Os mesmos maneirismos.

Ao longo da vida, fruto da experiência ou da causa/efeito, vamos aprendendo que convém experimentar novas abordagens – se o que pretendemos são resultados diferentes – de maneira a alcançarmos o objectivo a que nos propusemos. A minha maior virtude, quando pretendo que resulte, é a humildade (seja reconhecendo o erro ou a envolvência que me levou a errar e partir daí para uma nova tentativa).

Tal como aprendemos a andar, a saber estar calados, a lidar com um casal de ladrões, também vamos constatando que começamos por tropeçar, dissemos algo inconveniente, confiamos em alguém que não merece estar neste mundo – são tudo processos de aprendizagem que nos afastam de errar novamente e excluem cancros da nossa vida quotidiana. Usamos a dor como catalisador preventivo – o alarme soa quando nos deparamos com os sinais que conduziram ao tropeção, ao comentário inconveniente ou ao sociabilizar com gatunos. Evitamos a repetição logo não repetimos a dor!

Pretender que o tempo tudo apaga, aguardar que o erro seja repetido por quem sentiu a dor ou deixar a carteira perante um casal de gatunos, só pode ser um exercício de fé de quem aguarda uma intervenção divina que tudo resolva. É uma espécie de imaturidade social, ou demasiada autoconfiança, que muito raramente dará resultados diferentes dos anteriores. Logo, e atentando a que o tempo é o nosso bem mais precioso, uma mágoa que não pretendemos repetir.

Sentado num alpendre imaginário – até um dia em que o tornarei real e pautarei os meus dias por longas caminhadas no próprio terreno, intervaladas por chuveiros de mangueira e uma dieta dos frutos da quinta – sorrio perante a adversidade do sentir mas caminhar sempre na direção contrária – que evita reencontros, tropeções, palavras inconvenientes ou roubos demasiado familiares. Com uma força Imparável e um rumo tracejado pela razão, a minha razão!

Devaneio de fim de tarde – 14/10/2025

Aos leitores: em breve alterarei todos os textos para uma página no Facebook – de maneira a evitar custos com domínio e alojamento. Nessa altura informarei qual o endereço da página. Obrigado e cumprimentos.

O pássaro pensador.

O egoísmo da liberdade.

Numa qualquer caminhada, sem destino traçado ou cadência planeada. Num qualquer passadiço, de olhar perdido a vaguear por entre a natureza que o rodeia. Num qualquer snackbar, paragem obrigatória de um quotidiano castiço e rapioqueiro.

Uma voz que nos chama de caminheiro e nos acena para aproximar, uma mente que lentamente se desliga da abstração total e tenta perceber quem nos interpela. Um neurónio mais rápido que nos cochicha mentalmente a resposta e um gesto, que se finge inapto, que saúda o interpelador.

Uma cara sorridente responde ao reconhecer as duas caras amigas e um diálogo de recordações que nos faz recuar umas décadas, até um colégio de uma branda saudade. Um discorrer sobre quem éramos e quem somos e uma saudável saudade de simplesmente falarmos.

A constatação da provecta idade e das próteses que agora ambicionamos ter, fruto de todos os excessos que até aqui tivemos. O sorriso como forma de demonstrar que, enquanto falamos do agora e relembramos o outrora, há uma profunda saudade de todos os caminhos que percorremos juntos.

No outro dia miúdos e agora graúdos que unanimemente concordam em recordar o quanto o passado trouxe para este presente e quão recompensador é poder relembrar cada pequeno pedacinho de história que fez de nós quem somos.

Numa qualquer esplanada – 14/5/2025

As más escolhas.

Havia um número quase igual de sombras e, mercê de um qualquer impulso cuja origem desconheço, escolhi uma sombra onde poderia colocar as pernas no sol – que constituía a fronteira natural entre o fim da sombra do guarda-sol e o início do sol de primavera que já ameaçava chamar-se de verão.

Diante de mim está uma jovem dos seus trinta anos ou algo semelhante. A roupa que veste é simples e aparenta ser uma escolha de recurso para quem saiu rapidamente de casa, sem tempo para poder pensar numa indumentária mais cuidada. Claramente a totalidade da conversa pertencia-lhe e não parecia disposta a ouvir conselhos.

Ao lado esquerdo dela está sentado o que parece ser a cara-metade, de indumentária mais cuidada mas, mesmo assim, de cuecas azuis a imitar um fio dental feminino. “Ela quis foi apalpar os tomates!”, diz a mulher e eu, homem que se preza por ser vegetariano em certas situações, levantei a cabeça para ver de onde vinha a frase.

A coluna aos berros, colocada sobre a minha mesa, explicava agora o porquê de não haver ninguém a usufruir da sombra tão estrategicamente colocada – claramente há gente com um poder de análise mais rápido que evita estes inconvenientes sonoros do dia-a-dia. Olhei para a coluna e fingi que o meu interesse vinha dali e não da conversa sobre leguminosas que emanava da mesa em frente.

O dia até já havia começado com piada, com um diagnóstico de hipersensibilidade acústica que, fiando-me eu nas palavras do médico que fez o diagnóstico, me levou a uma primeira gafe no dia…uma mulher que elegantemente caminhava na minha direção e eu, com as fichas todas apostadas na hipersensibilidade acústica, a dizer “que beldade que desfila perante mim!” (no que julgava ser um sussurro) e ela a agradecer o piropo que não era suposto sê-lo!

A quebrar rotinas desde 1970 – 14/4/2025

O abstracto.

Acreditando no formigueiro de uma ligação divinal que a ciência nega, escravizando o pensamento de modo a fugir a sonhos mundanos, totalmente apostado no conhecimento profundo e inequívoco do seu eu interior, ciente do quão agradável a jornada tem sido, antecipando a caminhada seguinte em que a chuva o acompanhará.

Sorrindo perante o pensamento que discorre na sua cabeça enquanto escreve, sorrindo perante o ter optado pela palavra cabeça e não pela palavra mente (que, numa achega simplista, poderia ser confundida com o verbo mentir), visualizando paisagens futuras com base na recordação de imagens passadas, emitindo um sorriso com gargalhada que revela satisfação.

Massajando os pés exaustos da quilometragem de hoje, sonhando com o novo percurso de amanhã. Vestindo-se mentalmente para um tempo de chuva, enquanto exibe um sorriso ternurento típico de meteorologia enxuta. Discorrendo sobre cenários a fotografar e os melhores ângulos para o fazer, recordando a ordem fundamental que dita que a visualização e interiorização vale mais do que mil palavras (e imagens também).

Apostado em colecionar sorrisos numa caderneta infinita, gargalhadas sonoras como factor distintivo. Sem necessidade de colar a beleza do que vai contemplando e com a memória a servir de elemento aglutinador. Ao fundo uma buzina de automóvel e os gritos das crianças da escola primária que, acima de qualquer adulto, possuem o dom de sonhar mais e melhor!

Saiu-me isto… – 1/4/2025

Era de manhã cedo…😂

Avisados destemidos.

Por todo o lado apareciam avisos: escritos, radiofónicos, de amigos, de pessoas conhecidas, de desconhecidos. Por gestos, com olhares, reagindo ou apenas agindo antes do acontecimento, por medo ou solidariedade na hora de defrontar a natureza. Tudo se resumia a um acontecimento que, por antecipação, era visto como algo a temer.

Algures no globo a que chamamos Terra, vestidos como se estivessem de partida para os polos, religiosamente reunidos ao soar das 6:30 da madrugada, eis que começam a subir a 33, rumo ao norte do país, onde a previsão meteorológica aponta para um frio de rachar, mas sem chuva. Esfregam as mãos de contentamento e, como habitualmente, verificam se as aplicações que vão usar para lá chegar estão a funcionar correctamente.

Material fotográfico e reservas de roupa devidamente encaixadas no banco traseiro, temperatura interior definida e introduzida na consola central, baterias suplementares verificadas e colocadas por perto, ao alcance de uma mão. Um último olhar como confirmação de que podemos arrancar para o Portugal profundo e o okay de ambos para continuar rumo ao destino pelo qual optaram.

Almoço reservado para as 12:00 – a habitual entrada de alheira e presunto, seguido do primeiro prato que é uma feijoada divinal e, por último, um maravilhoso cozido a encher eventuais espaços livres que, de facto, não existem, excepto para o pudim de sobremesa. O reunir coragem para um passeio a digerir o repasto, o descer até um convento abandonado e isolado de tudo, o largar de provisões em excesso e que já não fazem o regresso, o sentir a água corrente local como uma benção numa meteorologia de merda.

O novo eu que se ergue, tão lavadinho quanto o da madrugada de início de viagem, passo firme com as botas – que claramente estão aprovadas para este tipo de eventos, subindo o caminho de volta para o carro, rumo ao destino seguinte e ciente de que, algures na natureza, esconde-se uma fotografia perfeita que um dia captarás!

Vadiagem pelo país – 25/3/2025

Achamos neve!

Meteorologia de daltónicos.

A persiana é aberta e um cinzento claro saúda-me; a toalha de banho enxuta o corpo e, por entre a cortina fechada, vejo uma nesga de sol que me faz sorrir e mentalmente começar a esboçar um trilho para percorrer hoje. 

Corpinho seco de toda a água que o lavou, mala fotográfica pronta, boné e água a completar as necessidades básicas do passeio mentalmente esboçado. Comboio como meio de transporte e a opção por sair numa cidade diferente da que havias pensado.

Olhos bem abertos assim que ouves o canto de um pássaro que, apesar de já ser familiar, nunca visualizaste e a procura com o pescoço bem esticado. O percorrer de todo o cenário que te rodeia e o nada achar, apesar da lente utilizada com o zoom a auxiliar. Um sorriso pela derrota sentida por ver fugir um pássaro mais veloz do que a tua destreza fotográfica.

Galochas enlameadas, fato impermeável cheio de terra molhada, umas cegonhas e um flamingo capturados fotograficamente, corpo cansado da caminhada e coração cheio pela satisfação do dia. Revês as fotografias tiradas num qualquer tasco que surge e cujo nome é sempre de uma simplicidade enorme. 

Protestas, mentalmente, pelo facto de não teres usado ângulos diferentes, aqui e ali, quando o que realmente pretendes é incentivar-te a conseguires superar-te, em cada saída que tens! Usas diferentes tonalidades de cores, na revisão mental que fazes da edição que se vai seguir, como se fossem já uma fotografia impressa e pronta a emoldurar, para mais tarde recordar.

Enches os pulmões de ar, sorris com a conquista do teres deixado de fumar, sentes algo diferente no teu corpo – como se um novo início tivesse lugar, tal o grau de plenitude de satisfação. Dás uma sonora gargalhada porque imaginaste este texto e o alarme toca para que te ponhas a caminho da estação para o comboio de regresso.

Recordações intemporalmente retemperadoras – 17/3/2025

Chuvinha.

É por entre as gotas que a lembrança se dá – as “abertas” em que não há água corrente e o céu permanece ameaçador mais não são do que pausas que permitem um inspirar fundo e relembrar todo o jogo de força que percorreste e te trouxe até aqui. As gotas grossas, que fustigam as janelas de vidro, como se pretendessem chicotear-te por teres ousado. Como ousas? Pareces escutar.

Os valores, sempre eles, como expoente máximo daquilo que ambicionas ser, os erros vistos como tropelias necessárias para uma aprendizagem completa. A chuva parece acelerar o ritmo, quando recordas as circunstâncias negativas, mas a tua experiência e destreza mental colocam-te num clima equatorial e extrais da recordação o quanto ela contribuiu para a realidade do agora.

O livro que jaz aberto a teu lado, sedento por um par de olhos que descortine nas palavras o sentido que o autor lhes quis dar, o céu cinzento que, apesar da hora, parece estar ao serviço da EDP no querer que ligues a luz para uma melhor compreensão dos parágrafos. A água que jorra do telhado para o jardim e se ouve a descer com ímpeto a canalização existente para o efeito.

Como se toda a natureza existisse numa simbiose tão perfeita e profunda que o teu único objectivo no universo fosse a procura da tua função nessa engrenagem tão perfeita. Vendo ladrões como seres menores e a amizade como o vínculo que mais progresso dá. Como se uma fotografia perfeita aguardasse a captura, através da tua objectiva da vida, que apelidas de memória. Sorris perante a procura constante que é, em si mesma, a mais profunda riqueza da vida: o conhecimento.

Um aguaceiro de ideias transpostas para um agregado de palavras – 10/3/2025

No cimo da serra.

A visão lírica de um abraço.

O abraço, enquanto gesto de solidariedade carinhosa, pode ser medido pela intensidade que contém e a intencionalidade (numa espécie de superlativo de honestidade contida) que com ele transmite. Não há, disponível no mercado, um aparelho capaz de medir um ou outro, o que, em última instância, leva a que seja o devaneio do momento a, internamente e sem qualquer revelação exterior, dar um valor ao gesto.

Chegados a uma idade que é apelidada de meia, sem que as peúgas tenham qualquer conotação com ela, já sabemos – ou julgamos saber – o valor do que nos espera. Felizmente, e a vida é pródiga nisso, a única constatação é que nada sabemos e, forçados a partir da douta ignorância socrática (o reconhecimento franco de uma pessoa sobre o que ela não sabe), sentimos cada abraço como o primeiro e, tal como um virgem inexperiente, deixamo-nos voar com o sentimento que transmite e sentimos.

Abertos os braços e indefesos perante os outros braços que avançam para nós, de pensamento totalmente adjudicado ao sentimento, receosos até do quanto poderão sentir – sem que qualquer barreira seja imposta – numa liberdade de expressão em que quatro braços pulsam a dois. Flutuando acima do terreno sem que acredite no divino, totalmente entregue sem necessidade de comprovativo de entrega assinado, num tempo que é infinito na durabilidade terrena mas eterno na duração sentimental.

O abraço revela também as emoções despojadas de pudor: o querer dizer tudo sem que o tempo permita dizer nada, o querer tornar o outro um super-herói invencível a quem possamos estar abraçados até ao final dos dias, o altruísmo como expoente máximo da amizade, do amor, da felicidade que é poder ter tido a oportunidade de conhecer e viver com um abraço que durou uma vida.

Que todos tenham um abraço assim – 19/2/2025

Calor de inverno.

Por todo o lado aparece alguém diferente a, de forma mais ou menos igual, desfrutar do dia de sol que a meteorologia já havia anunciado. Uns aproveitam para falar ao telefone com os amigos do outro lado do Atlântico, outros para ler e alguns, ainda, para dar largas a todo um acumular de gases naturais que, numa flatulência bem disfarçada pelo abafar de um sonoro camião, soltam para afectar a camada do ozono. Dizer quem é quem seria estragar a beleza que o anonimato confere ao texto.

Há uma brisa, sempre de norte, que arrefece o cachaço enquanto dedilho palavras que formam frases e, como vizinhança, tenho agora uma gaivota com uma expressão que claramente demonstra que até já trincava uma côdea. O trânsito é diminuto nesta hora de almoço e, com alguma abstração induzida, até daria para uma pequena sesta antes do período da tarde. Ouvem-se uns sinos ao longe e alguém repõe a verdade das horas que realmente são.

Os olhos fecham-se, perante mais quatro horas de trabalho, mas a imaginação desperta-os com a visão da lente fotográfica nova que pretendes adquirir. Sorris, perante o anonimato que te protege, num cumprimento a alguém que te brinda com uma pequena vénia de passagem. Ergues os olhos para o sol, fechas os olhos ofuscado pela luz, sorris perante a parvoíce do acto irrefletido. Levantas o nadegueiro, dás um mico ao caminho a percorrer, um último olhar em redor, e eis-nos de volta ao lugar de trabalho.

Terapia ocupacional – 3/2/2025

A fotografia.

Foi nos idos de 2023 que resolvi comprar uma máquina fotográfica. Uma pesquisa demorada, qual o modelo que melhor se adapta a um aprendiz, que lentes existem, o que procurar fotografar.

A Nikon D3500 aparecia, de forma consistente, em todos os artigos: era a mais antiga, a mais barata, a mais fácil na adaptação dos dedos à máquina, a escolha acertada para quem queria experimentar sem gastar mais de €1000.

A pesquisa continuou e, mercê do fim de linha do modelo, rapidamente encontrei uma unidade a bom preço, com duas lentes incluídas. Atenas, com todas as obras de arte que os Ingleses não conseguiram roubar, tornou-se o cenário ideal para os primeiros tiros e, com alguns cursos do YouTube, lá consegui sair do modo automático e praticar em modo manual.

Chegado a Portugal, e para dar continuidade a todo o ciclo de aprendizagem grego, inscrevi-me num curso de fotografia dos fuzileiros navais da arte de bem fotografar. Assim, expressões como “Essa merda de fotografia é a fotografia que todos tiram!”, “Esses pássaros são “caga-lentes” o que, traduzido, significa que são demasiado fáceis de fotografar – para sequer serem perseguidos para esse efeito.

O quebrar de toda a confiança leva a uma procura constante por uma nova confiança que permita afirmar a aprendizagem através da qualidade do que se exibe e, vista a evolução tida, dou graças aos que têm tido paciência para me ensinar enquanto eu me limito a apreender o que ouço para, constantemente, tentar falar através de imagens.

É assim que eu vejo o hobby – 29/12/2024

O humilde narrador.

Sagitários 

Nunca fui gajo de me acreditar em astros e cenas – da mesma maneira que me é mais fácil acreditar num Tio Patinhas a ver alguma verdade numa bíblia lida com um espírito crítico – mas ontem, mercê da conjugação do tempo, deparei-me com um aniversariante recente e, como a boa educação obriga, dei-lhe os parabéns atrasados (já o havia feito via redes sociais mas quem é que verdadeiramente sente um abraço enviado digitalmente?)

O aniversariante recente conversava com uma amiga dele e eu, não querendo incomodar, só ia dar um abraço e continuar o caminho até casa. Saudei-o com um “os meus parabéns atrasados, ó comparsa Sagitário!”, ao que a amiga respondeu com um “Estamos três Sagitários reunidos?” (na teoria dos signos, os Sagitários são tidos como pessoas que dizem o que honestamente pensam sem pensar em consequências para as palavras que proferem; uns desbocados honestos, como outrora ouvi serem chamados).

A conversa foi de circunstância, com a piada inerente à época natalícia, e abordamos vários temas com o despudor habitual dos Sagitários. Rimos, recordamos pessoas que ainda vivem mas já não estão presentes, houve mágoa inerente ao recordar melhores dias e gargalhadas por existir no mundo quem outrora tenha trocado sandes de marmelada por testes de inglês feitos na hora. Uma conversa agradável que fez o tempo fluir mais rapidamente do que é habitual. 

E porque é no constante questionar que o conhecimento assenta, não pude deixar de soltar uma das mais sonoras gargalhadas da vida quando, após as despedidas, a amiga do meu amigo, se dirigiu a uma mulher que tentava estacionar atrás do carro dela (com espaço livre para estacionar dois autocarros) e disse “Eu já vou tirar o carro e assim já lhe facilito a manobra!!!”, num tom típico dos Sagitários que, apesar de eu não acreditar nisso, andam por aí…desbocados honestos, como outrora ouvi serem chamados!

Humor de natal – 21/12/2024

Saudades compartimentalizadas.

Os arranjos começam com avanços e recuos, como qualquer combinação que parte do nada e ambiciona transformar-se em algo, mas rapidamente conseguimos o acerto necessário para que o algo se concretize. A logística envolve que um nortenho se desloque ao sul, de onde são naturais a maioria dos participantes, e que todos possuam uma aberta no calendário para todos estarmos juntos – parece fácil mas as probabilidades multiplicam-se pelo número de pessoas envolvidas, o local pretendido e a proximidade da época natalícia, que traz os inevitáveis jantares de natal da empresa.

Há um longo debate via WhatsApp (longo na troca de impressões, buscando a precisão democrática de quem pretende um local que agrade a todos) e os detalhes finais começam a surgir mais filtrados – com um ponto de encontro democraticamente encontrado. Segue-se a viagem para a capital do império e um “turistar” que dura até à hora de nos encontrarmos no local selecionado. O destino, este ano, conduziu-nos a uma vizinhança que foi a minha, de 1999 a 2002, e onde comprei um apartamento: onde vi o Air Force One a aterrar – sentado na piscina do topo do prédio – onde namorei e vivi casado, onde vivia numa pequena aldeia da alta de Lisboa que se confundia com uma aldeia real – tal a serenidade que transmitia.

Voltar e estar com os meus antigos colegas de trabalho, que hoje tenho como amigos, numa vizinhança que era tão minha, foi o relembrar o quanto nos divertimos enquanto estivemos juntos. O que criamos, o que investigamos, as pessoas que conhecemos ao longo de todo o percurso do projecto, o percorrer o norte e sul de Portugal enquanto não havia colega a ajudar, as pessoas que integram e gerem as maiores empresas de Portugal bem como os respectivos gestores de conta, a necessidade que tinham de ter os movimentos bancários em tempo real. Todas as diferentes culturas, ambições, cidades, vilas e locais que integravam a carteira de clientes do banco, os métodos de trabalho, a diferente gestão, a busca pelo sucesso monetário.

Os compartimentos permitem selar essas recordações, em contentores fechados nos tempos de outrora. Acedemos a eles com a certeza absoluta de que jamais voltarão, mas com a profunda convicção de que foram plenamente vividos. Com um sorriso pleno de satisfação por possuirmos memórias tão poderosas que obrigam a uma série de medidas de segurança…para que ninguém as roube e para que a saudade não nos feche num tempo que, apesar de perfeito, já não volta.

As confraternizações da vida – 30/11/2024

A mala de viagem.

Com toda a parafernália electrónica a carregar – escova de dentes incluída – sucedem-se as notas mentais como forma de tentar não esquecer nenhum detalhe que, de alguma maneira ou feitio, coloque a maratona fotográfica em causa.

Baterias antecipadamente carregadas, cartões de memória previamente formatados e prontos a salvaguardar as imagens, máquina limpa de impurezas das recentes saídas citadinas, uma revisão final por todos os botões cujas novas funções estão memorizadas.

Roupa leve e larga para as caminhadas que são inevitáveis, uma última revisão pelas notas mais importantes do curso de fotografia, um sorriso de satisfação pelas pequenas mas muito satisfatórias conquistas, o desejo de captar o outono na sua plenitude.

O farnel separado para que esteja sempre acessível, a falta da garrafa de água para que haja uma desculpa para um primeiro café já em trânsito, um soluço de agonia pela hora de partida tão madrugadora. Um visualizar mental de tudo o que há a fazer e um inspirar profundo,  face a uma aventura que antevê como o exame final de um processo de aprendizagem.

Material todo embalado e organizado, um respirar fundo a fingir que ficou cansado, um sorriso matreiro semelhante ao dos putos – que sabem que partem para a conquista, com o mesmo espírito com que conquistamos o Brasil, muito embora procurássemos a Índia.

Falso esforço – 1/11/2024

Iniciado.

Já não recordava o caminho e a ideia que tinha dele era tão vaga que temia perder-me, caso ousasse fazer o percurso sem ajuda ou, com pelo menos um olhar para um mapa que me tranquilizasse na odisseia.

Falei com amigos da altura que me ajudaram com dicas que haviam memorizado, abri a aplicação de trilhos e marquei o caminho, com a soma das recordações de outrora e o que o mapa “aconselhava”.

A ideia de fazer um trilho num bosque urbano era algo trivial, quando éramos putos. A ideia de acamparmos, a poucos quilómetros de casa, era um misto de desafio e a emoção, que era tão forte que nos preparávamos como se se tratasse do fim do mundo.

A entrada foi fácil de encontrar, alguns percalços pelos quais paguei com atraso mas, no final, lá estava eu de frente para o rio, com a vista colocada onde outrora havia a corda de onde nos lançávamos, os mesmos cheiros, os mesmos ruídos e, acima de tudo, a mesma paz que o local sempre proporcionou.

