados e podendo essa pessoa nem sequer estar presente.
Imaginemos que acordamos, de manhã cedo e fora do horário habitual, e sentimos que outrém também o fez – também acordou fora do horário normal, também sente algo e pensa em ti enquanto tu pensas nessa pessoa. Estabelece-se uma conexão metafísica qualquer e as duas pessoas ligam-se através de uma telepatia impossível de ser cientificamente provada.
Era assim que o Alfredo escolhia os seus amores! O carimbo final de aprovação de um futuro romântico dependia sempre do modem telepático conseguir estabelecer a ligação. Havia acontecido com a mulher com quem havia casado e com mais alguns exemplos pós-divórcio. Todos os amores anteriores ao casamento, salvo na idade da inocência – em que colecionava quecas como se pretendesse encher uma caderneta com todos os cromos que ia amealhando – haviam passado pelo crivo da ligação. Havia uma óbvia excepção – que havia de se tornar a sua melhor amiga, confidente, o ombro que ele gostava que ainda existisse para curar todas as suas maleitas amorosas.
O Alfredo, fruto da sua confiança no modem sentimental, depositava todo o seu miocárdio nos elementos que eram aprovados no processo. Numa espécie de confiança desmedida – sem atender à existência de tantas guilhotinas sentimentais – abria o coração e cedia cada pequeno vaso nervoso até ao mais pequeno dos capilares. O sorriso de enamorado do Alfredo era desmedido, destemido, orgulhoso, visualmente muito pujante – sendo que, apesar de só possuir um músculo para irrigar o corpo, o colocava na guilhotina sentimental a toda a hora. “Porque só assim é que vale a pena!”, foram as últimas palavras que um dia o ouviram proferir, horas antes de um planeado mas sempre doloroso bypass.
Amores que só conseguimos imaginar que possam existir – 29/7/2024
A história tinha lugar nos Campos Elísios, bem no centro de Paris, e a hora marcada há muito que havia sido ultrapassada. O primeiro sentimento que lhe ocorreu foi largar tudo e voltar pelo caminho por onde havia chegado. Um telefonema e uma justificação não plausível (não lhe cheirou bem) depois e eis o casal de pretendentes a namorados a encontrar-se – presencialmente, e nessa qualidade, pela primeira vez. Ele não apreciava os óculos dela e, homem de respostas directas, disse-lhe que pareciam uma máscara de ski e que, apesar de estarem perante um inverno rigoroso, não havia previsão de neve ou abertura de pistas pelas grandes avenidas que se reuniam no Arco do Triunfo.
O primeiro beijo, já depois de efectuado o check-in, foi um momento de rara beleza e prazer. Sentados no sofá, virados de frente um para o outro, ele pediu-lhe para fechar os olhos e, narrando o que iria acontecer, segredou-lhe que ia dar um inocente (lol) beijo na orelha – algo que imediatamente fez e que terminou com uma trinquinha no lóbulo esquerdo. Depois, continuando a narrar, explicou que iria percorrer o caminho até aos lábios – algo que fez, com pequenos beijos, enquanto a mão esquerda massajava amorosamente a maçã do rosto do lado direito dela. Chegado aos lábios, e sabendo de antemão o valor sentimental do gesto, degustou-a e deixou-se degustar, enquanto fechava os olhos à vista do Arco do Triunfo, que se encontrava a uma centena de metros de distância, nas costas dela.
Ao ser interrogado, pelas autoridades locais e internacionais, declinou recordar-se desse acontecimento. Invocou a quinta emenda, muito embora lhe tivesse sido explicado que tal emenda não existia no direito francês…Ela pediu desculpa! Era tudo o que eles queriam ouvir…e decidiram começar de novo, utilizando o respeito mútuo como varinha mágica para qualquer tipo de conflito. Porque os bons momentos eram fenomenais mas os maus eram de uma imaturidade atroz.
Num mundo de interrogações e demasiadas perguntas para tão pouco tempo de respostas eis que, na tranquilidade das suas manhãs de leitura, numa esplanada de uma rua que só de propósito é que se encontra, surge o cumprimento de uma voz de outrora.
Não exige recurso ao arquivo de vozes porque o sentimentalismo de merda – um catalogador muito mais rápido do que o Google a indexar resultados – imediatamente avisa a mente de quem se trata. A auto-intitulada alfa surge no canto do olho e o que se segue é o mais intenso “staring contest” a que o mundo assistiu.
De um lado o ser supremo do sexo feminino, de acordo com a própria, e do outro um sentimental de merda que não pode ceder e se interroga porque está a ser cumprimentado: boa educação? Não pode ser porque foi saneado, numa reunião familiar de outrora, em que o compromisso de não mais interagir com ele (ou a simples menção do nome) ficou assinado (segundo a “verdade” dela, anyway).
Ela passa, os olhos não cedem e demoram a assimilar a imagem dela. Pôs mamas?! Interroga-se, enquanto nota que há algo novo nela. Corta o olhar, o que a fêmea alfa deve ter encarado como uma vitória, e emite um som de desaprovação – porque esperava mais de alguém tão alto na cadeia do amor-próprio (deve haver uma cadeia assim).
Não se pode falar de uma tensão palpável porque ela é visível! Vê-se, sente-se, tudo! Um hino aos sentidos apurados. Volta o olhar para o jornal diário, enquanto sente que – não fora um amor-próprio demasiado exacerbado, a rainha do ego – ela até podia ser o amor de uma vida. Assim, é apenas vulgar.
Testados que foram os pares de sapatilhas existentes, e constatado que nenhum oferece proteção sem magoar na bolha rebentada, eis o humilde narrador remetido para uma tarde de sol, banhos de mangueira e sulfadiazina para acelerar a cicatrização.
Perdido nas palavras eternas do autor de Aracataca, com descrições capazes de nos mostrar os locais por palavras, por entre sorrisos e outras expressões de reconhecimento, eis-me a desfrutar de um belo aconchego caseiro.
O café quente, a água das pedras gelada, as palavras como abraços e as descrições como algo que pretendemos alcançar, a mente que vagueia e te obriga a concentrar para que não se desgoverne em sonhos que ainda te faltam concretizar.
O melro que se senta ao teu lado, percorre o pequeno muro de cimento e, após receber uma migalha de reconhecimento, parece pavonear-se em agradecimento. Um canto bonito e fora do normal antes da partida para um destino que é só dele.
Os pintassilgos que olham para ambos os lados, antes de buscarem a migalha, sempre atentos aos gatos vadios da vizinhança. Os gatos da vizinhança que usam os vasos como forma de iludirem as presas que pretendem alcançar.
A intimidade entre um casal é, quanto a mim, primariamente definida pela força que ambos colocam na sua constituição: o saber viver para nós, o saber priorizar o nós, o ter um gosto enorme em contribuir para algo novo que é só nosso.
O processo é demasiadamente fácil para que um ser racional falhe mas o mundo está cheio de exemplos falhados. A exclusividade, o acerto de duas personalidades, o respeito pelo sempre necessário tempo do outro, o carinho e a elevação de outra pessoa acima de nós mesmos pode colidir com personalidades narcisistas, ou sem maturidade suficiente para simplesmente ser de uma honestidade simples e confessar “não sou capaz de abdicar de mim em prol de nós” – que é a mais honesta expressão de não querer pactuar mas, ao mesmo tempo, respeitar suficientemente a outra pessoa para ser capaz de o confessar.
O mundo também está cheio de pessoas cobardes que, ao invés de constatarem as suas fraquezas em prol da sua superação, optam por atitudes bélicas e de desafio que jamais encontrarão um alvo igual para as praticar. Sim, é verdade, o mundo também está cheio de potenciais alvos, logo a cobardia pode ser assim escondida, desde que o alvo seja sempre diferente e a imaturidade permaneça como volante da vontade de viver desse ou dessa personagem, como algo reciclável e partilhável pela sociedade.
A ambição desmedida fez nascer os sentimentais de merda – sujeitos para quem a intimidade é o bem maior, que os torna cegos (excepto para verem, decorarem e enxergarem, com todo o encanto que possuem, a pessoa amada). Vivem com a fusão de dois corações num só e aceitam que a partilha do miocárdio seja a mais alta aspiração do seu relacionamento. Transformam a sua singularidade num pluralismo do casal que orgulhosamente ostentam, como os veteranos ostentam as medalhas das suas conquistas – com muito orgulho!
Não há neles discussões mas sim conversas em prol de consensos – sabendo sempre que o miocárdio só é musculado se ambos estiverem em constante equilíbrio na busca de um bem comum que não conhecem e que, potencialmente, poderão nunca alcançar, mas que nunca desistem de procurar – pelo bem de ambos. O coração aberto a outrem, como se de uma cirurgia de peito aberto se tratasse, com toda a fragilidade que o processo acarreta e toda a confiança nos dois envolvidos. É difícil, há quem passe uma vida inteira na tristeza de nunca o experimentar.
Inocentemente colocando palavras, entre ideias formadas por conjuntos de palavras, denominadas frases. Com o mesmo intuito de um agente secreto que, sem que ninguém o detecte, coloca uma arma secreta, pronta a executar o inimigo, sem que alguém sequer desconfie que ele esteve presente.
Com o mais real dos cenários a servir de ficção para, na realidade, atingir os fins a que se propôs. Imbuído de uma personalidade de 007, coadjuvado pelo melhor dos cientistas e das melhores ferramentas secretas que eles providenciam, dedilhando o teclado enquanto vai corando com o conteúdo que o ecrã vai revelando.
Dedilhando mais do que a mente pretende revelar e ressalvando as partes que definitivamente o exporiam mais do que é desejável – num misto de atentado ao pudor seguido de uma corrida para encontrar uma peça de roupa que esconda a nudez. Como se as frases que se formam fossem uma corrida desenfreada para uma meta quando o pretendido é o gozo de um passeio conjunto, sem que qualquer meta se aviste.
O abrandar como forma de sustentação, a leveza do discurso como força motriz de um diálogo tão subtil que, aquando do ponto final, até o narrador fica pasmado com a alta rotação atingida. Como se o ralenti fosse uma mudança engrenada e as palavras fizessem tudo deslocar, sem que o autor se movesse. A beleza da inércia!
Num estudo nunca antes visto, com um número limitado de cobaias, carecendo de validação da comunidade científica, a hora de conhecer a criação aproximava-se. Olhando para a pipeta que continha o resultado, respirando fundo e sorrindo por antecipação, o cientista revelou os resultados do longo processo de pesquisa tendo em vista a certificação.
Havia algo de introvertido na maneira como ele interagia, sinais de arrogância e inveja e, acima de tudo, um ar de superioridade e pleno conhecimento que desafiava o mais incauto ou inteligente dos interlocutores. A imagem que transparecia era de alguém no pleno domínio de toda a realidade da experiência, um ser que não carecia de validação científica para algo que antecipara, uma certeza absoluta.
Estabeleceram um diálogo, tendo por tema o estacionamento tão mal efectuado pelo interlocutor, que suscitou um sorriso tímido como resposta – o carro impedia a entrada para uma garagem de estacionamento mas, tratando-se de algo rápido, um gesto tão comum quanto o café logo ao acordar. Houve aquele contacto visual cujo significado é fácil de perceber, um cumprimento com as mãos em forma de “isso não importa” e o sorriso que se abriu perante um diálogo que não haviam coreografado.
Foram uns segundos mas ainda houve tempo para perceber mais um sorriso, testemunhado com um olhar por cima do jornal diário, que se tornou na minha melhor notícia do dia, com a benesse de nem sequer ter sido publicado – excepto nas nossas mentes! E o dia fluiu com uma naturalidade flutuante, ousaria dizer…
Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.
Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.
Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim.
A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.
Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!
Não renascida – porque jamais pereceu – mas, quando muito, que voltou com uma atitude muito diferente do passado. Sim, parece-me a melhor forma de descrever o sentimento vigente.
Cheio de discussões estéreis sobre futebol – que nem chegam a ser conversas, porque o fanatismo prevalece sobre a realidade. Acima do limite de tolerância para temas que em nada engrandecem o conhecimento e que, pelo contrário, adormecem os participantes numa letargia de ignorância e necessidade de aceitação do grupo para sobreviver.
Reinventado, é a melhor forma de o descrever! Fazendo tábua rasa de tudo e partindo para novas experiências do zero absoluto. Dizendo para si, e interiorizando também, que nada possui e que tem o dom de poder escolher o que pretende conquistar. Escolhendo os atalhos da vida e evitando os buracos que aprendeu a detectar atempadamente, procurando novos conhecimentos partindo da doce ignorância, a tentativa e erro como passatempo para alcançar o gozo – bom, mau, ou assim-assim.
A alegria de conhecer semelhantes, o amor de voltar a dialogar com a saudade, a lágrima de alegria no reencontro de quem nunca deixou de estar, simplesmente estar. A partilha de diálogos de outrora, brevemente interrompidos durante anos, retomados como se segundos tivessem passado. O colher das rotinas boas de outros tempos e o reconhecer de novas memórias que pretendem ser vividas. De braços abertos para o conhecimento e de atitude fechada para o simples pastar em rebanhos e campos estéreis de todo e qualquer tipo de conhecimento ou progresso.
Culpado da mudança? Só o autor. O porquê da mudança? Por uma qualidade de vida mais sã. Perspectivas? Abocanhar conhecimento com quem sabe divertir-se a fazê-lo, a vivê-lo e, acima de tudo, a senti-lo!
Anda pródigo em reencontros este solstício de verão! A capacidade de reencontrar pessoas, tão fundamentais de outrora, tem assustado quem não está preparado para tanta azáfama social.
Talvez se tenham passado uns 26 anos, mais um ou menos um, mas partilhamos uma história de amizade e vida quase comum, por inerências que não cabe aqui explicar. O cognome juíza porque ajuizava melhor do que os desajuizados que a rodeavam e, mercê do bom humor e experiência de vida que possuía, sabia sempre qual o melhor caminho que, enquanto rebanho que se mantinha junto, deveríamos seguir.
Nunca ordenando, porque era uma mulher de consensos estóicos (não sei se o conceito existe mas reclamo para mim a patente, caso não exista), mas sempre colocando em cima da mesa todas as opções e, racionalmente, explicando o raciocínio para chegarmos a cada uma das soluções sempre certas.
Não houve cumprimento mas uma saudação discreta – talvez porque a ausência assim o impusesse ou porque simplesmente não soubéssemos como reagir – mas o contacto visual permitiu aferir que nos reconhecemos, nos saudamos e continuamos com as nossas vidas, sem que qualquer emoção transparecesse. Sem dúvida que a atitude correcta, pois ela nunca foi capaz de algo incorrecto.
Foi bom ver que continua bonita, fiel aos seus princípios e senhora de si mesma. Bem haja tribunal de Espinho!
Andava o humilde narrador nas suas caminhadas – no caso em apreço entre a baixa e a foz do rio – quando, mercê de um desvio para evitar uma transeunte em sentido contrário, sentiu que tinha perdido o balanço do corpo. Sem controle sobre o destino, e graças a uma intervenção da transeunte, foi salvo do acidente que o destino havia programado para ele.
Ergueu a cabeça – que, até então, estava focada em ver qual seria o ponto de queda, e viu uma cara conhecida. Sorriu, porque entre eles sempre havia existido uma quantidade inigualável de sorrisos e alegria, e ouviu-a saudá-lo com a expressão de outrora: Hello crazy Portuguese!
Ainda não refeito da surpresa, e a tentar disfarçar tal facto, respondeu com o seu Hello crazy Russian! Sorriram e, com um receio que não era comum neles, abraçaram-se a medo. Olharam-se, profundamente nos olhos um do outro, e trocaram dois beijos como expressão de saudade entre eles.
Uns metros à frente da Alfândega do Porto, num passeio que até é fácil de percorrer, o mais difícil aconteceu – curioso como o destino se impôs perante um obstáculo facilmente ultrapassável. Uma troca de palavras e contactos, toques ternos como recordação de outros tempos, o recuar até ao dia em que nos conhecemos e o dia em que tivemos de nos separar. A República da Irlanda como cenário de um amor entre um cidadão português e uma cidadã Russa, o poliglota e a cientista, o cozinheiro e a barista, o homem das caminhadas e a mulher do ioga…
Uma lágrima de amor escondida e a promessa de um contacto para muito em breve.
Fruto da evolução natural das coisas, em que cada pequeno pedaço de família faz crescer um novo ramo que deriva daquele que fazes parte, eis-nos juntos para mais uma celebração.
Os pais da outrora criança, que só me recordo como namorados desde que existo, a concederem a mão do ruivo mais novo a uma Carlota que lhe cativou o miocárdio.
Se ceder um ruivo custa então imagine-se a cedência de dois ruivos que, fruto da minha velhice, sempre recordarei com um sorriso que é a soma perfeita do amor dos progenitores (algo imutável que presencio com uma enorme alegria).
Como qualquer celebração, e esta não podia ser diferente, foi um exercício de alegria. O sorriso dos progenitores é agora visível em ambos os filhos e um certo excesso de baba – sobejamente justificado – é visível nos rostos da Teresa e do Pedro. Como se ambos os filhos estivessem tão só e apenas a repetir a aventura amorosa que tem sido protagonizada pelos pais – naturalmente enamorados e de mãos bem dadas e apertadas para superar qualquer adversidade.
A orvalhada afectou-me as costas – obrigando a que os meus dotes de dançarino de renome mundial ficassem por exibir – mas também temperou toda a cerimónia que, num misto de emoções desprovidas de horário, se prolongou até ao nascer do dia. Por entre enjoos – sempre atribuíveis a uma condução de montanha mais agressiva – fizemos adormecer alguns hectolitros com que nos fomos hidratando e, fruto da alegria vivida, deitámos-nos com o sentimento de que a festa continuava em sonhos. E assim será!
O banho tomado muito fora do horário habitual, dentes escovados entre a colocação e remoção do champô, corpinho bem ensaboado e superiormente raspado de impurezas, muita água corrente a levar todas as porcarias acumuladas desde o dia anterior.
Cuequinha e meias a condizer, etiquetas da lavandaria removidas da vestimenta, sapatos brasileiros a saírem à cena, sorriso de quem revê uma barba feita no barbeiro e constata que teria conseguido fazer bem melhor. O pêlo incómodo, que se nota perfeitamente ter uma personalidade narcisista, removido para não perturbar o fotógrafo de serviço.
Gravata com um nó soberbo, também graças ao corpinho perfeito que vem rodear, mais um Nicotinell para ajudar ao tranquilo contemplar da paisagem. Um outro casamento que passa e a constatação de que o Gabo foi a leitura ideal para te acompanhar. Um passeio junto ao local da cerimónia – com um ar de quem verifica os últimos detalhes, um panado como bucha para entreter até à hora da cerimónia.
Textos soltos, pequenas crónicas, palavras soltas que, quando alinhavadas, faziam sentido, a resposta pronta para qualquer tipo de situação…essa era a parte fácil do exercício da escrita. Agora, mercê do ano sabático a que se havia proposto, e do qual não abdicou, tinha como objectivo escrever um livro.
Há muito que os personagens pulavam entre as diferentes partes da sua imaginação, o cenário da ação, a maneira como tudo iria fluir e acontecer a quem se propusesse ler aquelas linhas que, propositadamente ordenadas, contavam uma história de ficção que, até ele, julgava ser verdadeira.
A Grécia, sempre ela, havia-lhe dado a capacidade de muito caminhar, conhecer, enquanto ditava ideias para o gravador que o telemóvel possuía. Digamos que o método estava aprendido e a única coisa que faltava agora era a paz – interior e exterior – para colocar todas as palavras numa ordem tal que, qualquer leitor, veria naquela sequência a mesma bela história que constava na sua cabeça.
Pensou em embarcar para Amorgos, logo após o final de Agosto, para aproveitar a sua ilha num inverno de paz e dedicação total à sua futura obra. Conseguia visualizar onde ficaria alojado, os caminhos que iria percorrer, as fontes de inspiração para o alinhamento total das ideias que enchiam a parte literária da sua mente, até o regatear dos preços e onde encontrar o melhor pequeno-almoço da ilha. Ali, tinha agora a certeza, era onde teria que escrever a sua primeira obra!
O raciocínio parou quando mentalmente se questionou sobre quem levaria consigo. O filho tinha que estudar e namorar pelo que uma aventura de 365 dias estava fora de questão. Os gatos, apesar de rafeiros, nasceram em Portugal e, muito provavelmente, não aguentariam as agruras das noites de luta entre as comunidades gregas de rafeiros – não se trata de uma visão nacionalista mas de uma constatação fácil e, dado tratar-se de uma ilha, a despesa do veterinário que, monopolista, poderia extorquir tanto quanto o sentimento permitisse. Via, com bons olhos, o ditado “antes só que mal acompanhado!”
Constatou que se estava a tornar um mestre em desculpas para nada concluir e sorriu. Tinha tudo dentro da sua cabeça, e só pensava no quão útil seria ter uma impressora que, uma vez conectada ao cérebro, debitasse a obra, perfeitamente formatada, revista e encadernada, para que todos pudessem usufruir do mesmo gozo que sentia, de cada vez que mentalmente revia cada capítulo.
A maneira de reagir, sem que tenha havido um planeamento antecipado para a forma como o queixo cai. Mesmo quando se conhece alguém há décadas, e esse alguém ainda se volta para nos cumprimentar, com um aceno que ainda mais aprofunda o afundamento do queixo (quase tipo desenho animado).
Tem tudo de puro, sincero e expõe tudo o que a mente sente; por vezes, expõe também a totalidade do sistema circulatório, incluindo o batimento cardíaco, a arritmia causada, a vontade que temos de fazer uma massagem cardíaca a nós mesmos. Os vasos sanguíneos e a forma como os capilares se encontram irrigados – a revelação total.
O beliscão permite aferir a veracidade do momento e também ajuda a constatar que sobreviveste, muito embora temas pela força do impacto. Respiras fundo e consegues voltar a ler o jornal diário, mas a mente já vagueia com a bela imagem presenciada. Mentalmente, dás um par de estalos a ti próprio (que parece produzir mais ruído do que o sonhado) e tentas focar-te na leitura.
Passado o momento de hiperventilação (e sem necessidade de respirar para um saco), imbuído de um sexto sentido – ao nível do Homem-Aranha que “pressente o perigo” – olhas para a direita e vês que ela retorna. Procuras o jornal – que está em frente a ti – e finges ler o artigo que acabaste de ler.
Fazes um cálculo mental de quando estará a passar em frente a ti e, num exercício tão denunciado quanto o anterior cair de queixo, levantas os olhos e vês, enxergas, memorizas e sonhas, a bela mulher que tão bem conheces. Parece sorrir mas, como é uma visão lateral, apenas podes sorrir de volta – de sorriso aberto, saudosista e com uma vontade enorme de conhecer muito melhor.
Começa por ser algo que, quando a experimentamos pela primeira vez, nos envergonha – o sentimento de ter estado ausente quando havia alguém ou algo presente. Brindado com frases como “Ouviste o que eu disse?” ou “Bem vindo de volta!” – apenas conseguimos constatar que estivemos ausentes. Com o passar do tempo, e sem necessidade de um esforço intenso, começa a ser algo a que se pode recorrer, sempre que necessário, e/ou por pura distracção.
A maturidade talvez esteja associada ao seu desenvolvimento (carece de estudo científico e eu não estou para aí virado) ou talvez seja apenas a capacidade que temos de viajar sem sair do lugar, não faço ideia. A única certeza que tenho é o quão reconfortante é e o quão saudável se torna – como se de uma droga se tratasse mas sem a necessidade de envolver narinas, pulmões ou veias. Uma espécie de homeopatia cerebral!
Trabalhado, de maneira a envolver o meio que te rodeia, é dos mais belos exercícios que podemos fazer: a mente vagueia, os olhos enxergam a paisagem, os pés conquistam o terreno. Enquanto exercitas o corpo, vais aliando imagens dos locais por onde passas, sendo que a tua mente só regressa desse vadiar intenso de abstração se algo realmente importante o justificar. Até sentes o retorno, como se abrisses um portátil e ele demorasse poucos segundos a estar num estado de prontidão total.
A profissionalização traz-nos a capacidade de o praticar sempre que queremos e, mercê desse nirvana do processo, sentimos o cérebro na sua totalidade – lá longe, durante os exercícios físicos necessários a quem pretende seguir a via profissional, e bem perto – sempre que somos obrigados a regressar ao mundo real. É o equivalente ao termos as férias anuais, para recuperar do esforço despendido durante o ano laboral.
A capacidade de interligar o alheamento a memórias é o degrau mais elevado desse conhecimento, apesar do nirvana do passo anterior. De cérebro alheado, abstraindo-nos de tudo e de todos, vamos recordando momentos realmente únicos que conquistamos. Limpos dos momentos anteriores ou posteriores, os neurónios focam-se no esplendor do que outrora sentiram, sem saber o que a eles conduziu, numa espécie de saborear a mais deliciosa refeição sem pensarmos em tudo o que conduziu a que aquela refeição específica fosse considerada para ser recordada no teu exercício de abstração…e assim sonhamos acordados.
Hoje calhou ser o querer rever, o recordar os tempos de loucura juvenil em idade adulta. Foram cerca de seis quilómetros até chegar ao destino mas a sensação de dever cumprido era a faixa que simbolizava a minha meta.
Muito a correr, porque a meteorologia estava instável, apanhei o comboio e lá cheguei à “casa partida”, sem receber €2000, como no monopólio. Os primeiros passos foram de procura mas, uma vez descoberto o caminho, o ritmo manteve-se estável.
Por entre floresta e casas de verão, por terrenos abandonados com um pequeno barracão, eis-me a cumprir a distância que me separava da meta. Sempre atento aos detalhes, a fotografar os melhores momentos, a inspirar fundo os cheiros da floresta, das árvores plantadas nas casas, de tudo o que me rodeava.
A fotografar alguns pássaros e a ver outros a fugir da câmara, a tentar captar borboletas e a acabar por fazer piruetas numa perseguição inútil, a ser cumprimentado por quem passa e a devolver o cumprimento. A saborear cada pequeno detalhe e instante de uma caminhada longa mas muito recompensadora.
Amanhã um novo destino, ou desafio, com um rio bem conhecido e um trajecto que é sempre motivador. A olhar para dentro, investido em mim, com um sentimento de felicidade que ultrapassa largamente a quilometragem e que, a ser medido, teria que ser em gotas de lágrimas de alegria.
Ao longe, muito longe, era a mais bela criatura que o oceano continha: a braçada, os contornos do rosto, a forma como as ondas pareciam ajustar-se conforme ela se movimentava, os sons – inaudíveis mas passíveis de serem imaginados, os olhos que se fundiam no objecto ou pessoa que observava…era uma sereia digna do mais belo conto de fadas.
Carecendo de conhecer a barbatana dela, para fins puramente científicos, nadei como nunca havia nadado antes. Livrei-me de todas as posses terrenas e abracei as ondas, uma após a outra, até a alcançar. A distância era muito grande e a comunicação que tínhamos era feita através de sons – como um sonar – que, apesar da distância estar a encurtar, apenas fazia o sentimento crescer.
Por entre piropos via sonar e braçadas para a alcançar havia que improvisar um primeiro beijo que fosse memorável e, como se tivesse num sofá marítimo, pedia-lhe que fechasse os olhos e descontraísse. Era tudo novo, tudo diferente, mais sentimento que racional e, apesar de toldado pela irracionalidade amorosa, comecei por beijar o cimo do pescoço, bem juntinho ao lóbulo da orelha esquerda dela.
Expressei o único desejo que, na altura, tinha: vamos focar em conhecermo-nos! O esforço tinha que ser mútuo e não envolveria qualquer contrapartida, de parte a parte. Tinha tudo para ser perfeito, brilhante, inalcançável para o comum dos mortais – algo que o sentimento, naquela altura, não permitia que fossemos. Um tratado de entrega total, mútua e sem segredos, como se de uma fusão de dois corpos num só se tratasse.
As ondas começaram a ser tão grandes quanto o mar da Passagem de Drake e, fruto da proximidade da Antárctida, tudo arrefeceu – excepto o sonho que, cuidadosamente, foi colocado numa unidade de armazenamento mental – bem acondicionado e refrigerado – num canto do seu coração irreflectido. Fez um reboot amoroso e racional e voltou ao ponto de partida, conforme era no período anterior ao golpe de vista que o fazia ter visões de sereias.
Havia passado bastante tempo, desde a última carga, mas a verdade é que o processo tinha tido sempre contratempos – ora o carregador tinha oscilações na corrente, ora o tempo de carga não era o anunciado, ora a reserva não era cumprida conforme havia sido contratualizada. O carregador, apesar de ser o mais apetecível (por uma série de detalhes que o tornavam único), tornou-se um descarregador face aos inúmeros problemas que causava. Tinha características únicas, no que numa vida, apelidaríamos de parceiro ideal mas, apesar das inúmeras virtudes, teimava em comportar-se de forma a trair o princípio pelo qual existia, no que numa vida, chamaríamos de auto-sabotagem. Parecia querer ter vida própria e jamais ser cooperante.
Chegado a casa, e ciente da necessidade de recarregar as energias, optou pela sua tomada de sempre – no fundo da cama, com a extensão a permitir que continuasse a escrever – a parceira ideal que, apesar de não permitir que transitasse, lhe dava a carga necessária – com o complemento proximidade e sem a azáfama social de um carregador inquinado. O correspondente, na vida, ao “mais vale só que mal acompanhado” que, no sentido que para ele fazia, correspondia a tempos de reflexão e escrita. Com o sol a aquecer-lhe os pés, com a chuva a despertar a preguiça, estava um devoto na arte de retemperar-se – não que se obrigasse a tal, mas tão só e apenas porque só totalmente energizado é que fazia sentido embarcar em novas aventuras.
Desligado o carregador sentimental, e tendo transferido a energia para o lado intelectual, virou-se para a escrita de uma aventura que, apesar de descrever um cenário fictício, tinha muito do que era a sua própria vida. O azul e branco grego, os jogos de poker apoiado pela Stars and Stripes, o Vic e a Union Jack, a Ordem e Progresso com aquele mês maravilhoso, as cataratas e os estádios, a Rússia e o Eddie Vedder, a África do Sul e a melhor viagem de autocarro de uma vida, o amor de um casal recém-casado, a sorte de aterrar num aeroporto no dia anterior a um atentado. Momentos da vida ficcionados para esconder identidades mas não factos.
O plano era descansar tanto quanto um profissional do descanso ousaria fazer e, sentindo-se a caminho da profissionalização, sorriu com o quão bom tem sido este caminho de amor próprio.
Rodeado de verde, com um belo curso de água a passar frente a mim, levantando a cabeça para ver para onde ela se dirige. Ao fundo, num vale que nesta altura é verde e amarelo (das maias), vejo o grande rio que a água forma e, rodeado por algumas casas, percebo a sua real dimensão. Não que precisasse das casas para aferir a grandeza do rio, mas tão só porque as casas permitem, na sua pequenez na escala visível, melhor dimensionar a grandeza do rio, no seu todo.
Sinto-me pequeno na escala e respiro profundamente, até me sentir gigante por ter a oportunidade de visualizar a obra de arte que me rodeia. O olho que tudo descortina reparte a imagem do todo em pequenos pedaços de beleza e o coração parece reagir com um batimento extra (ou sou cardíaco ou um emocional de merda). Fotografo o que vejo, revejo a imagem no ecrã da máquina fotográfica, apenas para constatar que lhe falta o sentimento.
A tentativa de aprisionar a paisagem fica aquém do que em mim ela provoca. Utilizo o Google, para tentar encontrar uma máquina que entenda o sentimento, e os resultados não correspondem à expectativa. Tento outros motores de busca mas os resultados são igualmente frustrantes…não há um produto, com inteligência artificial ou sem ela, que capte sentimentos. Bolas, pensei, sem conter um sorriso interior pelo simples facto de ser humano e conseguir obter um retorno emocional imediato do que visualizo.
O camião “dobra a esquina” e, ao longe, vejo as cores do curso em que o jovem progride. O ritmo cardíaco associa-se ao sentimento amoroso e, numa arritmia de plena satisfação, vislumbras um jovem que dá um jeito ao cabelo. Esticas a lente até ao limite e, após uns segundos de contemplação, confirmas o que os olhos e óculos já te haviam feito desconfiar: é ele! O meu e da mãe, vem a conversar, está de sorriso aberto e, entretanto, recebo uma mensagem que comprova os factos – “Quase a passar” dizia e eu, armado em Cartier-Bresson, foquei a imagem do meu herói.
Uma série de recortes de imagens do progresso da vida dele passa pelo meu imaginário racional e, assolado pela arritmia de emoções, fico comovido e escondo-me atrás da câmara fotográfica, enquanto tento captar o máximo de imagens de um entre muitos colegas de curso. A senhora ao meu lado estende-me uma embalagem de lenços de papel e exclama “Chorar de orgulho e alegria é a mais bonita das reações que podemos ter enquanto progenitores!” Agradeço o gesto com um sorriso molhado e volto a esconder-me atrás da objectiva.
Um “thumbs up” confirma que o meu herói já viu onde eu estou. A resposta é um aceno e aquele sorriso aberto que só concedemos a quem nos diz tanto. O fotografado é interpelado pelos colegas, que se questionam sobre quem será aquele fotógrafo de sorriso tão denunciado, e o pedido de uma fotografia de grupo é o passo seguinte. Três polegares para cima denunciam a alegria que vivem e eu irradio felicidade pela alegria deles. Sabem estudar, sabem viver, sabem estar – voltam as imagens de todo o processo de crescimento do meu herói.
O dia é deles e eu apenas estou presente como conforto para alguém sempre tão ausente. Relembro o dia em que voltávamos do infantário e eu, parado no semáforo, exclamei um “anda lá velha!”, para uma senhora de idade que começou a atravessar a passadeira, assim que o semáforo verde “abriu” para os carros, pressionado pelos carros que, sem ângulo de visão, buzinavam atrás de mim. Chegados a casa, a mãe perguntou “O que aprendeste hoje?” e o meu filho confessou com o “anda lá velha!” Todos sorrimos com a sinceridade dele, a minha boca desbocada e o humor de toda a situação. Que nunca lhe falte a sinceridade e felicidade, é o meu único desejo.
A tarefa era simples e requeria que eu atravessasse a rua e entregasse uma bola de plástico aos alunos que com ela jogavam. O trânsito era semelhante aos finais dos anos 80 e só um carro circulava, ainda longe.
A bola veio-me parar aos pés e, consciente dos meus dotes futebolísticos, peguei nela com a mão esquerda. Após notar que era de plástico, apertei-a e, tranquilamente e com tempo, dirigi-me a uma multidão que me indicava o caminho a seguir.
Vários braços ao alto, pedindo que a bola lhes fosse entregue, o que me fez recuar até aos anos 70 e perguntar “Agora pode-se jogar à bola?”. Uma jovem respondeu que era óbvio que sim e eu devo ter feito uma cara de espanto.
Afirmei que, no meu tempo, tal não era possível e ela, de resposta rápida e racional, disse que eu devia ser do “antes do 25 de Abril”. Devolvi a bola e escutei um “Você é a melhor pessoa do mundo!”. Sorri, com a consciência de quem sabe que tal não é verdade, mas não deixei de responder “Aquela foi a minha sala de aula.”
Parti, com a consciência de dever cumprido, e ainda consegui ouvir o grupo gritar “Muito obrigado!!!!” Não foi a mais hercúlea tarefa da vida mas os agradecimentos fizeram-me ter confiança nas gerações futuras!
Sempre foi um tema de conversa entre nós porque somos um grupo de pessoas que sabe debater e obter conhecimento do resultado dessas conversas. A inveja boa traduz-se no querer copiar do modelo de outrém algo que achamos melhorará o nosso, era assim que o víamos e vemos. Afirmar gostar tanto de algo que só conseguimos visualizar o nosso futuro com esse algo incluído nele.
Não conhecia o recém-nascido, precisamente porque é recente, e conhecê-lo foi o conseguir destrinçar o melhor de cada um dos progenitores – uma alegria imensa, porque ambos possuem virtudes incomparáveis que tanto me ensinaram. O jeito de viver, a observação atenta de tudo o que o rodeia, o falar sozinho ao invés de se queixar, o sorriso muito lindo e aberto para com todos os que com ele interagem. Brilhante a forma como, em apenas cinco meses, já visualizamos um pequeno adulto em construção.
De coração cheio pela visita, tentando sempre não pisar nenhuma mina no terreno em que o dia-a-dia se desenrola, temendo que algo pudesse, de alguma forma ou feitio, não estar à altura do quanto significam para mim, mostrando um pouco da cidade que, para os visitantes, é demasiado pequena para sequer se chamar cidade. Partilhando segredos que só intimamente podem ser revelados, ouvindo com atenção os detalhes a que um recém nascido obriga.
Uma lágrima escorrendo na partida, escondida por uma chuva que teimava em cair, um orgulho enorme pela sorte que o mundo providenciou na oportunidade de vos ter conhecido. Obrigado trio maravilha, voltem sempre!!!
São as que mexem connosco, sempre que nos contactamos. Dia de festa, hoje e amanhã, com a presença de dois amorosos exemplares de como se celebra a amizade.
Já haviam passado cinco anos, desde a última vez que nos encontramos, e rever a mãe, agora acompanhada do filho, é um tónico sem igual. Ele é igual ao pai e ela continua a mesma pessoa paciente que conheci.
Cansados, depois da longa viagem desde o outro lado do Atlântico, temos todos colaborado para que a mãe possa descansar enquanto o filho nos entretém – com sorrisos, a procura constante por novas coisas para ver, com a força de quem pretende, precocemente, sair do colo e começar a viver!
Comilão, reguila, observador e muito cooperante. Um doce de criança!
O acordar cedo, para evitar a confusão esperada, o encontro a tempo e horas e a união de vontades, o abraço matinal – tão duradouro quanto tudo o que nos une, a partida rumo ao que esperamos seja o definir de um novo ciclo para o clube a que pertencemos.
O comboio como meio de transporte, o Alameda como WC público escolhido, a mensagem enviada para o grupo de primos para uma primeira tentativa de tocar o reunir para o acto eleitoral. Estivemos todos – e viva as caras novas!!!
A oportunidade de ser empurrado para uma pessoa com tantos pontos comuns, sem drama, com uma personalidade e maturidade de adulta, o gaguejo nervoso como resposta, o rosa das bochechas alterado, o filho – a gozar com a situação – ri-se, com um piscar de olho cúmplice.
A volta para a ruralidade, o desmobilizar ao cimo da rua, o coração que treme. Um arrepio na espinha, palpitações que parecem incomodar os transeuntes, a vontade de dialogar mais. O telefonema do primo, que intermediou as “hostilidades”, a preciosa indicação sobre onde estaremos juntos novamente.
Dizem que acordei chateado e que terei pedido silêncio, para poder dormir. Há uma névoa, com pequenos detalhes que recordo desses tempos: a sala cheia, Chico Buarque a tocar, discretamente no gira-discos, ouvidos colados ao velhinho (já na altura) Blaupunkt de válvulas, a televisão a preto e branco que não acompanhava a velocidade do rádio (ver para crer), o que causava apreensão entre a alegria que já se vivia.
Disseram-me para não me preocupar com o dia seguinte “de escola” porque a história estava a ser reescrita, alguém – recentemente – me recordou essa história bem como o contentamento que o meu pai, maioritariamente reservado em termos políticos, agora exibia.
Relembro, muito mais facilmente, os momentos de confraternização que se seguiram, os comícios em pavilhões, as férias na Fuzeta – rodeado de tantos ilustres que haviam participado activamente na revolução, o sentar a observar e questionar o que seria uma revolução, muito embora já agradecido por todas as voltas que demos pelo país. Nesse aspecto, senti mudança, liberdade sob a forma de as pessoas agora poderem estar, conversar abertamente e celebrarem esse facto, apenas estando presentes.
Mais tarde na vida tive a oportunidade de conhecer ainda mais ilustres – mercê da militância na Juventude Socialista – que olhava e idolatrava, pela coragem sem temor, pela ousadia de pensar livremente, pelo sorriso que ostentavam – como se um sorriso livre fosse a maior riqueza do ser humano. Talvez seja!
Venham muitos mais 50’s!!!!
É a ideia que tenho, preservo e celebro – 25/4/2024
Busca certezas dentro de ti e, assim que as alcances, batalha para as tornar a tua realidade. Se envolver mais pessoas, busca a certeza de que é a pessoa cuja tua certeza determinou e, imbuído dessa tua certeza, abre o teu coração e tenta ser a certeza desse outrém. Não é científico porque é emocional, não é uma certeza porque envolve mais do que apenas a tua certeza mas, uma vez entregue o coração a essa tua certeza, estarás a concretizar uma certeza tua que, caso seja correspondida, será a mais bela certeza a que podes aspirar.
Talvez tenha começado aquando do périplo pela América do Sul, talvez tenha começado numa qualquer garagem em que se estacionavam corpos ao invés de automóveis, talvez tivesse começado há muitos anos atrás e nenhum dos envolvidos ousasse confirmar, talvez fossem as mesmas insónias de agora a providenciar o raio da conversa. Não sei e também não interessa – localizar inícios só faz sentido quando temos um fim digno para o que nos propomos fazer, digo eu que, enquanto parte envolvida, podia ter feito mais alguma coisa mas também ambicionava receber mais e agi em conformidade.
Num qualquer cenário imaginário, regressava de um dos dois mais belos passeios por Buenos Aires. Revia as fotografias, inspirando enquanto passava de uma para a seguinte, de maneira a recordar todo o momento, como se o vivesse novamente. Reuni as melhores memórias, escolhi a audiência e publiquei, não dando mais importância ao momento, ainda saboreando o delicioso bife (que havia custado meio milhão de pesos). O telemóvel produziu um ruído, anunciando uma notificação, e lá estava ela. A mensagem era inocente e, se bem recordo, acerca dos dois estádios visitados no dia em causa.
A última coisa que me apetecia, nesse dia específico e em todos os outros, num sentido geral, era debater futebol mas, a personagem em questão deve ter percebido, pois adicionou algo mais à mensagem inicial e, aí sim, o diálogo começou. Deitado na enorme cama do Panamericano, e tendo apenas caminhado uns duzentos metros desde o restaurante, respondi que o meu grande interesse não eram os estádios mas sim os bairros em que se inseriam. Havia atravessado a cidade inteira, com um magnífico taxista, marxista, cuja primeira história que me contou foi sobre a predisposição dele, quando soube que tinha um cliente no Panamericano (sendo marxista esperava encontrar um facho, da pior espécie, como há tantos na Argentina. Desenganou-se em alguns minutos).
Encostei a cabeça na almofada, o corpo debaixo do edredão, de calções de banho e tshirt vestidos (coisa típica de quem viaja de mochila), e notei que já tinha sido respondido. A conversa prolongou-se e recordo-me de dizer, baixinho para ninguém me ouvir, que ela devia gostar imenso da Argentina…Obviamente, encontramo-nos umas semanas depois – o tempo suficiente para acabar a excursão sul-americana e voltar – e descobri que o gosto, afinal, não era só pela Argentina. O tempo aproximou-nos e a falta dele afastou-nos mas, sem dúvida, foi uma das mais belas histórias de amor.
Adorava que existisse uma disciplina, curso superior ou técnico profissional, que abordasse o sexo feminino. Um curso intensivo – e talvez interminável – que percorresse todos os níveis da mente feminina: a forma como posiciona os cinco sentidos, como exterioriza emoções, como as interioriza também, a forma como age perante obstáculos e como se propõe superá-los.
Numa qualquer instituição de ensino, no cimo de uma montanha, com uma vista de trezentos e sessenta graus que permitisse todo um relaxamento visual, em regime de internato, e só com dois voluntários. Uma espécie de Marvão – em termos de beleza circundante – com apenas uma “case study” e sendo eu o único aluno.
Voluntariamente deitada numa cama de rede, erguida no ponto mais alto da aldeia, o objecto de estudo seria sujeito ao que os anglo-saxões designam por “Full Disclosure”. Num diálogo tão privado quanto a altura o permite, um despir de todos os detalhes fundamentais para plantar e fazer crescer uma árvore chamada intimidade.
Esgrimindo diferenças e apelidando-as de personalidade própria, aproximando pontos de vista comuns e apelidando-os de benesses para o nosso futuro. Num contexto de abertura total, como se fôssemos católicos e quiséssemos a absolvição, uma confissão total de quem somos e o que procuramos.
O exame final seria a prova de fogo e só juntos poderíamos aspirar a concluir o curso. De olhos nos olhos, e só podendo recorrer à inteligência emocional, a mesma frase teria que ser proferida em simultâneo. A nota final começaria então a ser construída sob o nome de futuro comum. Deixo-te o ónus do contacto, porque sou apenas o estudante e não faço ideia em que ponto do percurso académico estás. 😘
“I love the rain – it washes memories off the sidewalk of life.” – 20/4/2024
Não posso ser acusado de interceder no caminho definido por outrem porque cedo montei a tenda para a habitual leitura matinal (mas agrada-me a tua maneira de pensar).
A percepção do falso passo, demasiado hirto e com uma fuga para a esquerda, mais não é do que o reflexo dado pela visão periférica do canto do olho esquerdo, com condimentos de fantasia e um aperto no peito (talvez a fantasia tenha deturpado tudo ou o assumir seja demasiado conveniente para ambos; até pode ser que seja cardíaco e tudo não tenha passado de um sintoma, sem necessidade de nitroglicerina debaixo da língua). Obviamente, a opção por um caminho tão alternativo, no momento de voltar, só agravou o aperto que, por essa altura, já tinha a audição e a visão em simultâneo. Confesso que tentei o olfacto, sem sucesso, e a salivação abundante foi o paladar de outrora a dar mostras de um saudosismo real, espontâneo e contra o qual nada pude fazer.
Embriagado em tudo o que acima foi exposto e completamente alheado de uma conversa que decorria na mesa, só posso afirmar: faltou-nos o tacto. Não deixes que falte também a comunicação, por favor. Bom fim de semana!
Como se partisse da douta ignorância para o conhecimento – desaparece para outro lugar no mundo, começa um exercício de introspecção, anda muitos quilómetros por dia, chega ao conhecimento das pequenas coisas que lhe agradam profundamente. Canta enquanto caminha (baixinho ou para dentro, de maneira a não perturbar a natureza que o rodeia), sorri de volta aos seres “loucos” que ainda sorriem nos dias de hoje, cumprimenta desconhecidos como resposta ao cumprimento que deles recebe.
Poder-se-á afirmar que não segue os padrões lógicos de comportamento dos demais, que destoa na maneira de ser e de agir, que tem um temperamento desigual quando confrontado com situações vulgares e com respostas universais que não toleram desvios, que caminha como se as regras da sociedade não se aplicassem a ele – não que “quebre” as regras ou aja de maneira ilegal, mas tão só e apenas porque é desigual, questiona porque quer aprender opiniões diferentes mas, estando as respostas universalmente impostas, é visto como bizarro.
Continua a trilhar o seu caminho, ciente das suas virtudes e defeitos, carente de acumular mais conhecimento – o mais abrangente possível, procurando debater com o maior número de cenários diferentes que consiga reunir, tentando absorver o maior número de opiniões que estimulem o auto-debate a que se dedicará assim que o tempo o permita. Ouve da direita à esquerda, tem muita sorte com as individualidades em quem “tropeça” na vida, é carente de leitura tanto quanto de comida, gosta de pensar sozinho de maneira a melhor poder questionar-se, sorri sempre que um dia novo nasce.
Nascemos imbuídos de uma inocência que se assemelha a uma tarefa impossível de superar, com os conhecimentos de então, não passamos de um ser dependente e frágil que é obrigado a depender para superar o primeiro degrau da vida. O banho, a roupa, o sono, as primeiras regras, as primeiras palavras, os primeiros passos, são conquistas de superação em que a aprendizagem se torna uma rotina que interiorizamos e aperfeiçoamos. Saímos do berço e traçamos o nosso caminho – próprio, personalizado, sem nenhum igual porque é fruto da nossa aprendizagem e não há duas autenticamente iguais.
Na adolescência damos os primeiros passos na real aprendizagem – começa a preparação para a vida adulta, o trabalho em prol de uma independência total dos progenitores, a busca de uma felicidade que é só nossa e em que, também, não há duas iguais – quando muito, com todo o engenho e sorte, almejamos uma felicidade com outrem, em que a junção de dois é igual a um muito superior à soma dos dois (contraria os princípios da matemática mas é a mais pura realidade). Já sem tantas ajudas, com muito menos questões, com um esforço diferente – sem sabermos se maior ou menor porque estamos a transitar de uma fase de absoluta dependência.
A vida adulta traz-nos a ambição pelo conhecimento, a procura da maturidade própria, almejar o fim de toda e qualquer dependência. O semelhante a um pássaro que, após ter crescido no ninho, é largado de um local alto – que o obriga a bater as asas para sobreviver, para procurar o seu próprio alimento, para se tornar absolutamente autónomo e completo. A tentativa e erro, o assumir das melhorias que precisamos introduzir para aperfeiçoarmos tudo – na busca constante por uma engrenagem que, apesar de rotineira e que consideramos quase perfeita, pode ser sempre melhorada.
Depois vem uma onda mais impetuosa que te leva a toalha, meia dúzia de objectos, as sandálias. E é aí que te apercebes que as imperfeições a dois são a melhor forma de te recordares que estás vivo e o porquê de estares distraído.
Efeitos colaterais de uma pretensa insolação – 17/4/2024
“Dás-me licença que te cumprimente?”, assim começava o monólogo da imaginação dele. “Miúdo de muito pensar, muito sonhar, demasiado imaginar mas pouco concretizar.” – isto dava uma óptima inscrição numa lápide (e ri-se). Ri-se porque tem muito capital de egoísmo como reserva – um egoísmo que não magoa ninguém mas que o impede de ser magoado (outrora chamou-lhe “Reserva Estratégica Pessoal”, mas achou que patentear o conceito era demasiado atrevido e outros poderiam usufruir dele – obviamente, com o seu sarcasmo habitual, afirmou “É a invenção que deixo ao mundo.”, sorriu e esqueceu a ideia sem deixar de praticar o conceito).
Numa cabeça que fervilha de saudade, num corpo que transpira por antecipação, nuns membros que se intimidam com toda a emoção – como uma espécie de jogo de tabuleiro em que o dado define todo o progresso ou retrocesso, recorda cada bocadinho – porque uma manta de retalhos consegue unir tanto, em tão pouco espaço – acima de tudo, recorda a maneira peculiar como era chamado – algo que sempre teve o poder de o fazer parar (gelar, já que estamos a ser honestos) e encarar a amada, com a mesma cara que os cachorrinhos abandonados fazem, quando os donos adoptivos os tentam encontrar – uma cara desprovida de tudo, menos atenção, num misto de amor, alegria, subserviência amorosa e total disponibilidade, sempre num contexto livre.
Pode o sonho condicionar a realidade? De que forma é possível sonhar e, poucas horas depois, enfrentar o sonho? Os movimentos sonhados são agora reais, a voz – escutada ao longe – é agora audível, os meus olhos podem agora procurar os dela. É todo um jogo de apetites: apetece-me isto e aquilo e aqueloutro, com uma fome voraz, mas sem os utensílios de coragem necessários para que a refeição gourmet realmente aconteça. Provavelmente, será o passo intermédio entre o sonho e a realidade: os couverts!
O adormecer foi fruto do esforço despendido e, ao contrário do que seria expectável, não viste o The Hateful Eight até ao fim – o que trouxe para hoje a interrogação do porquê de tal falha. O Kill Bill, um e dois, ainda vá, tolera-se, mas o The Hateful Eight é caso para te sentares num divã e debruçares-te sobre o que é que pode andar a condicionar o teu comportamento: será a caminhada, a cafeína, as águas das pedras? Não sabes a resposta, o que te leva a repetir os passos dados, imbuído de uma inconsciência fictícia, em que sabes perfeitamente o porquê mas, envergonhadamente, escolhes fingir que não.
Escreves o script mental, fazes uma antevisão de todos os cenários possíveis: deglutes no teu imaginário todo um tabuleiro de xadrez de hipóteses e quais os movimentos seguintes. Suspiras com a imagem mental do nariz perfeito, das covinhas nas bochechas, na indumentária tão condizente com a pessoa que a veste. Acordas do sonho acordado, lavas a cara – como farias se estivesses a acordar de um sonho real, sorris com a capacidade de tanto imaginar, cumprimentas-te pela falta de eficiência entre sonhos e ações. Sais de casa e vais tomar um café, uma água das pedras para ajudar a engolir tantas ideias, tantos pensamentos, tantos projectos. Não pedes um doce porque o doce já o imaginas tu.
Depois da tempestade emocional, que me sugou uma parte importante do capital de resistência que vinha sendo acumulado, eis uma imersão na natureza – para fotografar o Parque Nacional Peneda-Gerês. Acompanhado de duas pessoas habituadíssimas a este tipo de eventos, dei por mim a esquecer, momentaneamente, o dia anterior (é mentira mas fica bem no texto).
Não que o pretendesse esquecer mas simplesmente porque tinha sido algo demasiado atípico para ser verdade. Se o sonho realmente comandasse a vida, o dia teria sido passado a conversar e a pensar em partilhar algo – um presente ou um futuro. Assim, tal como as natas da manhã, houve a degustação e o doce desapareceu. Como há idiotas, semelhantes a mim, que renegam os sonhos, é óbvio que a tarde e noite foram vingadas com leitura e escrita.
Adiantei o livro que nunca publicarei e perdi-me nas palavras dos cem anos de solidão. Não sendo o cenário ideal – a revisão hoje feita, dos escritos de ontem, bem o confirmou – a verdade é que é um cenário que cria resistência literária e, vagueando no que escrevo, abstraio-me no sentido que as palavras escritas ditam. Sim, é uma autocracia de frases, que culminam no fabricar de um exercito de imagens, que transportam para um paraíso literário.
O domingo começou de madrugada, o que nos permitiu apanhar as primeiras luzes e reflexos da natureza. Sem vento, com muito brilho, evitando a luz de frente, acertando a velocidade, ISO e abertura do diafragma. Capturei três centenas de imagens que, após uma revisão exaustiva, deram origem a cerca de sessenta fotografias com piada e até alguma qualidade (reconheço o meu amadorismo da mesma forma que reconheço o quanto o hobby tem amadurecido).
Andamos bastante, para cima e para baixo, houve quem molhasse o pezinho, almoçamos muito bem e com uma paisagem de perder o fôlego. Sonhei, acordado mas sonhei. Com a ideia de tudo explorar contigo a meu lado. Algo ridículo quando tanto fiz para que tal não acontecesse. A vida é uma sucessão de momentos e, os de hoje, foram a união de um sonho impossível com uma natureza digna de tudo superar. Curiosa esta natureza…supera-se! Até nos sonhos.
Apesar da experiência com o jogo das duas cartas escondidas, e as cinco comunitárias, a verdade é que a vida sentimental é muito mais difícil. Ao invés de apostar fichas, apostamos o miocárdio, ao invés de usarmos óculos escuros, deixamos transparecer a emoção, ao invés de apostarmos tudo, numa só jogada, apesar de não termos jogo para o fazer, desistimos temporariamente da jogada até que o par perfeito de cartas iniciais surja.
É um verdadeiro jogo sem limites – o miocárdio no meio da mesa, ciente do valor do sentimento, exposto a uma qualquer outra mão que possa desfazer a nossa aposta e revelar, sem qualquer atropina que nos salve, que o fim chegou. Não há massagem cardíaca para o segundo classificado e qualquer centro cardíaco está sempre demasiado longe para o imediatismo necessário.
Poderíamos tentar sangrar o sentimento, e receber uma transfusão de um outro sangue, mas tal não constituiria uma solução – tal a dificuldade de alcançar todo o sangue infectado pelo sentimento, e ser capaz de o substituir, com a plena certeza de que obteríamos o resultado necessário. Optar por um internamento e tentar uma diálise profunda mais não seria do que um passatempo, face ao inevitável reencontro.
A recaída é o melhor remédio: levas um tabefe emocional, andas completamente de lado e até és afectado pela visão deturpada – que parece ver hesitação nos passos da mulher amada, semelhante em todos os humanos, quando tentam impor ao corpo uma rigidez de gestos que o sentimento não permite que seja tão rígida. Lavas a cara, passas uma gota de água pelo interior de cada olho e suspiras…e, enquanto o fazes, a racionalidade impõe-te que tudo não passou de uma ilusão.
Era bom poder dizer que foi como um balde de água fria, mas não havia nada de frio na circunstância. Era bom poder mentir e dizer que tudo continuou igual, mas a inteligência emocional tomou conta da racional. Era bom poder afirmar que não senti nada, mas mentir nunca fez parte de quem sou.
É verdade que o havia sonhado, justamente esta noite, mas a realidade supera sempre o sonho não palpável. Os detalhes, que não revelo e invoco a intimidade como razão para o não fazer, eram exactamente iguais ao sonho mas, a emoção, colocou o batimento cardíaco muito para além do que havia sonhado.
Fugi, como habitualmente, para o meu canto secreto e, revendo-te mentalmente, percebo o que o coração me transmite. A sensação visual e palpável dá-me uma certeza que jaz nas palavras mais íntimas partilhadas entre um casal – que não somos mas poderíamos ser, que não existe porque eu preferi sentir o doer. Estar errado dói…mas, acima de tudo, sou honesto comigo mesmo.
Numa qualquer manhã imaginada, com imensa falta de coragem â mistura – 13/4/2024
Ao longe parecias ser tu e, à medida que aquele corpo escultural se aproximava, a minha confiança esvaía-se e diluía-se na imagem colossal que os meus olhos tinham dificuldade em transmitir ao cérebro. Num samba, entre os neurónios e as sinapses, dava-me conta que havia uma pausa – como se eles retivessem a imagem, retocassem detalhes como o ruído da imagem e o ângulo com que a luz em ti incidia.
Havia demasiadas coincidências para que não fosse verdade! Coloquei os óculos, tirei os óculos, fingi ter um cisco no olho, tentei assegurar-me que nenhuma pestana interferiria com o campo de visão, apeteceu-me roubar óculos alheios para certificar-me do óbvio, passei ambas as mãos pela cara, de maneira a assegurar que estava tudo vivo na cara e funcional para a inevitável aproximação.