Recordações de uma bicha com inúmeras cabeças – 10/9/2024

Dia frenético.

O acordar tarde foi o catalisador para um dia em que, em condições normais, seria de pleno descanso, num qualquer solário à porta do quarto. 

Os cinco quilómetros foram percorridos num ritmo meio frenético, sem paragens de qualquer tipo, numa cadência quase digna de registo.

O jornal já havia sido devorado e entregue ao leitor seguinte, o pequeno-almoço tomado por entre gargalhadas e quase engasgado pelas tropelias tão típicas deste dia da semana.

O duche limpou as impurezas e a tarde foi preenchida com as compras fundamentais para a festa de amanhã. O sorriso aberto tem-me acompanhado e temo que se torne duradouro, num exercício de egoísmo feliz.

Com os pés ao alto e olhando o exterior vejo que há dois novos gatos vadios, com características tão giras que não resisto a partilhar com quem faz sentido. O que imediatamente me conduz a um exercício de introspecção na busca do “e porque é que faz sentido?”

Ócio dominical – 1/9/2024

Filosofia de vida.

“Ninguém deve se sentir triste por ter um bom coração. O amor não é um erro.
Errado é enganar, mentir, trapacear, dar rasteira no sentimento alheio. Quem faz isso é que deve sentir vergonha. Não quem ama e acredita.
Ninguém é bobo por se arriscar, bobo é quem passa à Vida toda enganando os outros e achando que à vida não traz pra gente tudo aquilo que a gente planta. Ah, ela traz!”

Jô Soares

Uma água fresca.

Porque um dia atípico merece uma continuidade atípica…

Depois de um despertar madrugador, numa tentativa de ver a lua cheia sobre o mar, ciente do número de vezes em que a neblina estraga o espectáculo, resolveu o humilde narrador fazer cinco quilómetros matinais num cenário que nunca havia visto: cinco da manhã, fotografia demasiado nublada para ser considerada, necessidade de optar por um plano B.

Cruzei-me com uma pessoa, possivelmente tão espantada quanto eu, trocamos o vulgar bom dia entre desconhecidos, continuamos em direção aos diferentes destinos. O sol nasceu e a curiosidade tomou conta do processo – tentar imitar os despertares gregos e dar um mergulho no atlântico como se fosse o mediterrâneo.

A água estava fabulosa mas o exterior estava com uma temperatura inferior! O corpo mal enxuto dentro de um fato de treino, o passo acelerado até casa, com o arrependimento e orgulho a servirem de combustível natural. O dar uma valente gargalhada, quando interrogado na chegada a casa, o sentimento de culpa por ainda fazer coisas que já devia ter deixado no passado.

O duche quente a repor a temperatura do corpo, o vestir o pijama de verão, o regresso a uma cama para sonhar com esta nova aventura tornada realidade. O despertar para um novo rol de notícias, dedos com a tinta do jornal, o recordar todos os que te levaram jornais Portugueses quando estavas rodeado de notícias gregas. O saudosismo de quem aprendeu a madrugar para andar na mais bela capital europeia para esse efeito.

Trilhos da madrugada – 20/8/2024

Antes da loucura…😂

Quanto vale a paz?

A guerra só interessa a quem gere a dívida que ela gera. Tirando os financiadores, todos perdem! Gerações que, fruto da falta de diálogo, são enterradas da possibilidade de terem uma vida. 

Quão idiota é um conflito? Profundamente idiota e, muito provavelmente, só passível de ser medido através de ferramentas que só a parte idiota que cria/alimenta o conflito eventualmente possui.

Décadas de guerra para, no final e na condição de mortais a que todos estamos associados, nos perguntarmos: para quê? Deduzo que para satisfação do ego de quem a alimenta, quem a mantém viva, quem dela se alimenta e que só sobrevive com o caos gerado pelo conflito.

Devem ser pessoas com um coração de merda ou, eventualmente, sem ele. Alimentadas pelo pulsar de visualizar a desgraça, o imundo, o ponto mais baixo da condição humana.

Guerras? Só a tomatina – 13/8/2024

Casablanca, o filme.

Tratando-se de um clássico, que recordo ver, sempre que dava na televisão, num tempo em que só podíamos assistir ao que nos era dado a ver, quando nos era dado a ver. Não existia o gravar, poder “puxar para trás na box”, alugar no videoclube, nada! Era quando o canal televisivo decidia, num tempo de ditadura de quem transmite!

Tendo hoje visto o filme, pela enésima vez, constato que o triângulo amoroso deve ser respeitado e o amor-próprio preservado. O início de uma bela amizade, mesmo que seja com o chefe da polícia, vale muito mais do que a traição de um amor que julgamos ter. O avião com destino a Lisboa mais não é do que a salvação de quem constata que o amor já não pode ser salvo.

O facto de começar com a imagem do Arco do Triunfo mais não é do que a indicação de que o triunfo não está presente e que o monumento não passa de uma vã recordação de outrora, de algo palpável mas racionalmente esquecido e remetido para a parte mais profunda do coração de um homem que se entrega e é abandonado numa plataforma ferroviária.

A chuva como constatação da única verdadeira humidade digna desse nome, o prazer que a natureza pode proporcionar face ao que o amor pode roubar. Os jogos de sentimentos tendo apenas um fim material – os vistos para Lisboa – perante um miocárdio masculino totalmente toldado pelo amor de outrora. O falso perante o verdadeiro ser apaixonado e desprovido de razão para, pelo menos, ser um bom observador…a única verdade nela era a mentira.

Play it again Sam – 12/8/2024

Three is a crowd…

Trabalhadores à paisana.

Por fora, para quem espreita sem ver o miolo, dá a impressão que são apenas dois gajos, com máquinas fotográficas, a passearem e passarem um bom bocado. As montanhas, os rios, as lagoas, o povo que circula, toda uma série de cenários em que cada momento é aproveitado para aperfeiçoar o passatempo que é a fotografia.

Começa cedo e obriga a desviar dos últimos resistentes (?!) da noite de sábado. Acompanhados pela neblina, e já com o destino definido, ei-los a caminho do destino, com as habituais paragens madrugadoras onde os estranhos são os últimos seres esperados, tão cedo pela manhã.

Abastecidos de água, e com a primeira cafeína ingerida, chegam a uma Viana do Castelo onde ainda se ouvem os últimos acordes de uma festa de música electrónica – uma agonia a condizer com o nome da festa local. Numa qualquer esplanada observam um transeunte, movido a Jameson, que inventa uns novos passos de dança, com os ouvidos a tentar sincronizar a agonia sonora que se ouve ao longe…

Umas fotografias depois, por entre uma neblina que abraçava a cidade, ei-los sentados na Taberna do Poita. Um empregado bastante motivador incentiva-nos a escolher o bacalhau frito e o almoço passa bastante rápido. Tempo para visitar as Lagoas de Bertiandos e subir a serra d’Agra. Objectivos que cumprimos, com a tranquilidade necessária para fotografar o que de mais interessante encontramos, e ainda comprar umas Clarinhas, em Fão, no regresso a casa (um jantar docemente improvisado).

Foram 14 quilómetros (total da caminhada do dia) a inspirar a pura beleza portuguesa, por entre tantos detalhes de outrora que, por vezes, julgamos desaparecidos, em mais uma jornada de verdadeira reflexão, descoberta e descanso. No final, respira-se felicidade por um dia bem passado! 

Simples e recompensadoras – 12/8/2024

Serra de Arga.

A amizade de dois seres divertidos.

A espontaneidade do sorriso, sempre que chega, revela um espírito aberto e de quem circula em paz. A maneira como fala é divertidíssima e eu, de ouvido atento, rio-me muito da maneira como as explicações são dadas mas, sobretudo, do tom de voz. 👌

A maneira de andar parece ser um misto de “vou retardar um bocadinho o passo, para ver se ele cumprimenta” (eu, entretanto e para não passar despercebido, coloco os óculos…🙄 para “dar nas vistas!”) e o “ai dele que não me cumprimente!!!” (não ameaçador mas apenas com a certeza de que vai acontecer).

Confessando que sempre fui muito directo e honesto, imediatamente faço um reparo ao estacionamento em cima do passeio e um comentário desdizendo que as raivinhas sejam para outra pessoa que não ela própria. O poder de encaixe revela uma maturidade querida quando me explica em detalhe a quem se destina a iguaria.

Há toda uma beleza ímpar na maneira como ambos interagem, sendo que ambos sabem que não estão a competir mas tão só e apenas a conhecerem-se. E, se ao processo acrescentarmos humor e risos, a amizade só pode florescer.

Há pessoas normais no mundo – 8/8/2024

O Mestre Alfredo.

Fruto da sua idade e da sua experiência cabia ao Mestre Alfredo, enquanto ancião da aldeia, o estudo aprofundado das questões que o povo lhe colocava. Das coisas mais simples “Porque é que a minha sopa não sabe tão bem quanto a do vizinho?” (porque falta temperar com um pouco mais de sal) até às mais complexas “Porque fazem do amor um jogo?” que, antes de responder, obrigavam a uma profunda reflexão.

Retirando-se para a sua cabana, com vista para o vale onde outras aldeias desfrutavam da passagem do rio, o Mestre começou a trabalhar na análise dessa questão. Sim, porque fazem do amor um jogo?, fez a questão alto para poder ouvir-se e, munido dos seus cadernos de anteriores reflexões e conhecimento, começou a trabalhar na fórmula que seria a resposta. O Mestre acreditava no amor pleno, em que os miocárdios do casal eram, na realidade, um só.

Lembrou-se de tempos idos, décadas atrás, em que lhe haviam reportado um caso que, após o congresso dos anciãos, se havia tornado num case study para futuras respostas. O transtorno de personalidade narcisista da mulher que dizia amar mas que, na realidade, apenas transacionava momentos de afecto que ela própria confundia com amor. Tinha o síndrome de Peter Pan associado o que a impedia de assumir qualquer tipo de responsabilidades, lembrou.

Recordava-se que, no caso então analisado, havia ainda a devoção total da paciente a todo um meio que a envolvia e que, gerando boatos, a controlava como o melhor labrador amestrado – capaz de guiar um invisual. Não havia tolerância a qualquer crítica construtiva e a fuga dava-se, invariavelmente, para o meio onde o boato a mantinha como o “maior ser à face da Terra”. O porto seguro era ter na mentira a única verdade da sua vida – o regresso constante a uma tribo que repetia “és a melhor!”, “é inveja de ti!”, “não te merece!”

As críticas dos amores dessa paciente estavam bem documentadas e incluíam uma multiplicidade de comportamentos tidos como anormais pelos que amam. O malabarismo entre diferentes pessoas, com quem confundiam afectos com amor, a falta de estabilidade emocional – que levava a exigências do tipo de uma Rainha a um escravo, a invenção constante de novos cenários fictícios para justificar a anormalidade da sua realidade. Como se o mudar da perspectiva do mundo os favorecesse e assim justificasse os seus comportamentos.

Questionou-se se deveria realmente responder ao autor da pergunta e, munido de todos os factos documentados que havia encontrado, achou que a melhor resposta seria o silêncio. Há casos perdidos, por todo o universo, e não cabe aos anciãos salvar todas as almas perdidas, mas apenas tentar salvar as que pretendem ser salvas. Relembrou o estudo que havia feito, sobre o amor incondicional versus tolerância incondicional, e verificou que são coisas muito diferentes – constatou que ninguém tem uma tolerância incondicional a uma falta de amor incondicional.

O Mestre Alfredo reuniu-se secretamente com o autor da questão e, em jeito de coveiro que pretende sepultar o assunto, explicou-lhe como poderia o assunto ser encerrado, face ao que havia descoberto e que acima documentamos. O autor, embriagado na irracionalidade de quem ama incondicionalmente, escreveu uma missiva à outra parte envolvida e explicou-se, pela última vez. E foi feliz para sempre.

Os bois pelos nomes – 5/8/2024

Os caminhos de ferro.

Porque os carris são capazes de suster toda aquela tonelagem antiga, porque a automotora é a diesel e o bronzeador passa a ser naturalmente aplicado, porque havia a curiosidade de conhecer e saborear algo novo.

Partida para Aveiro antes do meio-dia, algumas camisolas do Futebol Clube do Porto e outras de um outro clube, a massa humana reunida numa carruagem moderna a caminho da capital do distrito.

Não nos lembramos que a final da Supertaça se jogava ontem e tememos ter que enfrentar mais sociedade do que o habitualmente intolerável, almoço comido bem cedinho e, após uma volta de reconhecimento rápida, prontos para embarcar.

Calhou uma carruagem sem varandins, mas com portas de carga sempre abertas e com uma barra de segurança a separar-nos do vazio, o óleo do motor a invadir a carruagem e a sensação de que todos precisamos apenas de puxar o lustro para brilhar ainda mais. 😬🙌 O cómico sentimental de presenciar os que saudam o comboio…❤️

O detalhe de não sair em Macinhata do Vouga – indo dar a volta, com o comboio, a Sernada do Vouga e usufruindo assim da vista da ponte que une ambos os locais. O visualizar a manobra, o novo atrelar da automotora à nossa carruagem que, nesse momento, passou de ser a última para ser a primeira. ☝️

Um lanche burguês em Águeda, a voltinha para ver guarda-sóis e outra “arte” que impede o calor de se impor, o regresso ao comboio que nos trará a casa. Os carros que se acumulam, estacionados por todo o lado quando estamos a 15 minutos de Aveiro, a relembrar que é dia de jogo. O relato de um, dois, três golos de desvantagem e o grito de uma senhora, bem mais Portista do que eu “Lá vão ter que perder 3-4 e encarar a vergonha!” 💪💙

O puto, no comboio de regresso a Espinho, que cheira o chulé do próprio sapato e finge desmaiar…🙌😂

Dia de bons presságios – 4/8/2024

A alegoria da tenda de circo.

O Alfredo era um homem de visão amorosa condicionada. A realidade dele resumia-se a toda uma vivência dentro de uma tenda de circo. Malabaristas, palhaços, animais da selva retirados do seu habitat para, no desconforto do ser um saltimbanco por obrigação, serem mostrados a quem nunca os havia visto no zoológico ou, pior ainda, a serem dominados pela ameaça de um chicote que os “educa” a mostrarem-se como o chicote ordena.

O número de malabarismo dava-lhe a ideia que o normal, na  sociedade que  talvez existisse fora da  tenda de circo, era os sentimentos serem divididos entre múltiplas pessoas. Como se um sujeito pudesse dividir-se entre múltiplos amores e, sem olhar a consequências para os miocárdios envolvidos, jogar com todos eles. O atirar ao ar um amor enquanto se despendia algum tempo com o amor  que entretanto aterrava e, imediatamente a seguir, atirar esse ao ar para receber o seguinte. Num exercício sem qualidade de sentimento mas com quantidade de sujeitos envolvidos, como se o reunir do maior número de amores passageiros fosse o fim para o qual a paixão e o amor existem. Era assim que o Alfredo via o amor porque era essa a única visão que tinha dele, estava condicionado pela única percepção de realidade que lhe era dada a conhecer e acreditava nela como sendo a verdade absoluta.

O número de magia e os palhaços mais não eram do que a superficialidade desse malabarismo. O malabarista podia desaparecer, sempre que lhe aprouvesse, e os palhaços seriam todos os restantes que acreditassem que a sua “ressurreição” seria o retorno ao amor que, sendo o único que conheciam, fazia deles palhaços por desconhecimento. Muito embora fosse o ambiente que os condicionasse, também há que culpar os indivíduos pela falta de procura pelo conhecimento – o não sair da tenda é, em si, um acto de cobardia e condicionamento permitido. O ser domado por um chicote, que é a ignorância do amor, no seu  estado absoluto. O ter uma claque de apoio constante num estado de espírito que não vai mais além e nem sequer se questiona…se todos me apoiam isso quer dizer que posso confiar em todos eles? E, dentro da tenda de circo, a confiança resumia-se ao que lhe era dado a conhecer, havendo uma só opção.

Da douta ignorância para o conhecimento – 31/7/2024

Terapia de mar.

Após a madrugadora leitura, com um queque a servir de pequeno-almoço, desço a rua em direção ao mar. Ainda há poucos conhecidos e os existentes também estão demasiado ensonados para cumprimentar. Não se trata de má educação mas sim de um código secreto entre pessoas ensonadas.

Num trajecto sem curvas, e com a ânsia de um banho de mar como catalisador, rapidamente estou a apanhar as xanatas, a largar a tshirt de praia e, com o cuidado devido, a esconder o telemóvel e óculos dentro do chapéu. Um olhar cuidadoso, para ver a altura ideal para entrar, e eis-me salgado e fresquinho.

Com o livro do costume para estas situações, de tshirt vestida sobre o tronco molhado, confirmo que as mãos estão devidamente enxutas para desfolhar a obra e deixar a imaginação fluir. Um último momento para compor as peças todas e estou ao sabor de uma sombra que perpetuo no coração.

Rumo ao esquecimento – 30/7/2024

O cisco que irrita o olho.

Talvez possa apontar o dedo a toda esta meteorologia tempestuosa ou, adiantando-me a ela, culpar as areias do Norte de África…ainda não decidi como mentir e qual das alternativas soa mais verdadeira.

Se eu alegar que ando a fazer fisioterapia aos olhos, e que a participação do lago lacrimal é fundamental, será que a audiência acreditará? E, caso surja um oftalmologista mais perspicaz por entre os espectadores? Culpo uma alergia inventada nesse momento?

O cisco parece a alternativa mais adequada, num mundo disposto a analisar tudo em tanto detalhe que até a preparação de uma mentira requer ciência…E um tique nervoso? Ninguém vai conseguir subir ao palco e dizer, para além da dúvida razoável, que tal não é possível…

Não, mais vale admitir que o choro provém de uma experiência menos feliz e, contente com a confissão, fazer a imaginação partir para cenários diferentes e mais recompensadores. Não há uma solução científica para tudo…

Apeteceu-me enfrentar o vento de olhos abertos! É isso… – 29/7/2024

O cisco que irrita o olho.

Talvez possa apontar o dedo a toda esta meteorologia tempestuosa ou, adiantando-me a ela, culpar as areias do Norte de África…ainda não decidi como mentir e qual das alternativas soa mais verdadeira.

Se eu alegar que ando a fazer fisioterapia aos olhos, e que a participação do lago lacrimal é fundamental, será que a audiência acreditará? E, caso surja um oftalmologista mais perspicaz por entre os espectadores? Culpo uma alergia inventada nesse momento?

O cisco parece a alternativa mais adequada, num mundo disposto a analisar tudo em tanto detalhe que até a preparação de uma mentira requer ciência…E um tique nervoso? Ninguém vai conseguir subir ao palco e dizer, para além da dúvida razoável, que tal não é possível…

Não, mais vale admitir que o choro provém de uma experiência menos feliz e, contente com a confissão, fazer a imaginação partir para cenários diferentes e mais recompensadores. Não há uma solução científica para tudo…

Apeteceu-me enfrentar o vento de olhos abertos! É isso… – 29/7/2024

O engenheiro amador.

Está sozinho! 

Olhou ao seu redor e não encontrou vivalma. Sentiu um ligeiro nó no estômago, como se de uma interrogação se tratasse, e respondeu com um ponto de exclamação mental: estás sozinho!!!

O sonho da nuvem branca, com um lindo azul atrás, havia desmoronado. Como tomba uma nuvem? E um céu? Interrogou-se. Não tendo formação em engenharia, e fazendo fé no miocárdio, achou que talvez fosse um problema emocional.

As emoções possuem estruturas? Claro que sim, respondeu-lhe a mente. Existem estruturas muito firmes (para emoções a roçar as nuvens), firmes (com algum receio no cimento das fundações) e pouco firmes ou de risco (sem sentimento, para ganhar concursos públicos). 

Imbuído de um espírito Bob, o construtor e carecendo de um sono reparador começou a erguer os sólidos pilares da imaginação, que iriam suportar a placa estruturalmente forte que desejava para o futuro. Não dormiu bem, mas encarou tudo como um lento processo de reparação.

Obras em curso – 28/7/2024

O divórcio.

Não havia procuradora mas a sensação foi exactamente igual: a tensão do documento, a leitura atenta do rascunho, a edição – aqui e ali – necessária, o reler da versão final e o carregar no botão de enviar. 

Terminou assim uma das mais belas aventuras que um eventual narrador já experienciou. As lágrimas, ao reler o texto final, já depois de assinado por ambas as partes, relembrando cada pequeno detalhe alegre que compunha a aventura.

Um sorriso aberto – ao recordar cada pedacinho maravilhoso e um esgar de dor – ao recordar cada um dos maus momentos que a este dia conduziram.

O assoar de um nariz entupido pela tristeza, enquanto a imaginação recorda a felicidade de breves trechos, na tentativa de acalmar as narinas – numa espécie de começar de novo.

Amor sem analgésico – 28/7/2024

Céu nublado e calor.

Foi o único dia em que todos concordamos ir à praia: havia sol apesar das nuvens, o ar estava quente apesar de ser um país em que tal raramente acontece, acordamos todos com vestimentas de praia vestidas e queríamos ver a nossa escolha reconhecida!

A reunião teve lugar na enorme sala de estar, com todos reunidos nos dois sofás que ladeavam a mesa, café quente a chegar da secção da cozinha, olhares entre o atrevido e o receoso. As opiniões tão divididas quanto a quantidade de açúcar que cada um usava.

Sem consenso, mas com bom senso, fomos para a praia mais próxima de Cork que, por sua vez, aparecia no Google Maps como isolada e sem muita gente. Obviamente não era isolada e havia um pub na entrada da praia! Foram essas pints que salvaram o dia.

Um pouco como hoje – 25/7/2024

O horário de adolescente.

O acordar brutalmente cedo para devorar as notícias do dia anterior, a farda de verão constituída por tshirt, calções e xanatas, os óculos no lugar das lentes de contacto, a toalha de praia que fica ao fundo das escadas para uma rápida mudança de notícias por mergulhos, o sorriso que se cola a uma cara avermelhada pelo sol.

A chegada ao areal e o poder decidir onde ficar, o enxergar o vizinho mais próximo a uma distância que não me permite ouvir o eventual ruído que causem, o reunir tudo dentro do chapéu e o caminhar ensonado pela água que, já não te surpreende, até uma onda que pretendes surpreender.

A rápida revisão abaixo do equador, de maneira a não trazer areia desnecessariamente, o nivelamento do calção por uma linha imaginária. O alegre regresso pela areia, com as oscilações causadas pelas ilhas de areia que se formam na maré vaza, do sentires-te muito alto ao receio de teres caído na fossa das marianas, um beliscão dissimulado para verificar se os membros ainda não gelaram.

A toalha sacudida e enrolada no corpo, a temperatura que recupera a normalidade habitual. O deitar para um banho de sol rápido, umas folhas do “Invisível” do Paul, o regresso da abstração porque o corpo requer outro mergulho. O virar do frango, continuando a leitura e adiando o banho, umas valentes gargalhadas pelo modo como os personagens literários se expressam. O largar tudo, muito rapidamente, porque o canto do olho viu a onda perfeita para mergulhar de cabeça. A alegria de viver em contradição horária!

Manhã imersa e tarde também – 24/7/2024

Recebido de alguém que me conhece.

E o mar que tudo arranja…

Durante três anos sonhei com as ondas do mar caseiro; excepção feita a Lefkada, com ondas altas e excepcionalmente azuis claras a quebrarem na praia, o restante é constituído por ondas que mal cobrem o dedo mindinho. 

Hoje, pela manhã, tive a oportunidade de ter que caminhar para ir de encontro às ondas, mercê de uma maré baixa que coloca as ondas a cerca de cem metros de terra. 