Sentia-me quente e culpava as alterações climáticas, sentia-me desidratado e culpava-me por não ter água das pedras de reserva. Sentia-me num deserto de ideias e tu eras o oásis que se aproximava a passos largos, belisquei-me – discretamente – apenas para concluir que a realidade era clara e inequívoca, sentia-me encurralado e desejoso da “tortura” da tua presença.
Depois bati com o pé no fundo da cama e constatei que tudo não passava de um sonho…
Hidratem-se que a primavera é sedenta de aventuras – 5/4/2023
A expressão, claramente emprestada pelo maior autor Colombiano que li (até hoje e que dificilmente será destronado, porque sou eu quem decide), resume o belo dia de hoje.
Uma bela caminhada entre a Baixa e a Foz, sem que fosse São João e o humilde narrador estivesse ébrio a caminho da praia, por entre uma neblina que teimava em não levantar, causando um efeito tão retemperador quanto a imagem mental de sentirmos cada ossinho do corpo. Um pequeno intervalo para o café e a água das pedras, os olhos constantemente desviados para tudo o que me rodeava, um passo de cinquentão – armado em gajo que gosta muito de caminhar (o que até é um facto), mochila com uma bela máquina fotográfica para recolher os momentos mais inesperados ou sensibilizadores.
Um repasto na companhia de três Portistas – nervosos, como sempre, em noite de jornada europeia. O lagarto presente lá nos impôs uma conferência de imprensa do clube dele o que nos obrigou a despender uns minutos a explicar-lhe a história do clube dele, sobretudo em termos de conquistas europeias (é sempre bom e recompensador enviarmos uma criança para casa com mais perguntas – e mais profundas – do que quando chegou. A educação é um processo sem fim!)
Conversa amiga e saudável, comida tão maravilhosa quanto o sentimento que nos une, gargalhadas honestas e de encher o fôlego de um oxigénio amoroso, por algo que ainda decorre mas do qual já sentimos saudades. Água fresca a repor a desidratação da caminhada, o cigarro que surge depois do café.
Tradicionalmente, a visita à madrinha é um evento para o qual vestimos a nossa melhor roupinha e cuidamos da linguagem, enquanto a visita decorre. Mas, há muitos anos que ultrapassamos a tradição e o casual surge como a melhor forma de estarmos juntos.
Muita saudade, muito amor e a certeza de que não carecia de que, realmente, tenho muita sorte da família que tenho – todos com as nossas virtudes e defeitos mas sempre prontos a corrigir tudo e todos, por entre gargalhadas e o amor que nos une.
Obrigado madrinha, é sempre indescritível o sentimento com que daí saio.
Singela homenagem a um casal maravilhoso com um neto impecável (apesar de sportinguista). – 21/2/2024
A distância, essa meretriz que tantas manifestações de afecto reduz, era substancial e o grau de desconhecimento – enorme – era apenas mais uma desculpa para te manteres afastado, amorosamente cobarde. Havia uma enorme cumplicidade de gostos – alguns manifestados por mensagens, sem outro nexo que não fosse o simples “paquerar” – provocar (alguém) amorosamente, demonstrar interesse amoroso por – de acordo com a definição brasileira da palavra ou, de uma maneira mais portuguesa – o mostrar interesse em.
A distância reduziu-se mas a ousadia manteve-se – entre o ousado e o auto renegado – num tabuleiro imaginário em que não fazes a mínima ideia de qual a “jogada” do adversário. Verdade seja dita: havia algumas jogadas que conseguias visualizar e, numa antecipação típica de grande mestre de xadrez (que nunca jogaste), corrias (num sentido figurado pois o que adoras é andar, vaguear sem destino) na direção oposta. Numa analogia em que, figurativamente, te apetecia fazer festinhas, acariciar, conversar sem que horários houvesse e, na realidade, estivesses no extremo oposto a ler, nas margens de uma qualquer ria, rodeado de desconhecidos.
Armado em aprendiz de prisioneiro de imagens, esquecendo metade do material, caminhas com uma ideia na cabeça – como se fosse uma melga que quisesses que te picasse. Obrigas-te a parar, num pedaço de relva protegido do sol, sacas do antídoto da mochila e mergulhas a mente na leitura. Sorris, enquanto o cérebro vagueia ao sabor do mestre Gabriel García Márquez, para apenas constatar que, inevitavelmente, quem viaja contigo é ela…
Entre a obrigação e o querer vão sentimentos distintos. A obrigação é o correspondente ao “picar o ponto” – algo rotineiro, insosso, com presença mas sem algo que o poderia transformar em querer. Uma obrigação que não é natural, espontânea, real – uma espécie de reunião de actores e actrizes que seguem um guião desprovido de realidade, interesse, emoção – face a uma audiência que, provida de alguma cultura e mundo, desfaz a peça que perante si se desenrola – como um profissional de poker, a enfrentar um qualquer macho-alfa, desprovido da realidade e assente numa confiança total nos seus dotes de actor amador – tal a distopia que alimenta os seus egos (sim, no plural).
Rever primos, num ambiente tão simples e rotineiro como outrora, é um recuar no tempo. Um tempo que te traz a confirmação de que, felizmente, o tempo e o dinheiro – bem como toda a evolução familiar, de então até ao reencontro, não afecta minimamente os que são bem formados. O background familiar – pedra basilar a partir da qual se espera que progridamos – impede todo e qualquer retrocesso e dei por mim a ser mimado de vários ângulos. O bife foi encomendado por um, a água foi-me servida por outro, o diálogo fluiu como se aquela fosse a nossa rotina.
Muito embora a refeição fosse o que eu havia sonhado – demasiadas vezes numa Grécia que não se pauta pelo consumo de carne de vaca, devo confessar que a companhia é o condimento fundamental para que o miocárdio grite de alegria pela felicidade que sente. As tostinhas escondidas pelo bife, as batatas fritas redondas e fininhas, o cantinho de arroz branco e o esparregado, com o verde de esperança, foram o orgasmo gastronómico com que a minha imaginação me vinha torturando. Estamos mais velhos, com a mesma boa disposição face às adversidades, os abraços são iguais e a disponibilidade é total, de uns para os outros.
Posso não ter a família ideal mas devo confessar que estamos muito perto de o ser – com as nossas virtudes e defeitos, com a nossa solidariedade e compaixão. Foi um excelente almoço!
Ao contrário das pessoas, incapazes de uma mudança que afecte o status quo, os locais trazem-nos um resumo de todas as vicissitudes – sobretudo sendo nortenhas.
– Esqueci-me da pasta, com testes por corrigir, em São Bento…(diz uma utente do metro)
– Tem dinheiro?, pergunta o meu vizinho de viagem.
– Não, só os testes por corrigir…
– Então não se preocupe que vão lá estar. No Porto ninguém corrige testes de borla…
Tinha saudades da empatia nortenha!!!! 💪💙
Percorri demasiados quilómetros, com o sorriso parvo e ritmo de sempre. Troquei a Acrópole pela Rua de Trinta e Um de Janeiro e, muito embora não a tenha subido, prestei-lhe a devida homenagem. Visitei ruas que já foram parte do meu dia-a-dia e conheci pessoas maravilhosamente belas – não só no profissionalismo mas também na arte de bem servir o cliente.
Confirmei o que não queria confirmar e apreciei um belo prego no prato, visitei o “meu” emblemático Tamisa e os meus ouvidos viram restituído o sentido apurado para o bom humor portuense. Senti um valente vibrar, ao passar no Pérola Negra, mas deve ter sido um espasmo da imaginação – pois a referida casa estava fechada. Andei na rua, em cima de paralelos, para sentir o chão da Invicta e ouvi a retórica dos transeuntes – num sorver de saudade imaginativa que se transformou em realidade.
Não passei muito tempo na cidade – a Baixa parece um estaleiro a céu aberto – mas senti um sentimento de justiça – por finalmente haver dinheiro para a obra. Não disse um único palavrão mas escutei imensos, não chorei de saudade mas, a ter acontecido, jamais o revelaria.
De pernas cansadas e ao alto, só me apetece exclamar, bem alto, “é uma cidade que tenho em mim entranhada!” mas, fruto do lado racional, limitei-me a apreciar – com um olhar mais voraz do que qualquer turista – todos os detalhes da cidade que, a mim, fortalece o coração (incrível como o racional se dilui num belo emocional).
Agradas-me Invicta, todos os dias! Obrigado pelo homicídio de saudade que hoje me concedeste. Bem haja.
Que se sofre por antecipação, que se torna uma realidade permanente, no teu sonho. O corpo e mente totalmente projectados no futuro, apenas e só porque a vista pretende enxergar o que sempre consideraste como “a tua terra”.
A família faz questão de estar presente e, o “convidado”, sente um calor imenso que já quase não reconhecia – por falta de prática, por falta de visão ou, como interiormente ele pulsava e uma voz associada lhe dizia “por falta da presença efectiva e próxima.”
Fazia um esforço enorme por conter manifestações de júbilo que, eventualmente, poderiam revelar e desnudar todos os sentimentos internos. Engolia em seco, como forma de agradecer a todos os que estavam presentes.
Vertia lágrimas de felicidade, derramadas internamente, sem deixar transparecer o atentado ao pudor que poderiam constituir – caso o secretismo fosse descoberto. O sorriso – sobejamente revelador – mostrava o quanto cada um dos presentes o tocava, sentimentalmente.
Por um longo momento, o humilde narrador pareceu ter uma “Out-of-body experience” e, observando todo o cenário a uma distância imaginária e próxima, exclamou “É deveras reconfortante estar em casa.” E, de volta ao mundo real, sorriu, para todos os presentes que, um por um, lhe foram retribuindo o carinho.
De Atenas a Espinho, por um caminho de carinho. – 9/1/2024
Todos temos algo ou alguém que nos inspira, pela manhã, num cocktail semântico, que nos coloca no degrau mais alto de um pódio imaginário. Uns é o Jota, outros ouvem vozes, alguns possuem animais de estimação inusitados…eu tenho a companhia do Senhor Nash.
Aquando da mudança de apartamento, no dia 7 de Janeiro deste ano, e depois de uma semana a viver no enclave de Omonia, descobri que, sempre que usava o duche, se me juntava um irritante mosquito – mosquitinho, dada a pequenez do voador, apenas e só para marcar território.
Conforme o tempo foi decorrendo, e porque ele se tornou uma presença muito assídua e pontual, apelidei-o de Senhor Nash – por mais vezes que eu tentasse o homicídio qualificado do dito, com um belo de um jacto de água quente, ele voltava sempre, no duche seguinte.
Questionei-me se poderia existir o mais asseado dos mosquitos, e se o Senhor Nash seria o único exemplar. Ele usufruía de toda a minha parafernália de produtos de banho, era vítima de uma tentativa de homicídio voluntário (obviamente com dolo), e regressava sempre com o que me começou a parecer um sorriso.
Convivo com o Highlander dos mosquitos e ele nem sequer se digna partilhar a renda…temo que um dia ele grite “There can be only one!”
O dia de trabalho passou sem que desses por isso e o duche frio disciplinou a moleirinha de volta ao mundo terrestre. A tosta mista na esplanada, de perna suada alçada, a Coca-Cola como refrigerante obrigatório, a água que fugiu num trago.
Música de fundo, ligeira quanto a brisa, duas beldades na mesa do lado, uma trinca como início das hostilidades; na tosta, entenda-se! O Sultans of swing salta nas colunas, conduzindo a uma reflexão pelos muitos momentos em que escutaste a música.
Recordas a frase cómica que ontem, antes do concerto, ouviste um ilustre desconhecido americano proferir “who the fuck wants to see an 80’s rock band playing in an Ancient Greek theater?”…descobri depois que era um dos teclistas do grupo! 😂👌
De sorriso em sorriso, sem roubar sorrisos alheios. Saltando de dia para dia, sem sucumbir ao calor. Sempre munido de uma garrafa de água, mantendo o esbelto corpo hidratado. Eu devia ter nascido grego e ter navegado…
A golden hour a cair, as luzes dos carros pressentem-se agora – apesar de sempre terem estado lá, pessoas que correm entre outras que, muito calmamente, observam as montras – o caos ordeiro, tanto no passeio como na estrada. Ao longe, os peões que correm na passadeira – enquanto se benzem – face a uma igreja com que se deparam.
As cores desbotadas – que se fixam perfeitamente, assim que colocas os óculos, uma brisa de 9 Km/h que a app de meteorologia afirma tornar os 30 em 31. As laranjeiras que dão a frescura a toda uma cidade, as pessoas que a animam, os animais que a habitam – com mais direitos adquiridos que muitos humanos, as luzes das farmácias que se acendem para uma eventual emergência. As famílias com o passo descoordenado, conforme o filho por que são responsáveis.
O calor chegou, e trouxe com ele a habitual adaptação da indumentária, o que – dado que estamos na Grécia – equivale a um desfile de monumentos históricos (porque imediatamente te ocorre ser um ombro amigo e ouvir todas as histórias, obedientemente), em trajes minimalistas, qual tela branca, por pintar, que clama por ser coberta por uma pluralidade de cores. Não nasci pintor, e não tenho a mínima veia para a arte, mas sei apreciar!
Imaginem um cérebro que, tirando proveito da rotina do caminho para o emprego, aproveita para deambular e apreciar “as bistas”, como se diz na minha terra. Equiparem a imagem dessa rotina à mais bela obra de arte que o vosso coração guarda e, mesmo assim, talvez não estejamos, ambos, sincronizados. Curioso, como o gosto por arte pode ser diversificado: o que é que nos conquista na arte? Porque não discutimos com ela mas sobre ela? Talvez seja precisamente esse facto que a torna tão bela…
As caras envergonhadas, as gatas assanhadas, os decotes suados, as saias que são curtas pela anca – mas que elas teimam em puxar para baixo. Os saloios e os olhares fotográficos, os encontrões do metro, o acaso da conversa, a coincidência de irmos ao mesmo concerto, a ousadia do trocar contactos, a notificação dos familiares mais próximos…
Por entre uma corrida, “contra” o caótico trânsito Ateniense – agravado pelo facto de ser sexta-feira e uma maioria se deslocar até a uma qualquer ilha ou local de nascimento – eis o vosso humilde narrador a chegar atrasado ao início do desafio. Sim, havíamos sido desafiados e, como povo conquistador que somos, fomos, vimos e conquistamos! Não uma repetição da reconquista errónea de outrora, mas tão só e apenas uma celebração que temos como habitual, no nosso calendário desportivo.
Ouvir os comentadores desportivos a usar “massacre”, “banho de bola”, “domínio avassalador”, “uma ocasião de golo em 90 minutos”, “não foi o habitual porque o Futebol Clube do Porto não deixou” deixou-me com a habitual lágrima de emoção Portista. Belisquei-me, era mesmo na SIC.
Coisas que brotam nos primeiros anos (apesar de viver em frente ao estádio de umas designadas Panteras), as recordações de uma coleção de caixas de fósforos com Campeões Nacionais como o Gabriel, Fonseca, Freitas, Murça, Rodolfo, António Oliveira…a praça Velasquez cheia de carros abandonados (a prioridade era o jogo), a varanda de onde se via a arquibancada, o sair de casa a implicar pegar em carros – num esforço bem coordenado sob a voz de “1, 2, para o lado). Subir ao primeiro andar do 147 implicava um refúgio sempre seguro! Ponto de encontro obrigatório, seguido do fino no café Velasquez e a partida para o estádio – tudo é mágico, quando se fala de recordações de infância. Vi o Futebol Clube do Porto vencer, debaixo de todos os climas imagináveis, com vários cenários de lágrimas de alegria a tomarem a dianteira, vivi algumas amarguras – em que questionamos a nossa existência face a um empate ou, livre-nos o Papa Jorge Nuno, uma derrota. Cresci numa família Portista, ao vivo vi-os ganhar em três ocasiões, várias vezes questionei o cardiologista quanto à cor do sangue que em mim pulsava.
Entrei em casa, com o jogo a decorrer, e constatei que já fechávamos muito bem (sou apologista do fazer crescer uma equipa da defesa para o ataque). Instalei-me no sofá e assisti a um massacre em que só faltou a bolinha encarnada, no canto superior direito do ecrã! É verdade que extravasei a minha alegria, numa Atenas que deve ter-me julgado como terrorista que merecia ser escutado (não fosse eu começar a gritar por deuses, aos quais normalmente se segue uma explosão – são um povo atento). Ninguém deve ter percebido os gritos, o vocabulário profundo, as lágrimas de alegria que faziam ruído…
A sexta-feira, por falta de planeamento ou insónias (selecionar o que preferir), fugiu a uma rotina que existe – porque foi outrora delineada – mas que jamais teve existência prática. Há vários alarmes: 7, 7:30, 8, 8:15, com diferentes títulos: água quente, mexe-te, põe-te a andar, last call motherfucker – para um verdadeiro grito que me empurre para os transportes públicos.
Cheguei cedo demais ao autocarro e, daqui até Fix, viajei sozinho, no canto esquerdo do autocarro (em cima do motor, o assento mais quente do autocarro – não só pela minha presença…). Após Fix fiquei com um mastodonte do lado direito e o autocarro cheio. Arrancamos, não se esqueçam que a porta é o local de eleição para o utente grego, independentemente da paragem em que vão sair (obviamente um “case study” que a comunidade cientifica deveria investigar), e uma senhora, entre outros, resolveu validar o bilhete. Encostou o papel plastificado na máquina de validação e ouviu-se um som semelhante a um traque. Olhou para os que a rodeavam e eu sorria, porque ainda recordava o som engraçado da máquina ao não aceitar o bilhete. Passado uns minutos, testou novamente o bilhete e um novo traque surgiu (as probabilidades de aparecer um fiscal são baixas, mas acontece). A viagem prosseguiu tranquilamente até ao destino.
Há uma caminhada, de cerca de dez minutos, que separam a paragem de autocarro e a empresa. Um exercício físico diário a que me obrigo, saindo na paragem “antiga” quando existem paragens mais próximas.
O supermercado fica no meu caminho e, pedido o café no balcão do lado direito da entrada, sigo para o croissant quente, que fica já dentro do supermercado mas pode ser pago na caixa da cafeteria.
Foi ao voltar, com o croissant e aguardando o café pronto, que reparei que ela estava agora no primeiro lugar da caixa (a opção era ser segundo). Olhei-a, ela olhou-me e eu tomei a segunda posição como o meu novo lugar na fila. Abanava um saco plástico transparente que deixava ver o vapor de um croissant que almejava ser trincado.
Ela olhou-me novamente, do contacto visual aos olhos dela a percorrerem o meu corpo e, ao nível da anca, a pararem. Assim que me apercebi dos olhos esfomeados dela, tomei a única decisão sensata que qualquer homem na minha posição tomaria: escondi o croissant atrás de mim. Sorrimos, com os olhos ainda colados, e não ouvimos a senhora do café a perguntar o que queríamos. Fui indigno da minha educação “nos melhores colégios suíços” e respondi “freddo expresso sketo” e, apercebendo-me da minha indelicadeza, expliquei por gestos que ela era , de facto, a primeira da fila. Ela agradeceu-me com um olhar perdoador, eu anui a que ela fosse buscar croissants sem perder o lugar na fila.
Despedimo-nos, de uma forma pouco convencional para quem acaba de se conhecer, com o encontro marcado para um outro pequeno-almoço no futuro.
Deambulava pela rua, com o queixo demasiado levantado e os olhos num constante varrimento do que o rodeava, alheado na sua rotina de tudo ver – detendo-se, se a necessidade de ver melhor o detivesse – ou armado em hiker profissional, caso a vista já estivesse em memória – admitindo algumas paragens, para a actualição e substituição do backup anterior.
O calçado era limitado a três pares de sapatilhas – mesma marca, mesmo modelo, cores diferentes e um par de botas – mais cobertos de pó de falta de uso do que propriamente as solas gastas, de tanto uso. As meias eram todas pretas, num último suspiro anarquista, e as “coquilhas”, um objecto privado só ao alcance da urologista e de algumas, agora ilustres, beldades femininas não podem aqui ser expostos, sob pena de um atentado ao pudor cibernético (desconfio que não haveria “largura de banda 😂😂😂)!
O corpo, objecto de um estudo científico que decorre desde o dia da chegada, ganha uma dimensão que desperta a obrigatoriedade mental de andar, muito, galgar, ser “cavalar” na conquista de quilómetros, debaixo das solas. Com o espírito de um comandante de avião só quer acumular quilómetros de voo, tal a visualização mental que faz no aquecimento. Sorri, enquanto uma laranja cai sobre um tejadilho “mole” e o som sai com um tom cómico.
Perguntam-lhe como é que consegue viver despreocupado assim e ele, sem que a pergunta acabe, já está a responder “como é que consegues viver preocupada assim?!” Sorriram e observaram o espaço que os rodeava e, terminado o exercício, foram juntos em direção ao pôr-do-sol, que distava uns quilómetros valentes do local onde se encontravam.
Nunca acreditei no sobrenatural mas, depois de ter visto a beldade grega a subir para o autocarro, confesso que há algo endeusado nela. Enquanto aguardamos para virar para Sigrou, consigo um olhar de soslaio, por cima do oligofrénico que se sentou à minha esquerda.
É alta, calça um número grande (provavelmente para suster toda aquela beleza), tem um sorriso discreto que, muito provavelmente, até um cego faz sorrir. O inevitável cabelo encaracolado, uns olhos profundos, de um azul capaz de se confundir (novatos talvez) com a mais bela imagem do mar Mediterrâneo! O ruivo despenteado, enrolada num casaco perfeito para o dia de hoje – de um verde de esperança que reforça toda a convicção na raça humana!
Esperança!, grita a voz humorística da tua mente. Respondes com um “enquanto há vida!”, e sorris – perante o olhar alucinado do gajo que está ao teu lado! Apetece-te cochichar ao ouvido do gajo e, com um tom de Charles Manson, dizeres “You picked the wrong day to seat by my side!”, assim, enigmático mas com um desejo profundo que a paragem dele chegue!
Ela, entretanto, sorve mais um pouco do freddo expresso e o sorriso natural dela parece derreter o gelo do café – tornando-o ainda mais saboroso. A segurança envergonhada da beleza que possui é directamente proporcional à beleza que efectivamente magnetiza quem a pode apreciar! Se fosse de gesso certamente estaria num museu mas, tratando-se de um ser humano, está apenas sorridente, divertida e a pensar em toda a beleza que uma sexta-feira pode conter!
Ela já se apercebeu que as travagens do autocarro são por mim aproveitadas e, tirando partido do embalo, aproveito para arriscar o torcicolo, olhando para a esquerda! Curioso como, visto por quem não conhece o contexto, a cena pode ser hilariante: autocarro trava, a inércia actua e olhamos um para o outro.
Começa cedo, por volta das 6 da manhã, num misto de palpação e preguiça – palpação do estómago e a natural preguiça de quem não tem grande força. A falta de força teve origem numa intoxicação alimentar, após o que eu pensava ser um delicioso bife de vaca (na altura soube muito bem), seguido de um tsunami de emoções, em que o vosso humilde narrador se viu confinado ao quarto de hotel (daqueles de 20 euros por noite, tão típico de quem procura casa e está “entre tectos”).
A palpação advém do facto de todos nós conhecermos o nosso corpo suficientemente bem para sabermos onde tocar, antes de tentar emborcar algo. Obviamente é um conhecimento fútil, descobri eu, por entre coloridos arco-íris de bílis (a agonia de padecer de uma enfermidade que, para além do desconforto corporal, ainda proporciona cores tão pouco bem sucedidas) – aquele aparte desportivo fundamental para aborrecer o lagarto mais paciente.😬
Com a preciosa colaboração de uma funcionária do café, consegui ingerir um latte e duas torradas (branquinhas), com um muito ligeiro toque de manteiga. Uma hora de check-up continuo, muito perto do “trono”, e eis o vosso humilde narrador pronto para a aventura diária que é viver neste maravilhoso país. Investido de um novo vigor, percorre a distância entre o hotel e Monastiraki, sem ressentimentos, relembrando os locais por onde passa e a associação dos amigos que recordo ter recebido em Atenas.
Monastiraki recebe-me com um misto de sonoros batuques, o ruído das mangueiras – que limpam as provas de vida da noite anterior, o cheiro a eucalipto e alguns zombies que ainda procuram a direção certa. Já que chegamos aqui, e porque o Atlantikus ainda está fechado, arrisco caminhar até Thissio (como ir de São Bento até à baixa do Porto, sem a inclinação da rua da fábrica!) Constato que estou bem, sinto-me bem e quero um café! Erro crasso ou um risco necessário? Foi uma prova dos nove, antes de atravessar a cidade! Passei…
Metro de Thissio para Kallithea e há que trabalhar: sexta-feira foi feriado (cenas fictícias ortodoxas) e não consegui mais do que contactar alguns apartamentos para alugar (o processo de alugar uma casa é algo absolutamente surreal – também o foi na República da Irlanda (Eire) e já sabia ao que vinha – tirar fotografias de potenciais alugueres e retomar o contacto na segunda-feira). Antes da parte aborrecida, resolvi antecipar a parte divertida – aferir a minha acuidade visual e comprar uma armação para suster as lentes. Descubro uma optometrista grega, de inglês duvidável, cujo marido complementa o inglês não entendido com o italiano de nascença. Por entre inglês, italiano e grego eis que atingimos a graduação necessária e, como sou alguém que “ama fazer compras”, demoro 5 minutos a escolher a armação. Estão prontos na terça-feira pelo que, agora, só tenho que evitar sentar-me em cima deles (com um corpo tão esbelto 😂, ainda hoje duvido que tenha sido o meu peso a parti-los 🙄 😉 🤥).
Parto, na procura de anúncios para fotografar (na Grécia, os alugueres são anunciados nas portas dos prédios, usando para o efeito uns autocolantes amarelos – de tamanho único – impossíveis de não serem notados) e, após fotografar um deles – e tentar o contacto telefónico, perguntei ao senhor da loja ao lado se ele poderia traduzir. Não só o fez (era um espaço comercial) como também me disse: tire uma fotografia dessa placa (que, para mim, não passava de uma placa com caracteres gregos) porque esse senhor é de uma imobiliária, que fica aqui em cima. Tirei a fotografia, liguei e lá me apareceu o homem, na sua Suzuki 125 (até hoje confiei em poucas pessoas para andar de moto – o António Pedro que me ensinou, o Chico, que me levou do liceu a casa e de volta ao liceu, em tempo recorde, e o meu irmão que, como andava a estudar ortopedia, era de confiança 😂). Montamos, vi motos de frente, andamos em sentido contrário, fizemos mudanças de sentido pela passadeira que serve de separador central, chegamos!
É um rés do chão, que aqui são alteados porque há sub-caves, tem o quarto desejado, uma sala, WC e cozinha. Está sujo (tirando Airbnb é a norma) pelo que vai requerer um esforço adicional. Voltamos ao escritório, por entre carros, passeios, pessoas e, após uma troca monetária, recebo as chaves. A alegria é tal que corri para o hotel (de metro), peguei nas cenas todas e trouxe para aqui – estava ávido por poder responder “estou em casa”! A primeira limpeza está feita, o quarto está como novo, a casa tem agora um cheiro agradável. As aventuras posteriores nada mais são do que a intimidade da casa.
Há dias em que tudo, absolutamente tudo, corre bem – 7/1/2023
Não tinha nada para ser especial ou diferente de uma normal ligação do ponto A ao ponto B. É verdade que levantamos voo com cerca de trinta minutos de atraso, o que nos concedeu tempo suficiente para nos conhecermos. Marialena, Henrique…how are you? e o questionário habitual de sondagem de opinião.
Nem o facto de já só haver menu vegetariano afastou o vosso humilde narrador da conversa. Moramos em cidades separadas, temos gostos muito semelhantes e a linha de pensamento muito alinhada, numa espécie de acorde perfeito que enfeitiça ambos os envolvidos. De mão dada, por causa da turbulência e não com qualquer conotação amorosa (pelo menos admitida pelos envolvidos), decidimos ser amigos e, sem que qualquer troca de contactos tenha ocorrido, despedimo-nos com um “até um dia destes”, tendo ela acrescentado: estou certa que acontecerá!
Curioso como uma novidade pode começar com um “this shithole?” mútuo. Agora vou ter que ir a Thessaloniki, numa aposta cega num encontro inesperado. Haja loucura e tempo para nos divertirmos com ela. Cheers!
O voo de ida foi uma batalha para obter mas, após aquela pesquisa profunda, entre todas as apps possíveis e imaginárias, eis o vosso humilde narrador a conseguir sacar um bilhete a bom preço (obviamente o voo de volta não era só até Atenas, já que segue amanhã para Istambul, mas eu já não irei nele…usufruindo de um bilhete de volta de 91 euros)! 😉😬
O objectivo era dar dois abraços mas, mercê das circunstâncias, acabei por trocar abraços com quase todas as duas famílias que a mim se reuniram. O dia de chegada como celebração e, no segundo dia, a continuação da exploração da cidade – 43 quilómetros em dois dias! 👌 Sem quaisquer bolhas visíveis, após análise cuidada, já em Atenas.
Um paraíso de bom gosto, com a sua dose equilibrada de parolices típicas do ambiente, construção divinal – numa peça harmoniosa em que todas as partes integrantes nos fazem sorrir, de satisfação – pela bela maneira como encaixam e aumentam o volume de construção, como se de uma tela se tratasse. Uma harmonia quase divina, na fluidez do trânsito de bicicletas, aqui e ali interrompidas por discussões em que ambos partilham as culpas – traços de personalidade civilizada. 😍
Não só eles souberam conquistar terra ao mar como também o fizeram com muito bom gosto. 👍 A voltar, muito em breve!!! 🔜
Foi uma promessa secreta, ou com o pretensiosismo de o ser. Uma jura solitária, profunda, com o valor de honra, caso pretendam obter uma escala de valores. Um pacto de tal maneira sólido que não haviam ainda inventado um antídoto para a sua solidez.
Assim que o combinado e acordado foi colocado em prática eis que os resultados imediatamente começaram a surgir – como se o escondido pudesse ser mais forte por simplesmente ignorar a nossa presença ou, melhor ainda, tendo a certeza da nossa ausência.
Há a certeza de uma melhor saúde, menor emoção mas muito mais serenidade, no global, daquilo que é a vida em sociedade. É verdade que nunca deixo de espreitar o desenvolvimento, sempre após o acontecimento mais próximo, mas com um carácter meramente informativo, onde quase diria: não existe emoção.
Os dias passam, acontecimentos são superados com enorme elevação e distinção, acabas por ser informado sem que tenhas feito um esforço para isso. Sentes um enorme orgulho interior, que guardas para ti – num exercício de inveja. Aplaudes, enquanto sozinho e sem testemunhas, e continuas a cumprir.
Assim são os dias de jogo do Futebol Clube do Porto…💙
Cachecol da final da Taça UEFA * 21 de Maio de 2003 * (Futebol Clube do Porto 3 – Celtic Glasgow 2)
Em Evia, de pés ao alto sobre o varão da varanda, de olhar perdido na beleza do horizonte. Vinte e nove horas e meia a guiar, de queixo caído na maioria dos trajectos, de corpo salgado na totalidade das paragens – tão belas e recompensadoras as previstas e as imprevistas.
Vi inúmeros tons diferentes de água, conforme a luz nela incide, abrandei a velocidade para deixar passar ursos (quando, na vida real, devemos sempre acelerar, bem sei), ajudei um cágado a atravessar a estrada, andei misturado com o povo numa típica excursão à praia.
Saltei do topo de um barco para o “azul profundo”, com os seus vinte e sete graus de temperatura e tão transparente quanto a água da piscina. Arrisquei ficar sem gasolina, encontrei desconhecidos que já não o são. Conheci o sempre imprevisível carácter Grego, almocei com os donos de uma taverna.
Nadei como se fosse um puto e talvez tenha sido esse puto o que fez tudo isto – com um sorriso aberto, lágrimas de satisfação e alegria, um coração que parece expandir, após o inspirar obrigatório de quem suspira enquanto escreve o que se passou com uma vontade enorme de voltar a repetir, com mais tempo em cada etapa.
Até podia ser o nome de uma nova série a estrear mas foi apenas uma conjugação de eventos felizes. O voo de ida já estava marcado, check in feito e essas burocracias todas despachadas! Era a hora de fazer a mala!
Coloquei todo o meu ar minimalista e, aspirando demonstrar ser um sábio dessas coisas, lá coloquei o básico necessário e duas peças de reserva, não fosse o Diabo tecê-las…o Diabo não teceu, o conjunto idealizado era O perfeito!
Chegada a Lisboa numa madrugada sem comboios nem autocarros…uma busca rápida por um hotel e, já alojado, uma Super Bock! Aquela lágrima de saudosismo, orgulhosamente derramada, a conscientização de que…sim…há mais! A mente perde-se por campos de cevada sem fim, o líquido fresco escorre pela garganta, o humilde narrador exclama um Ahh, curto na duração mas infinito de emoção!
Viagem até ao Porto num comboio cheio (sexta-feira), a francesinha comida no local de eleição, a casa (onde vou ficar hospedado encontrada). Umas pequenas compras, regresso a casa para desfrutar de um bom banho e uma cerveja – enquanto observo os aviões. Adormeço.
Acordo com o aviso que a hora do casamento está próxima e, já fardado a rigor, chegamos a uma belíssima capela, em cima do mar. A beleza da paisagem a complementar a espiritualidade da capela, os noivos que chegam e casam, os convidados que não pararam de chegar. Da beleza da capela e dos noivos para o local da cerimónia que, soberbamente localizado, nos recebe de copo fresco de Caipirosca…
O copo de água decorreu maravilhosamente e, tendo sido desafiado, concordei ir ao Jamor (é óbvio que não fui torturado e disse que sim, assim que sugerido). O ponto de encontro foi em Pinheiro Manso e, rodeado por quatro maravilhosos Portistas, fizemos uma viagem divertida e rápida, segura e bem sustentada, por um manjar digno de um grupo como o nosso!
Limpamos a Taça de Portugal e, findo o jogo, fiquei no Humberto Delgado. Recebi os noivos no aeroporto, voamos até Atenas e eu…vim para casa! Cansado, feliz e a pé…desde Syntagma!
As melhores 72 horas da minha vida!
Futebol Clube do Porto vence a Taça de Portugal 2022.
Sentado numa taverna, onde acidentalmente vim parar no primeiro dia, vou relembrando o que já passou.
O primeiro passeio exploratório, sempre feito sem mapa para propositadamente me perder, terminou aqui. Seriam umas 18 horas e, após virar à esquerda (contra a indicação do GPS que indicava o caminho em frente como sendo o correcto), parei porque o empregado se atravessou na estrada e exclamou “Look no further, this is the spot!”
Não conhecendo as certezas dos outros, fiz o obséquio de obedecer e, após largar o carro no meio da rua (“está perfeitamente estacionado”, disse o empregado, enquanto me abria a porta para eu sair), dei por mim num ambiente tipicamente Grego: comida, amena cavaqueira e bebida.
Um freddo expresso sem açúcar, uma garrafa de água, e eis o vosso humilde narrador alegremente a observar o que o rodeia, os cheiros que chegam do grelhador, a moussaka que passa, os copos que voltam a ser enchidos – numa coreografia genial cujo único propósito é a boa disposição!
Esta ilha é muito bonita e uma só visita fica aquém de tudo o que certamente não vi (há muitos lugares acessíveis só por caminhos de cabras, que obrigam ao aluguer de um 4×4), outros que tive a felicidade de encontrar e outros que só um diálogo profundo com os locais permite encontrar (mesmo que interrompam o domingo de Páscoa para levar o turista a locais que são um exclusivo Grego).
O sentimento, antes do regresso a Atenas, é sempre o mesmo: uma felicidade imensa por ter colecionado mais uma ilha ao mesmo tempo que uma estranha angústia nos questiona: porque não ficas? Sim, para sempre!
O coração cheio de felicidade por tudo o que os olhinhos viram, os aromas que o nariz cheirou, o que pudeste tocar, o que pudeste saborear, os inúmeros pássaros que escutaste – mesmo durante o desafio de Páscoa (que consiste no lançamento de petardos, entre as 11 e as 12, de maneira a aferir qual a aldeia que produz mais ruído…),
Há algo de profundamente recompensador em cada uma destas ilhas – talvez o reconhecimento de que há sempre mais para aprender – num exercício de conhecimento que não queremos que termine nunca….pelo simples estímulo de satisfação que produz.
Rodeado de água por todos os lados, num exercício de solidão autoinfligido, abastecido com o mínimo necessário, percorro o caminho dos comuns enquanto, pelo canto do olho, vou procurando um canto tranquilo para ler, junto ao mar, com café gelado e água. “Não tem de ser obrigatoriamente um canto”, dou por mim a pensar, um sítio minimamente agradável onde possa largar a mochila, abrir o livro e, com a paisagem visível pelo canto do olho, desfrutar de toda a atmosfera criada.
Sorrio, ao pensar no porquê do canto do parágrafo anterior, enquanto largo tudo num sítio bem protegido do vento, de frente para o sol e com o Porto visível. Não é o melhor sítio do mundo – não possui nenhuma das comodidades a que estamos habituados e, visto ao longe, poderá haver quem, tal como eu, consiga ver um oásis de paz só superada pela Fortaleza da Solidão que, como todos sabemos, não passa de ficção. Assim, e ciente de que a realidade que tenho é perfeita para a leitura, sento-me, de pés virados para o mar e com as costas almofadadas por uma duna, num conforto de total imersão na natureza, enquanto à tona, posso agora submergir no livro.
A transferência de lugar dá-se quando o vento resolve mostrar toda a sua força e, como uma folha que ondula por entre brisas cruzadas, o humilde narrador está agora a ler numa esplanada, em frente ao Porto, enquanto saboreia uma Heineken (a primeira de 2022). O anfitrião puxa pela conversa e pergunta o que faço ali (há sempre uma pergunta existencialista na calha de curiosidade de cada um de nós mas os Gregos são mais tenazes na forma como questionam). Respondo que busco a paz de uma esplanada, o devaneio de um bom livro e a hidratação de uma cerveja. Ele olha-me, do cabelo aos pés, e exclama “The Greek way” e eu, com um gesto afirmativo com a cabeça, concordei com ele.
Devaneios de uma tarde de total ausência de esforço – 26/3/2022
Não sei se é um acto de autoflagelação ou apenas diferentes manifestações de força: se por um lado a neve destruiu grande parte das árvores fracas da rua, por outro ei-las que brotam com o dobro da força, no mínimo, que eu não sou gajo para ir lá medir…a olho, carecendo de certificação científica, vá…
Onde jaziam tocos do que outrora haviam sido árvores, olhando sem esforço, vemos agora um vigoroso tronco bébé que, claramente, não precisa de cuidados maternos. – Tens um futuro brilhante, trocamos hoje impressões. Infelizmente, talvez fruto da idade, não obtive resposta mas, o que a vista deslumbrava, era prova suficiente!
Numa fase em que não há nada palpável mas, consultando a cloud, está lá tudo – palpável, com sentimento, com o sorriso envergonhado que tanto aprecio, com os silêncios que dizem mais verdades do que qualquer Bíblia que se queira interpor no nosso caminho.
Clicando no rato consigo obter todos os detalhes de um dado ficheiro mas, a natureza humana não se deixa subjugar por um rato, independentemente do modo como conduzimos a seta na direção que pretendemos clicar. Assim, é necessário compilar todo um conjunto de instruções, cuidadosamente programadas, de maneira a extrairmos essa informação, do modo menos automatizado do mundo – porque lidamos com a natureza humana, usamos a computação como meio para, por tentativa e erro, tentarmos definir a direção aconselhada que, misturada com sentimentos frescos do miocárdio, resultam numa forma quase infalível de amar.
O cérebro tem, constantemente, uma imagem dela em memória, como uma ROM que permanentemente o desperta para um suspiro que mais não é do que um catalisador para a frequência com que pensa no assunto! Ou não será sequer racional, devaneia sem pensar! Talvez tenha existido uma primavera árabe dentro de si e ele não houvesse escutado os gritos de celebração, talvez se tivesse rendido a um sentir diferente que mais não é do que a ansiedade normal de quem aguarda o abraço seguinte…
Num raro momento em que a cabeça consegue pensar eis que tenta expirar uns ares de macho latino, numa vã filosofia de vida, que termina com mais um suspiro, este já com um misto de mal estar entre o cérebro e o miocárdio (um diálogo entre tecidos esponjosos)! E, tal como uma esponja que sorve a água do corpo, ambos tinham consciência do quão arrojados estavam a ser, tendo em conta o terreno que, ainda não haviam pisado, e já estavam apaixonados!
É bom tropeçar no desconhecido! Sobretudo quando o sentimento de partilha de ambos está perfeitamente alinhado!
A promessa havia sido feita, perante si mesmo, de que tal não voltaria a acontecer! A insensibilidade iria ser a poção mágica, que o livraria do efeito da magia negra, que fingia sentir padecer. Havíamos ultrapassado a fase do fingimento, dada a forma como havíamos sido atingidos, e o despudor da conversa só era mantido porque somos produtos de famílias, que dispensaram o seu tempo e dinheiro, na nossa evolução como seres humanos socialmente integrados!
Já não eram calafrios mas sim todo um corpo humano que cedia, já eram bandos de pássaros que o acompanhavam, com escoltas das mais belas borboletas que a natureza é capaz de gerar. Havia uma falta de apetite que, logo depois, era contrastada por um apetite insaciável que o obrigava a respirar fundo – muito rapidamente, para não deixar o cérebro pensar e deixar apenas o coração fluir. A pulsação era mentalmente medida, no único esforço para o qual o músculo era solicitado, de forma a manter todo o restante conjunto livre para desfrutar.
Sem palavras e com imensos silêncios nas respostas, com voyeurismo cibernético a acirrar, com palavras simples e, no entanto, tão reveladoras quanto quem as usa para se revelar, com gestos distantes que são superiormente sentidos e com movimentos firmes e bem direcionados, que obrigam a uma rendição emocional para, juntos, construírem a sua história, a fénix emocional de um casal muito bonito.
A expressão muda e, apesar do peito cheio de um bem-estar sem igual, já sentes a nostalgia da ilha – as noites mal dormidas a pensar, enquanto ao longe escutavas música inglesa pela noite dentro, os caminhos que percorreste, os saltos que deste face a cobras e lagartos tão rápidos que só a atenção permanente te permitiram detectar, a felicidade de poder percorrer caminhos com que sempre sonhei e a alegria permanentemente presente.
Alheado de copos, muito embrenhado no café e na água, a sede de querer conhecer tudo enquanto sentias que não tinhas conhecido nada, a vontade de tudo conquistar sem em nada tocar. O sorriso sonoro que, por momentos muito breves, te envergonhava a ser compreendido por quem te rodeia, porque o entendem. O caminhar altivo a identificar a tua vontade de fazeres esta descoberta sozinho – sem quaisquer aborrecimentos excepto tu próprio que jamais te aborreces sozinho.
A chegada ao porto de partida a ser feita pela obrigatória passagem pelo caixote do lixo onde ontem desmarcaste as provas de que havias fumado dentro do carro – recordaste o ar dançante com que saíste do carro, ao som de Peter Tosh, e o quão reconfortante foi esse momento que antecedeu a tensão normal anterior à entrega do carro alugado (há sempre algo mal quando fazes a entrega mas, com seguro contra todos os riscos, é só entregar as chaves).
Até já pensas em deixar de fumar…num devaneio típico da meia-idade! Como se, em vez de investir num cabriolet, resolvesses investir em ti….Sentes alguma vergonha pelo que sentes interiormente pois parece que roubas felicidade quando, na realidade, ela vive dentro de ti. Percebes novamente que não precisas de ninguém para ser feliz mas interrogaste-te se a felicidade não seria maior – sabes a resposta mas não a revelas ao mundo….és um egoísta no que à tua felicidade diz respeito!
E ao chegar ao porto de Katapola recebes um email com boas notícias….podia ser melhor? O futuro a mim pertence!
Acordado desde madrugada por um sonho, resolvi abrir as portadas da varanda e buscar inspiração para voltar a dormir o que faltava! Bastou respirar fundo, constatar que havia malucos a nadar e saber onde estava! Foi-se o sonho mas veio o sono – numa perda de imaginação colmatada pela bela realidade…nada se perdeu!
Hoje foi dia de constipação mas até esse pequeno detalhe foi incapaz de travar o ímpeto e a alegria! No cimo da montanha estavam as nuvens e nevoeiro frios e, junto ao mar, o calor habitual – como para chegar a um tens que passar pelo outro o resultado foram alguns espirros que em nada mais deram!
Visitei os dois lados da ilha e constatei que é de uma beleza singular! As cabras que se atravessam na frente do carro, o preço do pequeno-almoço que diminui um euro quando pedes em grego, as três cervejas de ontem que custaram 14 euros…😂 Há uma semelhança enorme com o Algarve dos anos 80 em que, enquanto os ingleses não chegavam, éramos espoliados através de uma aritmética manhosa feita no papel da mesa ou, pior ainda, feita de cabeça e acertada pela dezena superior…nunca há preços iguais e os “recibos” são pedaços de papel retirados de uma máquina de calcular com rolo de papel….🤗😂😂😂
Antes que o sol se ponha já estou em casa e tomo aquele banho retemperador que, na maior parte das vezes, me atira para a cama logo a seguir ao jantar…geração geriátrica…Tenho a dúvida se será isso ou o querer ver mais, conhecer mais e melhor, saber tudo quando consegui ver tão pouco! Não tenho agenda e esse tem sido o grande segredo de todo este regresso!
Não é sono mas sim cansaço puro de quem só falhou uma praia hoje, por culpa própria! As havaianas, que são as mais duradouras de sempre, cederam no caminho de acesso ao barco naufragado! Começaram como chinelos de quarto e, muito provavelmente, acabam aqui a sua história! Andaram em três continentes, voltaram a casa, conheceram sítios nunca antes calcados! Bolas….tiveram um percurso feliz!
Na ressaca do dia resolvi vir para a beira-mar o que, numa ilha, é algo mais fácil de atingir. Tenho um sorriso parvo de satisfação, o peito parece irradiar felicidade e já estudo por que caminhos me vou achar amanhã! Na Grécia os carros de aluguer são entregues com gasolina suficiente para chegar ao posto mais próximo e eu, sentindo-me poderoso, atestei o depósito!
Poucas pessoas conhecem a minha paixão por esta ilha que, nem na intimidade, partilhei. Sabem apenas as que me impactam – da forma que eu prezo e protejo – e pouco mais! E essas eu guardo no coração de tal maneira aferrolhado, que só agora algumas perceberão do que falo. Ainda não saí daqui e já estou saudosista….
Mentiria se dissesse que nunca havia pensado nesta viagem – e nunca fui gajo de mentiras, mentiria se dissesse que não sinto um nervoso miudinho – desde que a vi, pela primeira vez, que o sinto…recorrentemente! Mentiria se dissesse que é o paraíso – porque muito dificilmente me tirarão da memória tudo o que vivi no Bazaruto e que, muito provavelmente, jamais terei oportunidade de repetir! Mentiria se dissesse que não sinto uma enorme vontade de já lá estar – com os meus botões, os meus livros, a minha curiosidade e os meus horários – e nisso eu sou muito egoísta e jamais mentiria!
Não são as férias de sostrice e descanso puro e duro mas sim a aventura de um Robinson Crusoe tão dedicado a conhecer que faz a ficção confundir-se com a realidade. É a leitura de um pedaço de terra, no meio do mar “plantado”, pelos olhos de um leitor que sempre desejou conhecer aqueles parágrafos, aquela pontuação, toda aquela gramática que sempre lhe encheu o coração. A deliciosa sensação de seres mais um desconhecido, entre turistas, quando na realidade és um residente!
Pensei levar um barco de pesca – para acompanhar o barco que me leva até à ilha, mas depressa me disseram que tal era impossível…pensei em nadar ao lado do barco que me leva, mas depressa me convenceram que a distância jamais havia sido alcançada…pensei em ir escrevendo, durante a viagem, o evoluir das sensações que me percorrem e, graciosamente, fui informado que tal é permitido…assim será!
A estranha sensação maravilhosa que é ambicionar chegar, ver, tocar, cheirar e, obviamente, saborear todos as iguarias locais – as audíveis, as observáveis, as comestíveis…
É uma Atenas rodeada de fogos – até a tua antiga praia, que só descobriste como fruto da empatia de uma grega simpática, tem chamas como cartão de visita para quem estiver a sair da água. Uma nova vizinhança, em que te fazes acompanhar pela tua melhor personalidade, novas caras – de personagens novos na tua vida, enquanto planeias a única viagem que sempre quiseste fazer, sem que ninguém possa interferir na tua felicidade. Um egoísmo saudável…
Agradeces ao teu instinto toda a intuição que te tem dado assim como o perdoas por te ter permitido, em raras ocasiões da vida, deixar as coisas chegaram a um ponto intolerável – até para ti. Sorris com amigos, com os projectos que lhes revelas e recebes uma solidariedade profundamente amigável de quem, sem lutar, também batalha por ver-te feliz. Estás rodeado de pessoas recentes que sabem, instintivamente, detectar o teu estado de espírito – ora embarcando na felicidade dele ora erguendo-te de uma melancolia passageira que uma qualquer música te possa causar!
És um bombeiro, num fogo imaginário da vida, disposto a dar-lhe um combate sem tréguas – amando ou ignorando, com a mesma paixão e sem nunca deixar a tua integridade ser afectada. Conheces e reconheces a importância dos valores que te foram incutidos e que, com o diapasão da experiência de vida, foste aperfeiçoando à tua personalidade imperfeita. Dás um grito de força e fazes a reserva e agora? Agora só falta fazer a mala e marcar o barco…algo tão simples quanto respirar vida!
Talvez o melhor de tudo isto seja o tempo que tenho disponível para gastar em mim próprio – não sendo egoísta mas preservando tempo livre para todas as pequenas tarefas que gosto de executar com uma calma capaz de fazer corar um caracol que, apressado, tenta ultrapassar-me. Talvez possa culpar o calor mas a verdade é que ainda não estou aclimatizado tão bem quanto outrora e ainda tenho que tomar doses diárias de chuveiros gelados que, aquando da estadia anterior, já não necessitava.
Sinto uma sadia maturidade em todos os passos que vou dando e que, cada vez mais, fazem diferenciar quem atraio ou por quem sou atraído – numa espécie de magnetismo perfeito, sem histerismos ou desequilíbrios artificialmente sustentados, rumo a um estado de espírito de alegria, conforto e, acima de tudo, paz! Como se tivesse assinado um armistício comigo mesmo e conseguisse abordar qualquer assunto com uma abertura que, por vezes, me choca interiormente sem que a reacção passe de uma gargalhada.
A respiração é profunda e pausada e o que me rodeia traz uma uma satisfação que, não sendo elevada, é sempre constante – como se não descesse de uma velocidade ou subisse mas tão só e apenas mantivesse uma velocidade que, não sendo perfeita, é perfeita para mim. Vejo a natureza de forma mais cuidada, observo as obras humanas de maneira mais cuidada e nutro por mim mais cuidados do que alguma vez tive – não que ambicione ser um metrossexual do século XXI mas porque me dá um certo gozo – dentro da tal velocidade constante – “perder tempo” a cuidar de mim.
Desenho o itinerário da próxima viagem, desta vez sozinho, e constato que o destino tem que ser visitado por um humilde narrador desprovido de companhia e totalmente focado numa viagem com tantos anos de recordação que, contados, seriam suficientes para fazer corar qualquer viajante auto suficiente. Não quero ser um viajante mas sim o tripulante da minha nave espacial de sonhos que, provida de tempo suficiente, me levará a ilhas que ambiciono conhecer e que sei que poucos terão o mesmo desejo – o meu ideal de viagem é mesmo esse…alcançar algo meu, sem seguir passos, roteiros ou conselhos de outrem. Desprovido de catana, de “exploradores” anteriores, mas armado de coragem e disposto a afastar todos os ramos mais persistentes com que a natureza ouse desafiar-me.
As horas passadas no barco mais não são do que a natureza a demonstrar a sua grandeza e tu, com o grande respeito que sempre tiveste por ela, sabes que é possível ver diferenças num mar a ser conquistado por um barco – seja nas gaivotas que o acompanham, nas vagas que ele vai criando ou até, simplesmente, a observar a esteira do caminho percorrido e esse exercício de imaginação é o que de mais puro tens, como arma descarregada, para o desafio seguinte.
O dicionário dá, como significado de abrasador, “que queima, ou abrasa” e “ardente” – o que, em abono da verdade, fica aquém do que estes dias têm sido! Acho que só me recordo de algo semelhante aquando da visita à África do Sul. Dias escaldantes, lá está, com temperaturas mínimas sempre acima dos trinta graus! Sim, um banho nocturno aqui é bem mais recompensador do que um banho na Baía dos Porcos espinhense, num voltar a recordar os 22 anos e a loucura permanente de então – dividida em partes iguais entre sensatez e insensatez! (Talvez não fossem partes iguais mas há que manter a ficção do blogue e, por vezes, mentir inocentemente)!!!!
Deitar cedo para aproveitar o facto de estarem apenas 30 graus e acordar cedo porque a temperatura já disparou acima dos 30 graus! Duches gelados para esfriar a moleirinha que parece diluir-se, num regresso ao estado de um recém-nascido. Ventoinhas, ar condicionado, água gelada, freddo expresso … Sonho com locais frescos e ocorre-me a ideia de adormecer num hotel de gelo que, perante a temperatura actual, se vai diluindo lentamente, adormecendo-me mais e mais profundamente, num equilíbrio perfeito entre calor e frescura.
Caminhadas madrugadoras, longe de casa, regressos efusivamente festejados com quantidades anormais de água. Sonhos eróticos com a partida para uma ilha quebrados pela lotação esgotada dos barcos, a observação da população de Atenas a sair bem cedo para a praia e a confirmação telefónica de que, às 8 da manhã, já há engarrafamentos para aceder às praias.
Almoços Luso-Gregos a manter o equilíbrio gastronómico, com acesso a saladas tão completas que todo o restante é apenas uma série de cerejas no cimo de um bolo de felicidade. A celebração da amizade, antiga e recente, como tónico para uma vida que tem demasiados sorrisos para o vulgar invejoso. A constatação de que foi a melhor decisão da última década!
Obrigado Grécia por tudo o que de novo me dás, dia após dia! – 27/6/2021
O célebre ditado popular pretende comparar duas coisas que são o oposto, uma da outra. Se a aventura começou em Omonia, por entre seres humanos que lutam pela vida enquanto esgravatam os contentores do lixo por comida, prostitutos e prostitutas – com o corpo usado para lá de quaisquer limites que anteriormente tenhas presenciado ou ouvido falar, com negociantes de produtos que não encontras nas cadeias normais de retalho, todo um mundo paralelo ao mundo real de tão surreal que é.
Se, iniciei eu o parágrafo anterior, sem que tenha feito qualquer comparação porque não há comparação possível. Como um astronauta sinto que voltei a colocar os pés na Terra! A vizinhança cumprimenta-se, as pessoas sorriem e sinto que aterrei num planeta em que há todo o potencial para ser feliz. Um quarto maravilhoso, uma senhoria que gere a casa dos seus sonhos, um hóspede que sorri de cada vez que volta a perder-se e é obrigado a recorrer ao Google Maps para voltar para casa.
Este retorno está rodeado de curiosidades que, cada vez mais, me fazem recordar o porquê do amor que me ficou gravado aquando da primeira vivência por terras gregas – as pessoas, os sítios, a meteorologia, a loucura inerente ao povo, o bem que se sobrepõe ao mal com uma naturalidade que só não existe em termos de condução – ao volante, refira-se, porque ninguém é perfeito e o Grego acelera bem mais do que utiliza os travões – numa condução que, parecendo desgovernada ou caótica, atinge sempre os seus objetivos.
O som da linguagem – um amor antigo que de aprofundou – como estímulo para uma audição que ansiava pela rotina de o escutar, a beleza constante pela qual os meus olhinhos penavam e que agora volto a ter que proteger, por trás de uns óculos escuros, as papilas gustativas que parecem festejar este regresso como se fossem tambores Taiko japoneses – por entre kebabs, pitas ou o iogurte – essa iguaria que me faz render e aguardar por permissão mental para a vez seguinte (é melhor abreviar a parte gastronómica, sob pena de engordar este texto muito para além de qualquer limite tolerável). O olfacto a espirrar de contentamento perante toda uma natureza que, doméstica ou não, parece ansiar por penetrar-nos com uma panóplia de cheiros que, apesar de não conseguires reconhecer todos, te agradam – de uma forma que é um misto de espanto, saudosismo e satisfação.
Parece ser um texto em que falo dos cinco sentidos, numa lógica de texto que faça sentido (passo a redundância) mas não posso falar do tacto. Não que exista uma proibição de o abordar mas tão só porque seria deselegante menosprezar a intimidade – algo que sempre preservei com um amor próprio primeiro e sorriso nostálgico ou presente, de seguida. Sejamos oudazes: sentir o toque ou ceder o toque a outrem é algo que o nosso íntimo guarda, numa qualquer “cloud” da memória, e eu esqueci a password de acesso (por vontade própria) – só tenho permissão de leitura mas não posso editar ou modificar, seja de que forma for! Bravo, digo a mim mesmo, de cada vez que me recordo dessa fechadura que, apesar de rudimentar, é uma solução moderna e actual.
Não sei o que é a felicidade enquanto estado de espírito permanente mas reconheço, com muito respeito e carinho, o momento presente de felicidade!
Das caminhadas junto ao mar até às caminhadas por Atenas – se bem que o mar rejuvenesce a alma, a verdade é que a minha cabeça sempre ficou por aqui. Poderão afirmar que menti a mim mesmo durante o tempo em que estive ausente mas a verdade é que fui vivendo, amando, conhecendo e sorrindo enquanto não voltei! Com total entrega – e até dei por mim a não me importar de seguir outrem para que não houvesse interrupções na entrega mútua. Se a vida assim não quis então será porque a Grécia, com o seu espírito livre e amoroso, me quis ainda mais.
Fui fiel a mim mesmo e, na impossibilidade de simplesmente voltar sem trabalhar (que chegou a ser questionada, uma vez que tenho toda a documentação de cidadão Grego), entreguei-me nos braços de um amor antigo que, mea culpa feita, eu não soube preservar – com todo o respeito e carinho que ainda conseguimos ter.