Já não me lembrava de “ter que ir ao encontro das ondas”, mas a conjugação de caminhada e mergulho é uma vigorosa terapia. Numa espécie de biatlo, conseguimos reflectir na caminhada e deixar o mar levar as impurezas de pensamento acumuladas com o mergulho.

Repito hoje passos que com 18 anos fazia diariamente. Com o mesmo objectivo de outrora e, felizmente, com o mesmo resultado. 

A água que tudo lava – 23/7/2024

Adaptar ou readaptar.

O pé está na areia, o mergulho foi rápido e esfriou bastante o corpo quente, o queixo treme porque questiona que água fria é esta, o sorriso é aberto por poder estar a fazer algo tão simples quanto escrever este texto no telemóvel.

Enterras o pé mais profundamente na areia, começas a sentir a cara a ficar quente, perguntas se não será melhor colocar o chapéu mas, ao não responderes a ti próprio, ficas na dúvida. Soltas um suspiro aliviado quando constatas que há gente mais gordinha que tu.

Mascas a goma e relembras que já passaram dois meses desde o último cigarro, sentes a necessidade de graduar os óculos escuros, constatas que talvez sem eles a realidade seja mais clara. Observas uma criança que tenta encher a piscina, com expirações que ainda não superam o ar perdido entre elas, larga tudo e vai juntar-se aos pais para um mergulho.

O exercício de leveza de mente continua, traças mentalmente um trilho para a tarde de hoje e interrogas-te se a imaturidade de outrém é algo que possa ser superado. Não perdes muito tempo com interrogações e a certeza do trilho da tarde surge para abafar pensamentos que não te cabem a ti estar a ter.

Largas a toalha e vais dar outro mergulho. No esfriar é que está o ganho!!!!

O gelo da água como arrefecimento natural – 22/7/2024

Uma vida nova.

Muito semelhante ao que fazia, sempre que visitava uma nova ilha grega, consiste num despertar madrugador (tenho que agradecer a duas freiras o terem-me ensinado as virtudes de um início de dia tão especial), um mergulho salgado e o regresso a casa para um banho de mangueira que permita que o resto do dia decorra com um mínimo de tranquilidade.

Qual D. Sebastião, embrulhado numa mistura de calor e neblina, fiz o pequeno trajecto, dei o mergulho e tomei o retemperador banho de mangueira. A secagem é um misto de toalha de praia e toalha de banho, já sem areia, até atingir uma temperatura que permita o regresso ao café, para as notícias do dia anterior.

O trio café, queque e água a trazerem a tranquilidade a quem gosta desta rotina matinal – com menos café do que outrora mas com mais calor humano. Dois sorrisos a quem os merece e o habitual cumprimento a quem rotineiramente o devolve. A última página a dar o mote para outros afazeres, traseiro levantado para o cumprir de um novo capítulo, literalmente falando.

Manhãs imersas – 19/7/2024

O reconhecido.

O café na paz de uma cidade que desperta, a gentileza de quem nasceu e sabe trabalhar de manhã, o modo superior como prestam atenção a todos os detalhes de uma conversa sem que interiorizem, o sotaque como regresso ao maravilhoso passado de 2019.

Os parabéns aos pais do Bruno, as piadas sobre o Grémio, o FaceTime a ver o garoto mineiro-gaúcho que cresce a olhos vistos, a imprevisibilidade de quem pretende crescer sem ter que responder porquê, a saudade dos nossos tempos juntos e o recordar desse périplo sul-americano.

A preparação para a caminhada a visualizar o Fitzgerald Park, onde tantas vezes “trilhei” com as galochas Dunlop que haveria de perder no concerto de Guns and Roses (quem é que perde umas galochas num concerto na Irlanda????), o malandro casal que me faz recordar os tantos momentos felizes que passamos.

O longo abraço na despedida que, independentemente da distância, é sentido como presente. 

Saudades de Cork – 18/7/2024

O desconhecido.

Saído da estação e após uma boleia amiga, largado num trilho desconhecido e de sorriso aberto, a fazer um passo superior ao normal, uma ligeira dor abaixo do tendão, uma curva e a paragem para descobrir o porquê da irritação no pé, uma bolha que explode e mostra a carne fresca.

O continuar com um penso improvisado, o mesmo sorriso com os dentes rilhados, estou a meio do caminho pelo que é igual regressar ou continuar. O corte pelo meio da floresta, alguns animais que se afastam sem que eu faça questão de saber quais, um ponto de referência conhecido é visto ao longe e o sorriso abre para algo normal.

O regresso a casa para um curativo bem feito, uma bolha aberta para que todo o líquido possa sair. Um misto de emoções: um penso bem feito, uma convalescença em perspectiva, o sorriso pela conquista apesar de.

Amanhã será melhor – 17/7/2024

A leitura.

Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.

As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.

A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.

O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.

As manhãs, enquanto início do dia. – 17/7/2024

A leitura.

Se há uma equipa vencedora, no meu ponto de vista, é a conjugação de um café com o jornal diário (o queque, com uvas passas, foi apenas o ceder a uma tentação matinal). O ter que andar pouco até ao destino, a vizinhança que mantém os mesmos horários – logo criam uma rotina para quem, muito tranquilamente e de maneira ainda ensonada, tenta colocar-se a par do estado do mundo.

As senhoras da limpeza que cantam e discutem, entre si, quem vai apanhar a pomba morta que jaz no passeio, o homem das louças que não falha a hora de abertura e, tendo sido colega de turma, também não falha o cumprimento diário. O pequeno ginásio que se prepara para a primeira aula, os pássaros que saltam para a mesa na procura de uma migalha do queque que ainda não tinha dado por perdida mas eles já tinham decidido que estava ganha.

A necessidade extra de uma água das pedras fresca, o sorriso da empregada do café – que sabe as histórias todas mas finge sempre que está apenas de passagem. A mulher da limpeza que discute com o homem das louças e, tirando os earphones, se regozija pelo facto de não ter que ouvir as respostas dele. Ambos sorrimos e, mais tarde e depois de termos explicado ao homem das louças o porquê, ele sorri connosco.

O fazer de propósito para não ver enquanto observo e o click da inteligência emocional a não conseguir sobrepor-se. O regresso às últimas páginas e a partida para o balneário de mais uma caminhada. A alegria de estar perdido, bem a sul do distrito, e tão bem encontrado comigo mesmo. Foi diferente.

As manhãs, enquanto início do dia. – 17/7/2024

A essência sem influência.

Era o fim de uma caminhada muito simples, do ponto mais a norte até ao ponto mais a sul. Sempre focado na areia e no mar – na capacidade que possuem de nunca serem (ou permanecerem) iguais. A constante mutação como sinónimo de uma existência – sem que a personalidade seja perdida e, pelo contrário, até seja celebrada e invejada. Uma paisagem em constante transformação, que ilude os menos atentos que até a ferem quando dizem que “está sempre igual” ou “é sempre a mesma coisa” – um claro sinal de que a visão está a precisar de estímulo ou carece de uma visita urgente ao oftalmologista. Parar, olhar e saborear a vista – como um prazer que nos permite recarregar toda uma hipotética bateria chamada mente.

Os inúmeros jardins escola ou ocupação de tempos livres – um nome horrível, como que impondo a necessidade de ocupar tempos livres! Como se, enquanto seres racionais, tivéssemos a necessidade de nos ser indicado o que fazer quando o tempo livre surge, como se não soubéssemos ensinar os nossos descendentes a ler um livro, a brincar, a divagar, a saber estar. Dizia eu, enquanto me distraí com o termo, que a praia estava com bastantes crianças que se divertiam com as actividades que tinham disponíveis. Dois grupos divertiam-se a jogar futebol, replicando um jogo imaginário e alguém sugeriu que o desempate fosse feito com recurso a grandes penalidades.

Alinhados em dois grupos de adversários distintos, com os respectivos guarda-redes selecionados, abraçados como se só unidos pudessem ultrapassar esta eliminatória imaginada, alguns com garrafas de água a imitar a imagem que a comunicação social nos traz. O primeiro a falhar imediatamente recebe um grito de “Grande João Félix!”, há celebrações e muitos sorrisos com a piada feita, reunem-se todos e, cochichando, combinam algo. Começam a correr todos juntos, agora que já não há adversários, e enquanto gritam “Vamos à água!!!!”, vejo a educadora – em absoluto pânico enquanto se levanta da toalha de praia, não acreditando no que ouviu ou não sabendo como deter aquela onda de entusiasmo – a começar a correr atrás deles que, entretanto, travam aquela massa humana e, virando-se em conjunto para a educadora, exclamam “Já não se pode brincar?!”, enquanto sorriem, com uma união tal, que apenas conseguem mais um sorriso para o grupo.

Eles ensinam a brincar – 13/7/2024

Dias de sol.

O acordar e descer das catacumbas para um jornal fresco em notícias do dia anterior, o primeiro café como pontapé emocional e inicial, o lento abrir dos olhos para uma luminosidade que ameaça ser quente, as xanatas que transmitem o frio de um chão que ainda não aqueceu, o casaco de desporto como forma de não renunciar ao verão mas protegendo da temperatura matinal.

A revisão da primeira página – com notícias gordas mas cujo conteúdo tenho que vasculhar no interior – a leitura atenta de uma última página – que sabemos não conter as últimas notícias mas que tem uma importância acrescida para quem a desenvolve. Um sorriso com a “tirinha cómica” e um descanso para contemplar o que me rodeia.

O sentir a tinta, que se cola a uns dedos com pelo menos três anos de saudade de a tactear, o parar para cheirar o conjunto – e olhar à volta para me certificar que não sou visto por alguém que possa testemunhar o gesto e, num qualquer tribunal popular, aferir da intimidade presenciada, levando a uma condenação por acto erótico em público. 

O dobrar da primeira folha – que define todas as futuras dobras desse mesmo jornal, a leitura do editorial, a nova dobra que salta a enorme publicidade da página 3. Um desfolhar por entre as agruras nacionais e estrangeiras, a falta de bom senso no mundo, a desgraça humana e uma réstia de esperança na humanidade.

Uma última dobra e volto ao fim, muito perto do início, que me catapulta para um duche e o preparar da mochila para o passeio da tarde que hoje será pela invicta cidade.

Dias sem chuva – 13/7/2024

Outrora, o nascer do sol.

Constatações.

É óbvio que vejo quem entra, como se o blogue tivesse um olho mágico idêntico ao das portas. Tratando-se de um sítio público, e não carecendo de privacidade, são todos bem vindos e que desfrutem a leitura tanto quanto eu desfruto enquanto escrevo.

As vantagens de nada existir para esconder, o prazer de partilhar o que crio, a vantagem de não querer saber se o público gosta ou não porque simplesmente escrevo para mim, como se tratasse de um diário para memória futura, sem que exista um juiz, julgamento, acusação e/ou defesa.

Numa espécie de papel, onde não tenho nada a provar, vão caindo umas palavras que, quando a sorte as bafeja, ficam ordenadas,  com um significado engraçado, quando muito. As letrinhas, como se fossem uma sopa, cozidas e ordenadas pela água fervida do acaso, numa mistura que só pretende saciar o autor.

Um papel que todos podem ler e imaginar o sentido sendo que o real significado se perde na imaginação de cada um dos leitores. Uma amálgama que visa preencher uma cárie inexistente e que apenas colmata a desvitalização que a imaginação julga existir. 

Um exercício do imaginário, que julgamos ser real mas que, quando aspirando a senti-lo com o tacto, constatamos que não é palpável, sem deixar de continuar a imaginar a sua existência. Aspirando a ser um deus no uso da palavra quando sabemos que ser mortais é o máximo a que podemos aspirar.

Como tu – 11/7/2024

Uma ementa variada.

O método do discurso.

Não usaria palavras – era um risco mas, como tinha vertigens e fazer queda livre estava fora de questão – seria o seu desporto radical desse dia. Não era o método Ludovico, que Kubrick deu ao mundo, mas uma alternativa muito mais hilariante. Não implicava qualquer coação física e, quando muito, seria apelidado de louco pela tentativa de impor ao mundo um novo alfabeto…de sorrisos.

Por cada gota de água da chuva teria que sorrir e, de cada vez que interrompesse o seu passo – nessa longa caminhada, que se quer sorridente, chamada vida – teria que exteriorizar a soma de todos os sorrisos dados no percurso. Tinha consciência (teria de facto?) das diferentes interpretações que esta nova realidade poderia trazer ao seu dia-a-dia mas, colocando o científico acima da maneira de ver de quem o rodeia, destemidamente avançou!

O dia era de aguaceiros pelo que, mais cedo ou mais tarde, teria a “aberta” desejada para colocar a teoria em prática! Assim que notou umas pingas, que timidamente pintavam o chão onde pousavam, vestiu o fato com todos os sensores e dirigiu-se a um café próximo. Um sorriso tímido primeiro mas, fruto do aumento da cadência da chuva, o atrevido assumiu o lugar do tímido e o cientista sorria agora – como um puto adolescente a quem deram a chave do primeiro carro.

Baralhava as pessoas com quem se cruzava enquanto ele próprio estava baralhado e, atingindo o café que tinha definido como objectivo, soltou uma sonora gargalhada. Espantou todos os presentes que, como saudação de volta, lhe devolveram sorrisos. A empregada de balcão, ainda esboçando um sorriso, perguntou “Um café e uma água das pedras?” e ele, com os lábios invertidos e a formar um C invertido a 90 graus, anuiu. Poderia ser esta a solução para a humanidade? – perguntava interiormente a parte da sua mente, logo interessada em capitalizar o processo. Sorriu com a imagem, sem que o lucro fosse o propósito.

Entretanto parou de chover – 10/7/2024

Selfie num espelho partido.

Dia encoberto.

Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.

A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.

As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça. 

A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.

Encoberto mas possível – 9/7/2024

Dia encoberto.

Aproveitando o facto de ter a praia e o mar praticamente só para si, acompanhado de uma geleira com minis, muito gelo a cobri-las, e bastante sal como catalisador do processo. Com um velho iPod, completamente cheio de música dos anos 80 e 90, um livro do Gabo, um guarda-sol como forma de marcar território, factor 50, chapéu e os óculos escuros.

A toalha estendida debaixo do guarda-sol, o creme a besuntar o corpo já não tanto Danone, uns toques a afundar a areia, na procura da mais ergonómica das posições. O ruído das ondas misturado com acordes de heavy metal, o doce desfolhar da primeira página do livro. A necessidade de algo mais, o braço esticado a encontrar uma mini, a cena erótica entre a cápsula e o abre garrafas, o sorver de um gole.

As palavras que se bebem, a cerveja que se idolatra, a areia e o ruído do mar – ligeiramente metalizado com o som – que transmitem um grau de satisfação quase intimista – como se fosse um pecado deliciar-mo-nos assim em público. O virar da página, com todos os cuidados para não molhar a obra-prima, a pausa para apreciar a ondulação, sem que a aventura se desvaneça. 

A areia com que outrora brincamos enxotada do fundo da garrafa, a hidratação por cevada como meio de sobreviver onde a imaginação e as palavras do Gabo nos levam. O molhar o pé como se de um mergulho se tratasse, o choque térmico de quem se habituou aos inúmeros mares gregos. O sorriso com a recordação de outrora ao mesmo tempo que visualizamos a realidade do agora.

Encoberto mas possível – 9/7/2024

O amadorismo do fotógrafo.

Por vicissitudes várias antecipamos o habitual domingo de fotografia para sábado e, mercê de uma equipa de planeamento sempre atenta, decidimos que Ponte de Lima seria o destino. O habitual acordar às 5:45, com uma pequena dor de cabeça do verde branco do dia anterior, quiçá abatido pela eliminação da nossa equipa nacional. 

A correria matinal para estar pronto a tempo e horas, o escutar aquele ruído tão típico do meio de transporte, uma última verificação de que está tudo dentro da mochila, o sorriso de quem vai visitar a mais antiga vila de Portugal. A paragem na área de serviço – para café e hidratação – o duelo com uma máquina de café arcaica, os goles de água que dão um novo alento ao corpo do humilde narrador.

Ser dos primeiros a chegar a um parque de estacionamento vazio, a visão dos canonistas madrugadores, a necessidade de degustar uma iguaria local, o lento caminhar até ao local do primeiro duelo gastronómico. Duelo vencido, regresso ao local de partida, o primeiro olhar pela feira e a exploração de um trilho local. Enganado amigavelmente na distância percorrida no trilho, incursão na feira do cavalo.

A visão de umas cavalonas, éguas e cavalos, num contexto despreocupado e ainda ensonado. O constante fotografar de tudo, na procura da luz perfeita para a hora do dia. A passagem por um mercado anexo onde a venda nos remete para os mercados de outrora – os sons dos animais vivos, a variedade, a proximidade e o carinho – de quem compra e de quem vende – como superlativo de relações públicas.

O almoço antes das 12, num restaurante que enche logo após as doze badaladas que marcam o meio do dia, o saborear da gastronomia minhota entremeado com o delicioso néctar verde e branco, brutalmente fresquinho e borbulhando. O fotografar das ruas e vielas, dos jovens e velhinhos, as viúvas e os viúvos que as cortejam, os sorrisos dos locais que assim nos fazem sentir uma parte integrante daquele todo que, momentaneamente, também é nosso.

O regresso ao recinto dos concursos equestres, o cumprimentar uma Maria sempre bem disposta, o reencontrar um padrinho sempre de abraço apertado no acolhimento, o beijinho de saudade à Maria que o acompanha nesta aventura chamada vida. O coração que se enche com a surpresa, de alegria que bombeia o corpo inteiro, o continuar a procura incessante por novos motivos por fotografar, sabendo agora que somos parte de uma claque que torce por uma égua de dois anos.

Uma última volta pelo recinto, a imagem de quem exagerou na festa, o regresso ao caminho de volta a casa. Mais tarde, a informação que a égua foi a vencedora, já no conforto do lar, e o delinear de um futuro encontro, para fotografar, mas, acima de tudo, guardar na gaveta das boas memórias que a vida nos dá. 

Um coração cheio – 7/7/2024

Selfie equestre.

Os pretensos sinais.

As coincidências, que na vida acontecem amiúde, são por vezes encaradas como sinais do universo ou, por outras palavras, uma forma de “o todo em que vivemos” nos dar o pré anúncio de algo que vai acontecer. Seja na nossa condição de grande amigo do patrão do outro, acionista, ou apenas demasiado bem rodeado para se importar com minimalismos, de um qualquer dia, encara-se o destino dado sem qualquer receio.

Uma música que toca e recordas quem te levou a ver o concerto ao vivo, um sonho em que acordas com a plena consciência de ter a cabeça enfiada num buraco do qual não queres sair, o encarar a amizade de outrora que insiste para que visites uma nova esplanada onde ela se sinta mais à vontade. Tudo pequenos detalhes que, sem necessidade de serem somados, te dão a aritmética do que podes ter.

Como não possuis Spotify premium és obrigado a escutar a música, sorris perante a recordação do buraco de outrora e vais espreitar a esplanada, para verificares se realmente a imagem publicitada corresponde à realidade. Uma espécie de exercício físico, aliado ao reconhecimento de uma cidade cuja construção há muito que ultrapassou o suportável, cumprimentando os amigos de sempre, capazes de arranjar sempre mais uma mesa, de frente para a ação, como forma de demonstrar o apreço mútuo.

Foram duas horas a caminhar mas podiam ter sido muito mais. Acima do exercício físico está a vontade de ter uma imagem permanentemente actualizada de como a cidade evolui e algumas pessoas também.

Retalhos de uma manhã a andar – 4/7/2024

A minha ideia de um ser supremo…

Tal como no “O ABC do Amor”, do Woody Allen, também aqui existiriam pequenos seres, dentro do nosso corpo, permanentemente em alerta. Ao contrário do episódio em que tudo se cinge ao acto sexual, aqui a totalidade do corpo humano era constantemente monitorizada, internamente, aferindo todos os níveis e, imediatamente e em tempo real, descobrindo a cura para as maleitas que afectavam o paciente monitorizado – seríamos todos pacientes e estaríamos permanentemente a ser diagnosticados.

A alegria – expoente máximo na medição da nossa caminhada humana – seria o diapasão pelo qual todos afinaríamos (numa espécie de “The Truman Show”, onde toda a realidade é idealizada para ser a ficção do actor principal). Tudo giraria à volta da alegria de cada um dos indivíduos, sem que invejas, ciúmes, ganâncias ou outros sentimentos menores influenciassem o desfecho do alegre momento de cada um, individualmente. Uma espécie de socialismo social, em que ao invés da economia seria a alegria a base do Estado.

Não haveria mortes, acidentes ou qualquer outro tipo de problemas que pudessem colocar em causa a alegria do indivíduo ou do todo, num equilíbrio só ao alcance de um juiz que, alegremente e ciente do poder da alegria, julgaria improcedente qualquer tentativa de destabilização do alegre status quo. A empatia seria a moeda de troca, com cada indivíduo a ter um saldo ilimitado, e a saída de cena uma opção que cada um tomaria, assim que achasse que a sua passagem por cá já tinha chegado ao nirvana que interiormente havia idealizado.

E depois da partida? Mercê de toda a monitorização, e feito o reset da memória, voltaríamos a ser colocados num outro espaço paralelo, enquanto éramos celebrados neste. Certos de que a passagem por cá foi apenas a afinação para a passagem para lá. Isso sim, seria uma divindade a ser celebrada, aperfeiçoada constantemente e, com uma alegria imensa, a servir de inspiração para gerações vindouras e existentes.

Divindades – 2/7/2024

As pessoas mais belas da vida.

O abraço é longo e apertado e o beijo sentido e dado com carinho e saudade. O diálogo não é comprido e, no entanto, tudo é dito. A combinação é feita, por entre ameaças não bélicas, e sorrisos de dois personagens igualmente culpados por essa falha. As despedidas são curtas mas completas, porque as expressões faciais ameaçam ser toldadas pela humidade da beira-mar.

Uma caminhada que começa, sob a voz de incentivo de quem a termina, e o humilde narrador a limpar o cisco do olho que claramente afectou a visão. Um último olhar para o mar e a sua cadência – de quem ora chega ora parte, a constatação do cansaço da distância percorrida. A subida por ruas pouco habituais, evitando ruas imaturas, e a vontade de querer encontrar soluções para todos os que padecem de problemas.

O passo rápido até uma água das pedras fresca, sob o olhar atento da mesa do lado – que gentilmente cede um lenço de papel, para que as lentes dos óculos possam ser limpas das agruras da vida. A empatia na hora de agradecer e o “de nada”, retribuído pela criança presente na mesa, tão inocente perante tantas adversidades da vida.

Num domingo qualquer, sorrimos. – 30/6/2024

Uma insónia parva.

Acordar de madrugada e perceber a futilidade do porquê – seja um bom sonho, um pesadelo com uma psicopata ou apenas para urinar – é algo que sempre me aborreceu. Porque estraga a cadência do sono, interrompe o ronco, desfaz toda uma série de ações interligadas que, em última análise, pode ser encarada como um sono com stress – quando o que se pretende do sono é precisamente o pleno alheamento de todo e qualquer stress.

Uma vez acordado, e dada a elevada massa muscular que ultimamente se apegou a mim – como um animal órfão a uma família de acolhimento – resolvi ir passear essa dita massa muscular, na tentativa de minimizar o sentimento, e caminhar para que o órfão possa encontrar outro corpo avantajado que o acolha. A caminhada madrugadora, feita para norte e até a um farol conhecido, resultou no abate de algumas calorias, no longo caminho para o equilíbrio entre as que consumo e as que queimo.

Chegado ao ponto de partida, e imbuído de um espírito de atleta olímpico, resolvi continuar até ao bairro piscatório e ver se havia saída de peixe – esse espectáculo tão antigo quanto a própria cidade e que foi o ponto de partida para que as pessoas se aproximassem do mar (pelo menos um dos pontos de partida). Cumprimentos a um amigo de infância – daqueles raros mas que nos enchem o coração, sempre que nos vemos – e, sentado no muro, constatei que o processo já tinha tido lugar.