Assisti a uma partida deste mundo que levou muita da beleza que só uma amizade singular proporciona – a irmã que nunca tive decidiu descansar de todas as agruras que a maldita doença lhe provocava e jamais deixarei de a chorar – pois sinto, constantemente, a sua presença – com o sorriso maravilhoso de incentivo, o abraço de profunda amizade, o recordar de segredos tão nossos que eu juraria terem começado quando ainda éramos bebés. Visitarei o Petros, na ilha que visitaste, para recordar locais que não conheço mas, sabendo e conhecendo a tua curiosidade, estou certo que conheceste toda a ilha para depois, com conhecimento de causa, teres deitado na melhor praia que havias descoberto. Sinto em mim o teu incentivo e tal advém da forma única como crescemos – como grandes e inseparáveis amigos.
Num dia concorro a Sofia, na Bulgária, mas dada a demora da empresa a responder, a recrutadora da agência falou em Atenas, como se de uma alternativa se tratasse!!!! O meu mundo parou e o meu tom de voz despiu-se perante a possibilidade de regressar. A recrutadora estava pasmada com a expressão que eu usei, assim que ouvi “Atenas”. Hoje tomei a liberdade de lhe enviar uma mensagem, com uma fotografia anexada, a agradecer o facto de estar aqui. A resposta dela não tardou e dizia “Raramente nas fotografias vemos a felicidade nua que exibes. Um obrigado por me teres deixado participar na tua felicidade”!
Tenho a certeza que ela também tem razão e, tal como outrora me dizias que a Grécia era o meu país, também eu começo a ter a certeza que ambas têm razão – eu é que simplesmente neguei o inegável! Um abraço muito forte, com todo o cuidado. Daqueles que as pessoas comentavam que lhes causava inveja!
Do cansaço ao querer passear, do brinde ao querer beber água, do sol brutal ao sonho por chuva – assim passam as horas do pensamento. Bolhas dos pés tratadas, higiene feita, roupa lavada, refeições feitas e sempre pronto para mais – assim vou reconstruindo o corpo das agruras que as caminhadas diárias vão, com orgulho, causando.
A saudade dos sumos, dos doces fantásticos, da simpatia de um povo cujos membros escondem tanto sofrimento, do som da língua Grega falada, dos inúmeros polícias que se reúnem nas arcadas em frente ao hotel, de toda uma massa que se movimenta como se fossem um gato e um rato – os anarquistas a levar nas trombas, os avanços e recuos – tudo parte de um jogo sem regras mas cujo funcionamento está enraizado no povo.
Do sol que aquece durante o almoço até à sombra que arrefece, de maneira subtil, o lanche – em que mais um sumo de 9 frutos é sorvido com o gozo – dos mercados abertos ao diálogo com desconhecidos, da partilha do que sobra de uma refeição até ao sentimento de tristeza que é ver a verdadeira tragédia humana que este país sofre, do sorriso até à lágrima numa realidade social para a qual ninguém está preparado…assim é o dia…numa volta continua de 360 graus em que tudo parece diferente para apenas recomeçar exactamente da mesma forma.
A sentir o pulso do país – 22/5/2021
Auto proclamado macho Alpha (por influência da cerveja Alpha, obviamente!) 😂😂😂
Já em casa da mãe há uma predileção por um degrau – não há nada de especial com ele mas, se aprofundarmos a relação, um degrau pode ser tudo na vida – um assento improvisado, o último ou o primeiro a ser conquistado, um exercício de cardio, um ponto de encontro. Quando aprofundado tudo pode ser o que nós quisermos que seja…
Uma viagem de 4 horas e meia transformou-se numa aventura de 40 horas – a obrigatoriedade de dormir em Istambul porque o Governo Grego obriga a um registo prévio de todos os cidadãos que chegam e eu cingi-me ao teste negativo de Covid….Quando soube só pude sorrir e, ao telefone com um cidadão local, rirmo-nos porque a chegada é feita com o amor grego – só entra se cumprir – e está de tal forma enraizado que os países de partida se recusam a deixar voar, quem quer que seja, sem o Passenger Locator Form!
Nada nervoso mas ansioso por fazer o que neste momento faço – beber uma limonada nos degraus de Plaka! O local de reunião que sempre usamos, o ponto de encontro onde anda sempre um amigo, o meio caminho entre as pitas 🥙 e o prazer de aperitivar, entre o ócio criativo anterior ao jantar e o visualizar o passado com o respeito e intimidade que ele merece. As flores que enchem o quadro visual de cores, os gatos que se passeiam como os verdadeiros donos disto tudo que realmente são.
A Grécia não é igual a nenhum país por onde eu tenha passado – há um orgulho imenso na república mas também gozam os percalços de que a mesma sofre, há uma solidariedade sem igual mas, no mínimo, exige-se uma conversa como método de “pagamento” dessa mesma solidariedade – e há conversas profundas sobre todos os temas, tal como a que me foi “exigida” quando a limonada me foi servida (obviamente o método de elaboração do sumo foi o tema).
Há um prazer simples em conversar, aprender, crescer como pessoa e isso, perdoem-me, faz muita falta em qualquer lugar do mundo! E sim, eles também são fanáticos por futebol…
Não me recordo como me tornei adepto do Futebol Clube do Porto mas o primeiro momento, a primeira recordação de afecto clubístico que tenho é o momento da celebração do título, após 19 anos de jejum.
Na varanda da Velasquez, rodeado por família, recordo-me de ver a praça completamente cheia de carros estacionados – nesse dia a fluidez do trânsito podia esperar – as pessoas que tinham um sorriso aberto, muito perto do verter a lágrima.
Alegria indescritível, talvez seja esse o termo que procurava – a sensação de que tudo vai passar pela Bulgária, República Checa ou Roménia e, no final, estou a caminho de Atenas! A vida é feita de pequenos detalhes mas há os pequenos que se agigantam e, apesar de nascerem detalhes, tornam-se a opção de vida da qual já tinhas saudades.
Pequenos percalços no caminho, a obrigar a uma noite passada em Istambul, a dar ainda mais força à vontade de chegar, ir ver o apartamento e começar a viver Helenicamente! (Inventei o termo)!
Já desço os jardins nacionais, já subi ao Philopappos inúmeras vezes, já tomei café como um louco! Já visto roupa de verão, já me banhei em duas ilhas diferentes, já….já sonhei que nunca tinha partido! O visualizar tantas coisas a repetir como método para melhor lidar com a saudade!
Rodeado por três beldades, a única expressão que me ocorreu dizer foi: morri e estou no céu?! A verdade é que estava vivo mas ligeiramente ébrio. De um salto surgiu a expressão “Bebi demais, vou para casa!” e o final de tarde estava salvo! A mania de dizer verdades, despreocupadamente, é o ponto de saturação que me indica o caminho para casa, numa velocidade estonteante, como se estivesse atrasado para o meu funeral (rumo a uma decisão que não tomei mas que fui dirigido para)!
As palavras são ditas e o interrogatório que se segue é das mais doces sensações da vida – porque há quem pretenda aferir de quanta verdade havia nelas! Suores frios, pelos eriçados em locais que nem sabias existirem, a verdade nua e crua face a uma resposta que pode condicionar o teu presente e futuro, o nervoso miudinho das borboletas – sempre elas – a pavonearem todas as suas cores num cenário que pretendem duradouro. A justiça de o poder ver nos teus olhos! A verdade como motor simples e duradouro face às agruras com que nos deparemos!
A única certeza que o olhar delas havia deixado era o mais retemperador dos tónicos! A imaginação dele já só vagueava numa tempestade de cores que o obrigava a escolher uma cor preferida mas a experiência de vida, essa varinha de condão da ausência de razão face a uma exacerbada presença de emoção, disse-lhe ao ouvido “Deixa fluir….!”
Muito embora ele olhasse a obra actual com olhos de quem terminou o quadro, a verdade é que ele reconhecia, para lá da obra que agora contemplava, todas as obras passadas sobre as quais havia pintado. A obra acabada era algo em progresso e ele mentia a si próprio quando dizia que era uma obra acabada – como todas as anteriores obras “acabadas” sobre as quais havia reflectido melhor e procedido a alterações, inúmeras vezes…
A maneira de espalhar as tintas era difícil, por cima de mais camadas do que uma cebola, mas o pincel era a única ferramenta capaz de pactuar com a velocidade vertiginosa a que os rasgos de imaginação, misturados com realidade, eram transferidos para a tela. Os pelos tinham a juventude necessária para o esforço em progresso, mas a musculatura do pintor sentia as consequências de tanto pintar, disfarçar, pintar por cima…
Desejos são objectivos que definimos como sendo tão recompensadores quanto a nossa imaginação os valoriza ou sente. É a melhor definição que me ocorre, enquanto deitado numa cama de rede que o sol teima, e bem, em aquecer!
Há desejos na vida que alcançamos, outros que continuamos a ambicionar e existem ainda os desejos que, após alcançados, não pretendemos reviver e que, prescrevem na memória enquanto aprendizagem – sendo relevante reter os sinais/sintomas que nos podem ajudar a reescrever toda uma história de desejos e melhor alcançar o pretendido – sem nos determos nos desvios a que a aprendizagem obriga mas antes focando no objectivo final que é o nosso bem estar!
Há desejos muito fortificantes, que nos relançam para o momento seguinte da vida com o fôlego de um super-herói há desejos inalcançáveis que perduram como se fossem a última tentação de um ateu (os ateus também são tentados) mas cuja temporalidade vai sendo questionada – obrigando assim a uma desvalorização em termos de importância, há os desejos simples de concretizar mas dependentes de cooperação externa – o que obriga a um trabalho de equipa para o qual não nascemos vocacionados mas que facilmente aprendemos na sociedade em que vivemos.
Talvez os desejos, aquando de um relacionamento, sejam a soma perfeita de duas vontades que exibem socialmente, mas mais até intimamente, o prazer da sincronia de duas mentes que, não sendo perfeitas, possuem a ambição de aprender de mãos dadas!
Entrei na cozinha e senti a presença amarela – olhamo-nos e, após um breve duelo de olhos nos olhos, num silêncio de intimidade, aproximamo-nos e eu toquei-lhe – suave, enquanto sentia a sua textura e muito lentamente, para mais desfrutar do momento.
Estava maduro e responsavelmente presente; pronto a dar o seu fruto ao meu paladar. Um misto de prazer antecipado e água na boca, a necessidade da presença de gelo, para manter a temperatura controlada e o açúcar, de maneira a adoçar o dia.
Desci ao jardim e colhi reforços para misturar, subi os degraus e, com múltiplas unidades, eu era um homem pronto para a obra. Começou amarga e quente mas, no final, era a limonada mais perfeita que estas papilas gustativas já degustaram. O açúcar e o gelo como complemento perfeito para algo que a natureza nos dá!
Existem vários feitios, de acordo com os cientistas da área, e afectam-nos de forma diferente, de acordo com a explicação abaixo, que obviamente é tudo menos científica!
A chuva alheia, como eu gosto de designar, é uma chuva que se nota que já vem exausta de um esforço húmido anterior e a cadência é muito irregular. Cai como se fosse, após a queda, fazer exigências – como uma criança que segura um guarda-chuva automático mas pretende “dar ares” de quem desconhece o funcionamento do objecto. Não acrescenta absolutamente nada com a sua chegada e, caso não nos atingisse, passaria totalmente despercebida!
A chuva caseira (só o nome remete-nos logo para recordações de casa – seja ela onde fôr!) É a chuva que nos cativa, de maneira tão profunda, que, só a ideia dela, causa em nós um arrepio delicioso de prazer antecipado! É a chuva que queremos para companhia, para um exercício de intimidade breve mas fortuita – queremos sentir a sua presença sem compromisso futuro. Podemos sempre voltar a casa mas, quem nos acompanha, é uma escolha pessoal, sempre baseada numa equivalência emocional que não sabemos explicar mas que apelidamos de algo superior (que não podemos fazer prova de porque não é real).
A chuva erótica é a minha preferida! São as gotas com as quais alinhamos, num pacto secreto e íntimo em que só nós e a chuva é que sabemos o conteúdo do que assinamos! São as gotas a quem tudo permitimos – são as gotas que alcançam partes da anatomia que nos fazem ruborizar na via pública, são as gotas que nos lembram que, apesar de adultos, podemos voltar a ter sensações infantis e recompensadoras, são as gotas que nos obrigam a um exercício de intimidade silenciosa que, apesar de muito agradável, receamos sempre que vá terminar com uma acusação de atentado ao pudor. É verdade que a chuva limpa as memórias dos passeios da vida – a frase é do Woody Allen – e as memórias podem ser tão presentes quanto a gota de chuva que escolhemos receber.
Um dia constatei uma chuvada improvável – 23/4/2021
Mísseis balísticos intercontinentais, numa tradução directa. Daqueles que conquistam a distância em poucos minutos mas cujo único propósito é a destruição da humanidade. Todo o génio humano representado numa máquina que tem tanto de bondade como de malvadez! Como diria o Batman em relação ao Pinguim: “tem tanto de génio quanto de malvadez. Se ousasse conhecer a bondade poderia aspirar a ser o melhor dos seres humanos!”
De olhos postos no objectivo, guiado por sistemas de navegação que jamais a sociedade civil virá a conhecer, imbuída de responsabilidade muito acima da tecnologia outrora usada e agora caída em desuso. O vórtex criado pela tremenda velocidade como único sinal observável da Terra – num misto de admiração e tristeza, o ruído ensurdecedor que ainda ecoa nos ouvidos dos presentes que almejam pelo recuperar da audição…e tudo isto num sofá desconhecido que, de repente e sem convite, era a testemunha parisiense.
Havia monumentos históricos, de grandiosidade inigualável, a cercar os presentes que, de olhos postos no céu, testemunhavam aquele que podia ser o final de toda a civilização, a menos que algo de racional acontecesse – nos olhos das pessoas havia um misto de satisfação (pela arma inventada), de horror (por saberem o grau de exposição a que o destinatário estava sujeito), de esperança…que alguém abortasse o lançamento.
A fachada impõe-se perante uma sucessão de outros edifícios e, sem dúvida, desperta a curiosidade daquele investidor que, tendo o coração cheio de amor para investir, pretende uma casa onde o aspecto exterior também tem o seu valor.
Assim que sobe as escadas exteriores o autor repara que há uma série de caminhos pelos quais pode começar – uma espécie de encruzilhada que não o intimida mas, pelo contrário, o estimula. Sente-se seguro mas não deixa de averiguar se tudo não passará de uma fachada – uma antecâmara interior que evita, de forma subtil, qualquer forma de responsabilização do comportamento do arquitecto.
Vê um WC à direita e, sem hesitar, entra e lava a cara das impurezas do exterior – numa espécie de gesto educado face ao desconhecido perante o qual se pretende apresentar da melhor maneira – não que exista a necessidade de mascarar algo mas, bem pelo contrário, porque foi educado de maneira a nunca julgar sem conhecer o réu e a apresentar-se sempre de face lavada e descoberta de qualquer preconceito.
Saiu do WC e, virando à direita, dirigiu-se a um espaço aberto onde sentiu a segurança necessária para dizer tudo o que pensava. Os alicerces da casa tremiam, pois nunca antes haviam enfrentado a verdade nua e crua – era a primeira vez que ouviam a palavra responsabilidade! O autor não pretende derrubar os alicerces mas tão só e apenas aferir se, apesar de a nova realidade os obrigar a ser responsáveis, tal é suficiente para que a obra se mantenha firme por muitas gerações! Ele sabe a resposta!
Os alicerces desconfiam – não que tenham nascido assim mas, infelizmente, foram desenvolvidos para serem assim. O humilde narrador, continuando virado para norte, dirige-se a uma porta, pelo seu lado direito, e atravessa a cozinha até chegar a um degrau que outrora foi seu confidente.
Aquele degrau, honesto como pedra, recordou-o de alguns detalhes – do melhor do mundo ao pior. A pedra e respectiva temperatura eram o tónico para a reflexão que já inúmeras vezes havia sido feita sem que a casa perdesse toda uma série de defeitos de construção que, parecia, se orgulhava de ter ou, num orgulho desmedido, por não obedecer a nenhum arquitecto – se tornava algo tão idiota e infantil que, por mais que se esforçasse, não encontrava palavras para descrever.
Respirou fundo, olhou num ângulo que abrangia todo o seu campo de visão, e levantou-se para sair. O agente imobiliário ainda lhe disse que faltava ver o andar superior mas a qualidade dos alicerces continuava a deixar demasiado a desejar pelo que sugeriu algo ao vendedor: coloque toda a honestidade neste seu empreendimento e eu serei o primeiro a apresentar-se para nele embarcar – da mesma forma que o caminho marítimo para a Índia nos mostrou o Brasil, também aqui o erro passado poderia constituir o grande feito do futuro!
Abandonou, relutantemente, o degrau de pedra e, levando consigo a bituca do cigarro, levantou-se e atravessou a cozinha, não sem antes olhar para a placa do fogão e, até aí, recordar que tudo o que havia feito havia sempre sido classificado como um erro, uma culpa que não transportava mas que recordava lhe haver sido sempre imputada. Talvez o vendedor lhe tivesse vendido a ideia de uma casa e, após a vistoria, ele achasse que o vendedor só poderia estar a falar de outra habitação que não aquela em que se encontrava.
Atravessou o espaço aberto que constituía a sala de estar e de jantar e olhou, muito discretamente, para o instrumento musical à esquerda e sorriu perante o pensamento que lhe atravessou o emocional cérebro! “Começou como uma melodia mas depressa se transformou em thrashmetal que abominava, apesar de ser grande fã de heavymetal!” – numa conclusão só sua: por vezes o estilo de música até pode ser semelhante mas os solos de guitarra, esses gestos tão egoístas, deixavam sempre transparecer a verdade.
Mentalmente sentia-se um baterista de grande nível – muito embora tivesse os pés sempre com o ritmo correcto, sem afectar o ritmo diferente das mãos, o som que saía ainda não era a verdadeira essência do que pretendia. Saiu do “sonho acordado”, suspirou com tantas infantilidades que, não só mas também, ali havia presenciado e, de um só salto, abriu a pesada porta da casa e saiu – sem ruído, gentilmente encostando a porta até sentir o trinco da fechadura a impedi-lo de voltar.
Respirou fundo – fazia sempre este exercício para estimular o pulmão e, com um bocadinho de sorte, o músculo que se encontra ao lado do pulmão esquerdo! Desceu os degraus de pedra – a pedra, naquele edifício, pecava por escassa, tendo em conta sobretudo a frieza que aí havia conhecido, esboçou um sorriso aberto e recordou que até naqueles degraus havia a recordação de pretensos erros seus!
Exclamou “Foda-se!”, baixinho o suficiente para que a memória ficasse gravada no músculo anteriormente mencionado, fez uns quadradinhos mentais enquanto dava uma gargalhada para dentro e, de maneira involuntária, fez um coração com as mãos de maneira a abrir o portão com um sorriso – a expressão facial que mais o caracteriza.
Não fugia! Essas fugas estavam sempre reservadas à parte irresponsável da obra. Andou, tão lentamente quanto o gozo interior que sentia! Ainda não havia chegado à esquina e já ouvia o ruído de alguém a fazer as malas. Não pestanejou sequer e, numa rápida e muito breve reflexão mental, sorriu…era o costume, só isso.
Numa conotação meramente futebolística o humilde narrador havia cortado a bola pela linha final, chutando assim o assunto para canto. O árbitro apitou para o final e todo o estádio percebeu que o resultado estava manipulado pela razão, muito acima de qualquer emoção…e que bem que ele se sentiu com o resultado final. Saboreou a derrota como a mais bela vitória do palmarés do clube! Como uma dádiva da razão ao emocional do moço que escreve. Deu inúmeras voltas a um estádio vazio celebrando a razão! Parecia um filósofo grego armado em atleta…feliz e escrevendo umas cenas! ✌️
A alegria contagiou a mente e o coração bombeava melhor a cada caminhada – mesmo quando o caminho é o saboroso norte – oposto de desnorte (Ahahah). O hotel ao fundo, numa perspectiva de início de caminhada dantesca, a mente completamente liberta de pensamento, o passo que, de cada vez que penso nele, sai trocado, a madeira que cede de diferentes formas sob o peso – cada vez menor – do humilde narrador. Um respirar mais profundo a despertar a ideia de um cigarro que a mente, mentindo a si mesmo, diz ser desnecessário ao esforço em progresso. 🍺
Uma das coisas mais apetecíveis, para mim é o retornar a uma alegria egoísta – que além de ser só minha e ter a aura de intimidade própria – é o mais estimulante dos tónicos. Há quem o entenda como egoísmo ou arrogância, mas eu chamo-lhe amor-próprio. A alegria da leitura sem horários, o ver e rever aqueles documentários sobre desastres aéreos – que estão espectacularmente bem feitos – ao ponto de colocarem o humilde narrador no lugar do investigador, sem que ele se mova do cadeirão! África, sempre África, com as paisagens a perder de vista e o bichinho adormecido a acordar para te enumerar os destinos que te faltam visitar mas que, enquanto não visitas, saboreias com os olhinhos, através das imagens que sorves da televisão. A leitura e a música como instrumentos ideais para conjugar as palavras do autor com a mente do humilde narrador – num vaguear ao nível de um saltimbanco profissional, que nunca constrói algo permanente mas apenas procura a subsistência, andando até encontrar…esse tipo de vaguear da mente! ❤️
Imaginação vadia, o quanto eu gosto de ti! Eu deixo-a ir e ela, quando volta, traz os ensinamentos ao nível dos descobridores portugueses de outrora! Vou comprar uma pulseira electrónica, numa tentativa vã de conter a amplitude de movimento da imaginação! Até lá, vou amando a natureza! 😎
Talvez o cenário se assemelhasse a um vão de porta – o que, por si só já é um convite à entrada, numa perspectiva de copo meio cheio – e de certeza que a pose estava perfeita – uns tons de vermelho e branco que, apesar de não serem as minhas cores de eleição, te tornavam ainda mais radiante. As curvas estão memorizadas e revê-las é sempre um prazer extra pela atitude de quem as conduz.
Curiosamente, ou talvez não, o facto de ter alterado todo o caminho de ida e volta foi a mais bela decisão espontânea do presente século. Percorrendo o passeio, ziguezagueando tanto quanto a distância social obriga, a verdade é que não esperava ver uma pessoa que desperta tanta curiosidade e saudade imediata – numa espécie de reboliço mental que é emocionalmente controlado. Algo que destrona o pescoço de vergonha e, desavergonhadamente, permite ver-te e apreciar-te – num misto de risco de torcicolo e artes marciais de sedução.
Talvez os meus olhos tenham cruzado os teus, num ângulo impossível de 180 graus, ou talvez fosse eu que o tivesse imaginado. Talvez eu tivesse sentido um estímulo amoroso, no momento que antecedeu o nosso encontro ocular ou talvez fosses tu quem o enviou. Talvez tenhamos um campo visual só nosso que nos permite ser traquinas socialmente aceites…
A recta da meta, feita com o acelerador a fundo e com o corpo alinhado com o vento, de maneira a gerar o mínimo de atrito. A travagem é feita com a perfeição inerente a um campeão que aprendeu a triunfar muito precocemente e é sem surpresa que a abordagem da recta interior é feita com a imaginação tirada de um reconhecimento precoce feito numa qualquer PlayStation. O vento não é um obstáculo mas apenas uma presença natural de que o campeão sabe beneficiar. Porque sempre se manteve perto da natureza talvez tenha criado laços de amizade que lhe permitem voar numa competição em que as rodas são construídas para se colarem ao solo e dele extrair o máximo de tracção…quando voltou a cruzar a recta da meta, e fruto de toda a mestria colocada em pista, ele sabia que o primeiro lugar do pódio era seu – fruto de uma ligação que ele não saberia descrever excepto através da repetição constante da palavra “electrizante”. O segredo consiste em tornar cada volta ao circuito tão emocionante – ou superior – quanto a inicial. Um desafio fácil para nós.
A sorte que foi a chegada da água por volta das 16:15….até aí eu arriscava-me a ser um cavalo de odores disfarçado com quantidades militares de desodorizante! O receio seguinte era saber se o cilindro tinha água quente ou se, por outro lado, eu teria que aguardar até que a água quente estivesse disponível. Os deuses da água quente estavam connosco e, com doses de água comparáveis às actuais cheias da Nova Gales do Sul, foi possível remover a película de desodorizante que, por precaução já estava colocada e havia de ser complementada por uma segunda “demão” de maneira a evitar a presença de moscas em volta de um corpo que, apesar de vivo, fedia. O chuveiro é realmente fabuloso e o homem que saiu era um ser racional, humano, com vapor a afastar-se do corpo e com um sorriso – idiota porque feliz – pelo simples facto de, naquele momento, ele se saber consciente e pronto para ela.
Foram doze os quilómetros hoje mas, por entre tantas saídas e passeios, estimo uns quinze quilómetros como total do dia – neste momento é mais valioso para mim fazer os quilómetros propostos (5 de manhã e 5 de tarde) a tentar somar tudo – numa corrida neurótica para saber todo e qualquer detalhe dos meus passeios que retira todo o prazer ao simples passeio que, assim que adquire a designação de “simples”, torna tudo mais apetecível.
Clássico do bairro piscatório.Olhando o norte de costas para o sul.Olhando o sul de costas para o norte.A praia de Silvalde ao longe.Entrada da praia de Silvalde.Uma paixão sem idade.Silvalde-> Espinho no passadiço.Início do regresso a Espinho.Golfe verdejante.Espinho ao fundo.Redes que capturam nuvens.Sombra ambidestra.Manutenção precisa-se!!!!!O destino lá ao fundo.A janela.Um clássico espinhense.
Mudado para outra localidade do concelho, novamente seguro e certo de que a concentração estará toda no magnífico espectáculo que a natureza prepara.
Praias novas, ondas diferentes, pessoas tão iguais que nos permitem confundir o concelho como um todo e não dividido. A nortada – tão inconfundível quanto presente e, desta vez, a soprar do Polo Norte, as redes de pesca dispostas para serem colocadas nos barcos, os olhares cooperantes que visualizam se tudo está conforme o mar que se avizinha.
É bom poder fugir, mesmo que seja só para respirar fundo e em paz plena! Pessoas novas logo sem drama, pessoas que ensinam e cooperam, pessoas que tiram o sustento do mar e partilham connosco a experiência. Uma definição diferente de amor. ❤️
Porque mudar o ponto de vista torna tudo mais abrangente – 19/3/2021
Poderia parecer o nome de um filme bacoco, de baixo orçamento e com inúmeros actores e actrizes a fazerem corações com as mãos, a falharem falas e a verem o futuro muito negro mas, apercebendo-se que o guião estava nas suas mãos, ele ia escrever não apenas mais uma obra-prima mas o livro que contava a viagem de uma vida que não a sua!
Decidira ser invejoso num só detalhe e viajou sozinho. Ainda tinha na memória o desconforto que uma pessoa desagradável trouxe, em anteriores expedições, pelo que se sentia seguro não sabendo o que queria mas tendo a certeza absoluta quanto ao que não queria – drama oligofrénico, assim a havia apelidado “A criança que tem um problema para cada solução”. O respirar fundo que se seguia, de cada vez que mais um detalhe se acercava da memória, era libertador, revigorante e, de tal forma retemperador, que ele resolveu criar uma memória constante, com um qualquer facto perturbador de outrora, de maneira a melhorar a sua higiene pulmonar e a sua saúde, em geral.
A mala de cabine com todos os artigos fundamentais e um desejo imenso de partir à descoberta. Vou voltar a uma aldeia portuguesa maravilhosa e posso, em paz, rever todos os detalhes que fazem dela uma das mais emblemáticas do Algarve. Relembrar amigos, campos e caminhos, a doce alegria de sentir o dia correr sem ter que correr atrás dele mas sim tendo dias que nos fazem correr, sem termos a noção de estar a praticar exercício. Um sorriso de criança como forma de responder a quem nos chama, mais uma comidinha porque estamos eternamente a crescer (conceito português que adoro e que a muitas dietas obriga), alguém que inventa uma brincadeira nova ou um jogo tradicional português que surge.
Alte é das aldeias portuguesas mais lindas onde o tradicional português tem uma representação pública – num espectáculo de cor e ordenamento que deveria ser copiado para as cidades. Uma espécie de quadro que não pintaríamos da mesma maneira mas que imediatamente reconhecemos a necessidade de existir, preservar e incentivar de forma a podermos mostrar a beleza aos que mais apreciamos!
Após memorizar cada detalhe, porque gosto muito da ideia de ter uma ideia mental completa das coisas, senti que tinha necessidade de ar fresco e rumei ao Carvoeiro. Passei no Gramacho a espreitar o golfe e, meia volta dada, eis o carro à entrada da Praia do Carvoeiro. Faço o check in no Mistral e desço a rua para procurar um restaurante. Olho para “O Bote” e sorrio com a memória de todas as histórias que ouvi sobre este local e a minha presença, com 10 anos, numa noite de verão em que eu só sorria porque tudo era novo e agradável de conhecer. Comi bem, passeei no “Rossio” do Carvoeiro, recordei o primeiro Snoopy aqui comprado e o fabuloso companheiro de férias em que se tornou. Na manhã seguinte subi ao Algar Seco e dei um mergulho da rocha directamente para a água e da água directamente para a rocha – a praia que eu adorava precisamente por causa desse detalhe que é a inexistência de areia. Passagem por Benagil e Centianes e parto rumo à Praia da Oura.