Um rápido olhar pelo que ainda havia disponível – tal como na feira de Espinho, a melhor hora para comprar é na abertura, a constatação de que não havia nada que me fizesse palpitar o miocárdio, eis-me a caminho de casa após uma lembrança fotográfica. A constatação de que tive sorte com a meteorologia e cheguei tão seco quanto saí. 

Das caminhadas da vida – 29/6/2024

Os clientes mais atentos.

O rissol de carne.

A conversa até decorria normalmente, com decoro, e o discurso era fluido e sem falhas. O balcão tinha apenas duas pessoas, e eu observava uma delas, sendo que uma era bem conhecida e a outra uma bonita desconhecida que eu, obviamente sem querer, observava: os gestos, os jeitos, a postura e maneira de falar, as palavras que usava e a entoação que colocava. Sim, poderia ser considerado um stalking visual, tal o detalhe do observador e o cuidado da observada.

A moral e os bons costumes impuseram-se e, disfarçadamente, obriguei os olhos a deambularem pela montra da padaria, sem desligar o stalking visual mas, como um jogador profissional, tentando fintar aquela com quem estamos a jogar, sem que se trate de um jogo. Chegada a minha vez de encomendar, e ciente de que precisava de respirar fundo antes de o fazer, dei a vez a quem estava atrás de mim que, com uma certa cara de gozo, ma devolveu. 

“Um rissol de carne com fiambre, bem aquecido!”, exclamei enquanto apontava para o mostruário – que não continha mais rissois, para além de ser um pedido bizarro demais para ser verdade. A bonita desconhecida sorriu – não sei se por ter o último rissol ou por ter detectado que eu tinha perdido o fio do raciocínio ali. A conhecida deu uma gargalhada e a empregada do balcão sorriu, pois tinha assistido, de uma posição privilegiada, a todo o processo. Sorrimos todos e eu pude, finalmente e de maneira consciente, encomendar um queque com uvas passas…

O fermento expande a massa – 28/6/2024

Costa Nova, dizem.

Caminhadas por aí.

A única semelhança entre elas é o chão de madeira que cede um pouco perante os noventa e sete quilos do humilde narrador. Hipoteticamente, e como forma de motivação, gosto de pensar que elas cedem perante a minha vontade de abater esses noventa e sete…mas isso sou eu, que sou muito de auto-motivação! Mais dez quilómetros percorridos, numa cidade nova, com uma longa viagem de comboio para a alcançar mas a justificar plenamente o esforço despendido!

Chegada a hora de testar a água do atlântico, e ciente da diferença de temperatura entre o mediterrâneo e o atlântico, eis o humilde narrador dividido entre o fugir da água, logo após o mergulho, ou trincar a língua e fingir que é tudo semelhante. Optei por uma das duas e é tudo que tenho a dizer sobre o mergulho! Até a temperatura do sol é diferente e o vento, sempre ele, dificulta a rápida secagem que se pretende mas não se alcança.

A caminhada até casa, por entre caras conhecidas, a relembrar que esta é realmente a minha cidade. Revigorante o mergulho, secagem e caminhada mas melhor ainda o duche quente e a barba que fiz desaparecer. Limpo, acima de tudo.

Não foi fácil…

O santo João.

Estacionados a rodear uma mesa cheia de aperitivos de fazer babar um qualquer deus terrestre – daqueles que aparecem e que nos dignam com a sua presença – com conversas serenas sobre o passado (serenas porque sabemos rir dos erros de outrora e, ainda com a sonoridade da gargalhada no ar, explicar o que aprendemos com essa tentativa e erro), escutando aventuras do outro lado do mundo e reagindo com a opinião do que somos, a mastigar enquanto apreendemos como se pode triunfar num continente diferente, a conversar com diferentes sotaques e termos locais.

Vinho como hidratante, febras como carne e sardinhas como tradição, salada como complemento e a recordação do leitão do almoço como forma de mentalmente arranjar espaço para esta refeição. O anúncio de um balão que passa como estimulante para o lançamento local que, não tardando, tem os habituais estímulos tão lusitanos: “não é assim!”, “vira ao contrário!”, “não percebes nada disto!”. O pirómano de serviço, auxiliado por um bombeiro de folga, que calmamente orquestra a melhor forma de aquecer e largar o balão. O lançamento que, uma vez efetuado, leva um pouco de cada um dos presentes: um pouco de esforço, de saudade, de empatia e desejo de que tudo se concretize sempre melhor.

A recordação de amigos comuns de outrora, a lágrima escondida pela pessoa que tivemos a sorte de conhecer, as gargalhadas com os feitos que nos ajudaram a alcançar ou tão somente pela alegria que nos concederam. A saudade morta, ali na mesa, com o relembrar de pessoas boas, momentos ímpares, dias que nos marcaram para sempre! Uma delícia de jantar – santo, dizem.

Dia do santo João – 24/6/2024

Assimilação.

A constante troca de ideias, as conclusões do passado que comprometem o futuro, o interiorizar de uma matriz, em que não acreditamos, mas que sabemos existir e que os factos comprovam. Todo um conjunto de trocas de impressões, que nos permitem distinguir o que são heranças e o que são factos indesmentíveis, as ambições desmedidas face a simples vivências – sem necessidade de ambicionar mais do que o necessário, o amor livre e desregrado a sobrepor-se ao imposto e feito de regras.

O acolhimento sem multas, o sorriso sem regras, a sonora gargalhada como selo de qualidade, o abraço que nos faz tropeçar de encontro a quem nos rodeia o corpo, o agradecimento profundo a quem amamos, não só mas também, pela forma frontal como sempre se nos dirigiu na vida. O lirismo da vida que se esbate perante a factualidade, o sorriso cúmplice como forma de agradecimento. A brincadeira como símbolo das coisas simples e boas da vida perante algumas verrugas que a sociedade contém, o elixir que desfaz as verrugas e permite a sua remoção.

As contas de todas as despesas, que não passam de um tónico para que as possamos repetir, as facturas como autógrafos do que a vida tem de melhor. O depósito atestado, antes da devolução, como sinónimo de energias repostas para a batalha seguinte e a entrega das chaves como símbolo de que todas as portas futuras estarão abertas para a tua conquista.

Dos brindes que a vida concede – 18/6/2024

Gripes e afins.

O corpo acorda estranho e teima em não comunicar-te o que com ele se passa; numa espécie de “fazer caixinha” esconde-se – como se tivesse vergonha – e aguarda que sejas tu a depreender o que se passa.

Meio desorientado, e com um corpo que parece pesar mais do que a realidade, compras o jornal e instalas-te no sítio habitual para uma tranquila leitura. Relembras o porquê de escolheres a esplanada assim que um ser entra e empesta o ambiente com um cheiro de coco mais vincado do que um coco real.

O café e a água aterram na mesa sem que haja necessidade de os pedir e a leitura faz-se de forma célere e bastante tranquila. Levantas o corpo e sentes cada osso do corpo a queixar-se, temes o pior e apertas o casaco apesar dos 22 graus. Pagamento feito e há que percorrer os cem metros até casa, numa saga que mais parece que estás a subir ao pico do Evereste.

Tirada a temperatura constatas que estás com uma valente gripe e que o melhor é curá-la, antes da próxima incursão na sociedade. Os olhos doem e concordam, o edredão cobre-te e partes para o sonho de dias de convalescença.

Foi só um friozinho nos pés – 3/6/2024

Faltou o chapéu…

Talvez por ser dia de feira semanal.

Depois de um domingo de doze horas de trabalho – a passear, a fotografar, a comer bem e a passar por caminhos municipais que nunca sonhei que um dia pudesse encontrar, eis que a cidade recebe a feira semanal. Talvez por querer continuar a trabalhar, no seguimento de um domingo de descanso intenso, fujo para os territórios de onde provém a maior parte dos clientes da feira e consigo encontrar a tão necessária qualidade de paz que a cidade não providencia. 

Ironicamente, ou talvez confirmando a decisão tomada, sou o único passageiro que sai do comboio e, após confirmar isso mesmo, dou início ao meu passeio de descanso produtivo, como resolvi apelidá-lo. O objectivo é não ter objectivo e simplesmente deambular pelo destino enquanto, com uma espécie de costela de turista, vou procurando motivos novos para fotografar. A beleza do processo é que me permite conhecer um destino novo enquanto descanso activamente. Fica a sugestão para quem quiser experimentar.

A aplicação vai indicando os quilómetros percorridos e os olhos e corpo vão aferindo o quanto querem continuar ou parar. É um processo democrático, em que racional e emocional definem juntos qual a ementa de cada um dos passeios, sem que dois percursos se repitam. Respira-se fundo, há enganos propositados, sorrisos perante algo novo que se encontra, desabafos perante algo menos cuidado com potencial para estar bem melhor. O processo é interno e não carece de validação externa, é um jogo de gozo puro – apenas e só!

É só quando o pôr-do-sol se aproxima que tudo pára: câmara no tripé, acerto o ISO, shutter e a abertura e aguardo o momento ideal para disparar uma série interminável de fotografias de maneira a poder escolher a perfeita, tal como o dia, que começa com o nascer do sol e acaba com ele a pôr-se. Uma delícia que não engorda!

Dos passeios que dou – 27/5/2024

Deslumbrado com a natureza.

Aquele domingo para conhecer o país.

De rotineiro pouco tem, salvo a periodicidade quinzenal, e o facto de o destino ser sempre diferente incute uma curiosidade que tira o sono com a perspectiva do que vais encontrar a seguir. A partida é feita quando a noite ainda está a terminar, para alguns, e o dia começa, para outros. Não é fácil encontrar locais abertos para as coisas triviais da semana – porque é domingo – mas as que encontras reúnem, no seu íntimo, detalhes que não descortinas na rotina de segunda a sábado.

A primeira paragem é feita num local de pão famoso – Padronelo – e o facto de não podermos homenagear as Clarinhas de Fão, como nas incursões anteriores, é trocado por umas tartes de chila da região que colmatam, logo a abrir, a saudade. Digeridas as tartes, e comido um pão tradicional, continuamos a descoberta da margem direita do Douro até “desaguarmos” na Régua que, mercê de uma festa local, estava com um trânsito caótico.

Por entre paragens – de observação e cliques fotográficos – prosseguimos para a Adega da Ti Palmira, em Almodafa, que nos presenteou com um maravilhoso bacalhau na brasa que recomendo vivamente a quem pretenda um bom almoço com uma vista deslumbrante (há que reservar antecipadamente). A digestão é feita em Ucanha, por entre pontes, rio e viúvas. O sol está bastante quente; ofereço-me um café e uma água fresca enquanto o companheiro de luta fotografa as belezas locais em tons de preto e branco.

Continuamos a regressar e, mercê de um telemóvel que não carregou telepaticamente, somos obrigados a recorrer a uma outra aplicação que nos indicou o caminho (?!) correcto. Imbuídos da certeza do que a aplicação indicava, e na falta de um céu que permitisse o uso do sextante que também não possuíamos, fomos dar a um caminho municipal cujo último uso parecia recuar ao tempo da ocupação romana. 

Sensivelmente a meio do caminho encontramos um senhor de idade que, num misto de espanto e pavor (por ver o seu refúgio descoberto) lá nos indicou o caminho de volta para a civilização. Sempre em redutoras, e cruzando os animais que pareciam igualmente espantados, voltamos a encontrar a N222 para chegarmos a casa.

Por entre pinheiros, maias, muitas cerejas (que só apetece comer), viúvas, ciclistas, paisagens naturais maravilhosas e uma gastronomia de fazer água na boca, cumprimos mais uma incursão no interior de um país que merece que o saibamos explorar muito mais e melhor. Um passeio que recompensa, por todos os detalhes que une, e que nos engrandece tanto quanto a melhor das viagens que já tenhamos feito!

A desbravar Portugal – 27/5/2024

Estágio motivacional.

O acordar cedo como passo fundamental para o total aproveitamento da jornada que se adivinha, o questionar o sonho como análise e transposição do subconsciente para o consciente, a interrogação com um sorriso envergonhado, a cara de satisfação de quem sabe ser possível mas prefere encarar como impossível e partir daí para o total conhecimento – numa espécie de analogia com o reconhecer a nossa ignorância como ponto de partida para o conhecimento.

O atravessar da pequena cidade enquanto recorda o tempo em que, acordado de madrugada, resolveu fazer o mesmo numa “pequena” cidade brasileira de um milhão de habitantes e, no regresso e quando já todos pensavam o pior, foi recebido pelos anfitriões com um misto de satisfação (está vivo!) e incredulidade (porque você fez isso? Fui comprar pão!)

O sentir o acompanhamento dos pássaros, do dia a despertar, do silêncio que o início de um novo dia providencia. Num passo de turista – a visualizar cada pequeno detalhe de uma cidade que tanto tem mudado – ouvindo o ruído do motor eléctrico do carro que transporta o pão, cumprimentando o condutor enquanto acelera o passo para poder comprar algum do pão quente que agora chega. 

O regresso já com o jornal do dia, o intensificar do ruído dos pássaros – será que me seguem por umas migalhas de pão? – o largar o pão em casa e ir para a esplanada da leitura. A leitura atenta dos acontecimentos passados, o esmiuçar das opiniões e o debate com a minha opinião. O alegre virar de página e a tinta nos dedos, o café curto numa chávena fria a evitar as lágrimas de quando a chávena vem escaldada.

O constatar e debelar de uma bolha que a caminhada de ontem me deixou, a nota mental para que o máximo de apoio seja feito com o pé oposto. O reconhecer que a imagem do sonho não desapareceu porque o consciente o impede. O sorriso maroto como expressão de liberdade total numa galáxia sonhada mas que é tão real quanto o primeiro gole de café.

Um profissional do bem sonhar – 25/5/2024

Área de descanso.

Uma esplanada (sempre) com vista mar, pessoal simpático e muita prontidão no serviço. Ambiente agradável, muito embora sejam todos muito mais novos, mas com conversas interessantes e adultas. O sol está insuportável pelo que busco uma sombra, estou com cinco quilómetros cumpridos pelo que falta o regresso com outros cinco. Uma série de inspiradelas profundas, um cigarro para descontrair, vamos descansar meia hora a ver quem passa.

De máquina fotográfica na mochila, o que significa sempre que os motivos fotografáveis não aparecem, duas garrafas de água fresca, um café tomado e um texto improvisado. Levanto-me e espreito o mar, inspiro profundamente e decido partir. A mente vagueia – completamente vazia – o que significa que o objectivo está a ser bem sucedido. 

Dez mil passos – 24/5/2024

A casa que envelheceu.

Assistir à sua construção foi um privilégio: a maneira como misturavam o cimento, como os tijolos eram encavalitados e os tubos de plástico introduzidos para, mais tarde, serem a autoestrada de toda a cablagem eléctrica, as peças novas que, a conta-gotas, iam chegando (quadros eléctricos, cilindros de água, aquecedores, etc), as peças de um enorme puzzle cujo aspecto final estava trancado na cabeça do arquitecto que havia desenvolvido o projecto.

A ligação de tudo, com os fios eléctricos nos tubos de plástico, num canal bem definido nas paredes, com os cilindros a funcionar, com as tomadas com energia, com as primeiras lâmpadas – somente com os casquilhos – a darem a primeira luz no novo projecto bem como a permitirem um expandir de horas, quer ao nível da possibilidade de visitar bem como de expandir as horas de trabalho. Caminhava-se para a habitabilidade a passos largos.

O cimento a cobrir as paredes, os acertos de superfície para que tudo estivesse alinhado, o aparecimento de tintas, como prenúncio de obra completa, a alcatifa como complemento do chão – conforme era normal no final dos anos 70. A chegada dos armários embutidos, a descoberta de qual a chave correcta para cada uma das fechaduras – por tentativa e erro – a ultimar as tarefas que constituíam o erguer de uma casa. Os azulejos exteriores, as tampas das chaminés, a instalação da antena no ponto mais alto.

A mudança do velho inesquecível para o moderno facilmente esquecido, a saudade do que jamais voltará sem a oportunidade de uma despedida condigna, o único amigo da vizinhança que ainda hoje perdura como recordação do saber bem receber. A falta de alegria do novo face a uma nostalgia do velho, o não poder jogar futebol (!) numa sala tão pequena, a parolice de tentar estabelecer uma sala – que só é usada quando há visitas – vetada num golpe de estado familiar.

A mobília exígua para dar a sensação que o quarto é grande, o embutido como solução. O armário “tudo em um” que não gera emoção. A procura pelo conforto exterior como forma de colmatar o desconforto interior, a alegria de poder continuar a adormecer com o ruído da chuva, a varanda extra como diversão nos dias em que a meteorologia o permite. As persianas que substituem as portadas, os horários coincidentes que geram atropelos na utilização dos quartos de banho.

Era vivo e depois envelheceu. Sem que qualquer carinho lhe fosse dado, sem que qualquer manutenção lhe pudesse fazer voltar ao início, quando eram apenas peças soltas de um puzzle arquitectónico. Jazia sem estar enterrado, não tinha sequer uma vaga recordação de quando estava a ser construído. Na realidade, tinha agora inveja da casa onde outrora tinha vivido e sido feliz.

Tijolos da vida – 22/5/2024

Ainda e sempre a chuva.

Nadando entre as gotas de água, numa cidade qualquer longe de casa, sentindo o vigor de cada braçada e o ímpeto proporcionado, antagonizando os transeuntes que não sabem nadar e a quem falta a racionalidade para aprender, com um sorriso desmedido – que mistura um esgar de dor pelo esforço despendido e o orgulho pelo caminho ultrapassado.

Ciente de que não há sacos suficientes para recolher tantas fezes espalhadas pelo passeio da vida e certo de que, caso o número fosse suficiente, haveria um protesto social para que as fezes fossem autorizadas a permanecer, nesse mesmo passeio, até “reencarnarem” em algo que a ciência não prevê mas que mentes de merda antecipam – colocando o ónus posterior numa futura invenção da natureza, já de si cheia da convivência imposta com o ser humano.

Caminhando, por opção unilateral e obviamente própria, só. Observando o que fere a visão sem permitir que o comentário surja, desviando-se de obstáculos como um perseguido se desvia de uma perseguição policial, reclamando consigo – e só consigo – o quão degradado e podre o ambiente está, ouvindo mais um escarro enquanto acelera o passo para superar as adversidades.

Desaguando numa foz só sua, atracado à sua marina, com as águias soltas para não permitir a aproximação de quaisquer gaivotas, com o motor ao ralenti, verifica os cordames e desliga o motor, desce à cozinha e encontra um livro, sobe ao convés e, sentando-se no cadeirão com vista aberta para o mar, exclama “Agora vou navegar na leitura.” e parte, para uma galáxia distante, sem que o corpo abandone esta.

Regressa e olha-se no espelho, não reconhece o reflexo, interroga-o e só quando responde a si próprio constata que voltou uma pessoa diferente. Sorri, num abraço fraterno com a imagem reflectida.

Chuva na moleirinha – 21/5/2024

Oceano Atlântico.

O estrondo.

Quando era puto, há muitos muitos anos, a sabedoria popular falava de dois jovens, pseudo-delinquentes, de nomes estrilho e estrondo. Diz a lenda que um dos seus famosos roubos foi a uma bomba de gasolina, de onde trouxeram um enorme número de rebuçados. A polícia, avisada para o crime cometido, chegou ao local e começou a seguir a pista do invólucro dos rebuçados e, onde o trilho terminava, bateram à porta e os dois suspeitos atenderam…

Ontem, recém chegado a casa e calmamente a beber uma mini, ouvi um estrondo e senti que as janelas iam saltar dos caixilhos. A janela pequena mostrava demasiada luz para a hora da noite e tudo se assemelhava a um avião a ser pressurizado de fora para dentro. Cinco minutos depois confirmei que afinal tinha sido um cometa, quando já começava a questionar a data de validade da cerveja…

A noite foi bem tranquila e só os pássaros é que me acordaram, pela manhã. Cumpridos os dez quilómetros habituais, com umas fotografias pelo caminho, lembrei-me que era domingo – esse dia eternamente perigoso, no que a romances diz respeito. Voltei a dar de comer à passarada e fiquei a ler o jornal sob o encanto da música que eles cantaram. Embalado num domingo perfeito!

Domingos de quase preguiça – 19/5/2024

Os pássaros.

Sentado na sua cadeira, na varanda exterior existente na traseira da casa, pensava. Olhava cada pássaro que ali pousava, para abastecer-se de uma migalha ou outra de pão, e interrogava-se sobre como seria ser um pássaro. Em jeito de inveja, pensou no quão gratificante deve ser ter a possibilidade de voar e conhecer novos caminhos, lugares, cidades, mundos. Replicar aquelas viagens pela Grécia, Brasil, Argentina e atravessar o país, com uma vontade enorme de viver a vida de um local, muito embora não passasse de um turista com apetência para viagens solitárias – sem destino planeado, sem rumo, só dizendo que tinha errado no caminho se a estrada fosse sem saída e, até nesses momentos, saía do carro para fotografar o momento para mais tarde recordar e reconhecer a beleza de só ter parado por impossibilidade de seguir. A possibilidade de ser surpreendido, como aquando da viagem através do Peloponeso, em que o dono do restaurante onde parei se recusou a servir-me e me convidou para a mesa onde todos almoçavam, após o serviço de almoços ter terminado. Momento único que, para sempre, guardarei como sinal da elevada simpatia e boa disposição do povo helénico.

Imagino-me a voltar à aerogare de Buenos Aires, a voltar a ver o pôr do sol sobre o Rio de la Plata, a bater as asas até à Antárctida – com o devido cuidado e respeito pela fauna local (para não ser comido), por entre pinguins e albatrozes, a voar acima da Passagem de Drake – fotografando, com visão de falcão, todo o poder do mar daquele estreito – a observar a maneira de ser e de agir de cada um dos pinguins – individualmente, num esforço por me fartar – para, logo depois, voar até à África do Sul e visitar a Estie – não correndo o perigo de ser reconhecido mas sem deixar de lhe esboçar um sorriso. Provavelmente fazendo uma escala em Madagáscar, para um encontro – ao mais alto nível – com o Rei Juliano e os seus descendentes, voando depois até ao Bazaruto, onde pousaria, no topo da duna com vista para o Índico e para o lago dos crocodilos, apenas apreciando a beleza da natureza. Partiria, assim que saciasse o desejo pela beleza local, rumo ao Kilimanjaro, para respirar fundo o ar da montanha. Sentiria o local até sentir nas penas o frio. A etapa asiática começaria aí, já abastecido de um farnel que me permitisse sobreviver no continente da comida estranha. 

Mais pesado com o farnel, mas igualmente motivado, só aterraria no ponto mais alto da Praça Vermelha a deliciar-me com a vista. Percorreria, num ritmo frenético, todo o território russo – do mar do norte até Vladivostok – a tentar extrair o máximo da imensidão de beleza que o país tem. Com muito cuidado, desceria para Sul e visitaria a China, o caminho de Ho Chi Minh, sempre apreciando a vastidão dos arrozais e a beleza dos jardins, plantas e cores. Evitaria passar muito tempo nos territórios mais marcados pelo belicismo, sem deixar de apreciar a arte persa e a beleza dos seus territórios; seria uma circunferência enorme em voos, preparando a passagem para a América do Norte, via Alasca, onde faria questão de conhecer toda a beleza branca – de Este para Oeste. Os parques nacionais americanos seriam todos esmiuçados e aterraria no cimo da Golden Gate. Apontaria então o bico para a Nova Zelândia e Austrália onde embarcaria numa excursão privada de um só pássaro para conhecer esse maravilhoso continente. Seria assim que bateria as minhas asas, como se fosse uma auto caravana voadora, com um apetite voraz por ver, viver e fotografar sem que nada fosse publicado, seria o meu voo secreto. E tu, também tens segredos?

Se eu tivesse asas – 18/5/2024

Voos rasantes.

O conta-gotas.

Era um jogo irracional e, humoristicamente, a plenitude para o sorriso aberto, honesto e feliz que ostentava. Irracional pela percepção dos transeuntes com quem se cruzava e de pleno humor porque só ele sabia que o jogo estava a decorrer, no interior da sua cabeça, sendo um segredo verdadeiramente trancado a sete chaves.

Com os cinco sentidos bem apurados, deambulando pela cidade, tinha que ter a certeza de cada gota de água que a chuva providenciava. Cada unidade tinha que ser, imediatamente, ligada a um momento da vida passada, presente ou futura, com a obrigatoriedade de ser um momento feliz, independentemente do desfecho. Soa a loucura? Só para não praticantes!

Visto de fora, e o humilde narrador é muito dado a sugestões externas (estou a ser irónico), deve ser algo muito bom para se poder apelidar o autor de loucura mas, sentido por praticantes, é o nirvana da alegria e boa disposição. Com os aguaceiros tinha vindo a aprimorar o jogo e sentia-se agora como um grego, campeão de gamão, disposto a enfrentar qualquer adversário numa panóplia de sorrisos que desafiam a má disposição.

Foi interpelado pela polícia, numa operação stop pouco habitual e, mercê das gotas que caiam, preso para averiguações. Sorriu, obviamente, enquanto era algemado e levado para os calabouços – não porque a situação fosse divertida mas tão só e apenas porque não ousou interromper o jogo!

A chuva miudinha – 17/5/2024

Os pretensos fotógrafos.

O planeamento começa no dia anterior e, rodeados de mapas de locais a visitar, estudam-se os melhores pontos de entrada, os melhores trilhos, as horas ideais em termos de luz. Tal como Napoleão, sabemos onde as melhores batalhas se vão travar, onde podemos encontrar munições, o local das trincheiras mais fortes. 🫣

Obviamente os mapas são, na realidade, um lanche idealizado por um dos fotógrafos, os pontos a visitar são a junção das memórias dos personagens e o cenário bélico não passa de uma subtil referência aos melhores locais para salivar e comprovar a maravilhosa gastronomia local. 🤭

Sete da manhã e já estamos a caminho, atravessamos a porta do parque uma hora e meia depois, as primeiras fotografias são tiradas com os telemóveis. Outra paragem, abre-se a mala do carro, as máquinas fotográficas aparecem como ferramenta fundamental. “Dá-se tiros”, expressão usada entre os que compõem a excursão, recebo apoio para obter os melhores ângulos de luz, reunimos todos sempre que alguém encontra algo diferente. 👌

Há pessoas que descansam de maneira diferente mas, para mim, este é o oxigénio que me limpa os pulmões da vida! Com a natureza no seu esplendor, em boa companhia e com camaradagem, com feijoada e bacalhau e um “ligeiro” pudim de dois andares que complementa a refeição. 🙌

Retalhos da vida de um eterno amador – 12/5/2024

O relacionamento e a perda da liberdade.

Estou a ultimar um panfleto para distribuir, antes do início de qualquer relacionamento. Intitulado “A beleza da perda da liberdade em prol de um relacionamento.”, o panfleto aborda temas sempre actuais e que podem, no meu ponto de vista, contribuir para uma convivência mais saudável, com menos tempo perdido, e uma abordagem mais directa de quais os objectivos considerados, por mim e na minha humilde opinião, fundamentais para uma sã convivência.

Tal como os avisos, nos maços de tabaco, terá escrito, em letra maiúscula, os dizeres “O relacionar-se com outrém pode afectar seriamente a sua individualidade em prol de uma liberdade comum a ambos os indivíduos. Pense bem antes de embarcar numa ousada jornada amorosa!” Será distribuído por todas as caixas de correio, juntamente com o anúncio mais recente dos produtos em promoção do LIDL.

Haverá, obviamente, quem reconheça vantagens em ter uma liberdade a dois e desvantagens se forem mais do que dois. Quem se auto intitule como alfa e tenha dificuldades com um simples guarda-chuva. Quem não entenda o conceito e quem fique maravilhado com ele. Haverá sempre o livre-arbítrio, e ainda bem! Interessa é a paz interior de cada um, sem que a de outrém esteja comprometida, sobretudo em termos do tempo que por cá temos.

A maturidade dá-nos a capacidade de transladar os problemas amorosos – do sistema circulatório para o sistema digestivo – e, uma vez efectuada essa transição, permite a digestão total das mazelas e posterior evacuação através do ânus. 

O intestino existe para permitir que os seus 7 a 9 metros de comprimento sejam suficientes para reduzir tudo a minúsculas partículas, não observáveis a olho nu e, uma vez limpo o traseiro (o bidé é aconselhável, para evitar que nem a mais fina partícula ouse criar raízes – num sentido figurado, obviamente), o indivíduo em causa – homem ou mulher – é considerado apto e livre para começar de novo.

Ainda estou a estudar a problemática do papel higiénico – uma vez que o bidé é aconselhado mas não obrigatório – mas, como utilizador frequente do bidé, deixo essa problemática para quem quiser participar e melhorar o processo! É assim que a ciência progride!

De coração cheio e humor afiado – 8/5/2024

A esplanada das folhas.

A vista é para a estrada de uma vizinhança amplamente conhecida e a sombra provém de uma das poucas árvores poupadas pela besta quadrada que outrora presidiu aos destinos da cidade, os cumprimentos surgem naturalmente, o empregado de mesa adivinha o teu pedido. Há uma cliente que ajuda na gestão – levantando a louça e emitindo a sua sonora opinião acerca dos clientes que a deixam na mesa (a louça, não a cliente), assim que os clientes abandonam o local. Adoro, na minha mesquinhez humana, esses momentos: a honestidade vem à tona e arrisco – propositadamente – deixar a louça, pelo simples prazer de mais tarde ter que ouvir as considerações que teceu nas minhas costas.

Após ver o City of Angels, uma vez mais, consegui finalmente perceber que a biblioteca é em São Francisco e coloquei na agenda “a visitar”. Há algo de enigmático naquelas varandas viradas para a entrada – de arquitectura tão semelhante ao MOMA, mas com uma conotação muito mais interessante, porque profundamente sentimental. Já consigo ver o filme com um sorriso, com um sentimento alegre e profundo, de quem sabe que há realidades que extravasam o imaginário das películas. Não digo que foi o que o doutor receitou mas encaixou e encantou, neste momento específico da vida.

Sempre a evitar multidões e a delinear novos percursos para trilhar. Não com um sentido de ter que cumprir mas com um sorriso aberto de quem tem a possibilidade de os caminhar e, de forma utópica, conquistar. Deixando os olhos desfrutar para, de seguida, tentar com a câmara fotográfica captar – um alegre amador na arte da fotografia, almejando obter a minha percepção do que me rodeia, sem que qualquer valorização obtenha ou sequer a busque. Deitado, com os pés a apanhar sol nas meias, absorvendo uma temperatura que não é a real mas que entretém, num misto quente de adormecimento e satisfação.

Sonhos de uma tarde de primavera – 6/5/2024

A analogia do treinador de futebol.

Contactou-o e debateu os termos em que ele aceitaria ser o próximo responsável máximo pelo plantel. Desconfiado, e recordando uma situação exactamente igual, que anteriormente tinha acontecido, por entre um chá e muffins.

Houve diálogo, tudo muito por alto, a sensação dada de apenas faltar a assinatura para que o vínculo fosse assinado e entrasse em vigor.

Como se não houvesse avanços nos contactos e a burocracia do processo não avançasse, resolveu não dar valor ao processo e esqueceu o diálogo. Foi, muito mais tarde, contactado e, sentindo o desprestígio a que tinha sido entregue, resolveu colocar os pontos nos i’s e detalhou os pontos que tinham que ser cumpridos para que um eventual diálogo fosse retomado.

Não foi com surpresa que recebeu a mensagem,  notificando-o que, afinal, o cargo de responsável máximo pelo plantel não estava vago e que o processo não tinha passado de uma sondagem de mercado…

O futebol está podre e fede – 26/4/2024

A paixão pela chuva.

Começou em criança mas não era amor; tratava-se de uma mentira que, quando inquirido pela “entidade maternal”, desculpava o facto de ter ficado a brincar para além do familiarmente aceitável. Não que a brincadeira parasse, e a chuva fosse um impedimento, mas tão só porque ingenuamente a culpava pelo estado da roupa e sapatilhas (está sujo porque tinha chovido, num passado indefinido, como se a “entidade maternal” não fosse capaz de desmontar tão ingénuo argumento). Era uma “curte”, vá…

Na adolescência era a desculpa para nos abrigarmos e chegar atrasados ao almoço. Soltos, numa quinta enorme com toda uma vasta variedade de frutas, quem é que queria almoçar? A tia, muito mais esperta do que nós, instalou um sino mais sonoro do que o da igreja e obrigou-nos a um exercício de controle contínuo. A ser “condenado”, a minha pena era ser condenado a comer canja de galinha – algo que me dá vómitos e que resultou plenamente.

Na vida adulta, o ponto alto e o momento em que me apaixonei por ela, foi em São Tomé e Príncipe. Calmamente a fumar um cigarro, na entrada principal da estância, abrigado da chuva que caia, começo a ouvir, no cais em frente, os primeiros acordes do Africa, do Toto. Dei um passo em frente, senti as gotas a inundarem a minha roupa e comecei a cantar a música. Desde então, já apanhei valentes molhas, voluntárias, em continentes opostos, com temperaturas tão diferentes, com pessoas tão peculiares e, no fim, só posso exclamar que aprendi – muito – com cada pinga que me molhou.

A chuva limpa – 26/4/2024

As duas últimas covas.

A cerimónia estava marcada para o início da tarde mas, mercê de uma profissão com imponderáveis temporais, foi adiada uns 30 minutos – tempo suficiente para um café e um escovar de dentes. 

De botins colocados, e chegada a hora marcada, eis-me deitado, numa confortável cadeira gerida pela doutora responsável. Recordamos histórias da nossa geração – uma espécie de anestesia antes da real anestesia e, quando dou por mim, o queixo do lado direito já não dá sinal de vida.

Raspa-se, broca-se, limpa-se, aspira-se, seca-se, insere-se massa, seca-se novamente, até a cova estar novamente coberta e livre da cárie que, embora pequena, podia vir a dar problemas.

Mais umas histórias recordadas, mais umas gargalhadas trocadas, uns sorrisos como forma de recordar e demonstrar carinho por momentos ímpares das nossas vidas.

Beijinhos de despedida, agradecimento por todo o empenho no trabalho feito e eis-me, de queixo direto caído, mas sorridente como sempre.

A cáries removidas não se olha o custo – 24/4/2024

A excelência do dia.

O rever a melhor amiga, o conhecer um novo sujeito, o capturar a imagem de um melro a cantar, o dar miminhos a um orelhudo que só conhecia de vista.

O ajudar o melhor amigo, ouvir as aventuras mais recentes, sentir o amor por algo herdado. A leitura comum, a troca de impressões sobre uma aventura muito arriscada, que nos é descrita pelo grande Colombiano.

A confirmação do que não era uma dúvida, o ignorar de um ser abjecto, o foco na andorinha que passa. 

O melro que te persegue, a rôla que te saúda em busca de uma côdea de alimento, os gatos que surgem a perseguir o cheiro do peixe acabado de pescar.

Dias de natureza – 23/4/2024

O apêndice.

Era um pedaço do intestino, infectado, e só a remoção podia acabar com as dores, excruciantes, que instintivamente o levavam a colocar a mão sobre o mesmo, na parede exterior da barriga, e massajar. A dor era agora mais forte e duradoura e o placebo de tentar massajar não passava de um acto reflexo sem consequências no atenuar da dita.

Como se a repetição tivesse conduzido a uma adaptação e, o que anteriormente resultava, não passava agora de um sinalizar da origem da dor. Era tudo parecido mas não era igual e o instinto de sobrevivência levou-o a procurar ajuda, para debelar aquela sensação que não lhe permitia continuar a sua vida no estado introspectivo e calmo a que estava habituado.

A resposta do cirurgião geral foi clara e inequívoca: a remoção da infeção permite prevenir a peritonite e acabar com a dor. Há que agir prontamente de maneira a evitar males maiores. Encurralado, entre o amor pelo pedaço de intestino e a sua forma de viver plenamente, a decisão foi prontamente aceite e a cirurgia teve o resultado anunciado. É certo que teve que andar com um penso, mudado diariamente, e a sensação de alguém ter mexido nele mas, no final e ultrapassada a convalescença, sentiu-se grato por ter optado pelo contacto, atempado, com a pessoa certa.

A cirurgia – 22/4/2024

Dia de fé, dizem.

O duche na madrugada da casa, enquanto os outros dormem, pé ante pé, com cuidados redobrados para não incomodar as que ainda descansam. 

A roupa de domingo, tão semelhante à dos restantes dias da semana, a curta caminhada até ao jornal mais próximo. A leitura com acompanhamento, a nata, o café e a água das pedras brutalmente gelada.

Os habituais que chegam, a loura que passa e cumprimenta. O olhar medido, após observação atenta, os dois detalhes ondulantes que ainda não constam no acompanhamento. O suplemento separado, após uma rápida olhadela pelos alugueres humanos dos classificados.

A análise das notícias, mais uns cumprimentos, um amigo de sempre que passa e cumprimenta com umas efusivas pancadinhas no ombro direito. Dialogamos sobre o nosso bem estar, refiro que só uma inflamação no ombro direito me aflige, sorrimos perante a inevitabilidade do cumprimento recebido “Como poderias saber?”, e sorrimos ainda mais quando recordamos onde nos conhecemos.

A mãe que perde a paciência com o filho que teimou em pegar na chávena antes da aprovação da progenitora, o filho que concorda que sempre foi assim e que realmente se precipitou, o azeiteiro que acelera na sua moto barulhenta, os carros que insistem em acelerar quando o peão se apressa para atravessar a passadeira.

As passadeiras que obrigam a um desvio do passeio para acedermos a elas e buscarmos a prioridade que o peão merece, o parolo que buzina para chamar alguém do prédio em frente. As andorinhas que cativam algumas migalhas perdidas no chão, as gaivotas que sobrevoam e observam com inveja. O canto do melro que encanta a primeira trinca na nata, a última página do jornal que te indica que é tempo de voltar.

Domingos, numa cidade qualquer – 21/4/2024

Saturday night fever.

Da leitura matinal até à caminhada num trilho novo. Da leitura neurótica até à escrita de constatação. Da incerteza ao alongamento do caminho a percorrer. Da necessidade de hidratar até ao aguaceiro pelo corpo abaixo. Da espera por resposta à necessidade de descansar do passeio.

Do ver o mar até ao sentir a areia. Do receio pela força das ondas à constatação de há quem nelas nade. De um descanso solitário ao convite triplo. De umas valentes cervejas ao dever cumprido com uma mini. Da espera por um contacto até a uma longa conversa telefónica.

Da confusão do abstracto ao concreto da conversa. Da presunção à completa surpresa do além. Do café com nata e água das pedras à conversa noite dentro. Da chuva até ao sol, frio e húmido. Do preto no branco ao colorido. O egoísmo e o bem estar…

Outrora foi sábado – 20/4/2024

A mochila das sextas.

A máquina fotográfica, a lente de 300, um rolo de papel higiénico, uma faca de mato, um boné, meias e sapatilhas extra. A tarefa, sempre executada após o final do jantar, é quase uma rotina – um automatismo enquanto se imagina os caminhos do dia seguinte. Uma vista de olhos pela meteorologia, a confirmação de que está tudo pronto, o despertador pronto para levantar a encomenda na padaria.

Sonhos feitos de passos, pesadelos com saltos para cima de pedras (elas teimam em magoar), um calção de banho e toalha adicionados. Uma revisão pelas aplicações a usar, download dos trilhos mais actualizados, uma visita rápida com o Google Earth. Sorriso de orelha a orelha, um relembrar aos parceiros de caminhada, uma gargalhada porque a ementa é tão comprida quanto o trilho.

Uma imaginação muito vasta, a recordação mental para a necessidade de comprar calçado, um encolher de ombros porque não é uma prioridade. Confere-se os cartões todos, verifica-se o saldo da conta, faz-se uma marcação de última hora. Revê tudo novamente, fecha os fechos da mochila, dá duas abanadelas e umas pancadinhas para que tudo entre nos eixos. Vamos?

Só falta chegar a hora! – 19/4/2024

Da necessidade ao engenho.

Após três meses de Portugal, e copiando o modelo grego, tenho aumentado bastante as distâncias percorridas sem afectar o bem estar que as mesmas providenciam. Tirando o salto para cima de uma pedra, que doeu como tudo, os passeios têm combinado um misto de emoções: cultura, exercício (obviamente), reencontros, o espanto com alguma arquitectura, a abstinência, o culto por certas cidades, o gozo de poder desfrutar sem horários.

Seja com máquina fotográfica ou sem ela, seja com a malta da fotografia, seja com a malta da pesca, seja com malta anónima, os cantos do país vão sendo descobertos ou redescobertos, esquecendo-me até de visitar a família, quando por algumas localidades passo. A respiração é funda e complementa o bem estar geral. Três pares de sapatilhas, todos igualmente gastos, as T-shirts com décadas de uso, os calções rotos mas sempre na mochila.

Praias novas mas também a habitual, rios novos mas também o habitual, pessoas novas e um grupo muito restrito de amigos de infância. Tertúlias novas, assuntos diferentes, uma fuga ideal ao marasmo que é o reino das discussões futebolísticas. Muitos livros novos, muitos créditos no cartão da Wook, muitas ideias para novos contos a submeter à Chiado Books. Um novo personagem reinventado do velho, muito mais despreocupado e muito menos disponível para perdas de tempo (esse único bem escasso de que dispomos na vida).

Tem sido a mais bela aventura de uma vida, com o prémio diário de ser pai de um jovem muito ímpar na capacidade de conquista, e que contamina todos os que o rodeiam. Um brinde ao nosso tempo na Terra!

Da satisfação – 18/4/2024

Convalescença.

Depois do exagero da caminhada, depois do esforço físico descomunal, depois de repôr calorias, depois de sorrir por ter adiantado mais uns quilómetros, eis o descanso merecido. O Parque da Cidade continua muito igual ao que era (quando lá morava) e os trilhos existentes são exactamente os mesmos. A malta do Regado presente, a troca de impressões a colocar-nos em dia, o prazer das coisas simples da vida.

Obviamente a francesinha foi o almoço, dois finos o complemento mas, o mais importante, foi o convívio – estar com os vizinhos amigos de outrora, que tão frequentemente aparecem por cá, celebrar as histórias antigas enquanto criamos múltiplas histórias novas. A esplanada do Zé, as batatas fritas de complemento, a cerveja estupidamente gelada. Os abraços duradouros, os olhares de espanto, o amargo da partida.

Caminhar pelo Porto é muito reconfortante porque permite um conjunto de coisas através de uma simples caminhada: o exercício no parque, a cultura em Serralves, o mar na Foz, a confusão na Baixa. Sorrio agora a constatar que nunca mais me lembrei de comprar as sapatilhas e que voltei muito mais pesado do que quando parti: o peso do exercício, da comida, do conforto por rever velhos amigos. Não é uma dieta que algum dia queira fazer!

Por aí, a receber e dar – 18/4/2024

Por quem tocam os sinos.

E agora que consertaram o sino da igreja, mantendo o relógio avariado e constantemente na mesma hora (está certo duas vezes ao dia), eu pergunto-me se escutamos o mesmo som – primeiro os doze batimentos do meio-dia, seguido da música inerente ao facto de termos atingido o meio do dia, seguido de uns batimentos que, nunca sendo doze, parecem o prenúncio de uma nova avaria a querer impor-se…

Não sendo católico e não vendo utilidade na existência do sino – num mundo em que a hora está sempre disponível, sem custos, pergunto-me se a melodia das doze não será para nos embalar. Não que eu tenha pretensões de dançarino – actividade em que não vou além de um ligeiro bate pé, a tentar acompanhar o ritmo da música (sempre sem sucesso mas nunca esmorecendo na tentativa e erro), mas porque o embalo me faz lembrar tempos de carícias, sem motivo que não fosse o querer acariciar, momentos de intimidade, com toda a vontade de construir a nossa própria intimidade, de amor, na procura constante de querer descobrir quem és e como és.

Entretanto o tempo passa e o som das doze vai sendo ultrapassado por batimentos muito curtos – a uma, as duas, etc…como que querendo vincar a saudade das doze, sem deixar de proclamar a sua importância, sobretudo para os que não usam relógio.

Não quero ser subjugado por tempo, apenas tenho a pretensão de espaço – conquistar e construir um espaço comum, que permita a ambos sentirmo-nos na mais bela viagem espacial…

Desejos que o sino da igreja alimenta – 17/4/2024

Algures em Portugal.🇵🇹

Mar da tranquilidade absoluta.

Assim que chegas, e mercê do facto de seres de um país de marinheiros, colocas o teu barco na água. Há uma série de imponderáveis que sabes que serão desafiantes mas, como povo descobridor, já percorreste o processo demasiadas vezes para te deixares intimidar. O sorriso é tímido mas esconde ousadia, os gestos são lentos mas não escondem a garra, o alento é demasiado grande e o mar afigura-se como uma piscina olímpica a ser conquistada.

Com um automatismo que não pára de crescer, assim que ultrapassada a primeira vaga, encaras as ondas seguintes como meras repetições da primeira e, imbuído de um espírito de conquista, sobes ao mastro e apontas a rota a ser seguida. 

Dialogas com peixes, que rapidamente se tornam confidentes que imergem com a conversa partilhada – seguro de que a comunicação por borbulhas não permitirá o decifrar da mensagem, dás oito dedos de atenção a um polvo que acompanha a odisseia – na certeza de que defenderá a intimidade da conversa com toda a sua tinta, escutas um tubarão branco, que se confessa, admitindo já ter devorado alguns “dos da tua espécie”.

Utilizas a leitura como abstração, o rádio para a informação e os olhos para a satisfação plena do cérebro carente das mais belas emoções que vais vivendo. Cada dia como uma nova folha escrita de um livro fictício, cada momento vivido com a satisfação plena que só um suspiro de alegria se assemelha. Conquistas novos oceanos nas tuas caminhadas, ousas um mergulho gelado – em pelo – sem que o atentado ao pudor te prenda, percorres a areia, como se fosse a mais retemperadora alcatifa.

A mente vagueia com uma sensação de liberdade, o corpo dói com a satisfação da realidade, os olhos ardem de tanta novidade adquirida.

Um belo dia – 11/4/2023

Uma aranha que tudo conquista.

A quilometragem.

Extraindo todo o potencial do vento sul, na mesma passada de sempre, olhando para o mar como ele me olhava a mim – de lado e com cara de poucos amigos – enfrentando caminhos de madeira entremeados por pedaços soterrados de areia, assustado com lagartos e sentimental com a visão das mães e crianças na praia.

O dia está quente mas a forte ventania obriga a cuidados especiais: evitar caminhar de frente para a ventania – se bem que, de costas, acabo com areia colada nos braços e mãos desnudados, que agora retiro enquanto descanso. Esplanadas viradas para sul estão desertas e, as viradas para norte, demasiado cheias – como incentivo adicional para continuar…sempre, sem paragens.

Um devaneio sonhado, uma mensagem enviada, um convívio falhado. O ónus do encontro transposto para outrem, um suspiro solto, uma esperança renovada. Um grilo falante evitado, um cumprimento dado a quem o merece, um abraço apertado a quem já te fazia falta encontrar. Um sorriso como forma de agradecimento a quem te faz o coração pulsar.