A Oura mostra muitos capítulos mas esconde um Borda d’Água onde existia a mais bela e eficiente esplanada sobre a praia. Dei um mergulho madrugador, a relembrar os bons momentos passados na Casa da Carroça, julguei ouvir Jô Soares, ao fundo, novamente. Sem tempo a perder rumei a Monsanto e almocei com os meus primos. A tarde é sempre um “faça o que quiser” que culmina com um passeio ao castelo, após todos terem dormido a sesta. A hora do lanche apenas serviu para uma bucha rápida e a partida para Viseu.
Perdido no Fontelo, de café na mão, constatando que a beleza que o meu pai atribuía a este local fica aquém do que sentimos, quando afundados no manto verde, sentindo o palpitar de um corpo que agradece uma qualidade do ar muito superior ao que está habituado. Hora de partir para Vila Real uma vez que comida boa nunca tem faltado pelo caminho….talvez uma pequena paragem em Trancoso!? Melhor não….😂
A descrição que tenho de Vila Real é algo que em mim guardo e onde a viagem termina. Não foi o fim do mundo!? Obviamente que não! Foi uma viagem feita com sentimento! Experiência que nem todos conseguem alcançar!!!! – 17/3/2021
Já tantas vezes nos cruzamos e sempre, mesmo sempre, senti aquele arrepio na espinha dorsal – que não esperamos mas que, quando dá…bate forte! Uma espécie de dor semelhante ao que sentimos quando a dentista procura os canais para desvitalizar o dente – mas sem a dor, só com a celebração por ter encontrado mais um canal.
Talvez eu tivesse dito a mim próprio, imbuído de muita confiança e espírito juvenil, que se eu olhasse para trás e estivesses a olhar então o futuro seria nosso. Tenho uma neblina quanto ao que aconteceu a seguir mas, por entre as abertas que a neblina permite, eu vejo o teu rosto – não estavas séria nem sorrias, não celebravas nem te mexias mas o presunçoso que há em mim deixou os nossos olhos falarem e, tal e qual o pitosga que sai satisfeito do oculista, também eu continuei a subir a rua, com um agradável incómodo na espinha dorsal.
Colocada a primeira lamela e ligado o microscópio nuclear – era este o cenário montado quando me apercebi que a amostra de cérebro a ser analisada me pertencia.
O técnico e o médico presentes avisavam-me quanto a emoções e esclareciam cabalmente todo o procedimento. O objectivo final do estudo é determinar a capacidade racional do indivíduo enquanto apaixonado.
Sorri, após ouvir o objectivo final do estudo porque tinha a certeza do resultado…seria inconclusivo! Foi quando me ocorreu que havia amostras recolhidas anteriormente e aí comecei a roer uma unha.
Assim que todos vimos a imagem do microscópio projectada na tela eis que ambos abrem a boca de espanto – enquanto eu tentava destrinçar algo da imagem projectada, sem nenhum sucesso.
Olharam para mim, apertaram-me a mão e eu, que continuava a olhar para a imagem projectada, apertei ambas as mãos de volta. “Há imensa actividade cerebral”, exclamou o técnico…”o cérebro jamais sucumbiria perante um simples sentimento”! afirmou, com uma expressão de “Eureka” na face.
Eu continuava a olhar para a imagem projectada na tela…até que me ocorreu perguntar “A que período se refere a amostra?” e, perante a resposta, fui eu que soltei uma sonora gargalhada!
O período da amostra pertence a um período de autoconhecimento profundo que impediu, de forma racionalmente definida, qualquer assalto a um coração protegido pela razão, mesmo tratando-se de razão egoísta em prol da auto preservação. Blindado!
Expliquei a ambos os cientistas presentes a impossibilidade dos factos! Havia que admitir que a amostra mostrava actividade cerebral, algo sempre louvável e salutar o suficiente para ser celebrado.
Todos os olhos estavam agora colocados na segunda lamela. Os cientistas – esses matreiros….quem não se lembra das manhãs de domingo com os desenhos animados do professor Balthazar? – interrogaram-me para confirmar se a segunda lamela continha uma amostra activa (paleio deles).
Confirmei que a amostra se referia a um período em que a minha actividade cerebral deveria estar ao nível de uma folha, de um qualquer quintal, enquanto é trincada (torturada) por um caracol. “Amostra activa!”, gritaram ambos com o semblante de Eureka novamente presente.
A emoção havia voltado e todos aguardávamos a troca das lamelas e o aparecimento da nova imagem a analisar. A tensão no ar era palpável, corria um frio pela espinha dorsal, o corpo ganhou vida própria e surgem uns tiques de nervosismo.
A imagem era nítida e, se eu havia confirmado que a amostra era “activa”, a verdade é que a imagem era imensamente estática, não tinha actividade cerebral absolutamente nenhuma! Nem um nenúfar conseguiria…
“Confirma-se a quase oligofrenia do sujeito quando submetido a condições amorosas de extrema intensidade!”, declarou o médico, após assinar o relatório e apontando para o local onde o técnico começou a assinar.
Retalhos da vida de um filho de médico (achei piada ao trocadilho com o original) – 12/3/2021
Talvez seja da idade ou talvez tenhas sido sempre assim e agora detectas mais facilmente, talvez seja a Primavera a chegar e já tens os sonos trocados, talvez seja o teu retomado apetite voraz por estabelecer novos recordes num qualquer pedómetro imaginário…a verdade é que, na primeira volta, ainda havia estabelecimentos comerciais fechados (não é verdade mas dá um ar mais dramático ao texto) , a chuva ameaçava o caminho e o facto da tua rua estar fechada era um presságio!
De fato impermeável completo e de sapatilhas de andar eis a maneira ideal de combater insónias inoportunas! Comprado um pão para o caminho, duas garrafas de água e eis o vosso humilde narrador e vosso herói em tantas aventuras passadas a caminho dos primeiros cinco quilómetros do dia.
O Carlos Avelino já estava aberto e, uma vez ultrapassado, já se pode tirar a máscara. Ritmo endiabrado na recta e uma mudança de direção para a direita de maneira a evitar um transeunte que passeava o seu cão. Após a curva temos cerca de cem metros de recta seguidos por quinhentos metros a desafiar a morte – perante o trânsito de frente ou o esgoto à esquerda. O coração palpita, as pernas adquirem um ritmo próprio, há um plano de emergência que implica um salto lateral de cerca de dois metros (algo impossível de executar mas não deixa de ser um plano…).
O descanso, após a “recta da morte”, é feito em terreno firme e seco. Umas inspirações fundas pelo nariz e expirações pela boca, o coração que sorri dizendo “Ainda não foi desta!”, com o “ainda” a fazer sobressair o sarcasmo do músculo.
Iniciamos a recta da praia, saindo da parte citadina do circuito e imergindo na natureza que ainda resta no concelho. Rodeado de arbustos, relva, pólen que voa e que eu tenho que evitar inspirar, sem nunca deixar de me deslumbrar com todo aquele tom amarelo vivo que voa para polinizar.
Acordo do meu sonho acordado quando o passeio acaba e a areia começa. São cerca de vinte passos na areia e eis-nos perante o enorme oceano atlântico. Hora de inspirar profundamente o ar que a jet stream empurra para a Europa.
Um ligeiro travo a maresia na garganta, uma tossidela provocada para aferir da qualidade da higiene pulmonar, um sorriso aberto numa cara agora ligeiramente húmida (de um pouco de chuva….drama, lembrem-se sempre!), um bater dos pés de maneira a sentir que ainda estão na extremidade do corpo.
Tal como num rally também aqui temos mudanças de piso e se bem que eu não troco de calçado – aguando da mudança do cimento para a areia e, posteriormente, piso de madeira – profissionais do ofício haverá que o façam. A passada ainda é firme e já terminaste a primeira garrafa de água.
Aproximas-te da parte mais viva de Espinho e, ao longe, observas os pescadores que consertam as redes – corpo curvado, caras muito bronzeadas, uma destreza sem igual que é repetida até toda a rede estar vista, revista e aprovada. Mulheres com indumentárias de viuvez misturam-se com jovens com indumentárias de malvadez, jovens distanciados bebem um copo, pescadores reunidos trocam impressões sobre um mar que está mais energético do que o habitual. Respiramos profundamente aquele misto de conhecimento marítimo profundo, maresia, vozes com tons e palavras tão castiças de escutar…entramos novamente em terreno urbano.
Evito a esplanada indo pelo lado nascente da rua 2 e subo a rua 23 com cara de poucos amigos, para voltar na rua 20 e começar a segunda volta do trajecto!
Não é rotina, é usufruir da natureza, de todos os tipos – 11/2/2021
Podia ter fingido que não te via, apesar do conflito que estavas a ter com a máscara, mas jamais deixaria de presentear os meus olhos com a tua visão. É verdade que dei um mau jeito ao pescoço e hoje já tive que massajar durante o passeio. Foi apenas um hino ao silêncio, tal como o “Sound of silence” que outrora ouvimos juntos, muito embora eu sentisse demasiado ruído em torno de nós – não é de agora mas senti muito ruído numa linha de comunicação que já soubeste gerir melhor mas, por outro lado, quem sou eu para questionar o ruído que cada um escolhe como acompanhamento? É uma pergunta retórica!
A manhã começou bem cedo – num misto de cansaço dos passeios diários e vontade de ficar ainda mais cansado – e a meteorologia estava perfeita – sol nas costas no retorno e de frente no caminho de ida (que maioritariamente pode ser feito sem máscara pois não há ninguém com quem te cruzes). Apenas me cruzei com um carro e um cão minúsculo mas com uma atitude de pastor alemão! Os jardineiros procedem ao corte de algumas plantas com mais pólen e as abelhas que ainda existem acompanham-nos – há uma coreografia improvisada pelo facto do acompanhamento de abelhas não estar tão cuidadosamente planeado por parte dos jardineiros!
O misto urbano/floresta permite a conjugação de um pouco de vida social – enquanto andas e cumprimentas quem passa, sem abrandar o ritmo – e o respirar fundo por entre uns bons hectares de floresta – onde sentes o teu corpo a agradecer a dádiva!
São dias atípicos mas facilmente moldáveis para satisfazer o autor – 11/3/2021
Não conheço os efeitos secundários de pessoas auto proclamadas alfa mas, enquanto adepto do povo Zulu – que é um dos responsáveis por existir um dialecto que é falado em quase toda a África – reconheço-me como macho Zulu (ou Sigma, armado em moderno! 😂😂😂)
Dia 19 de Novembro de 1999 foi o dia em que parti para conhecer Moçambique. Saímos da Quinta do Lambert em cima da hora, para o habitual trajecto de cinco minutos que fizemos num táxi amigo (de maneira a evitar a má disposição que corridas curtas causam aos taxistas). Chovia, muito e o Futebol Clube do Porto jogava contra o clube de Lisboa que joga de vermelho. Embarcamos e, quando o A340 aterrou em Maputo, havíamos ganho o jogo por 2-0.
No aeroporto, aguando do primeiro golo – superiormente executado pelo Capucho, dei um salto enorme no ar e reparei que um desconhecido se aproximava, a esfregar as mãos e de sorriso aberto. Assumi uma posição defensiva uma vez que a última vez que eu tinha ouvido falar em tais reacções as notícias eram oriundas dos duches das penitenciárias de Custoias, Paços de Ferreira, Pinheiro da Cruz, etc…O sujeito chegou perto de mim e perguntou:
É golo? E eu, ainda com um golpe na traqueia em caso de emergência na mente, respondi afirmativamente.
Eu sabia, disse o aprendiz de feiticeiro. – Quem marcou?, acrescentou enquanto o sorriso lhe rasgava a cara – de orelha a orelha e mais além!
Foi o Capucho, respondi enquanto cerrava o punho com a força que só um Portista conhece.
Amuado, o sujeito afastou-se e eu, que não sou muito discreto no que toca a coisas irracionais como o futebol, soltei uma gargalhada tal que senti que os controladores de tráfego aéreo davam instruções a todos os aviões em espera até saberem o que era aquilo. Por um breve momento o sujeito foi feliz….
Nos dois dias que destinamos a visitar o Krüger houve momentos em que nos cruzamos com locais que não falavam nem Inglês nem Português. O Agostinho – um homem fenomenalmente culto transformado em guia turístico – tentou dialogar utilizando um dialecto e ficou tão pasmado quanto nós quando se deu conta de que o diálogo era possível. Foi um momento único de reconhecimento por tantas insuficiências que África tem e a maneira superior como conseguem sempre improvisar uma solução! Uma mudança de abordagem, por muita dúvida que provoque, é uma grande solução!
A Ana Claúdia um dia perguntou-me qual o local que eu mais gostaria de visitar e eu, que tenho a mania que tenho sempre uma resposta pronta, respondi: Bazaruto! Recordo que ela achou estranho que eu pretendesse visitar um sítio que já conhecia, sem reparar que o pretendido era mostrar-lhe um sítio que eu sei (é uma certeza) que é dos mais belos que o mundo tem.
Num pequeno arquipélago, ao largo de Inhambane, para onde nos deslocamos de helicóptero porque haviam cultivado no meio da pista de aterragem de aviões, há um resort do Pestana que é maravilhoso! Combinando o facto de sermos, na altura, da família do Director-geral, ajudou a que nada nos faltasse e nunca tivemos necessidade de pedir, o que quer que fosse, num exercício de telepatia que nós não sabíamos existir. Podes nadar com golfinhos ou com tubarões bebé, podes passar o tempo no mercado de rua mais arcaico que conhecerás ou a percorrer os quilómetros que a maré criou entre ti e o mar, podes subir uma duna – que demora cerca de uma hora a ser escalada – ou fazer ski aquático no Índico – sempre pronto para fugir, (dos tubarões adultos) em caso de queda! Em resumo: o pequeno arquipélago tem uma amostra muito reduzida do mundo, tal como o conhecemos – permite todo o tipo de relaxamento ou actividades e faz-te crescer numa empatia que provavelmente alguns descobrirão pela primeira vez. E isso…isso é o único gourmet da vida que eu procuro! A consciência de saber do que realmente gosto.
As migalhas de uma dezena de pães oferecidas a uns pássaros que me olhavam com um misto de simpatia esfomeada e histeria controlada. Observo-os enquanto interiorizo a certeza de que até eles conseguem controlar histerias e pergunto-me o que diria Freud, se conseguisse deitar os pássaros num divã, para uma análise mais terrena e mais assente na terra.
Freud certamente culparia a mãe dos pássaros – todos os voos da vida seriam escrutinados, todos os sítios por onde voaram, de onde descolaram e onde aterraram. A dieta seria analisada em função dos voos efectuados – ao mais ínfimo ingrediente.
Nada faria o cientista afastar-se da verdade e finalmente a humanidade saberia controlar as histerias individuais e assim progredir. É isso que se pretende da vida, não é? O nosso progresso individual, sem fricções, em prol de um conhecimento mais vasto e nunca se detendo na missão constante de angariar mais conhecimento. É a minha definição!
De uma amálgama de folhas mortas começa a surgir a primeira folha do que se deseja uma laranjeira! Não que não saibamos o que plantamos mas porque este jardim é uma experiência permanente no que à introdução de novas espécies diz respeito. Já teve mais de botânico mas sempre soube achar espaço para novas espécies! Numa espécie de altruísmo e bem receber, eis um jardim que se sabe adaptar para que outros possam sobreviver juntamente consigo.
O jardim dá-me uma retrospectiva da vida – são 41 anos de casa – e se é verdade que participei na aventura que foi o enchimento deste jardim também é verdade que o abandonei nos anos de trabalho no estrangeiro – perdem-se algumas virtudes e exercitam-se alguns defeitos, algo também inerente à vida! Mas, voltando ao jardim, ele é o meu campo de visão sempre que me sento no cimo das escadas de caracol (mais conhecido como o meu degrau). O jardim e as suas cores, os seus aromas, a sua frescura e a ternura com que ondula, os pássaros que mergulham na procura da migalha prometido e as formigas que fogem com uma migalha que não vai caber no formigueiro. Mania das grandezas….
Mas, os pássaros voam e nós aguardamos em terra pelo seu retorno! – 7/3/2021
Cheguei junto da praia para tentar perceber que ruído era aquele…soava como vidro a raspar em vidro mas, após analisar mais atentamente, percebi que se tratava de uma manifestação de grãos de areia.
Do lado do mar estavam os grãos mais românticos e despreocupados e, já junto às cercas que preservam as dunas, havia os grãos mais racionais e afastados do romantismo. No meio havia pedaços de vidro – obtida pela fusão dos grãos mais acalorados – e ninguém arbitrava a revolução de vidro que se avizinhava!
Caminhei lentamente para me aproximar do terrível cenário que os meus olhos testemunhavam, passando pelo grão mais curtido do mundo que, na cova de areia, comia pipocas e observava o espectáculo…divertido acima de qualquer outro grão de areia com que anteriormente me tenha cruzado – ofereceu-me pipocas, um pouco do sumo que bebia pela palhinha e convidou-me a sentar ao lado dele.
Achei mais seguro ter a companhia de alguém que fazia parte da sociedade que os meus olhos testemunhavam estar a digladiar sem tréguas. Agradeci o que me foi oferecido mas a minha curiosidade era bem maior do que o minúsculo pacote de pipocas e sumo que o grão de areia ia abatendo – sôfrego, com uma expressão alucinada e mascando de boca aberta!
“É por causa de um casal de namorados”, exclamou o curtido, por entre pipocas e uma sorvidela do sumo.
Eu não fazia ideia que os grãos de areia formavam casais pelo que arrisquei perguntar:
“Há muitas discussões entre casais de grãos de areia?”
O grão de areia curtido olhou-me, muito lentamente, percorrendo a minha silhueta, da testa aos mindinhos, e exclamou:
“É também por tua causa Henrique.”
Se todo o cenário já se assemelhava estranho, estou certo de que conto com a solidariedade de V. Exas quando afirmo que fiquei perplexo! O grão de areia parou de olhar para mim e, terminando o sumo e as pipocas, levantou-se e eu, temendo ficar sem saber toda a verdade, segui-o até uma área de reciclagem e pedi-lhe para aprofundar o que tinha afirmado e ele, sem cerimónias, exclamou:
“Os grãos de areia estão a discordar em relação ao dia em que foram catupultados para dois belos corpos que eles achavam iriam ser o eterno porto de abrigo deles. De um lado estão os grãos que pretendem que o fluxo da comunicação seja o mais rápido possível e, do outro lado, os adeptos de Marconi e da comunicação por impulsos.”
A minha expressão corada deixou a nu qualquer tentativa de ocultar o que me ia na cabeça. Recordava o engraçado de todo esse dia e a empatia superior que unia os corpos. O detalhe de não existir detalhe que nos separasse, o abstrairmo-nos ao ponto de, mergulharmos juntos numa vaga que nos uniu ainda mais. Ou apenas molhou, julgava eu, até presenciar a manifestação dos grãos de areia.
Peguei no grão de areia curtido e, juntos, caminhamos até junto da torneira do lava pés. Ele, que era de raciocínio rápido, percebeu imediatamente o que se ia passar e deu uma sonora gargalhada. Carreguei na torneira do lava pés e a água começou a fluir. Libertando o pé direito da havaiana fui dirigindo a água para a manifestação que ameaçava transformar as praias do mundo em formações de perigoso vidro. Aos poucos os grãos de areia foram esfriando e, sem atingirem os 1250 Celsius, deixou de haver ajuntamentos de vidro. Eu e o grão de areia curtido trocamos um sorriso muito aberto e uma gargalhada sem paralelo no universo. Não havíamos vencido ou sido derrotados! Tão só e apenas resolvemos, pacificamente, uma manifestação que ameaçava transformar a face da terra, tal como a conhecemos.
Da beira-mar até a um hotel na freguesia, concelho e distrito vizinhos. De voltas pelo interior, a visitar uma freguesia do meu concelho, atravessando de maneira a estender o passeio pelo limite sul da cidade – sem ritmos frenéticos ou outras invenções.
Os caminhos das aulas de Educação Física, os aromas dos 11 anos, a procura por marcos de então apenas para os redefinir ou actualizar para marcos de agora. A vegetação, a humidade, os animais e as pessoas são já totalmente diferentes da cidade….a minutos de distância!
Uma encruzilhada amorosa entre o querer ser sarcástico e oferecer um Tamagotchi a outrem e apelar a que a maturidade a ilumine e um amor constante a quem só apetece gritar ao ouvido, sem magoar “Temos o mais fácil dos problemas de comunicação para resolver. Queres trabalhar nisso?”
Uma visita rápida, para comprar material de hidratação, um estímulo dado ao próprio e assim se continua a progredir por caminhos do concelho de Espinho e vizinhos – a fazer lembrar os tempos da Jota! De sorriso aberto, passo despreocupado, a definir a melhor direcção conforme vais progredindo no conhecimento global do teu concelho inteiro.
Não pretendo da vida ser melhor do que outrem mas tão somente cooperar para que todos sejamos sempre um bocadinho melhor. Soa a lírico mas também é verdade. ❤️ Enquanto ouço os carrilhões do sino da igreja….
Arrepia-me a desconfiança com que as pessoas circulam – nota-se um misto de receio versus desejo por voltar a repetir a festa do fim de semana passado, numa mistura tão incoerente, fruto do desconhecimento e do chico espertismo tão tipicamente lusitano em que a estupidez de querer usar óculos escuros prevalece sobre o uso obrigatório de máscara – como se desafiar a doença fosse mais importante ou inteligente do que descuidar a indumentária.
Tenho o maior apreço por todos nós que, sem ingenuamente questionarmos o que a ciência dita, não deixamos de acompanhar a evolução dos métodos de defesa contra a virose vigente e os colocamos em prática – pela nossa e vossa saúde. Desagrada-me o facto de haver quem pensa que uma pandemia pode ser debatida nos mesmos termos de um jogo de futebol e, enquanto o povo não for educado, tentará sempre debater qualquer assunto como se de um jogo de futebol se tratasse – ignorando, ostensivamente, o claro fora de jogo!
Após uma volta matinal, feita num ritmo infernal que eu apelidei de “Espinho local during the pandemic” – que consiste em acelerar o ritmo habitual porque a volta higiénica deve ser um exercício de respeito pelo próximo e, ao aumentar o ritmo, posso queimar tantas calorias quanto um passeio mais longo num ritmo não tão radical, deparo-me com o aroma da Aipal e, como qualquer bom cidadão espinhense, cedi na aquisição de dois pães – sempre bem tostados e a sair do forno. Compro o jornal por puro saudosismo de coisas palpáveis – e enquanto a Wook não envia o último do Daniel Silva. Euromilhões registado e um olhar mortífero, ressalvo, daqueles que fere, por parte do polícia estacionado que já me viu a voltar da beira-mar actualmente existente.
A reserva de baked beans esgotou ao almoço e lá tive que ir ao ponto de encontro dos dias de hoje…o supermercado! É giro ver gente reunida com o pânico nas faces…há qualquer coisa de David Lynch na cena! Não houve trocas de olhares…foi apenas uma compra de laranjas, bolachas de e sal e o inevitável feijão! São dias feitos a um ritmo tão descontraído que, por vezes, tenho que acordar as pálpebras para efectivamente perceber o que me rodeia.
Imaginemos tudo isto como um simples jogo de solteiros contra casados em que, apesar de haver virtudes e defeitos em ambos, o amor prevalece e o abraço certo surge naturalmente…como uma onda do mar que rodeia um casal empenhado em namorar e que nem se apercebe do que os rodeia porque só eles existem! Esse tipo de amor.
A rir corrigem-se os costumes e, confinados, ainda melhor – 23/2/2021
Nunca os dias são iguais mas, se falarmos em rotina, há logo um maior respeito pela disciplina que a palavra contém…como se pretendesse dar uma imagem responsável a alguém demasiado brincalhão para a aceitar!
Quando chove aproveito para ler no exterior – numa mesa verde, típica do verão – que me permite esticar as pernas enquanto mergulho na ficção/realidade do Ken Follett e da sua maneira tão própria e peculiar de nos ensinar o século XX. É obviamente mais frio do que o interior, mas é o preço a pagar por querer um ambiente de leitura tão próximo da natureza – junto do gato preto que passa sem dar cavaco, da gata preto e branca que está sempre grávida ou do gato branco que, muito recentemente, se mudou para a garagem…
Não há horários estabelecidos para absolutamente nada – numa espécie de empresa de novas tecnologias que prefere ver as tarefas cumpridas a ver os funcionários sob a alçada do horário rígido. Há a obrigatoriedade de comprar fruta e iogurtes, numa base diária, numa forma ingénua de arranjar uma desculpa para mais uma visita ao Pingo Doce. Há a reserva de tabaco que tem que estar acima dos 2 maços, a reserva de cerveja no mínimo de meia caixa (calma, são minis), a comida preparada para as fomes nocturnas.
Há a proximidade como só Espinho proporciona, por entre obras que teimam em manter a cidade dividida quando o projecto inicial pretendia justamente unir a cidade, vou por diferentes trajectos – para evitar o povo, registo o Euromilhões nos dias de sorteio, acrescento uns passos ao pedómetro diário quando reciclo o vidro da noite anterior. A corrida de caricas de cerveja foi a melhor gargalhada, até agora!
A leitura, a música e o Netflix como fiéis companheiros.
No sonho até as pequenas desavenças são engraçadas.
No primeiro sono há a batalha pela intimidade partilhada, a reação a toda uma partilha do que foi o passado, o alinhavar de um futuro que se pretende tão sereno, fluido, apaixonante e abraçado quanto o fluxo de um rio que segue tranquilamente para o mar.
No segundo sono há uma série de projectos comuns que são lançados e apaixonadamente conquistados – uma praia a conhecer, uma montanha a visitar, um trilho que inevitavelmente temos que percorrer, como sempre, de mão dada!
No terceiro sono, e mesmo antes do despertar, cumprimos tudo a que nos propusemos! Nenhum detalhe fica por ser superiormente conquistado por nós. Há sorrisos marotos, beliscões de incredulidade face a algo que tão fácil tornamos de criar, desenvolver e atingir.
Contei o máximo de gotas da chuva que me foi possível e, em cada uma delas, guardei um segredo meu. Implodiram no chão, com o ruído típico da água a bater no chão, e o segredo ficava assim guardado para sempre. Amigas de confiança estas gotas.
“I like the rain. It washes memories off the sidewalk of life.” ― Woody Allen
O alongar do passeio higiénico, de forma a encontrar o Norte, e a visão – sempre diferente, sempre fresca, sempre pujante – do mar! As saudades, que vão sendo combatidas com uns olhares do cimo da Rua 33, acumulam-se numa vontade enorme de mergulhar de cabeça, naquela água gelada, mais uma vez.
O supermercado como ponto de encontro improvável e a esplanada como ponto de encontro fechado pelas autoridades. Todos respiram saudades cientes de que as suas dúvidas são as nossas e todos queremos um fim para voltarmos a ser o que outrora fomos – livres!
Rodeado de obras, como a cidade inteira está, e infernizado pelo ruído ensurdecedor dos camiões das obras a recuar – um PI, PI, PI que deve ter sido calibrado pelo gajo mais surdo à face da Terra pois ouve-se de um lado ao outro da cidade!
A areia lisa a tentar novos recomeços, a mente a negar quaisquer progressos. O mar a babar-se num sorriso aberto de espuma e o povo a sorrir perante cada nova onda – em forma, força e trajecto – como miúdos a verem algo novo…pela primeira vez!
Há uma frase, atribuída a Fernando Pessoa mas que acho que não é verdade, que diz que o autor vai colecionar todas as pedras do seu caminho de vida para um dia construir um castelo mas, eu que sou um gajo que viaja leve, não concordo com o termos que carregar as adversidades para compreender o mundo – é preferível fazê-lo no momento e imediatamente seguir em frente, sem fardos desnecessários. Prefiro a resolução prática e pacífica – quando possível – a deixar portas entreabertas! A corrente de ar não é saudável e eu conheço as minhas limitações enquanto marceneiro. Também é verdade que conheço a chave que reabre cada uma delas e esse é o segredo mais bem guardado do planeta!
Dias de poupança na leitura, profissionalismo no ócio, descrição na hora de ir ao vidrão largar as minis do dia anterior. Conversa com os confinados Gregos e Brasileiros na Irlanda, a impossibilidade de abordar a época do Grémio. Uma janela indiscreta e uma nova amizade “da semana”! Os risos que obrigam a risos de resposta e a interrogação: ela piscou-te o olho porque lhe agradas ou porque pretende colocar-te numa lista de predadores sexuais de trintonas?
As questões habituais em tempo de confinamento – 2/2/2021
Sendo a refeição mais importante do dia há que não descurar o seu horário, o seu conteúdo e, acima de tudo, já projectando o dia que vamos enfrentar. A primeira refeição demora o seu tempo a mostrar-se (eu, pelo menos, acordo sempre com mais apetite por um café do que propriamente comida) e, enquanto cultivamos o apetite, fazemos uma pausa para um cigarro e, muito provavelmente, alguma forma de higiene pessoal (um primeiro passo ensonado).