E tudo enquanto exercitas…o melhor ginásio é ao ar livre!

O cansaço de uma caminhada retemperadora – 5/4/2024

O tolo no meio da ponte.

A batalha de uma vida.

De um lado – pesando uns valentes quilos cujo valor exacto prefere não revelar – estava o humilde narrador e do outro lado – com um peso ainda por apurar – um habitante do Atlântico que lutava por permanecer no seu lar e continuar a sua modesta vida, comendo umas tapas aquáticas, aqui e ali, evitando as mais brilhantes – que os peixes anciãos diziam “ser de morte”.

Entre os dois havia um pedaço de oceano e nenhum dos dois se encontrava disposto a ceder – o humilde narrador pretendia que o mar providenciasse uma refeição enquanto que a refeição pretendida lutava pela sua vida. Houve puxões, numa espécie de braço de ferro que só os profissionais da pesca entenderão, houve avanços e recuos – intercalados por lágrimas de esforço de ambos os lados, houve gritos de auto incentivo – sob a forma de borbulhas que saiam das guelras ou a plenos pulmões de um pescador que não cederia ao bicho.

No final, qual Highlander do mundo da pesca, só um poderia vencer. Apesar de não nos encontrarmos na Escócia o sentimento era frio entre ambos e, após um último esforço de parte a parte, só um venceu!

A imaginação de um peixe – 3/4/2023

Cantinhos por conhecer.

A maior virtude do ser humano é a sua fome de conhecimento. É a minha opinião e não desistirei dela – do conhecer e analisar o que de novo nos é dado, tudo provém: a sociabilização serena, a empatia social, o sorriso de quem dialoga com o dia-a-dia munido de uma munição de que todos dispõem mas nem todos entendem. Colocar a racionalidade em prática mais não é do que afirmar a nossa diferença para com os seres irracionais que, cada vez mais, tentam sobressair e sobreviver sem que a curiosidade seja, para esses, sequer um hobby.

Num mundo de possibilidades, a escolha de uma realidade de rebanho mais não é do que a afirmação de falta de inteligência ou, no mínimo, a simples falta de saber como interpretar algo novo, uma situação nova, uma realidade diferente do status quo a que se habituaram. Enquanto seres singulares, temos a obrigação de ter um pensamento crítico sobre tudo e cultivar-mo-nos de maneira a superar a novidade.

Acordar muito cedo, num sábado, nunca foi algo que me atraísse mas, “refém” de uma grande dose de curiosidade , assemelhou-se a um grito de Ipiranga – com a força da revolta mas sem mortes à mistura. Mais um misto de curiosidade latente e a possibilidade de colmatar uma parte dessa interminável curiosidade. O despertar foi automático, como sempre, e o modo automático tomou conta deste corpinho que os meus pais fabricaram. O duche, a vestimenta e o material a usar estavam prontos, desde a noite anterior.

Partimos num tanque de guerra, capaz de ultrapassar qualquer obstáculo terrestre, e fizemos do diálogo a “arma” ideal para passar o tempo até ao destino – sem que tivéssemos ideia de que destino se tratava. O dia correu, ou as horas passaram a correr, os detalhes – primeiro visualizados e posteriormente capturados pelo meu amadorismo fotográfico – só no final seriam analisados, a natureza parecia querer mostrar-se e a lente fotográfica parecia anuir a um relacionamento que, apesar de ser de captura, não implicava uma prisão.

Tudo era novidade para mim: os ângulos, as aberturas, a luz solar, os trilhos, o ensopado de rodovalho, a viagem, o sorriso de quem se estava a divertir, enquanto caminhava longas distâncias: como se o ginásio perfeito e ao ar livre fosse algo que eu estava a usufruir de – sem que qualquer mensalidade ou período mínimo de permanência existisse. Uma enorme lufada de ar fresco e o acordar de uma curiosidade pela fotografia.

Estou em dívida – a toda uma natureza humana, a todo um conjunto de estranhos com que nos fomos cruzando, a todos os cenários irrepetíveis com os quais sorri, a todo o ar que inspirei e que, extravasando os pulmões, satisfez a alma. Foi como “andar perdido”, pela República da Irlanda – sem chuva, sem frio, sem obstáculos que a natureza criava. Foi o desumidificar ou despertar a vontade enorme de estar em contacto com a natureza.

A frescura da natureza – 4/2/2024

Reflexos.

The breakfast club

Semelhanças com os salões de sábado são nulas – excepção feita a todas as ameaças que são proferidas, numa demonstração clara da pedagogia de outrora (assente, maioritariamente, em disciplina sob a forma de cana – que mais se assemelhava a sentir um raio a embater nas pernas).

Não havia paizinhos a levar os meninos ao colégio e, elementos do sexo feminino, só atravessando a N1 (uma combinação entre tensão (sem o n) e risco de morte (atravessar a principal via de trânsito, na altura, do país).

A camioneta das 8:15, chegada ao colégio às nove. Entrar por uma porta principal que nunca utilizavas para, num passo semelhante a um prisioneiro de guerra a quem é negada a Convenção de Genebra, subires ao segundo andar. Uns calafrios, ao seres reconhecido por uns internos convidados a passar o fim de semana no colégio (obviamente como prémio de bom comportamento…), olhares solidários na preparação para o início da pena.

Não há fila para o croissant, os corredores estão silenciosos, o prefeito marca, no quadro de ardósia, a hora de saída com um gigantesco 13 (como se não soubéssemos ou não tivéssemos relógio). Saltam os livros da mochila, abre-se numa página qualquer, coloca-se o olhar perdido – no pouco que se consegue observar – começam-se a contar os segundos…

Camioneta de volta pelas 13:15 para uma chegada a Espinho pelas 14. Começava então o fim de semana…

Greece 🇬🇷

O teoria do golpe de estado do P.R.R. – Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

Pela primeira vez na história do país, Portugal vai receber um montante nunca antes visto, para aplicar no desenvolvimento económico. De um lado, o governo democraticamente eleito, com o selo de aprovação de uma maioria absoluta e, do outro, uma panóplia de pessoas, camufladas em partidos políticos, dispostas a tudo – por um quinhão do imenso bolo.

Conjectura-se, sempre sob pretexto do “melhor interesse de Portugal e dos Portugueses”, a maneira mais rápida e viável para aceder a uma parte do bolo – o relógio não pára e, a cada tique-taque, o chantilly parece desaparecer, na ilusão criada pela imaginação dos envolvidos. Alguém vai começar a partir o bolo e urge termos um lugar à mesa!

Alguém sugere contornar o status quo e utilizar a PSP, sob pretexto da confidencialidade (que se dane a reputação da PJ; aproveita-se o processo para colocar três instituições em cheque! – Ministério Público, Procuradoria Geral da República e PJ) e começam a ver-se mãos a serem esfregadas, de contentamento! “Isto faz-se!”, exclama um dos presentes, que invocou o segredo de justiça, para não ser aqui identificado.

O número 1 disponibiliza os seus meios audiovisuais ao partido e a campanha começa, no século XXI, marcado por demasiadas notícias que, após a sua publicação, provaram ser falsas. Nunca um partido político teve tanto apoio dos media em Portugal…

Um último parágrafo, numa publicação online da Procuradoria Geral da República, menciona:
“no decurso das investigações surgiu (…) o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido” – uma suspeita sobre a actuação do primeiro-ministro que pode preconizar corrupção! Assim começava o dia, com uma série de buscas, efectuadas em diversas localizações, incluindo a residência oficial do primeiro-ministro. Uma humilhação para os envolvidos que, actuando em nome do país, tornam a humilhação nacional.

“As instituições funcionam.”, abrem os jornais. Curiosamente, não são as instituições do costume – e previstas para o efeito – mas uma excepção, criada “pela confidencialidade necessária ao processo”! (Um prego na reputação da PJ, cuja legitimidade é arrastada pelo “sucesso da operação”!). Houve sucesso? Qual era/é o objectivo da operação? Se a PJ não funciona, prendam-se os culpados…?

Conclusão: se o Ministério Público não conseguir engavetar o ex primeiro-ministro, estaremos perante um golpe de estado…com uma PJ diminuída e um Ministério Público/Procuradoria Geral da República desprovidos de competência! E isso é muito perigoso…normalmente o prenúncio de autocracias!

O humilde narrador frente ao monte Acrópole.

O surreal é rotina na Grécia.

Hoje é dia de linha verde e, ao contrário do normal, revês as caras que pertencem ao “teu” horário, na linha que liga o mar (Piraeus) à montanha (Kifissia). Instalado na primeira carruagem – faço o máximo de tarefas a dormitar, até chegar ao emprego – rodeado de gregas que abanam os leques que, por esta altura, são mais uma arma no combate ao calor pirolítico que se instalou na capital grega.

A instalação sonora vai avisando os utentes – mind the gap, stay away from the doors, etc…de repente, ao sair de Omonia, ouve-se o anúncio de Viktoria, Attiki, fim da linha e por favor desembarque porque a composição está avariada e vai ser substituída (é mato, o número de vezes que acontece). Olhamos todos, uns para os outros, e saímos todos do metro, num belo gesto sincronizado, na estação de Viktoria.

Imaginem, por favor, uma estação onde o metro chega e, ao contrário do habitual, todos abandonam a composição enquanto explicam aos que estão na plataforma o que ouviram. Ouve-se uma porta a abrir e todos olhamos na direção do maquinista que, para espanto nosso, se ri, de gargalhada aberta que não lhe permite falar, ele quase chora…

Qual professora primária, ele afasta-se um pouco mais para o centro da plataforma e, por entre lágrimas de alegria, exclama algo em grego…não em tom de desculpa (um grego não comete erros) mas sim num tom autoritário. A mulher ao meu lado começa a caminhar para dentro do metro e eu sigo-a. Ela explica, assim que nos instalamos novamente, que o maquinista ordenou: o facto de termos a instalação sonora avariada não nos impede de chegar ao destino! Importam-se de voltar a entrar?

Percebem agora como tudo flui neste país? Sempre com uma gargalhada…😂

Humilde narrador esfria a moleirinha com um freddo expresso!

As cores do verão.

A vizinha saiu de casa depois de mim e, fruto de uma coincidência ou plano bem elaborado, estamos agora a lanchar, lado a lado, cada um na sua mesa. Sorrisos, falsamente envergonhados, cruzados com gestos tão espontâneos que parecem fruto de um nervosismo real, a mesma troca de olhares que temos, sempre que nos cruzamos nos espaços comuns do prédio.

Talvez seja esquecimento, ou apenas um acaso da vida de que todos podemos padecer, mas ela esqueceu-se do isqueiro (acontece bastante na Grécia, todos sabemos a que preço está o gás). Finge olhar à volta – o que, de facto faz – não conseguindo visualizar o meu maravilhoso “Clipper reusable”, finge pretender levantar-se para ir comprar um isqueiro – está a 7 passos do kiosk que os vende – mas prefere exclamar um “Oh”, quando finalmente assume enxergar o meu isqueiro.

A chama acende-se, sem que a alta temperatura sofra alterações, ela coloca a mão dela atrás da minha – obviamente para proteger de um vento que temo não sentir, a chama aproxima-se do extremo do cigarro, num movimento que me faz escutar acordes das mais belas músicas que conheço – num devaneio mental e musical que visa apenas embalar o momento. Ela agradece em inglês (como saberia) e eu respondo com um “ora essa”, em grego.

A tosta mista acaba, a Coca-Cola também já não demora muito e o calor….esse continua a ser brutal. Passa o 1 e o 5, e recordas que ambos conduzem a Sigrou. Recordas os meses aí vividos – apenas para constatar que o apartamento em Victoria foi dos melhores achados – nestas desventuras de ser um expatriado sorridente.

A maneira como era possível viver, num bairro problemático de Atenas, sem que sentisses o mínimo receio, só pode ser atribuída a um maravilhoso vizinho albanês que, fruto de ser o comandante local da noite, protegeu o meu apartamento (no único dia em que me esqueci da porta aberta), com uma simples cadeira, e sentou-se no sofá…a observar se alguém ousava desrespeitar a disciplinadora cadeira.

Acordava com um realejo ou violino, todas as semanas a biblioteca ambulante parava na rua, tinha mercado de rua duas vezes por semana!

Agora, na Boavista, tenho a avenida toda para mim, facilmente consigo fazer as compras inevitáveis, posso vegetar diante de um livro sem ser interrompido, o ruído citadino é menor e o prazer de viver exponencialmente maior!

Foi aqui que tudo começou, em 2015, e as passagens por outros locais apenas acentuam o quão diversificada a Grécia é – um amor que fica gravado onde realmente importa!

Tardes quentes – 5 de julho de 2023

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Esplanando…

O sítio tornou-se o do costume e, sentado na mesa habitual, vou trincando o lanche encomendado. A Coca-Cola vem, erradamente, com um zero mas o erro é imediatamente corrigido e a empregada de mesa condenada a beber a dita, no refúgio seguro dela, mas que é bem visível da esplanada.

As motos de baixa cilindrada que fazem mais ruído do que os topos de gama, as conversas de trânsito – algo que pode sempre resvalar, as pessoas que se benzem quando o sino da igreja soa. Os grupos que bebem cervejas frente aos grupos que conversam, os telemóveis como alienamento permanente.

O Kiosk, frontalmente colocado, em permanente rebuliço – a servir todos os que buscam “as falhas” a caminho de casa, os casais que tentam distrair os bebés do calor, os namorados que discutem o dia que agora começa a acabar. O Lenny Kravitz que grita que quer “Fly away”, as pessoas que se abanam – numa infrutífera tentativa de se manterem frescas.

O toldo da esplanada é entretanto aberto e o humilde narrador tenta descortinar de onde chega toda esta “nova luminosidade”, a empregada de mesa que sorri – ao descortinar a procura do narrador e responde com um gesto que demonstra que é ela que está a gerir o processo, mostrando o comando do toldo.

Uma escultural grega que chega – obrigando a um discreto, mas muito forte, empurrar do queixo caído que, aproveitando a distração do dono, coloca a nu toda a indiscrição da situação. Limpados os resíduos do salivar intenso e já recomposto de mais um monumento ambulante que não conhecias. Toca o telemóvel e respondes com toda a segurança: estou em casa, a ouvir música. Pagas a conta e corres para casa!

A maratona nasceu aqui perto – 28/6/2023

Dias de Atenas…parte CXL…😂

O despertar e o lento interiorizar o quão bem dormiste…acenas a ti próprio um sinal de concordância, após visualizar umas preguiçosas 8:30 no despertador – para quem habitualmente acorda às 5, há que celebrar estes eventos.

Sonhaste, e dás um sorriso envergonhado, assim que te ocorre o porquê de um sono tão retemperador. Olhas-te ao espelho, ciente de que não podes estar envergonhado contigo mesmo, isso não acontece…

Talvez o amadurecimento da vida traga estas mudanças de comportamento! Sei que havia duas covas que havia que transpor, após um galanteio mal dissimulado, e uma pergunta que havia que fazer. A pergunta libertava e soltava o humilde narrador para a tarefa seguinte.

Talvez tenha havido alguma palpação, para um duplo sentido de estímulo e a celebração da conquista daquelas duas adversárias, com tanto de ameaçador quanto erótico. Recordar, com saudade, que a louça ficou por lavar; apesar de bem esfregada, a gordura não se libertava e houve necessidade de recorrer a um desengordurante original, o sentimento de pleno a preencher os dotes de lavador de pratos do vosso humilde narrador…

Devaneio matinal, sonho…18/6/2023

O futebol na Grécia.

Sorrio, com um sarcasmo interior que até tenho que conter os espasmos musculares de satisfação plena, quando lhes respondo “Não dá mesmo, tenho cenas combinadas que me é impossível cancelar.” E assim tenho sido feliz ( bem sei que sou um egoista exacerbado nessa procura mas, afinal, a minha felicidade merece essa devoção!)

Recordo, sem saudade, o dia em que a curiosidade se apoderou de mim e, num misto de procura, loucura e estoicismo, embarquei na caravana dos vencedores do passatempo. Faço aqui uma pausa, para reler o escrito, e constatar que a frase anterior é muito típica do vosso humilde narrador; sendo que, normalmente, a saudade existe! Adiante, onde íamos? Sim, na caravana dos vencedores do passatempo da empresa, no camarote, com cozinha aberta.

O inverno estava a chegar, e a promessa de um jogo de futebol em que o campeão nacional estava envolvido, prometia o tipo de aventura de que normalmente um expatriado não usufrui – jantar incluído, bar aberto, umas esculturas ambulantes a servirem-nos…um jogo de futebol ao vivo, em que elas servem os comes (um ideal machista internacional que fui obrigado a usufruir de).

Estava na primeira fila, com um prato preenchido com um misto de carnes brancas e porco, ladeados por um Tzaziki maravilhoso. Os cumprimentos das equipas, umas músicas que não conheço (era o hino do visitado), começa o jogo.

Da imaginação fértil – 2/6/2023

Final score: 1-0

O decatlo como analogia da vida.

Na infância e adolescência temos os sprints em busca do conhecimento – corremos curtas distâncias na ânsia de obter as respostas que esclarecem as perguntas que constantemente nos assolam. Tudo é novo, tudo pode ser experimentado e o risco é algo que nem sequer cruza o nosso pensamento. Somos apelidados de putos – sem que o arrojo seja considerado, de imaturos – porque a experiência de vida carece de erros para providenciar certezas, de pessoas em fase de crescimento – uma analogia aos países em vias de desenvolvimento que desmotiva, face a uma evolução que não vemos esses países atingirem – ficaremos assim para sempre? Em vias de desenvolvimento? Podemos aspirar a ser um país desenvolvido? É a questão que nos colocamos, na certeza de nunca desistir em tão curta etapa! É assim que vejo a competição de abertura, com a corrida dos 100 metros.

O salto em comprimento acompanha-nos pela vida fora e mais não é do que um método alternativo para cobrir a distância que nos separa do objectivo – com a virtude de nos permitir saltar para mais longe, se queremos evitar um obstáculo, ou mais perto, se o objectivo é abraçar não um obstáculo mas uma qualquer fonte do nosso prazer interior.

O lançamento de peso é constante nas nossas vidas e mais não é do que o equilíbrio em que nos pesamos e nos sentimos bem – num mundo perfeito, sem pretensos magros ou gordos, em que gerimos o nosso peso no grau de satisfação interior que ele nos dá – num menosprezo total pelo que os outros pensam! Só tu interessas; porque no fim não há céu que nos acolha ou inferno que nos mantenha quentinhos!

O salto em altura é o crescimento – a constante que nos acompanha até ao final da vida, pois o conhecimento foi feito para crescer incessantemente. Como um alpinista, que escala cada nova montanha com uma atenção redobrada, nunca confiando na solidez providenciada pela natureza e sempre atento a toda a pequena indicação de gelo – num misto de deslumbramento e satisfação, de cada vez que sobe um socalco!

Os 400 metros que encerram o primeiro dia são o primeiro ensaio no percorrer de longas distâncias – após os 100 metros, quem não se diverte com uma volta completa ao estádio? A transição do final da adolescência para a vida adulta, passos de afirmação com muita confiança, planos elaborados com maior morosidade e atenção ao detalhe, os tempos em que és um pouco burguês até…

Os 110 metros barreiras, que abrem o segundo dia, são a representação de todos os obstáculos, alguns inertes incluídos, com que nos vamos deparar: alguns iremos superar, tropeçar noutros e, muito provavelmente, hesitar demasiado nos terceiros. Uma explicação sobre como superar obstáculos voando acima deles!

O lançamento do disco é toda a música que nos embala neste processo denominado vida. De diapasão na mão, numa procura constante pelo acorde perfeito. O aceitar sugestões de novos sons, enquanto mostras o que achas ser o valor do que ouves. As pessoas que nos davam acesso a uma cave, os amigos que aí colocavam música, a recordação de todos os copos cravados – com a dor da lembrança de todos os que tiveste que pagar. Uma melodia como símbolo de um porto seguro!

O salto com vara mais não é do que a superação com a ajuda certa. O acessório como elemento fundamental para a superação – numa simbiose tão perfeita que alguns homens jamais a conseguem superar (correndo o risco, segundo a sabedoria popular, de ficar cegos) e algumas mulheres são suspeitas, dado o exagerado consumo de energia eléctrica.

O lançamento do dardo são todas as paixões que tivemos, as reais, aquelas em que somos obrigados a “deter” o nosso coração e a interrogá-lo quanto às arritmias cardíacas de que passa a padecer. A submissão ao Cupido que, invariavelmente, nos apanha distraídos, na curva.

Os 1500 metros são o puro gozo com que desfrutamos da vida, o sentido de longo versus o que já conquistamos – em termos de “armas” para estarmos sempre acompanhados de um sorriso que, não sendo idiota, parece – mas esse é apenas o meu ponto de vista…

Bom exercício!

Palavras que se abraçam.

Soltas – como se a liberdade só pudesse ser explicada por elas, sinónimas – numa deliciosa harmonia de significados tão iguais, antónimas – numa bela dança de opostos, maiúsculas – armadas de uma maturidade típica dos começos, minúsculas – como que pequenos anões que são fundamentais para a tela final, acentuadas – a típica nobreza, cedilhadas – a recordação de outrora, em que a cedilha parecia algo tão esquisito quanto os caracteres chineses.

Rodeadas pela pontuação – num exercício tão vezes falhado, com os pontos que impõem um final, vírgulas que implicam uma pausa e a imaginação constante como agregador de um processo que a ciência não explica. Façamos um parágrafo! Ou um ponto final e continuamos com o mesmo assunto? Talvez apenas uma longa vírgula, que nos permita saltar para o próximo parágrafo e dissertar sobre algo diferente, como o relato de um pouco do que é o quotidiano grego? Vamos nisso!

Se chegaste até aqui mais vale continuares até ao final. Imagina um pequeno troço, para o qual ninguém estava preparado, em que nos é dada a oportunidade de lermos algo que nunca tínhamos lido: o suor da antecipação, a taquicardia por cada letra abraçada, numa palavra que encaixa bem, vá, num enorme puzzle que, quando completo, até sugere uma exclamação! E sim, procuro sempre a exclamação, como forma de bem estar comigo próprio (a cena narcisista 😂).

É algo muito recompensador! Olhar para uma conjugação de esforços de palavras, colocado aleatoriamente num processador de texto muito simples, olhando em volta e constatando que…cheguei! Estou na minha paragem!

https://www.atlasobscura.com/places/dromeas

A perigosidade da vizinhança feminina.

Já com o contrato de aluguer em meu nome, eis que o senhor da agência (um monstro de trabalho que se tem desdobrado em contactos para que o apartamento esteja a 100%) se vira para mim e diz “agora é só mudar a electricidade, um clique na internet e já está!”. O vosso humilde narrador, que de burro tem muito pouco, habituado a estas andanças gregas, respondeu “ainda bem que assim é, sentemo-nos aqui e vamos fazer isso!”. Qualquer outro mortal mudaria de cor e, amarelado por uma tarefa inesperada, ficaria de mau humor. Mas este não é um comum mortal e, juntos, acedemos ao site da empresa de electricidade…para Entramos no site, olhamos para as opções, e ele diz “bestial, está ali o número de telefone!”…caiu-me tudo mas deixei-me levar pelo processo. Marcamos o número, ele ouve a mensagem em grego, carrega no 9 e passa-me o telefone “ela fala inglês”. Aguardo uns 10 segundos e a gravação continua a sair em grego. Lá atende alguém, eles entendem-se e o telefone volta para mim. Dados trocados, cópias enviadas, processo submetido! Um clique…

Há uma lógica perversa nos interruptores que tenho encontrado, nos apartamentos por onde vou passando. O interruptor de dentro nunca é o que acende a luz do local da casa onde entras. É fenomenal, estimula muito mais a moleirinha e eu simplesmente adoro a lógica da coisa. Experimentem…

Há muita beleza nesta nova vizinhança. Rodeado da grande contribuição portuguesa para a imagem grega, as laranjeiras estão por todo o lado (googlem como é que se diz Portugal ou sumo de laranja com gás). Tenho a sombra delas o dia inteiro. Perdi a grande varanda de Zografou, mas herdei um fresco rés do chão em Kallithea. Kallithea que significa Boavista – em termos de equiparação à Invicta – é como mudar da Pasteleira para a Boavista, perdoem a repetição.

Saio de casa, com um ar concentrado e decidido (o ar só, por dentro vou a dormir), passos rápidos em direção ao supermercado (a 2 minutinhos a pé) e o queixo lá se deixa cair e eu sou obrigado a parar para o interrogar. Pretendo interrogar o queixo até que a verdade saia…até porque, entretanto, passa por nós um monumento ambulante e eu, como ateu praticante, coloco o meu alter ego de trolha lusitano e deixo os olhinhos contemplarem – já consegui largar as fraldas e a baba é agora apenas uma lembrança antiga de algo que não tem acontecido. Interrogam-me porque não faço desportos radicais mas, claramente, não conhecem a Grécia…é um decatlo diário!!!!

Aquele abraço – 9/1/2023

O bife de vaca.

Não é um prato tradicional grego e, caso optes por encomendar um bife de vaca e estejas acompanhado de um cidadão grego, ele (ou ela) dir-te-ão quão perigoso é. Tratando-se de algo invulgar – na Grécia come-se, sobretudo, carne de porco e frango. A vitela também faz parte da ementa mas, porque menos consumida, também é um prato de risco – excepção feita às tavernas, onde a comida é fresca e raramente é de risco.

Segundo dia de cama, com uma intoxicação alimentar brutal, que me fez passar a noite a expelir líquidos pelos vários canais possíveis. Obviamente só há um culpado – eu. Assumo a fraqueza que me acudiu, sabendo os riscos que corria, sobretudo porque já passei pelo mesmo em casa – chegar, num dia de verão com luz do dia até às 22, grelhar um bife e, imediatamente, ficar de cama!

Não foi gula, não foi extravagância (um bife de vaca tem um preço que começa nos 12-15 euros e que, dependendo da denominação do local onde se consome, pode encarecer bastante) – um ex-café, redenominado gastro bar (ou qualquer outra denominação azeiteira) consegue inflacionar o produto, sem que a qualidade acompanhe! Pagas o “conceito”, chegas a casa, vomitas o conceito, obras o conceito, expeles o conceito – até o estómago começar a dar mostras de conseguir suster.

Ligas para o amigo de sempre que, inevitavelmente, te recorda o número de vezes em que o prato inicialmente escolhido, acabou por não ser o da encomenda final. Recordas episódios passados – em que a luz faltava em Atenas, durante o horário laboral, e tu chegavas a casa e, sem demora, esvaziavas o congelador, tudo directamente para o lixo!

Agora, que as partes baixas do aparelho digestivo começam a conseguir suster, esboças um sorriso – numa cara pálida que caminha para a normalidade.

Que vómito de noite – 6/1/2023

Pôr do sol, estádio olímpico, Marousi.

Resoluções do ano velho.

A parte do orgulhoso descobridor:

Agora, que já ultrapassaste os 10% de ilhas habitadas – Aegina, Kea, Hydra, Zakynthos (Zante), Rhodes, Santorini, Amorgos, Naxos, Milos, Lefkada, Kefalonia, Skorpios, Ithaca, Meganisi, Madouri, Evia (Euboea) – começas a planear as visitas de 2023! Será num“trilho” repetido – mas com mais detalhe para dispensar.

Paros e Koufonissia? Certamente! Há aquela necessidade de – como se de um daltónico se tratasse – ver cores diferentes, num caminho marítimo que termina em Amorgos! O processo de acostumar os olhinhos ao deslumbramento é moroso e convém que seja gradual, para bem dos músculos do queixo que, habituado a ceder ao espanto com um deslocamento vertical, pode gradualmente fortalecer-se para as aventuras que se avizinham!

A parte do orgulhoso observador:

Falemos dos transportes públicos na Grécia! Leiam atentamente porque eu, como dizia o outro, não duro sempre!

O lugar mais cobiçado, nos transportes públicos gregos, é junto à porta! Não me perguntem porquê, confunde-me tanto como a vocês. Um exemplo? Entras no metro, autocarro ou comboio e, caso não estejas atento, o cidadão da frente trava e tu bates directamente nele/a (isto são lições que proveem da Grécia antiga e são transmitidas de geração em geração!!!!). O ser humano entrou no transporte público, viu uma oportunidade de viajar como VIP, e não hesitou em travar a fundo para o conquistar! Ainda bem que nos aviões vamos todos sentados…😬

Novo ano, novo IKA? Vê-se logo que não me conheces… – 1/1/2023

O humilde narrador a descer ao mais profundo de Atenas.

Detalhes da vida de uma viagem.

Há algo de mágico na maneira como pisam o chão – como se o chão se tornasse no anfitrião perfeito, perante tanta beleza emocional. Os pés parecem gravitar, antes de tocar o solo – num movimento de perícia semelhante à recuperação de um foguetão da Falcon X. Ondulam, não andam! Num Mediterrâneo de temperatura perfeita e paisagens sem igual.

Saiu do metro, de encontro à mãe (que já aguardava na plataforma), num passo tão lento que, caso quiséssemos simular o movimento em câmara lenta, não haveria disponibilidade de velocidade tão lenta. Não confundir lentidão com laxismo! Enquanto se preparava para sair, ela focou o alvo e deu um festival de emoção gestual que, somente a ideia, me faz arrepiar os pelos que ainda detenho.

Agora, que já tudo passou, posso dizer que ela teve um gesto simpático para comigo…olhou, marcou, pavoneou e partiu. Obviamente poderia escrever uma trilogia sobre o momento mas, por agora, vou desfrutar da conversa com ela!

Escala em Sofia, Bulgária 🇧🇬

Vibrações interiores

Não que tenha experiência (em design de interiores) para opinar mas, enquanto Lusitano, sinto uma espécie de formigueiro – que normalmente antecede uma renovação do lar. A ansiedade de quem aguarda a entrega, mentalmente fazendo a distribuição dos bens a serem entregues pelo espaço vazio que, por ora, te rodeia.

Aquele espreitar pela janela, confundindo todos os veículos que passam com a entrega que aguardas – uma espécie de patrulha de vizinhança, que impede que qualquer movimento não planeado seja imediatamente interceptado e a ameaça neutralizada. O miocárdio aperta de antecipação e refreias a emoção – pois temes estar cansado, quando a emoção se concretizar.

O exterior é um belo jardim verde, com uma piscina média, do lado direito, mesmo em frente ao mar que, quando muito, está a uma distância medida em passos. A sede da equipa começou a ser solidificada, de fora para dentro, e a entrega de hoje é apenas o concretizar de toda a bela simbiose em que se haviam tornado. Até concordaram com juras de fidelidade e felicidade eternas, como nos filmes…

Domingo de sol

A aguardar que os vizinhos de outrora voltem a Atenas, para um jantar de convívio e celebração, como só eles sabem gerar. De livro aberto e sol no corpo, eis o vosso humilde narrador a relaxar, no último dia do fim de semana.

É aquele sol, com a temperatura do equador mas sem a humidade, com o brilho do verão mas somente a energia do outono, a abrilhantar sem magoar, a acompanhar sempre solidariamente – como um verdadeiro companheiro de aventuras.

Hidratando constantemente, até um cúmulo de me sentir uma picota humana que, gota após gota, se vê transformado num intermediário humano entre a fonte e a sanita. De cabeça enfiada na leitura despede-se de ti, com um abraço apertado.

A serenidade celebra-se!

Domingo de oração – 9/10/2022

Na plenitude do ser jaz a sua essência!

Primeiro apelidei-a de primata emocional mas, com o passar do tempo, apercebi-me que havia uma só vontade, em termos emocionais, que era precisamente nunca evoluir! Uma opção voluntária ou induzida, num ambiente em que o rebanho é a forma comum de sociabilização. Como se de um filme se tratasse: de ficção científica, em que o sentimento é reprimido e ilegal.

O lado cientista tentava decifrar a fórmula científica que poderia levar a que algo se afastasse, voluntariamente, do Nirvana emocional – mas a comunidade científica mundial não acreditava que existisse prova de que alguém conseguisse, voluntariamente, repelir sentimentos e, como tal, o objecto de pesquisa caiu no esquecimento.

Testemunhas anónimas deixavam o seu testemunho, de momentos de pleno sentimento e as diferentes formas de expressão que haviam assumido para cada uma delas. Era como um livro, básico e de escola primária, em que o público tentava que o primata aprendesse, mas os ensinamentos da república das bananas prevaleciam sempre. A comunidade científica internacional tentava agora um derradeiro plano: a criação de uma rotina, na mente do primata, de maneira a que as emoções fossem estimuladas diariamente. Teletrabalho, obviamente! A uma distância segura e sem contacto! Tal era a esperança depositada no projecto!!!

Loucas, loucas, loucas…

Nunca, se não houvesse uma intenção clara, eu ousaria trincá-la como trinquei…não consigo descortinar um nível de insaciabilidade que pudesse ter conduzido a um acto tão irreflectido quanto saboroso. Quando recordo o momento, mais não consigo do que desejar nunca mais esquecer de andar com tzaziki no bolso! Um bolso refrigerado, seja, alimentado por um power bank escondido no bolso…porque não? O desejo é louco…mas quem deseja apenas sofre de insanidade temporária!!! Inimputável, ou talvez não…

Ao longe eu era capaz de distinguir toda a minha dentição mas, estar longe não estava perto dos meus planos!!!! Apareci pela esquerda e notei, assim que nos vimos, que a cor e a temperatura dela tinha sofrido alterações. Parecia ter agora o corpo mais bem delineado (é possível aperfeiçoar a perfeição???), um corado bem dentro do erótico, um olhar que só exclamava uma expressão silenciosa “Come-me”!

Depois do orgulhoso, corajoso e tipicamente lusitano “engolir em seco”, eis que a tenho nas mãos – o odor que exala, a forma como sua de “emoção”, o ar salgado com que me encara…mordi-a ali mesmo, arriscando mais uma acusação de atentado ao pudor. A língua, as gengivas, os dentes…de repente toda uma revolução industrial palatal saúda-a!

Foi a melhor espetada de frango que já comi!

A maturidade mais não é do que a conquista do saber manusear as sucessivas ferramentas que nos são disponibilizadas para desfrutar do verdadeiro sentido da vida. 🤗

Retrato ou autorretrato?

É com um sol quente, enquanto bate na cara, que vos escrevo. Com uma montanha branca, no meu lado esquerdo e uma cidade a derreter, no meu lado direito – um bom retrato da beleza da vida que, de um lado, possui montanhas – que ora estão escaldantes ora estão geladas e, do outro, mostra as consequências, a aprendizagem, a maturidade do processo.

Ambos os pés em cima do corrimão da varanda do quinto andar, uma Coca-Cola fresca e uma boa leitura em perspectiva – eis um bom domingo, por entre momentos de saltimbanco, à mercê de nuvens frias e teimosas que teimam em nublar o maravilhoso sol que, por entre elas, nos vai piscando uns raios solares de incentivo.

O quarto é virado para trás (um luxo, numa capital onde vive mais de metade da população do país) e o despertar é natural…ora com o inconfundível ruído do vento a passar nos suportes dos toldos que, ao oscilar, criam uma melodia diferente de cada vez, ora com um pássaro que aproveita para se lavar, numa concentração de água que habitualmente aí existe,

A vizinhança é espectacular e consigo ter sol no apartamento durante o dia inteiro…bravo, como se celebra por cá. Tudo existe num raio de 250 metros e o centro está a cinco minutos de distância! Este momento de felicidade é uma conjugação de tudo o que anteriormente foi enumerado, num contexto de coração saudosista. De quê? Não sei…vou continuar a procurar!

Adoro o meu sorriso – introspecção narcisista, pós tempestade. 😂❤️

Durante a vida na Irlanda, eram comuns – chegou a acontecer em Agosto – os alarmes meteorológicos (o de Agosto foi quando a temperatura chegou aos 26 graus centígrados e o Governo ponderava evacuar o país) mas, foi com grande espanto, que presenciei o nevão desta semana – digno da República da Irlanda, num dia de indisposição meteorológica!

Há, obviamente, algo de sarcástico no fugir das tempestades para as vir encontrar, mais serenas, mais maduras, muito menos imaturas…mas não deixam de ser tempestades!!!! 🙄😂

Hoje foi dia de trabalho, após dois dias de feriado por imposição governamental, e o caminho fez-se por entre vários tipos de neve: a que eu designo por Napoleão – porque é suficientemente estável para caminhar de mãos nos bolsos, o Hitleriano – que obriga a um reequilíbrio constante, obrigando a que as mãos se pavoneiem em saudações menos dignas e, o meu preferido, o John Holmes – em que o barulho produzido pela neve, já bastante empapada e aguada, reproduz com extrema exactidão os sons outrora escutados nas produções desse tão viril actor de outrora.

Passar por baixo de uma videira carregada de neve a assemelhar-se a um mergulho numa gruta ao ar livre, os gatos – sempre eles – que olham para ti com o desdém habitual de quem não é reconhecido por lhes dar de comer, o mergulho nas escadas rolantes do metro e, ainda com mestria para fechar os olhos até ao destino, o submergir do metro para a realidade branca do exterior. O transitar por entre os ditadores acima referidos e o constatar que hoje trabalhamos juntos no escritório!

Os dias assemelham-se a horas de bem-estar, procura livre de novos projectos, avaliação do dia anterior, gargalhadas genuínas de quem está numa equipa de gente que sabe estar satisfeita. Sobretudo sabe estar, que é superiormente complementado pela satisfação.

Saudades tuas

Talvez a paixão realmente tenha nascido a 17 de Maio de 2015, talvez sempre tenha crescido comigo – como um Alien de satisfação que orgulhosamente transportamos dentro de nós, que, ao invés de se alimentar de nós, nos energiza, numa procura incessante por algo novo. Talvez não me tenha lembrado, porque mergulhado na qualidade do trabalho a executar, ou pura simplesmente tenha esquecido, apesar de por aqui ter passado. Talvez me tenha, propositadamente, dirigido na direção contrária à que pretendias ou talvez tenha espreitado, por entre uns arbustos cibernéticos, capazes de deter qualquer veículo sem estética, a verdade é que há em ti mágoa…desculpa, já te disse!

Conforme te expliquei, não se tratou de um abandono mas, tão só e apenas, de um desvio temporário – sabes perfeitamente como isolo quando tenho um desafio novo pela frente, pelo que não me podes censurar por ser coerente! Podes sempre tentar, como exercício de quem não compreende algo, mas sabes perfeitamente que as mesmas ações conduzem sempre aos mesmos resultados! Essa tua teimosia, de tudo querer saber para tudo poder censurar, não resulta comigo, conforme as palavras que de mim extraíste claramente te indicam. Tens que inovar, algo sempre bem recebido num mundo em constante mutação, na maneira de abordares as minhas ausências! Saber festejar, porque tens conhecimento, porque acedes a tudo o que consulto, crio ou interajo com, de todos os passos que dou, todos os pensamentos que tenho, todas as emoções que reúno!

Desculpa blogue, não ousarei voltar a repetir uma ausência tão prolongada! ❤️

Maria Callas 🇬🇷

O que é estar cansado?

É não ter dormido, num misto de antecipação e por força de uns eventuais berros, em norueguês, de um hipotético colega de casa, enquanto matava adversários num cenário virtual? É estar tão sedento, que o saciar a sede se sobrepõe ao efeito habitual dos cafés da manhã? Não faço ideia…

A viagem passa como o dia de casamento: muito rápido, mal tens tempo de abraçar todos, já é a hora da despedida…um piscar de olhos e estávamos em Páros e, eu que já conheço o caminho, sei que depois são 45 minutos…que são percorridos com o vosso humilde narrador a esfregar as mãos de contentamento por, finalmente, ir pisar esta terra!

Fui o primeiro a sair do barco (porque tinha um camião encostado à bunda e, com estímulos desses, eu fujo), sem qualquer comparação com o parolo que se levanta assim que o avião aterra, e meti uma primeira velocidade curta, logo seguida de uma segunda e a mudança do aspecto visual exterior de “turista” para “desconhecido que tem um passo decidido pelo que deve conhecer a ilha”. Qual Batman, rindo às gargalhadas por dentro, parei no que me pareceu um local de culto dos locais. Pedi um freddo expresso sem açúcar e contemplei o mar, enquanto um suspiro se soltava de mim…exactamente assim, como se eu observasse um suspiro de satisfação que se afastava de mim.

A menina do café depressa descobre quem sou, já que a amiga é quem trabalha na recepção do hotel onde vou ficar e, fruto dessa feliz coincidência, vêm-me buscar. Sou obrigado a retirar o pé da água quente do mar para conhecer o hotel que é a 100 metros de distância…

Pouso tudo, tomo um duche e saio para me perder – algo fundamental para mim, assim que chego a um local diferente (obviamente não se aplica nas viagens no continente africano, sobretudo no Krüger National Park…como o “outro”!). A praia é interligada a outras praias, de ambos os lados. O sol está a descer e há que capturar o momento – primeiro com a mente e depois com o telemóvel. Perdido vou fotografando o caminho, sem deixar de espreitar o pôr-do-sol que se prepara…

O sol já se pôs, o jantar estava maravilhoso e o iogurte de sobremesa foi o gesto desafiador para um passeio pela beira-mar…

É bom viver na Grécia. Amo! – 6/12/2021

6th December 2021 – Naxos –
Agios Georgios Beach

Perdido em sonhos

Como se de uma feira popular se tratasse, os caracóis são a montanha russa perfeita para os meus olhos se regalarem; são inúmeros os caminhos que eles percorrem e, com a ajuda da natureza, já os vi ondular – de uma forma tão ousada que, pela primeira vez na vida, exclamei: estes cabelos intimidam-me…ao ponto de eu desejar que os meus olhos não me traiam! Mas eles, cobardemente apaixonados pela emoção do que presenciam, imediatamente fixam-se na forma perfeita de uns lábios que, em detalhe, parecem ansiar pelos meus!

Sobejamente traído por todo o bem estar da situação, ciente – tal como um espião, um qualquer agente duplo num qualquer país do mundo – de ter sido desmascarado, de sorriso inocentemente apaixonado no rosto, de pensamento completamente arrebatado pelo sentimento, a dar uma boa inspiradela, antes de voltar a fixar-me naqueles lábios tão bem definidos, tão carentes dos meus, tão traídos pela vida própria que possuem, aquando observados!

Observo as linhas das orelhas, num planeamento minucioso do melhor ângulo para as saborear, prevejo a ponta do nariz húmida – como início de uma brincadeira com comichão, o pescoço está totalmente reconhecido e, após análise dos dados apurados, o ponto de união de ambos os corpos perfeitamente apurado – num ângulo que permite a troca de mimos enquanto encaixado em outrem.

Os ombros não serão suficientes para suster o ímpeto, e também não serão poupados a uma apurada análise de sensibilidade! Já o peito despido, dita o decoro, obriga-nos a saltar a descrição para o umbigo – uma covinha amorosa, sabiamente colocada numa barriguinha perfeita.

As coxas percorridas pelas pontas dos dedos, como um sonar humano que reage ao toque, os corpos totalmente rendidos, um no outro!

A onda de choque

Sentes, claramente e muito antes de acontecer, naquele primeiro momento em que os olhos se entrelaçam, que a onda de choque te vai atingir e, instintivamente, o teu corpo parece recuar perante um desejo que te impele! Há uma espécie de salto fantasma, que possivelmente só ocorre na tua imaginação (a expressão anterior carece de valor científico; não há provas factuais…a imaginação recusa-se a auto incriminar-se e o recurso aos tribunais está fora de questão!).

Avanço, com a confiança do Alex, no Madagáscar, pronto a ser lançado de uma carcaça de avião, pilotada por mamíferos superiores. O passo é seguro e, olhando à volta, pareces observar borboletas…exiges explicações à tua imaginação e tudo o que escutas são gargalhadas como resposta. Terá a primavera chegado mais cedo? Interrogas-te…e a imaginação envia o som de ainda mais gargalhadas…O cumprimento é comprido, duradouro, acariciador! A tua mente deixou de interrogar a imaginação e sorri com ela, como dois bons amigos, abraçados, a observar o desenlace.

É verde, a expressão que mais recordo dela, talvez sinónimo de uma beleza absolutamente arrebatadora. Um nariz perfeito, como que anunciando uns lábios que me chamam. Tremo de emoção perante o arrebatamento consentido, sei que dou por mim fixado nas expressões e, a qualquer momento, aguardo que entre uma qualquer polícia que nos prenda. Saberia descrever todos os detalhes que fui observando, principalmente quando sou sempre correspondido com igual atenção, finjo não saber o que sinto para, como resposta, ouvir uma duradoura e sonora gargalhada da imaginação.

O amor é uma democracia…deixem-me votar!!!!

O humilde narrador

De garras afiadas

Chegou pela esquerda e vimo-nos! Mas fingimos não ter visto – num jogo de fingimento que nasceu nos tempos mais antigos da civilização. Continuamos a olhar-nos, mas desta vez já com uma audiência de espectadores casuais que mais pareciam esfomeados do que propriamente predispostos a aprofundar conhecimento. Indiferentes a tudo e a todos acabamos na mesma mesa…por vicissitudes várias da noite talvez se tenham até beijado mas, arrolado como testemunha, o kiosk nada confessou!

Talvez a conversa fosse interessante para ambos ou talvez fosse apenas uma noite de verão na Boavista mas, por momentos, senti paixão pelo sentido que tudo fazia naquela conversa! Continuamos a partilha de informação e sorrimos das incoerências que faziam tudo ser coerente, do diálogo fluido que parecia ter décadas de entrosamento, das gargalhadas sincronizadas que parecíamos ter inventado.

Era como uma brisa agradável numa noite de verão Ateniense – refrescava-me a mente ao mesmo tempo que a visão turvava, arrefecia-me o corpo ao mesmo tempo que ele aquecia, enchia-me o coração ao mesmo tempo que ele pulsava!

Sonho de uma noite de verão – 2/9/2021

Mixed feelings

Dia de entregar o carro – começa a alavancagem de emoções…fazes força e recordas tudo com saudade. Sorris quando recordas o bifteki da ilha que é tão pujante quanto uma feijoada portuguesa – obviamente o facto de acompanhares com tzaziki não ajudou muito na dieta imaginária que te esqueces sempre de colocar em prática!

Que belas férias, afirmas! Com a noção perfeita de que agora és refém do autocarro! Revês mentalmente as praias, o poder teres o teu espaço e tempo, as pedras e os tombos, o escaldão e o hidratante, as três cervejas que custaram €14….dás uma sonora gargalhada naquela que é, por estes dias, a tua padaria de eleição!

Sorves mais um pouco de freddo cappuccino sketo e, enquanto o saboreias, recordas as noites muito bem dormidas, o candeeiro que quase partiste – como um soldado descontrolado, armado de toalha molhada, a tentar matar o inimigo – um mosquito que fazia voos rasantes na tua orelha. Como um Zero japonês, que apostava a vida no alvo, também ele sucumbiu à batalha!

Constatas que já deixaste um pedacinho do coração na Fuzeta e na Oura, enquanto criança. Sabes que África ficou com um pedaço talvez maior – sendo a única porta entreaberta que deixaste, a nível sentimental. O Brasil, superiormente mostrado por dois amigos para a vida conquistou mais um pouco e, quando julgavas que te tinhas tratado, e estavas imune a sentimentalismos, eis que voltas à Grécia para mais uma jornada de pura beleza e dedicação!