De conteúdo sempre diferente mas sempre de forma a colmatar as falhas que sentimos, com duração sempre diferente – porque me distraio com notícias, novidades e afins – com um conforto sem igual – uma espécie de melhor braço direito sempre disposto a colocar-nos o caminho correcto, com indicações claras para não me perder em círculos desnecessários a uma vida que sabemos ter um tempo definido que não nos é fornecido. A vida como uma espécie de navegação à vista – aproveitando, com a maior celeridade, as virtudes e desprezando, com igual ou maior celeridade, refeições que não são do nosso agrado. Uma vida gourmet mas com luzes intensas que nos permitem visualizar o que degustamos (se quisesse meia-luz teria ido jantar ao restaurante de uma qualquer mina, com um capacete adequada e uma arma capaz de afastar todos os bichos que se movem nas entranhas da Terra bem como os gazes que, de maneira invisível, matam!)
Vista e avaliada a refeição cabe ao autor o prazer de sentir prazer com a sua degustação – um misto de empatia e gastronomia, numa espécie de aliança diária em prol da energia do humilde narrador. Poderia ser um iogurte Grego e um Freddo Cappuccino – sempre sem açúcar porque realmente eu já sou demasiado doce. Poderia ser o Irish breakfast, com os ovos mexidos, o bacon, as tostas e os pedacinhos de chouriço grelhados, tantas vezes repetido em Lancaster Gate. Ou até os flocos baratos do LIDL que, com um pouco de leite, fazem sempre uma boa refeição.
No fundo….basta haver um consenso em relação ao que gostamos da mesma maneira que o temos para o que não nos agrada.
A gastronomia como analogia para a felicidade – 28/12/2020
Acordei cedo e senti-a a olhar-me. Tinha um ar de quem controla as coisas e aguardou serenamente que nos cruzássemos novamente. Eu andava despreocupadamente pela casa, a cumprir com o dia-a-dia, a ouvir música, a ler uma trilogia, a divagar com os olhos perdidos no limoeiro do jardim. Foi já no final da manhã que senti o chamamento dela. Aproximei-me, de forma muito cautelosa, e olhei-a, de cima para baixo, e exclamei-lhe: não voltarás a controlar a minha vida! Ela, com a sua habitual e auto-intitulada característica Alfa, recusou obedecer e eu calquei-a! Primeiro com o pé esquerdo e depois com o direito. Ela devolveu o número 91 e eu, que não aprecio a presunção, deitei-a fora. Estamos de relações cortadas até o número obedecer ao equilíbrio fundamental numa relação que não queremos que seja de muito peso mas duma ligeireza sem igual.
A minha balança pesa mais do que a tua – 27/12/2020
Talvez tenha sido o tempo o culpado mas, acima dele estou eu, comandante supremo de como vou utilizar o meu tempo! Como culpado cabe-me a mim lutar pela minha inocência ou, após cumprir a pena, começar de novo. Sempre, desde que voltei da Irlanda, soube que este seria um ano sabático mas a pandemia veio prorrogar o tempo inicialmente estabelecido e, sem problema, fui ficando perto dos mimos e dos afectos ao invés de partir para um novo desconhecido no meio de uma crise de saúde mundial. Tenho a sorte de não me faltarem apoios mas, como forma de agradecimento, sinto que uma mudança é necessária.
Não se trata de resoluções de ano novo ou cenas do género mas tão só e apenas uma decisão que tomei que, muito provavelmente, me levará para um novo país (muito embora a Grécia nunca fique esquecida) onde chegarei em melhor forma – física e psicológica – do que aquando da chegada à Irlanda. Quero andar mais e muito e, se porventura voltar a dar os passeios de conhecimento pela cidade, não estranhem – é a minha maneira de tentar restabelecer o contacto com a cidade – constatar novos sítios, novas casas e, infelizmente, novos prédios. Sempre, desde os 14 anos, fiz estes passeios! Primeiro como forma de nunca usar o mesmo percurso para o emprego – que, na altura, era no Parque de campismo de Espinho e, mais tarde, como maneira de constatar o que havia mudado na cidade mesmo que tal obrigue a um esforço diferente para tentar recordar a imagem mental que tínhamos daquele local, antes da mudança. Um exercício que estimula a memória e nos dá a conhecer a cidade que, cada vez mais, está entregue a pessoas cuja visão de beleza da cidade é nula! Há excepções, que preservam uma das duas riquezas de Espinho, o património arquitectónico. A gente Espinhense é a outra riqueza que, cada vez mais, sentimos partir e, em sua substituição, recebemos uns habitantes tipo guna….
Tudo na vida está em constante evolução – seja positiva ou negativa. Cabe-nos a nós, e à nossa percepção da realidade, avaliar se há algo positivo ou negativo nessa mudança. Por vezes o instinto falha e acabamos por fazer juízos de valor que não correspondem ao que nos cerca mas, usando o intelecto, rapidamente conseguimos repor a verdade dos factos. Os factos, essas provas não refutáveis, impedem o sentimento pleno que, apesar de perdoar, não esquece.
Comemos polvo, ao contrário da maioria do povo, porque gostamos. Mãe e filho sentados na mesa, ao lado da lareira. A rever o “The Color Purple”, por entre as sobremesas com que sonhamos, a falar do ano que passou e perspectivas para o futuro. Uma noite tranquila, de confraternização, comes e bebes!
Se escreveste a carta e a enviaste atempadamente então não tens nada com que te preocupar. Espero e desejo que tenhas colocado o valor correcto do selo do correio e que a carta contenha a única palavra possível de nos reconciliar. Que seja uma carta frontal, por uma vez na vida, honesta e escrita com o coração e não com a mente, com a emoção a prevalecer sobre a razão.
A escrita deve ser fruto do que sentes e, sem pensar, colocar as palavras no texto. Não podes rasurar mas podes fazer ressalvas, podes fazer revelações que consideres pertinentes num sentido de uma bem maior transparência. Ler soluções, somar palavras que se traduzam em acções, sentir-te no meu coração a cada letra, sentir-me abraçado em ti fruto do texto.
Uma espécie de analogia da vida – as ondas passam os dias a bater no esporão e a altura que alcançam parece ser maior a cada dia que passa. A quantidade de areia recolhida pelo esporão é directamente proporcional ao estado de conservação em que se encontra pelo que os locais agradecem e zelam pelo seu bom estado de conservação!
Numa espécie de visão sentimental da coisa a pergunta fica no ar: como se sente o mar com este desafio diário? E com o facto da areia lhe ser roubada? “Está na natureza do mar que assim seja”, poderão afirmar mas eu preciso de provas científicas de que todo aquele trabalho diário está documentado num qualquer acordo, com os direitos e deveres do mar devidamente salvaguardados!!!
Confesso o meu egoísmo, no que a captação de areia diz respeito, mas também confesso que me dá muito gozo ter uma praia tão grande. Uma praia que nos permite optar pelo melhor local para colocar a toalha e começar todo o trabalho que um dia de praia exige. A vantagem de poder escolher uma praia que começa no limite de Gaia e termina no limite do concelho de Espinho! O fazer um dia a dar um mergulho em cada praia, de ida e volta ao ponto inicial, é o meu desafio….assim que a meteorologia o permita. No final designarei a minha praia preferida e, com a areia dela enrolada em mim, seremos felizes para sempre!!!!!
O título até pode soar a pedofilia mas a designação advém da irritação causada por gotas que parecem conhecer o labirinto para nos irritar (tal como o exemplo da criança que faz uma birra). As gotas, com uma precisão ao nível do Google Maps, encontram um destino em nós – sempre com um impacto de frio que nos mostra que a realidade pode ser dura e refrescante, ao mesmo tempo! O incómodo pode, igualmente, ser visto como uma prova de vida! Senão vejamos: para uma pessoa muito sensível a gota vai despertar os sentidos adormecidos que, perante as evidências, apenas se podem render!
Gosto da chuva – e ela sabe bem disso ou não reagiria de uma maneira tão salutar. Mas não basta gostar da chuva – é preciso sabermos conviver e, acima de tudo, respeitar a sua natureza enquanto a nossa também é respeitada! É isso, assim simples, um salutar jogo de respeito mútuo! Sabermos usar um guarda-chuva para as situações em que a pluviosidade se adivinha perigosa e, pelo contrário, saber gostar das gotas de água a escorrerem pelo nosso rosto, com a situação de comichão inerentemente presente, sempre que se trata de uma chuva menos poderosa. O “saber estar” como condição fundamental para o triunfo de duas forças da natureza!
Não se trata de um jogo de poder de autor versus a natureza mas sim um pacto de não agressão, respeito mútuo e vida em conjunto – numa espécie de inevitabilidade amorosa entre dois elementos da mesma natureza. Não se trata de competir mas sim de entreajuda e superação. Não se trata de ganhar ou perder mas tão somente e apenas de, juntos, superarmos as agruras e desafios da vida. Quando a chuva passar de miudinha a chuva intensa…aí teremos o Nirvana que procurávamos!
Ventos do Golfo do México a afectar o autor – 21/12/2020
Sempre foi o meu segredo mal escondido, aquele amor antigo que, mais do que crescer comigo, fez do meu crescimento uma aventura de deliciosas visões. Imatura pela manhã, em que se assemelha a um bocejo humano, muito madura na forma como se deixa cobrir pela escuridão. Sempre com sons novos, por vezes interrompidos pela estupidez humana que preza o ruído como forma de comunicação, sempre com tons novos, sempre com coisas novas que mudam de forma e alteram a nossa percepção que tínhamos das coisas.
Adormeço acordado a deliciar-me com cada momento novo e, como pessoa que não tem paciência para futilidades, refuto toda e qualquer tentativa de desestabilizar essa paz. Ando de cabeça erguida na rua, não porque esteja acometido de alguma enfermidade mental mas tão só e apenas porque não quero perder nenhum dos momentos (dentro do humanamente possível) que ela me proporciona. Uma espécie de amor profundo cujo corpo se vai adaptando às necessidades do dia e o sentimento evolui numa dimensão honesta e despreocupada.
Sempre me afastei de pessoas menos dotadas intelectualmente – não que eu seja um génio – bem longe disso – mas porque considero que a procura do conhecimento é um dos nossos objectivos máximos na Terra. Não porque seja arrogante mas porque tratando-se da minha vida, da minha felicidade, do meu amor, eu posso ser autoritário na minha procura e, como o nosso tempo escasseia numa medida que não nos é dada a conhecer, prefiro aproveitar o meu tempo com aqueles que realmente adicionam algo ao meu percurso. Já me cruzei com pessoas brilhantes mas desprovidas de sentimentos, já me cruzei com pessoas cheias de sentimentos mas desprovidas de razão e talvez tenha sido essa lição de vida que me tenha trazido aqui.
É a natureza o amor de que falo. Tem sempre razão e delicia-nos com essa racionalidade. Dá-nos dias maravilhosos que, usando os olhinhos, conseguimos perceber. Muda, constantemente, e sabe ilustrar essas mudanças constantes com tons de cores magnificos – daqueles que tentamos recriar numa paleta de cores mas a tarefa assemelha-se impossível e a tela fica aquém da realidade – uma mentira, portanto. Não procuro, apenas encontro. E será sempre esse o mote a comandar este amor pela natureza…nunca procurar….apenas olhar! E, assim, sou feliz. Irónico que o seja com tão pouco? Nunca enxergaste a natureza em todo o seu esplendor se não concordas e essa ignorância só será superada com uma abertura total ao que a natureza nos dá!
Eu não lhes chamava curvas mas sim as linhas perfeitamente idealizadas para mim. Esculpidas no mais belo tom, ruborizada de maneira sempre oportuna, um sorriso que me faz engolir em seco e apreciar, mãos que me permitem a proximidade sem as indecências que o cérebro conjetura. A primeira vez que te vi o queixo caiu-me pelo que mantive sempre a coerência quando colocado perante a tua presença. Provavelmente notaste e eu talvez também tivesse notado que saías do banho – de toalha geometricamente enrolada num revelar de formas que gravei numa ROM da minha cabeça!
A maneira como nos fomos conhecendo envolveu a estratégia de fugir do local errado, o chegar ao maior mercado semanal sem querer largar, o ouvir o “The sound of silence”, a humidade de uma onda que nos enrolou e nós, inocentemente, enrolamo-nos ainda mais. Aspiramos a ser o que quisermos e como quisermos. O gorro obriga a um pouco de cardio – fundamental para dinamizar o fluxo intestinal, o teu toque faz-me vibrar e a tua mão fria é o ânimo necessário para mais um dos nossos sorrisos vermelhos que, por trás do corar infantil, esconde dois corações adultos imersos um no outro.
Perdido no 4G – porque amantes de todo o tipo de ondas – achou-se no contacto. Achado no contacto perdeu-se no toque e teve – sim, foi uma obrigatoriedade racional e, se pesquisarem na internet, certamente encontrarão literatura sobre o assunto – teve que a abraçar e, como duas peças de um puzzle, encaixaram nos braços de uma maneira tão perfeita que nem os melhores artistas conseguiriam produzir ou, permitam-me a modéstia, jamais sequer aspirar a reproduzir! Era mais do que uma obra de arte….era a NOSSA obra.
Era um dos jogos da pequenada, no meu tempo, por ser um jogo que combinava o físico (correr para o mais longe possível), a inteligência (até podias nem precisar de correr desde que te soubesses esconder), amizade (jamais envergonharias um amigo sendo o primeiro a aparecer e “livrar-se”), confraternização (independentemente do resultado o final era sempre uma celebração de gargalhadas e boa disposição).
Foi nos desses jogos que decidi não guardar o nome de um dos participantes. Entabulei conversa e aguardei serenamente que o habitual acontecesse. A previsibilidade permite sempre prevenir a perplexidade (adorei esta frase profunda…não volto a escrever outra tão cedo…ahahahahahah). No jogo de escondidas a previsibilidade é, aliada a uma boa audição, o antídoto de todos os futuros mal entendidos. “Não jogo mais contigo”, apeteceu-me exclamar mas o nome do jogo proíbe que os participantes deixem de participar. Quem fez as regras????
Fugiu da sociedade habitual e refugiou-se em novos hábitos (alguns dignos de agente secreto). Por entre becos e ruas, por entre obras e ruas normalizadas, escondia-se em percursos que jamais se recordaria de percorrer – tendo inclusive percorrido áreas consideradas – pela sua interior Protecção Civil – como sendo pontos amarelos e/ou vermelhos. Houve momentos de alto risco mas a prova foi superiormente superada com apenas meia dúzia de encontros. Um registo digno de um sniper, na sua melhor semana de campo!
Desabafos por entre gargalhadas não recalcadas!!!! – 19/10/2020
Talvez fossem apenas a soma de uma série de exageros gastronómicos, superiormente regados por pipas de cerveja – sempre estupidamente gelada, noites feitas a partir do comprimento da reserva de cerveja existente, sofás a merecerem uma olhadela por parte de uma equipa do CSI mais experiente, gargalhadas e recordações, frases feitas e tradições, sorrisos sobrepostos enquanto as mentes vagueiam. Quais varizes, tatuadas no ânus, as hemorróidas atormentavam o autor mas nada o faria parar e, qual fénix renascida, começou a usar o bidé mais amiúde.
Não sendo o exercício físico ideal era o possível. Enquanto homem que caminha para o meio século de existência ele foi o sujeito passivo e, deitado na cama, observava calmamente cada nova incursão da adversária. Via-a a caminhar despreocupadamente pelo terreno e, sem pudor, a avançar a passos largos para a vitória. Confesso que a emoção me percorreu a espinha quando a última bola foi tocada. É verdade que já tinha havido momentos muito mais espontâneos e até com pessoas a chamarem-nos para a mesa mas guardo esta meia-final do torneio feminino de ténis como uma batalha a que fui feliz por ter tido a oportunidade de assistir. A felicidade é o atingir de um dia à dia de momentos felizes que, qual manta de retalhos, colocam um sorriso parvo nas nossas faces! Que exibimos, com orgulho!
Consigo transformar pesadelos em sonhos e lágrimas de dor em lágrimas de alegria! Os pesadelos são sempre dirigidos para um Henrique puto, sentado diante do mar espinhense, e a rir-se com a alegria que sempre foi mergulhá-lo e sentí-lo no corpo. De cabelos sempre longos e encaracolados, cheios de areia das máquinas de lavar com que as ondas nos projectavam para fora. De férias – os míticos 3 meses de férias – de fato de banho de padrão escocês, comprado no Marks and Spencer. Para as lágrimas tornou-se ainda mais fácil desde a vitória do Miguel Oliveira….hoje em dia basta-me revêr as imagens da vitória para que qualquer eventual derrame do lago lacrimal passe a ser de alegria. Vou experimentar com cebolas e ver se resulta!
É alguém que me acompanhou, num percurso profissional de 11 anos…quase 12, e que sempre me ajudou a concretizar as tarefas que o emprego impunha, com o menor esforço ou stress. Se a era das máscaras veio para ficar eu devo confessar que vou passar por pessoa mal educada pois não consigo reconhecer as pessoas mas, após a máscara removida, eis a antiga colega de trabalho que já não via desde 2013! Falamos de tudo, sem aprofundar nada. Matamos saudades de um tempo em que, apesar das poucas armas que tínhamos, fazíamos verdadeiros milagres em termos de vendas e a sua entrega ao domicílio. Foi uma salutar recordação de pessoas que tanto nos dizem e com quem já não teremos oportunidade de confraternizar novamente. Foi bom, muito bom!
A salutar constatação que uma noite que querias calma, a um canto, a ver passar tudo e todos se pode transformar numa amena cavaqueira entre pessoas que não encontrarias, mesmo se procurasses. Cumprimentos enviados a quem os merece e as despedidas trouxeram a última cerveja, acompanhada de um amoroso “É mesmo esta que vai fazer a diferença?” – ao que me apeteceu responder que sim, foi! O caminho, feito junto ao mar, foi a mais tranquila das viagens para casa deste verão – as ondas a mostrarem tantas oscilações, as rochas que ficam despidas quando a maré desce, a gota de maresia que bate na cara. E tudo isto enquanto aquele muro me ia acompanhando, do lado direito, e eu ia recordando o quantos muros serão necessários até nos sentarmos e
falar, num diálogo que parecia prometido mas que peca por tardio.
O domingo trouxe o ócio – uma vontade enorme de não despir o pijama, não tomar banho….ser um inerte humano, só hoje! Fechadinho no meu cubículo e em contacto com o mundo….é o máximo a que posso aspirar hoje! E muito feliz com isso!
Ao contrário da jangada de pedra, o narrador navegava numa xanata maravilhosa, de um negro pronunciado e com a marca da xanata bem visível. Compradas em plena Copacabana e com percursos percorridos pela América do Sul e Europa, a xanata esbarrou numa pedra cujo discurso – pleno de promessas e oco de acção – se assemelhava a exactamente o mesmo percurso do ano passado e, segundo o Paulo Coelho “Quando você repete um erro, já não é mais um erro: virou uma decisão…”.
Alguém, que não Fernando Pessoa, escreveu “Pedras no caminho? Eu guardo todas.” e eu, que assumo gostar de ser diferente do cidadão comum, olhei demoradamente para a pedra e, constatando que seria a pedra que um pinguim escolheria para oferecer à amada (faz parte do ritual de acasalamento) – era esférica, achatada e de cores belíssimas…talvez a mais bela das pedras – atirei a pedra rente à água e, após 2 chapinhadelas na água, ela afundou…e tudo se assemelhou à vida real. Demasiado real…
Após a caminhada da manhã – que hoje foi para Sul – seguiu-se a caminhada para Norte e, após os cerca de 20 Km percorridos, a equipa estava pronta para o recarregar de energias que o jantar providenciou….favas, estavam deliciosas! As reuniões na sede do agrupamento religioso com fins lucrativos é agora proibida após as 20 horas e o povo reúne-se na sede do agrupamento maçónico – sem régua, avental ou esquadro. Dias de aprendizagem contínua, chutando todas as pedras sem magoar os transeuntes.
A doce alegria de saber que posso sempre contar comigo!
Ainda não consegui perceber como funciona o encontro de pessoas mas, por vezes, há momentos muito recompensadores, mesmo se só compreendemos o primeiro nome. Olhamo-nos, sem nos conhecermos, assim como já nos havíamos cumprimentado, sem que algum dia tenhamos sido apresentados. O António situou-me mas eu estava distraído a olhar-te, a construir a tua imagem no meu cérebro, para mais tarde recordar.
Tens detalhes de pessoa nova na vida de outrém, isto é, na minha imaginação. É um capital de confiança limpo, sem cadastro de inconfidências, manipulações, narcisismos ou a noção errada de que o tempo é eterno – pois, enquanto humanos, nós não o somos! Se é verdade que todos temos virtudes e defeitos então a minha visão deve estar deturpada por sentimentos a quererem ser amorosos…
Desculpa se não fui mais longe mas a noite foi longa e a manhã também já o estava a ser. Sou, neste momento da vida, um alegre observador. Vejo tudo e aprecio – rapidamente desvio a atenção de conversas estéreis sobre futebol, política ou religião e foco a atenção em quem passa, quem está e, sobretudo, quem me sorri e, o teu sorriso, é enorme – em termos do conforto que proporciona. Captaste o meu campo de visão, na sua plenitude, e o mar passou a ser secundário (muito provavelmente vai vingar-se, no meu próximo mergulho).
Observar…esse pequeno gesto que nos pode dar tanto e que nós nos esquecemos de praticar com a atenção necessária…
A história é das primeiras que aprendemos na vida e, ao longo da vida, vai servindo de diapasão…tal o número de versões diferentes que ouvimos da história. As Carochinhas, todos sabemos, distinguem-se pelas pintas logo, a pinta é a unidade que separa umas “com mais pinta” de outras “com menos pinta”. Parece confuso mas é, como outrora disse um Primeiro Ministro Português “É uma questão de fazer as contas”!
Recentemente contaram-me uma versão – chamemos-lhe Versão 2020 – da história acima referida e, ao contrário da versão inicial, esta era um colosso de momentos felizes expressos por palavras. A pinta estava lá, até porque o amor tem tendência a deixar-nos estúpidos nessa apreciação, mas as acções estavam já planeadas para um futuro longínquo ou nunca. A Carochinha havia voado para longe – talvez tenha ido para Lisboa, como na versão portuguesa que envolve as joaninhas…voa, voa…que o teu Pai está em Lisboa (obviamente, nessa versão, havia sérios “Daddy issues” com a joaninha!!!!)
O Outono entrou a queimar e a constipar. Um último mergulho para a despedida e de olhos postos nas linhas humanas que vão passando. Uma última Carlsberg e o casaco a ser insuficiente para o frio. Uma nova constipação mas dessa…eu curo-me!
Sabes bem a sensação de frio levezinho a percorrer-me a espinha e o passo alterado que me causas…sabes, ou não o tivesses notado ontem. Abordamos temas tão pequenos quanto o futebol – as entradas a pés juntos tão típicas das equipas ofensivas – falamos de refeições que queremos partilhar, de momentos que pretendemos reganhar. Falamos, e isso é o fundamental de toda a nossa história juntos!
Sentir o teu toque novamente fez-me recordar todas as pequenas sensações de outrora sem as poder concretizar. Poder tocar-te foi a maneira de deliciar-me com as tuas expressões de prazer. Envergonhados, auto apelidamo-nos, sem que a vergonha fosse barreira para a nossa conversa. Algo que devíamos ter concretizado logo, quando tudo de impulsivo se deu. Foi um esvaziar de saudade acumulada o poder estar tão perto de ti, o podermos falar e o tempo para o fazer.
“Estás a falar com quem te quer bem” disse-te, como maneira de acalmarmos ao ponto de conseguirmos expressarmo-nos. Foi dos melhores nervosos da minha vida – directa, verdadeira e real, disponível e decidida…amei ver e amei, mais tarde, voltar a ver. Porque tudo isto está relacionado com amor e tempo…
Notei a distância no toque – semelhante ao dia dos scones – mas não me ofendi por ela porque é merecida. Notei o sorriso despreocupado e livre que agora exibes e que todas as mulheres do mundo certamente o invejariam, caso o tivessem visto, como eu vi. Notei que queres construir com passos firmes mas bem certos, e isso sempre foi fundamental para mim. Notei que lutaste por restabelecer algo e, por trás de toda a liberdade que exibes, não podia ter ficado mais contente.
Notei as pistas que me foste dando, notei a vergonha em partes do diálogo. Notei, acima de tudo, que engrandeceste o teu vocabulário em mais um vernáculo fundamental para se triunfar nesta vida…o que se foda! Notei que pulsas de vida e adorava ser por ti escolhido para te acompanhar nessa odisséia.
Notei, acima de tudo, que muito provavelmente ambos nos precipitamos. Provavelmente haverá detalhes que não terei notado mas fiquei agradavelmente surpreendido com os que me foram dados a revelar. Obrigado por um pôr do sol singular. Bom descanso.
Lições de vida – há quem lhes chame assim – mas eu prefiro a palavra aprendizagem. O aprender a viver amando alguém com quem estás melhor à distância e sem contacto. Não é uma tarefa hercúlea, apesar do meu aumento de peso, mas apenas uma condição com que vivemos dentro de nós.
Dói? Perguntou a Ana, logo depois de eu lhe explicar todo o parágrafo anterior. Ao que eu respondi que é algo que nos mói a mente sem que o coração deixe de estar presente – é suportável mas injustificável. É não conseguir compreender a outra pessoa e perder toda a intimidade passada. Uma espécie de ferida que jamais cicatriza porque estamos sempre a arrancar a crosta….
Estamos no Verão, vamos é divertir-nos! E assim foi….do pôr do Sol ao nascer dele. Exageramos? Talvez….mas a vida é feita de pequenos exageros de gargalhadas abertas!
Talvez fosse da pele morena ou da altura dela mas o facto é que os nossos olhos colam-se, quando os olhares se interceptam. A dada altura viraste-me as costas da maneira mais sexy do mundo e fiquei diante do teu rabo, levantado ao nível dos meus olhos. Senti-me um cãozinho, obedientemente de cabeça baixa enquanto olhava de esguelha. Acabamos sempre a sorrir, quando os olhares se cruzam…será alegria ou um simples jogo de olhos? O futuro o dirá… É verdade que maioritariamente somos nós a força motriz daquele local, tão escondido quanto à vista de todos, e o teu andar e sorriso são um bom alento a querer ser ainda mais adepto daquele clube de bons amigos e conhecidos. De norte surge mais uma verdinha fresca e dou por nós fixados nos olhos um do outro. Talvez também tivesses pedido uma cerveja e julgasses que fosse a tua…
Subimos e descemos nas cadeiras, procurando o melhor ângulo de observação, de tal maneira que qualquer dia as cadeiras, com o desgaste, não passarão de pequenos bancos…ahahahahah. Estavam todos presentes e foi um gozo enorme a celebração espontânea que teve lugar. Saí antes do final porque o final costuma ser uma mistura de álcool e falta de bom senso e, nessas coisas, já tive a minha quota parte de azar.
A vida vai-nos sorrindo e ter sabido o teu primeiro nome foi um passo agradável para esse sorriso.
Invariavelmente sentado no muro ou nas primeiras mesas, ele diz que é um poeta. Chega, bem vestidinho, durante o que eu denomino de “hora segura” e que é até às 11 da manhã, liga o wireless do telemóvel e começa a receber os seus emails. Após umas dezenas de notificações ele começa a ler o que recebeu mas não perde mais do que 2 ou 3 minutos até começar a conversar com as mulheres que passam.
Nunca gostei de pessoas autoproclamadas – porque sempre achei que o mérito deve ser concedido por outros e não pelo próprio, é algo que carece de reconhecimento público. Mas ele escreve umas cenas com piada e,, acima de tudo é um engatatão de primeira classe. Não há mulher que passe ali sem ser interpelada por ele, excepção feita às que seguem acompanhadas! Vou acompanhando a evolução do discurso e rindo-me, silenciosamente, com as táticas de engate aplicadas.
Como uma aranha, ele também tece uma teia para apanhar as mais distraídas. Normalmente interpela-as com os nomes de familiares próximos – nomeadamente netos – e, uma vez a conversa aberta, explora todo o potencial do diálogo. É um poeta, lá está! Gaba-se, perante os amigos, do valor das palavras e a maneira como as usa. Ele sabe da poda…Tira selfies, que provavelmente usa no blogue de que fala, circula de maneira a flanquear as vítimas para a teia acima descrita.
E eu? Vou curtindo a vida vendo o quanto os outros a sabem curtir. Sorvo os detalhes, seja para memória futura ou para escrever sobre eles. Delicioso o momento em que um puto, ainda em carrinho de bébé, exclamou o Awwwwww mais belo que algum dia ouvi. A honestidade da criança, ainda inocente, que sabe exclamar o seu espanto perante a impossibilidade de circular junto à areia.
Gosto das nossas conversas – escondidas e reveladoras, sensuais e com abraços. Como se estivesse num confessionário e tu fosses a pessoa do outro lado (que blasfémia). Seguros que estamos é bom ouvir a renascida que estás. Hoje, enquanto falávamos, recordei as conversas de outrora, que conduziram a umas férias de sonho, sem seguimento. Foi por falta de trincas, só pode ter sido! – admitiu, perante o juíz que o condenou a abraçar-se a ele próprio, todos os dias, nos 90 dias seguintes.
Dias de celebração, dias de conversas em dia e, acima de tudo, de claridade. Os óculos escuros como proteção suprema e o humor de volta aos níveis máximos! Ahahahahah, achei piada… Dias de mergulhos rápidos e esplanadas longas. Jantaradas noite dentro e muita gargalhada. Dentro do que tem sido o confinamento eu diria que estamos com muito boa nota!
Noites de sono madrugador e de leituras mais do que prolongadas. Despertares ao mesmo tempo que o Sol aparece e o sorriso traquinas a abrir a persiana. Café curto no estómago vazio e um cigarro para despertar bem disposto. Noites longe do blogue mas perto de conversas recompensadoras. Noites, dias, minutos….belos, apenas.
Todos nós, ao longo da vida, vamos colecionando pequenas coisas que guardamos na memória. No meu caso específico, a porta da nossa antiga casa é um dos objectos que melhor me dá uma ideia do quanto cresci.
Dos primeiros anos de idade, divididos entre as casas do Porto e Espinho, houve sempre duas portas fundamentais: a porta da garagem do Porto – que me permitia ter uma longa recta após deslizar pela rampa bem inclinada – e em Espinho era a porta de entrada da casa dos avós maternos.
O abrir da porta de Espinho requeria que eu trepasse pelo gradeamento existente e, suspenso, conseguisse alcançar o batente. Hoje, ao passar por essa mesma porta, pude constatar o quão fácil é alcançar o batente e, como se de uma marca de crescimento se tratasse – como outrora fazíamos nas portas de casa para que a memória perdurasse – sorri perante a aventura que era aquela porta.
Nitidamente há uma série de rampas na vida que, podemos subir ou descer, conforme sentimos ser o melhor caminho. A subida implica esforço enquanto que a descer “todos os santos ajudam”. Mas será que são todos santos? Confesso que a teologia nunca me interessou, salvo se servir de referência para nos enaltecer e crescer. A verdade é que, hoje em dia quando passo pela porta, revelo a saudade de ter que fazer aquele esforço – hercúleo, na altura – mas, por outro lado, lembro-me do quão recompensador tem sido todo o crescimento e o quão preparado ele nos deixa para a rotina ou até o inesperado.
Talvez tenha sido no momento em que começamos a fazer os brunches em casa – há certamente uma ligação, que já vinha da primeira casa, que nos uniu ainda mais. Ou terão sido várias e tão variadas e eu nem dei por ela…mas jamais esquecerei o vosso ar de contentamento, logo após a primeira gargalhada. Da nossa desarrumação natural, a exigir uma super limpeza semanal, ao extintor arrancado para segurar a porta. As noites em que era sempre recebido por um carinho, quando chegava a casa…ou isso ou uma cerveja e a entrada numa festa que duraria até às tantas.
Banho tomado logo pelas 8 da manhã, numa praia com 2 utentes ao longe e a aguardar a chegada de milhões que, já a sair da praia, vi chegar…senti-os, ao longe e, após o banho de mangueira, confirmei pelo trânsito que se acumulou…recolhimento na casa da Matriarca e mais um Grande Prémio a gritar impropérios aos pilotos da Ferrari – o Leclerc, desta vez! E mais um fim de semana sem a Ferrari pontuar…o desastre! Ainda bem que os rojões já tinham começado a ser digeridos e o paladar ainda estava alterado pelo bom sabor da carne. O degrau continua igual, na sua capacidade de me fazer levitar e pensar em tudo enquanto em nada penso. Um ritual que vem de 1990…por aí…o gostar daquele assento, daquela vista, daquele momento…o amor por algo tão simples quanto um bocado de cimento no que, para mim, é o sítio certo. A visão foi perdendo as macieiras mas ganhou a hortinha, um limoeiro cedeu mas uma laranjeira triunfa agora….o Fred desapareceu e deixamos de ter o cágado caçador de caracóis…os gatos vadios proliferam e são acolhidos, os pássaros pedem as migalhas do cesto do pão que, obviamente, cedo. Coisas simples de uma vivência simplesmente feliz – 12/7/2020
O Patch Adams retrata a vida de uma forma engraçada – um guião feito para o Robin Williams e tão brilhantemente interpretado por ele. A bondade como base para o sucesso, com uma facilidade enorme para quem não tem coração de pedra – nesses casos nem toda a bondade do mundo será suficiente para as mover da inacção emocional, da qual se alimentam e onde eventualmente se multiplicam.
A minha manhã foi de sonho: o mergulho matinal feito a sós, o do meio da manhã já com o descendente e o do meio da tarde também. Alimentamo-nos da soma dos mergulhos, dos banhos de mangueira e dos repastos maravilhosos da nossa nanny de sempre. Uns treinos de andebol pelo meio, o mais velho a ficar sem braço direito, uma espreitadela para ver se já há Grande Prémio ou se ainda chove…
Faltam-me calções secos, temos a casa de praia e a casa de montanha, a toalha de praia não consegue secar a tempo do dia seguinte! É um retornar aos 19 anos de idade, por aí, e a todo um ritual que durava 3 meses e era feito da mais bela rotina espinhense: praia-> casa-> praia. Terminando sempre na casa de montanha, após um banho de mangueira, expostos no solário até estarmos completamente secos.
O sangue corre-me de uma maneira tão livre que o pulsar é por mim sentido. Uma leveza absoluta de liberdade plena – como se todo o sistema circulatório houvesse sido acabado de criar e pulsasse de alegria e curiosidade, pela primeira vez. Cheiro o ar, sinto o vento na cara e fecho os olhos para o melhor curtir, ouço os ruídos ao longe e reduzo-os a uma beleza interior que crio na altura. Tenho um dicionário que transforma tudo mau em bom e só o bom é interiorizado – trata-se de uma publicação de 1 só exemplar que guardo no coração. Onde gosto mais de tudo sentir. A água estava morna! – 11/7/2020
Ainda a recuperar das mazelas gastronómicas do que agora sei ter sido uma experiência do chef, em termos de qual a quantidade de picante que o ser humano consegue aguentar! Digno de um Avillez…mas sem direito a ser publicado! Ahahahahahah Dia tão madrugador quanto recompensador. Com pequeno-almoço a ver o lago da Baía dos Porcos, deslocação ao Porto, apanhar o André e termos tempo para um cafézinho…as coisas simples e boas da vida. Claro que foi na Velasquez e claro que foi no Bom Dia…e sim, ainda me conhecem! Conhecer o Izidoro foi, sem sombra de dúvidas, o momento alto. Semelhante a um comboio de mercadorias – que apreciamos ver passar, no início, mas que se torna aborrecido porque nunca mais acaba…o Izidoro é o mais maravilhoso salsicha que eu já conheci e, em 2 minutos, roía-me a mão, no meu colo, enquanto recebia mimos na barriguinha. A cabeça dele chega à sala antes que o rabo tenha saído da cozinha…mesmo castiço…e comprido, claro está! Parabéns ao sobrinho que completou o secundário e pode agora, com toda a tranquilidade do mundo, definir o futuro. Reunidos na “nossa igreja”, defronte ao mar, ousamos mandar vir uma esperança, sob a forma de Carlsberg…é verdinha! Rimos da vida, das danças ousadas do residente, das músicas e das indumentárias, do ruído das ondas, do silêncio nos céus. Lanchamos, vimos os adolescentes a regressar a casa, as bolas a bater no chão e as colunas bluetooth a bombar. Um agradável passeio de volta até casa e de volta ao confinamento. Umas boas gargalhadas, com uma comédia idiota, e umas 5 horas de sono até me apetecer escrever estas bacoradas. Deitar cedo e cedo erguer… Abraçando a alegria – 7/7/2020
Num dia de algum calor, e demasiados forasteiros na cidade, decidimos confinar na casa da Vóvó. O repasto de bacalhau comido sobre a copa das nespereiras herdadas da rua 14, a água como companheira de hidratação e o café como remate perfeito para uma refeição ligeira. O Matos mais novo a mostrar as suas notas finais e os restantes a reclamarem de algumas décimas que ele falhou em algumas disciplinas, como paródia às excelentes notas que ele obteve (claramente sai à Mãe!!!).
Vimos o Grande Prémio da Áustria juntos e ambos dirigimos impropérios, que não posso aqui reproduzir, aquando da manobra simplesmente idiota do Vettel. Acabaram 50% dos que iniciaram – o que indica bem da dureza da prova e do azar de alguns pilotos – cujos motores, suspensão ou simplesmente sorte não esteve com eles. Revimos as jogadas do campeonato inglês e ainda conseguimos ver um pouco do Liverpool a jogar contra o Aston Villa. Sentei-me no meu degrau e deixei a mente vaguear, num automatismo que acontece assim que o alapar da bunda se dá. Falta-me um limoeiro – num campo de visão tradicionalista – que me dizem foi acometido de um qualquer surto que passou por cá e afectou os citrinos. O outro limoeiro continua lá – velhinho mas ainda com pujança para ceder um ou outro bom limão à família. Por entre banhos de mangueira fomos aproveitando para colocar a conversa em dia e auscultar a opinião do mais novo em relação ao seu futuro. Não há dias perfeitos mas nós conseguimos aperfeiçoar este domingo. De diálogos serenos e construtivos até aos gritos de “Idiota”, “Domingueiro” e afins, dirigidos ao Vettel. Sornei no sofá azul mas ainda não consegui dormir. Ainda recupero dos melhores bifes de cebolada de que me recordo uma vez que o picante, a mim, afecta-me profundamente. Prefiro condimentos mais directos e gostosos, que não hesitam na rampa a caminho do tacho. Condimentos emocionais que, para serem verdadeiros, simplesmente entregam-se, com todo o seu sabor, no estrugido da vida!
Foi o barulho que faziam que me fez olhar. Era um som diferente dos restantes, mais forte e ruidoso. As solas novas, o couro a brilhar, atacadores principescamente apertados…o homem desfila – de costas bem direitas e com uma pontinha de orgulho extra!
Se há coisa que sempre acompanhei, desde puto, foi o crescimento da curiosidade pelo detalhe que, no caso anteriormente referido, foi o barulho que os sapatos faziam! Tudo o resto eram apenas mais detalhes para confirmar que efectivamente era um par de sapatos novos! O andar talvez também denunciasse – já que era um pouco arrastado e típico de quem pretende usar as solas um pouco mais rapidamente, de maneira a evitar um tombo. Um par de sapatos novos é o equivalente, para o homem, a um par de saltos altos, também no homem!
Agora que as férias são a dois, há uma série de cuidados extra a ter em conta. A adaptação aos horários de quem está a crescer muito mais rapidamente do que eu poderia prever (um sonho tornado realidade?!) A conjugação de estilos de vestir e afins – coisas com as quais nunca me preocupei ou preocuparei. Os horários partilhados entre amigas e o Pai (uma pontinha extra de orgulho no adolescente, que já tem uma vida própria paralela a uma em que julgavas poder dizer algo). Os mergulhos a dois são mais vezes repetidos e desfrutados. A cova da praia como trampolim de impulso para a onda seguinte. Uma aprendizagem feita a dois e em que, muito provavelmente, quem aprende mais…sou eu!
O banho de mangueira – uma tradição comum a quem vive perto do mar – consiste na entrada em casa feita pelo jardim, seguida de um longo banho de água gelada da mangueira que, sádica como é, começa por ser um banho quente – da água que esteve na mangueira ao sol – mas rapidamente se transforma na temperatura maravilhosa do mar de Espinho, vulgo gelado!
São estes dias os que mais valorizo no ano – os dias com o amor da minha vida!
Os sinais talvez fossem evidentes mas o facto dos dias serem cinzentos era algo que não o atingia enquanto ser não daltónico. Ávido de cor, desde tenra idade, praticava pequenos exercícios mentais, brincando com a troca de cores nos elementos da natureza que ia encontrando – como que armado em artista paisagístico – questionava-se mentalmente qual a melhor cor que se aplicaria ao elemento em questão. Não que pretendesse desafiar a Natureza – ser supremo que ele ama e respeita – mas tão só e apenas para exercitar a mente em tempos de paragem do mundo.
Trincando mais uma cereja – que sabe que vai afectar o seu tracto digestivo – pergunta-se se a mesma não seria muito mais atraente em amarelo, tipo banana a amadurecer, e, ciente da parvoíce, saboreia a maravilhosa cereja – é doce, era de um vermelho muito intenso e, muito provavelmente, já atravessou o esfíncter para o estómago! O sorriso parvo como sinónimo de um ser livre, despreocupado e de bem com a vida. Como o meme do rapaz sentado no cais a ver o pôr do Sol…
Manhã cedo depositado no canto norte da sede do partido, a tomar o pequeno-almoço, na companhia de um casal de pombas que, agressivamente, procuram o café da manhã delas. O pão serrano a dar luta aos dentes e um belo café a acompanhar. Ao longe há pranchas na água, cercadas pelo nevoeiro da manhã que só levantará quando o vento mudar – numa espécie de metáfora da vida.
O vento muda para norte, a temperatura estabiliza nos 17 e o nevoeiro começa a dissipar….está na hora de ir preparar o almoço! A ficção da vida só pode ser um sonho a ser realizado – 25/6/2020
A conversa talvez nunca tenha acontecido mas, a ter tido lugar, era assim que ele a visualizava. Invariavelmente estariam na varanda e, por entre um ou outro cigarro, o humilde narrador seria “interrogado” pela sua maravilhosa melhor amiga.
Conta-me tudo!
Desde quando?
De 2011 em diante…
E o vosso humilde narrador, provavelmente corado, descreveria os eventos que tinham tido lugar entre o ano referido e a data de então. Consigo visualizar as gargalhadas, as lágrimas de riso e de choro, as nossas expressões de surpresa, o pedido de detalhes mais minuciosos, a partilha de toda uma série de informações sensíveis que eu sabia estar a depositar no cofre mais seguro de toda a galáxia! Não foi preciso muito tempo até a conversa ter sido interrompida, para um recuperar do fôlego de toda a odisseia. E, obviamente, ela percebeu, percebeu bem demais que o maldito brilho nos meus olhos não era fruto de drogas leves mas sim de um coração completamente rendido. Rimo-nos perante as evidências – algo que sempre foi a nossa reação, sempre que atingíamos esse estado. Rimos das coisas boas e das coisas más, recordamos a loucura de tudo e o quão desfasado da realidade – da nossa, pelo menos – tudo era. “Hoje senti-a!”, disse o vosso humilde narrador, nessa hipotética conversa. O sentir alguém era algo que, desde tenra idade, partilhávamos – algo não palpável, nem cientificamente comprovável – mas que concordávamos que existia. Uma espécie de aura que fazia o coração tremer quando sentia a proximidade de outrém, sem que pudesse constatar se outrém estava perto ou não. Mas, que batia sempre certo! Daí a cientificidade com que o usávamos! A rires-te, deste-me a tua aprovação – chamavas-lhe benção mas eu sou ateu e traduzi.
Escolhi o purgatório, baseado no Gil Vicente, pois na altura estava sentado ao contrário numa cadeira, numa clara alusão ao Pero Marques que foste obrigado a estudar. Condensei toda uma grande travessia de vida em textos, pessoas escondidas em animais e outros e muita natureza, sempre representativa de algo maior do que eu consigo imaginar e, no entanto, que quero concretizar! Sem parvoíces, apesar de inspirado pelo parvo de Gil Vicente, mas com muito humor e verdade. Sempre tentando elevar e nunca tentando destruir, a aprender lições de todas as experiências como lema!
Já decidi que só caso novamente em Ushuaia – para evitar muitos convidados e poder fazer grandes caminhadas – e a lua de mel tem que ser em Madagascar, para termos muitos lémures a rodear-nos – permitindo-nos gargalhadas fáceis – e um Índico maravilhoso, com tanto de misterioso quanto de profundo. Com longas caminhadas pela praia criada pela maré baixa, sempre atentos aos caranguejos, de mão dada e a sentir o outro. Atentos aos macacos que tudo roubam num piscar de olhos, olhando os buracos na areia e imaginando as feras que lá habitam.
Os dois, abrindo um novo caminho na areia húmida do Índico como outrora o fizemos no Pacífico ou Atlântico. Unidos por oceanos de cooperação, sem diferenças de temperatura, com ligeiras vagas amorosas e turbilhões de areia a fazerem-nos cócegas. Fazer os peixes corar de inveja do nosso amor, ver as escamas deles brilharem mais numa homenagem a nós.
Vou fazer uma sesta (acordar muito cedo dá nisto) e sonhar com isso – 15/6/2020
Deitado na cama e olhando o tecto branco, defini uma tela. Emoldurei parte do tecto e, partindo do branco absoluto, comecei a desenhar um esboço. Após as múltiplas edições efectuadas, na busca do perfeito absoluto, relembrei agruras e usei cores fortes e, nas emoções plenas, usei o verde mais atraente que a paleta de cores produziu e que temo não conseguir reproduzir… Para as surpresas que a vida me vai dando usei um azul bebé, como que o embrião de uma obra que sabemos ser capazes de construir e superar. Como o interromper de um acordo tácito que tínhamos, e que não incluía cumprimentos, como armadilha futura para ser obrigado a cumprimentar de volta. Amei…
A imaginação ia criando novas cores sem que o pincel conseguisse acompanhar. O amarelo parecia ser brilhante demais mas era um bom ponto de referência para a imaginação carente de direcção. Rematou a obra com uns traços quase que secretos, como se acreditasse no destino e o soubesse replicar na obra, como se sentisse estar a ser conduzido mas a gostar de estar no lugar do passageiro. Uma espécie de recriar uma viagem pelo deserto em que o único oásis eras tu. Não assinou a obra. Aguarda, tão serenamente quanto sempre esteve, um reencontro imaginário em que tentarão superar o maior abraço do mundo – recorde esse que já é detido por eles.
Quando as pessoas estão a dormir nós, enquanto observadores, devemos respeitar esse sono e não incomodar – a menos que o sonho que idealizamos seja razão mais do que suficiente para arrancar a vítima do seu descanso. Infelizmente há muitos anzóis colocados na linha dos sonhos e os “peixes” que ousam sonhar, por vezes, deixam-se levar pelo engodo e, imitando os seus primos terrenos, mordem o anzol. Há os mais fortes, mais sortudos, mais ágeis e os que, numa soma de todas essas virtudes, conseguem libertar-se do anzol mas outros, mais curiosos em saber que bicho é aquele na ponta daquela coisa brilhante, são agarrados pelo metal retorcido sem dó ou piedade! Uma questão de curiosidade fatal – bom título para um filme – em que o simples querer saber mais do peixe se transforma na refeição do pescador. A perversão de tudo o que nos é ensinado: que devemos sempre seguir, com curiosidade, aquilo que desperta em nós esse sentimento! Enquanto agarrado ao anzol, o peixe só pensa em libertar-se! Constata o erro, assim que morde a curiosidade e começa um bailado desenfreado pela vida! Mas, nesta luta entre a natureza e o ser humano, as probabilidades do peixe são muito baixas – nem um 60/40 é, quase que o equivalente a alguém dar call a uma bet de 4BB’s com Ax na esperança de ver um A bater no flop e, mesmo após o A não ter batido, continuar a cobrir as apostas do adversário até perder as fichas todas. Há peixes que, mercê de um bailado que deve ser ensinado no Bolshoi dos peixes, conseguem libertar-se e outros que, para gáudio de todos nós que gostamos de peixe, não conseguem. Dependendo do baile que dão, os peixes poderão ou não sobreviver. Eventualmente até haverá peixes que, com um sorriso entre guelras, saltam de boca aberta para o anzol mas não me parece que esse seja o comportamento maioritário e, certamente, não será o que o pescador espera quando, de manhã cedo, parte para a pesca.
Os linguados, esse sim, têm uma boa vida. A virar-se de frente ou costas – conforme estão na rocha ou areia – são os camaleões do fundo do mar. Certamente sabem o quão saborosos são e daí a atitude de dupla personalidade, conforme frequentam a areia ou as rochas. Com sorte, muita sorte, qualquer um de nós pode mergulhar uma mão na areia e, apertando forte, sacar um linguado mas, o que se passa a seguir é que conta: levo o linguado e como-o ou finjo não ter força para apertar e solto-o? É nessa inércia de falta de aperto que se resume todo um dia de pesca! Quem disse que o assunto era pesca? – 5/6/2020
Os indícios apontavam para que fosse mas as provas inicialmente recolhidas eram inconclusivas. Armado do seu estojo, o médico forense, a olho nú, logo detectou a mentira mas, o olho treinado do detective não o tinha conseguido fazer. Debruçou-se sobre o corpo e, após um curtíssimo exame, retirou cerca de umas 30 respostas negativas, todas consecutivas, com adiamentos ou um pelo encravado no cóccix, havia de tudo. O detective havia caído na maior mentira da sua carreira – num estratagema digno de um Ocean’s 20 – e interiorizava agora tudo, muito lentamente, cada pisadela, cada nódoa negra, cada agressão…o corpo mostrava todas as provas.
Cambaleou perante a verdade dos factos e, olhando para o seu distintivo e revólver, decidiu ali pedir a demissão. O génio maquiavélico era demasiado e, embora já tivesse uma longa carreira, nada o havia preparado para esta Broadway de malvadez. O requinte, os passos repetidos exactamente da mesma forma, as frases utilizadas apenas com ligeiras alterações mas sempre, mesmo sempre, com um adiamento…até ao pêlo no cóccix! Usando-se do argumento “sei o que o irrita logo vou repetir vezes sem conta” estava bem patente no corpo e, numa análise detalhada, todos os pontos necessários haviam sido pressionados. Passou na esquadra, entregou o distintivo e arma e prometeu, a si mesmo e acima de qualquer pessoa, que jamais enfrentaria uma situação semelhante. Uma ocupação de tempos livres, em tempo de verão, não estava nos seus planos! Não iria novamente sofrer as agruras de um patrão que começou como amigo e terminou a época como a pessoa mais malvada que havia conhecido…até então.
Hoje encontrei um grão de areia da nossa época. Já sabes como são os grãos de areia…metediços como tudo. Cheio de coragem, ou apenas dirigido pelo instinto, ele perguntou onde andava a cara metade e eu expliquei-lhe a dificuldade de tempo para poderes estar presente. Não contente com a resposta, e olhando-me de baixo para cima – eu senti-me como um anão diante de um Golias que agora me interrogava – ele perguntou o que havia ocorrido. Deu-me um sermão pela minha actuação e certamente aguarda a tua presença para te dar a tua parte do sermão, assim que possas dar esse passo. O grão bem que pode ser pequeno mas tinha uma memória de elefante para emoções – ele era mais dado a guardar os momentos pelo efeito que causavam nele do que a guardar o que originava esses momentos. Era irracionalmente sentimental e, apesar de viver rodeado de outros grãos, por vezes preferia o refúgio da areia molhada onde os primos grãos, vindos do oceano, mexiam com as suas emoções e o seu conhecimento. Embriagado por toda a informação recebida, por vezes misturava-se com conchas e pedrinhas novas que chegavam para saber mais novidades, sem que a vontade de conhecer mais e mais se desvanecesse! E, nesse aspecto, ele sabia que só tinha visto uma correspondência nos humanos: nós.
Empertigado pela lembrança que tinha de nós, o grão levantou-se – apoiado nos seus AirPods – e ordenou-me que fizesse algo! A única coisa que me ocorreu foi visitar as câimbras que por vezes te assolam e tentar descortinar esperança. Com o grão sentado no ecrã do telemóvel, ele começou a rir-se, quando leu algo sobre escrita do tipo areia – talvez porque fosse presunçoso ao ponto de pensar que lhe era dirigido ou tão só e apenas porque não acha que o actual estado das coisas seja o que ambos pretendem. Com a mente a vaguear pela música de outrora, ele resolveu dar um pequeno passo e dedicou-lha, ali…na breca do pensamento! Talvez este grão de areia merecesse ser um vidro, do mais belo que existe no mundo, mas têm que ser pelo menos dois para haver fusão, lembrou-se…
Era um rio sem afluentes, com duas belas margens dos mais belos socalcos de vinha. Corria para o mar como se a sua vida dependesse disso e, sem se importunar com obstáculos, cultivava desgaste físico das rochas do leito por força da convicção com que sabia que o encontro salgado seria o pico de uma vida sentimental. O racionalismo da corrida para jusante era totalmente suportado pelo emocionante palpitar do coração do rio. Os peixes fazendo jogos com os seixos dos rios, os inertes a darem algumas dores de cabeça ao normal fluxo de água mas, perante tal força da natureza, quem ousava detê-lo? Nas margens o povo sentava-se perante o movimento constante das águas e, maravilhado pela obra da natureza, contemplavam-na num recarregar constante das baterias da vida mas igualmente num espairecer de vazio completo racional em que simplesmente levitamos no mais belo momento de repouso.
Os esquilos tomavam o seu banho, deliciando-se com a facilidade com que detinham um pouco de água e se molhavam, num movimento repetido vezes suficientes para penetrar na espessa camada de pelo. Alguns, os que frequentam bairros de alta sociedade, habituados a saber desviar-se do eventual Mustang que circula entre STOP’s, um pouco mais desenvolvidos do que os ágeis diários da natureza que, sem as benesses de uma vida mais desafogada, mostram um corpo mais musculado, fruto da luta constante pela sobrevivência e pelo cortejo constante de uma vida selvagem! Rodeados de abelhas que, aproveitando o spray da água, se deliciam com banhos que possuem tanto de delicado como de delicioso para elas. Um coyote vem caminhando para montante e fica parado a observar toda a cena. Armado em intelectual da floresta o animal parece esboçar um sorriso perante o quadro com que se depara. Nas alturas, sobrevoando todo o cenário, o condor também usufrui do spray da água, numa proporção inferior por força da altitude, mas tão recompensadora quanto o sentimento dos restantes colegas de margem; dá um ou outro grito de alegria, como se de um vegetariano se tratasse, numa convenção de mudos. É saudado pelos olhares dos animais presentes que o contemplam com respeito.
A entrada do rio no mar, semelhante apenas à entrada da zaragatoa na narina, é um primeiro encontro extremamente emocional: como o adolescente que, receoso da sua inexperiência, apesar de estar a trocar mimos com a futura cara metade (ele ainda não sabe mas nós sabemos), sente um frio receoso na espinha antes de dirigir os seus lábios aos dela. Como se fosse uma chegada internacional, dos antípodas daquele local, e a saudade conduzisse todo o processo – dos olhos fixados nas chegadas até à chegada dos lábios de ambos. Ao vigor do rio a entrar no mar associa-se o imaginário som de uma massagem cremosa após um fim de tarde a ser intencionalmente queimado pelo grande Sol. Um abraço tão extenso e duradouro que rapidamente os corpos se confundem e, fundidos num verdadeiro abraço alfa – não autoproclamado mas aplaudido pelos restantes espectadores e assim legítimo, confundem-se agora num só tão apaixonado que sorriem perante todos os que os rodeiam. Ouve-se uma onda e sente-se que se acariciam, ali perante todos, no mais belo atentado ao pudor capaz de ser presenciado pelo ser humano.
Senti que cheguei e me calcaste os pés para melhor me beijares – e que grande altura ganhaste com esse detalhe – num ajuste de lábios como só nós conseguimos afinar – ao ponto de só querermos que o beijo não terminasse. Semelhante aquele abraço de outrora que, sem palavras, disse tudo e nos permitiu a chegada ao novo mês. Apesar de todas as pessoas à nossa volta, nós sempre fomos desavergonhados ao ponto de querermos estar sempre perto…muito muito perto – tentando nunca ofender quem passava…
Talvez estivéssemos num cinema ou no cimo de um monte, talvez eu estivesse a aprender a guiar com caixa automática ou seria tudo manual? A verdade é que o monte havia sido escalado sem dificuldade – inclusive, quiçá, permitindo uma pausa até para o cigarro do humilde narrador, mas a verdade é que a única coisa que verdadeiramente nos interessava era estarmos perto, muito perto.
A imaginação diz-me que somos ambos doutorados em comunicação enquanto de mãos dadas o que, traduzido, é sempre…talvez geridos pela regra de nunca nos deitarmos chateados e não cumprirmos, para propositadamente o podermos fazer na manhã seguinte. Provavelmente jogamos poker para que assim pudesses ter a certeza se era amor e eu, “infelizmente” ganhei! (Maldito provérbio…que nunca deixamos que se concretizasse).
Eventualmente terei ameaçado fazer a mala e largar tudo para, no segundo seguinte, abraçar-te até termos um aroma comum…o nosso! Talvez tenhamos reconfigurado a decoração, para a tornar mais funcional, e nos tivéssemos presenteado com a melhor esplanada, perto de casa, para um maravilhoso café! Talvez eu me sentisse local, embora não o fosse, e deambulasse por todo o lado sem receios, graças às indicações dadas.
Talvez reclamasses do pequeno-almoço na cama – porque te acordava – ou, eventualmente, até tenhas ficado satisfeita. E, na eventualidade de até já estares desperta, aquele telefonema de bom dia que tanto amacia o meu coração que, apesar de não ter 5G, se sente a banda mais larga do mundo quando o teu nome surge no ecrã do telemóvel que toca.
Era um mundo de interrogações e ele só se lembrava da Filosofia do 12º ano e de como havia deixado a cadeira para, em Setembro, triunfar!
Devaneio próximo de uma tempestade! Venha a bonança. – 13/5/2020