De todas as minhas imperfeições talvez essa seja a melhor! Pelo menos é a que mais aprecio – o sentir um oxigénio que amas a entrar, o coração a trepidar de alegria, a emoção da vista na curva seguinte, a sede de aprender, ver e saber perfeitamente o que é amar!

Devaneios matinais – 26/8/2021

Cinco horas e meia

É um estado de embriaguez emocional – estás no barco, a alta velocidade, e só pensas na chegada – como uma criança que passa a viagem toda a perguntar se já chegamos!

Alguns dormem, as crianças correm, outros sonham acordados – como eu! Foram dois dias de despedidas que agora se reflectem num corpo sedento de aventura e querer ver, obviamente para crer!

A companheira de viagem escreve, com a mão esquerda, e apanha os cabelos que, entretanto, já se animhavam na minha face. Sorrio, porque escrevo também e não tenho preocupações com o cabelo solto – nem com o dela nem com o meu!

O barco baloiça, por entre a ondulação que vai atravessando, e vêem-se agora os primeiros enjoos de quem sofre nestas máquinas de transporte marítimo. A sensação de coração cheio, aquando da chegada ao Porto de Piraeus, ainda está bem presente – a alegria desmedida, somada com a intemporalidade típica das férias, num resultado de respiração profunda, extremamente calma, e um sorriso capaz de importunar só quem não entende a alegria de viver!

Até já Atenas!

O humilde narrador…😎

O azul profundo

Era o final de 1988, um ano de aprendizagem – entre o inter-rail despesista e a aprendizagem amorosa, a adolescência e os seus calores, os passeios e os trilhos virgens, novos filmes e novas tecnologias. Madrugadas de filmes, num horário irracional da meia-noite às 7 da manhã – enquanto a casa dormia! Snacks na cozinha ou investidas na noite espinhense, em busca de um aperitivo nocturno.

No horizonte adivinhavam-se mudanças e, fruto da curiosidade própria da idade – com o catalisador da irreverência ligado e a uma velocidade estonteante – o humilde narrador raramente via um filme do início ao fim – bicho carpinteiro ou natureza? Jamais a ciência saberá a resposta!!!!

As almofadas estavam prontas e o público enchia já a sala, nessa altura com a lotação esgotada no máximo de duas pessoas! Barriga composta, por um qualquer cachorro quente improvisado e prontos para ver um filme de quase três horas de duração. Confesso que a natureza sempre constituiu um amor – em querer ver para, posteriormente e se possível, conhecer.

O filme começou e imediatamente ficamos deslumbrados com todas as imagens e a espectacularidade da fotografia! Exclamei “Um dia vou ter que conhecer o sítio onde isto foi gravado!” e o meu irmão, gajo sempre atento a detalhes, indicou a Grécia como sendo o local a visitar. Ao longo da vida muitas foram as vezes que repeti a visualização do filme e sempre, sem excepção, a vontade de “ver para crer” estava presente!

O filme retrata a vida de um homem encarcerado num corpo de golfinho, o amor pela natureza num superar constante dos limites, um ser irrequieto e irreverente que não encaixa nos padrões normais da sociedade e que resolve criar o seu próprio mundo – com os inerentes defeitos e virtudes – é assim que eu o vejo!

Quando cá desembarquei, para dar continuidade a uma saga feliz iniciada em 2015, sabia que teria que ser uma das primeiras visitas! Num misto de teimosia, curiosidade e não deixar para amanhã! Assim, e porque a primeira oportunidade foi usada para ir a Meteora, tratei de começar o planeamento logo após a chegada do Norte! O estúdio sobre a praia a um preço médio-alto, o bilhete do barco com lugar reservado e o certificado digital de vacinação Covid estão prontos e o dia da partida mais não é do que um excitante natural, ao nível da melhor cafeína comercialmente disponível!

Faltam cinco dias de trabalho e depois vou conhecer o paraíso! Não na vossa definição da palavra mas sim na definição do que o meu coração precisa!

Monastiraki

Aquele receio infantil

As pernas eram compridas e, diariamente, cruzávamo-nos no mesmo lugar. O corpo era desenvolvido para uma idade que não aparentava ter – o corpo musculoso, a velocidade com que se deslocava, a aparente indiferença com que fazia o percurso, tudo nela inspirava uma confiança desmedida! Parecia a matriz da perfeição dos seres, aquela por quem todos copiam – comportamentos, confiança, segura de si!

Era quinta-feira à noite quando, cheio de coragem, achei que tinha confiança suficiente para a enfrentar – num diálogo entre desconhecidos que pressupõe sempre alguma tensão, nervoso miudinho, fraqueza de membros que, no dia-a-dia, nunca nos falham e, até pelo contrário, nos impulsionam para conhecer horizontes desconhecidos. A noite seria seguida por três dias de descanso, numa conjugação de um dia de férias e o fim-de-semana de descanso a que todos temos direito!

Tinha-a baptizado de Kareem Abdul-Jabbar – não só pela altura que tinha como também pelo corpo que era semelhante ao de um atleta de alta competição. Mas, nessa noite, fui obrigado a rebaptizar de Michael Jordan! Pela forma como deu um salto, assim que me viu! Recuei, pois a falsa timidez deu lugar a um medo frenético! Ela atirava-se a mim e eu, de pelos em pé e surpreendido por uma reacção tão espontânea quanto corajosa, dei por mim a tirar a havaiana para me defender! “Se é de violência que gostas então é violência que terás!”

Tirei-lhe as medidas, enquanto reparava que ela se propunha voar para mim. Calço 44 mas a havaiana parecia pequena para ela! Agitei-a no ar, na esperança que o movimento a fizesse debandar mas obtive apenas uma mudança de cor nas costas dela que, pela pose agressiva, se assemelhava a uma leoa, que mostra os dentes antes de matar a presa. Rapidamente recoloquei a havaiana no pé e fugi, rua acima!

Foi das baratas mais ferozes que enfrentei…

Quando o IKA está em todo o lado…
Quando o IKA está em todo o lado…

Aquele resumo…

Cheguei a 18 de Maio, depois de uma noite sem dormir, na escala em Istambul, enquanto aguardava a autorização do Governo Grego para entrar. A noite foi passada, como sempre movido pela curiosidade, a tentar descobrir ao máximo o novo aeroporto de Istambul que, diga-se, tem uma escala descomunal. Países normais constroem aeroportos, mas os Turcos construíram uma megacidade a que deram o nome de aeroporto! Não falta absolutamente nada…

Completamente estourado à chegada, e sem paciência para o X95, armei-me em capitalista e fui de táxi para o hotel designado. Não era bem o Hilton, como eu havia sonhado, mas dava para cumprir o propósito de descansar. Central, demasiado central, ousaria dizer, estava perto de todo um mundo que conjuga mais nacionalidades do que o tempo me permite enumerar. Um bom iogurte grego, após o primeiro sono, foi o suficiente para me sentir de volta e, sem mais demora, fui espreitar o “meu” antigo apartamento em Antiochias! Estava tudo como eu havia deixado…o mercadinho, a bomba de gasolina, a vizinhança que olhava com ar de quem não acredita que o antigo vizinho tenha voltado.

Já munido de cartão da Vodafone grega e ávido por confraternizar, numa altura em que o simples pensar em estar com outrém pode ser considerado crime, lá liguei aos “suspeitos do costume” que, como se no dia anterior tivesse partido, me saudaram com a saudade e carinho de outrora. A caminhada até Kallithea, para a bougatsa no sítio do costume, o saudar dos soldados que guardam o soldado desconhecido, o ter a oportunidade de voltar às minhas espetadas preferidas de frango, a tripa que reage prontamente ao iogurte e ao tzatziki, o galgar por ruas que conheço como a palma da minha mão. A cerveja de final de tarde, a vista da Acrópole, o coração sempre a encher-se de emoções e a lágrima no canto do olho.

Foram quase dois anos parado – em termos de trabalho. Com perdas irreparáveis, momentos de alegria indescritível e tristeza como nunca esperei viver. O recordar da cidade que me viu nascer mas que está completamente transformada – invadida por estranhos sem gosto, um deserto de locais de confraternização, com o que já foi a maior feira semanal do país a definhar…cada dia me revejo menos ali e mais aqui. Foi com um final que se deu o meu início da procura de algo novo, perto da Grécia – era o objectivo – e, de uma proposta para a Bulgária surgiu um imprevisto grego que, urgentemente, precisava de portugueses nativos e eu, que penso muito pouco no que toca a voltar à Grécia, aceitei….logo. 

Os finais têm o dom de serem seguidos por novos inícios e, temendo ou não (um ateu teme menos), voltei a fazer um trabalho que me permite viver num país que quero descobrir, até esgotar as minhas forças. Se me dá poder de compra ou a possibilidade de poupar, como na Irlanda? Claro que não! Mas oferece a possibilidade de descobrires 200 ilhas, por entre um continente – também ele – cheio de maravilhas da natureza…e eu sempre fui um homem de uma natureza diferente dos demais.

Obrigado miúdas, pela vossa amizade tão irreverente quanto recompensadora!

Percalços da língua

A meio da refeição há um exemplar feminino que se senta na mesa em frente a ti e tu, que és um moço atento, apesar de estares a falar ao telemóvel, exclamas “Semelhante a uma boa fêvera lusitana” e, assim que a chamada termina, o dito exemplar volta-se de frente e exclama: é Português? Corado de coragem, algo imperceptível para quem não conhece, respondes com um quase mudo: sou….

Já no final de um hipotético dia de trabalho recebes uma chamada de alguém com 7 longos anos de experiência que não permite que lhe seja explicado o procedimento correcto para obter o que pretende. A experiência de 7 anos a tentar sobrepor-se a uma série de procedimentos escritos desde a fundação do negócio derrapou para um bairrismo que, sabendo existir, não pratico mas, quando desafiado, fui ensinado a responder com elegância! Dizem os 7 anos de experiência: você é do Norte, não é? Sou, respondeu o vosso humilde narrador. “No Norte sempre foram um pouco lentos de compreensão”, volta o Ronaldo da experiência à carga…”Só com a reconquista aos mouros” respondi.

Parece entediante mas é super giro! – 24/7/2021

A folha que a planta largou.

A cara ligeiramente corada, um ar esbaforido, um sorriso tão bonito quanto os caracóis que ostenta. Era um dia frio e ela tinha tanto de elegante quanto de inalcançável. Parecia cansada e eu, que também não havia dormido muito bem, não dei grande atenção mas vi que sorria enquanto passava.

Talvez fosse eu a imaginar coisas, algo tão recorrente quanto recompensador, ou talvez ela fosse mesmo muito parecida com aquele amor perdido em Cork. Foi quando se sentou ao meu lado que percebi que sentia uma irrequietude em mim – algo tão completo, tão preenchedor e tão profundo que, sem saber nada dela, já só ambicionava saber tudo! Uma espécie de magnetismo animal que, traduzido em palavras, fica aquém da sensação vivida.

Hoje falamos, porque a situação no país dela está cada vez mais tensa e, sabendo nós de todo um passado de opressão, trocamos abraços envergonhados. Simples, para quem vê ao longe, profundo para quem executa! Recordamos a nossa viagem, os nossos tiques, o nosso toque e, envergonhados, despedimo-nos com um emoji amoroso.

Por caminhos gregos…

A frescura de Atenas

Sentado num balcão, que combina a temperatura exterior com a brisa fresca que vem do ar condicionado interior, munido de um copo de água e um Freddo expresso sketo, de olhar perdido na esplanada e com um sorriso aberto – esta é a melhor definição do meu domingo.

A patroa da casa que assombra as funcionárias, o café que sai a um ritmo inversamente proporcional à água, as beldades gregas que quase se atropelam para obter o melhor ângulo da esplanada. Os pombos que lutam por migalhas enquanto os humanos reclamam porque a conta está errada, enquanto as motorizadas, sempre kitadas com escapes de rendimento, dão uma sonoridade tão irritante quanto típica na Grécia.

Num canto está o “Abrumhosa”, assim designado porque nunca tira os óculos escuros, no centro a patroa continua, tão exuberante quanto irrequieta, a tentar controlar tudo o que se passa sem deixar transparecer estar tão perdida quanto as funcionárias. Param tudo e sincronizam o que está a ser facturado a cada mesa – num exercício de racionalidade tão atípico nestes negócios – tentando evitar que a Grega, de mão na cintura, volte a reclamar estar a ser cobrada em excesso.

Ao longe, em termos de distância mas não do olhar, está uma diva semelhante à Claire Forlani – numa versão mais humana, mais acessível e de uma beleza ainda mais calorosa do que o “original”! Sai uma mota para fazer as entregas e os nossos olhares cruzam-se, envergonhados mas sinceros, a demora em desviar o olhar deixa a imaginação a transpirar e, cuidadoso como sempre, aproximo o banco alto do balcão de forma a usufruir de mais ar condicionado interior!

Um sorriso, ao longe, obriga-nos a um novo cruzar de olhares e a adoptar uma postura mais defensiva – cruza os braços enquanto acaricia a mão – num gesto de carícia própria que parece acalmar a ideia de carícias menos próprias, conforme definido socialmente.

O corpo está afastado da mesa, uns dois palmos, e apoia o queixo sob as mãos, delicadamente sobrepostas. Braços estendidos e esculturais, cabelo castanho claro que brilha com o impacto do sol. A iluminação natural faz sobressair toda uma simplicidade de uma pessoa que, sem pudor, fixa o olhar no meu! Será um desafio de olhares? Não ouso dizer mas constato que não quero perder! É de olhares fixos que somos “apanhados” por quem nos acompanha mas, sem temermos ser autuados, afundamos os olhos um no outro sem que qualquer lei possa ser aplicada! Uns fora-da-lei sem pudor!

É a única destemida, de um grupo de três pessoas, que enfrenta o sol, com um ímpeto muito mais radiante do que o astro, com os óculos escuros no cimo da cabeça, com um cabelo que, conforme o ângulo vai variando, parece tornar-se mais belo, mais atraente, mais digno de ser tocado. A mão esquerda sobre o braço direito – como que refrigerando a temperatura, o vestido que parece colar-se, mais e mais, a um corpo desenhado por um Da Vinci da anatomia…a forma como lentamente sorve a água, depois do café terminado, é de uma beleza simples mas descomprometida – como se tudo nela fosse simples e, ao mesmo tempo, de uma beleza indescritível que apenas se pode tentar descrever….

O novo cantinho

Talvez seja uma conjugação de factores que me traz aqui – a cara bonita, a simpatia singular, o facto de colocarem a música grega num volume anormalmente alto, os olhares que trocamos ou as cervejas com que me vai mantendo aqui…não sei! Ou talvez tenha a certeza mas não quero admitir o óbvio! A cerveja é servida a uma temperatura próxima do congelamento que, para mim, é a temperatura ideal – as noites já não são frescas como outrora, ao longe ouço The Cure a tocar bem alto e, de forma envergonhada mas sentida, finjo não ouvir – para não prejudicar o romance envergonhado!

A alteração manual das músicas é feita por cima do balcão – o que prejudica bastante a lucidez de qualquer heterossexual assumido! A indumentária é a armar ao simples e despretensiosa mas perfeitamente ajustada a um corpo que se assemelha bastante a uma ideia antiga – agora tornada realidade – de como uma deusa grega é! Ouvem-se petardos ao longe e, tratando-se da Grécia, não sabemos se me leram e estão a celebrar ou se começou uma guerra civil! Ela aproxima-se e sussurra-me que é normal…como se o normal existisse na Grécia….eu finjo não ouvir muito bem e recebo um sorriso tão empático que acabo por corar. Ela sorri e afasta-se com o sentimento de dever cumprido….por me ter acalmado, julga ela, como se eu estivesse concentrado no ruído!!!!

Interrompe a música que tocava, debruçará sobre o balcão, com um top do qual só existe o topo e um mostrar atrevido de um traseiro que nem esculpido poderia ser criado de forma tão perfeita! Continuo sem conseguir ouvir, finjo apenas que o faço, qual impostor da audição! Só a visão e o coração funcionam – num sincronismo que apenas é interrompido pelo final da música! Não que eu consiga escutar….é a visão que me mantém informado!!!!

A loucura de tudo querer concretizar.

Sabíamos que o caminho era longo, apesar de muito divertido e de grande beleza, sabíamos que poderíamos ir no sábado e fazer um dia e meio de carácter profissional, não sabíamos era que nos poderíamos apaixonar. Num pequeno Micra, alugado no dia anterior e intacto após o percurso de Sigrou até casa, ousamos subir em direcção a Thessaloniki, muito embora soubéssemos que o destino era anterior a essa bela cidade. Seriam umas cinco da tarde quando iniciamos uma viagem que sabíamos ser de bastantes horas mas, munidos de uma vontade desmedida, aceleramos pela A1 local.

Googlamos, para ter a certeza que havia resultados de outros Micras terem feito percursos de igual dimensão e, sem obter resultados dignos desse nome, arriscamos ser os pioneiros! A loucura, semelhante a um Pedro Álvares Cabral, fez-nos chegar a uma localidade chamada Kalabaka. Era noite quando finalmente subimos para o quarto 306 e constatamos que estávamos cercados por ruidosos Gregos. Como não somos feitos de genes que nos fazem desistir, saímos do quarto – já livres das mochilas, e fomos jantar a uma taverna que não distava mais do que uns dez passos – actos corajosos de pessoas exaustas.

Talvez tenhamos adormecido, após os Gregos se calarem na varanda exterior ou talvez estivéssemos a planear – mentalmente – o dia seguinte mas acordamos naturalmente e com um apetite voraz. Descemos para um pequeno-almoço típico de uma aldeia e, após saciarmos a fome (que nos países normais corresponde a umas três refeições completas) saímos para explorar as redondezas. O objectivo, para além de visualizar, era sentir – o que é que sentimos quando a natureza é deslumbrante? Foi a nossa pergunta matinal e saímos com a intenção clara de voltar com uma resposta clara e inequívoca!

O joelho direito havia cedido pelo que a caminhada estava fora de questão. Munidos de um Micra “capitalista” (alugado na capital), subimos ao primeiro mosteiro para, em primeira mão, constatar toda a beleza local – ousamos entrar por jardins proibidos, sem comer maçãs ou alterar a paisagem presente, de maneira a obter o melhor ângulo de visão do pequeno teleférico que….transportava mantimentos! Após constatarmos que jamais ousaríamos andar em algo semelhante, partimos para o mosteiro seguinte. Tínhamos tudo muito bem planeado e o Google Maps não passou de um acessório para a beleza e ligação natural que se estabeleceu mas, melhor do que continuar com a descrição, prefiro instigar-vos a conhecer Meteora porque é um dos mais belos locais que a natureza nos oferece! Vão, visitem!

Aquele abraço – 7/6/2021

Da antiguidade aos tempos modernos.

Acordado cedo, com a intenção de conseguir fazer o caminho de casa até ao trabalho a pé, dou por mim numa lição de história diária – principalmente porque ainda não me adaptei a uma vizinhança que, apesar de aconchegante, ainda é um mistério para este “miúdo novo no bairro”! Os desvios constantes levam a novas ruas, novos becos, novos locais e novas realidades – como se fosse um fundo novo, numa reunião via Zoom que não existe mas cujo fundo nos dá uma nova e bela imagem, dia após dia! São cerca de cinco quilómetros, quer no percurso de ida quer no percurso de volta, que percorro com maior dificuldade (mas o mesmo prazer) no regresso a casa – influência de dias intensos de treino e o calor – que já se faz sentir – e que derrete, com maior ou menor grau de dificuldade, o esbelto corpo do humilde narrador. 😎😉😂

As horas de treino passam rapidamente e, apesar de termos algum atraso em relação ao horário planeado, estamos juntos na tarefa de superar as dificuldades que vão surgindo – inerentes a todo aquele que se propõe aprender algo novo…e eu adoro novidades, mesmo quando são amizades que nos confessam algo que já deveríamos ter cumprido e que agora podemos cumprir! É reconfortante saber que, de uma maneira diferente, tocamos no mais profundo de outrem! Ainda não existe música nos bares gregos mas, como tudo na Grécia, nada é suficiente para demover as massas populares de se reunirem, falarem e, obviamente, conspirarem! A Grécia é pródiga em personagens diferentes, pensamentos que outros não entendem ou não se esforçam por entender, pródiga em pequenos e grandes acontecimentos que nos obrigam a pensar, raciocinar, aprofundar e, em última análise, enfrentar o amor da fera grega!

As semanas são um equilíbrio entre o trabalho a desenvolver e o destino de fim de semana a escolher – num país onde não faltam destinos de sonho e onde facilmente consegues alimentar a visão com tudo de gourmet que a natureza tem para te deliciares. As horas, pós trabalho, num exercício de descanso da mente e a escrita de algumas palavras que, juntas, desejamos façam sentido. A saga para encontrar um apartamento continua sem que o humilde narrador sinta qualquer pressão no local em que se encontra – uma espécie de aguardar pela ocasião perfeita – como se de um goleador profissional se tratasse no aguardar da ocasião perfeita para aproveitar a única ocasião em que a defesa adversária comete um erro! A empregada de mesa que tem a mesma simpatia de um monge que já não vê pessoas desde o início da reclusão, o bar que sempre frequentaste e que nem sob tortura divulgarias a localização, os carros gregos que insistem em circular numa zona pejada de pessoas, os cães e gatos que merecem mais consideração do que qualquer outro ser.

São dias de aprendizagem que fazes com o mesmo sorriso de outrora, são dias de sorrisos com a mesma alegria de outrora ou, sejamos ousados, são dias felizes!

Aquele abraço! – 1/6/2021

Memórias

Dia fenomenal em que consegui estar com o melhor amigo Grego e com a melhor amiga Grega (sem qualquer relação de parentesco entre eles). Foi reconfortante receber o abraço do George e voltar a viver a “doce loucura sã” da Angelina, foi bom continuar as conversas como se o tempo não tivesse passado, foi delicioso estar com duas pessoas tão singulares quanto a pluralidade cultural que representam para mim.

Amanhã começa a formação e continua o convívio com os amigos que ainda falta rever – a Maria, o Thanasis, o Mido (que saudades de um Egípcio que é o mais europeu de todos nós), rever a Vicky, ir ao Dry…uma infinidade de tarefas que encaro com um sorriso aberto que condena a palavra “tarefas”, atrás usada.

Estamos no terraço a conversar sobre o dedilhar de guitarras que, entretanto, transformamos em dedilhar de corpos femininos gregos – influência do país em que nos encontramos 🙄😂

O desporto como forma de aproveitar para passear – estamos numa cidade em que tudo pode ser feito a pé e, o vosso humilde narrador tem uma bolha de água em cada pé para provar o amor que coloca em cada um dos momentos exploratórios! (Orgulho Lusitano!!!!).

Tenho sono mas a temperatura amena convida a estar a confraternizar enquanto, de maneira participativa mas talvez egoísta, vos escrevo estas palavras! Admito…ainda acordo de noite para me beliscar e poder exclamar: é verdade, estou de volta à minha amada pátria!

Confidências de uma noite de convívio – 19/5/2021

As cores de Plaka.

Paz

Não surge do nada e há que a cultivar para colher sempre o mais rapidamente possível – como uma agricultura de precisão em que os meios justificam os fins.

A Wikipedia define assim:

“A Agricultura de Precisão (AP) tem por objetivo identificar a diversidade espacial e temporal no campo, em busca de melhorias no manejo das culturas, diminuir a contaminação dos solos das áreas produtivas, aperfeiçoar o uso de insumos agropecuários, redução dos custos de produção e aumento de produtividade, buscando sempre a proteção do ambiente.”

A definição acima é o retrato da vida – a diversidade espacial e temporal é algo que estamos constantemente a aferir, as melhorias no manejo de culturas são a aprendizagem que retiramos de cada situação e que nos permitem evoluir tanto quanto a aprendizagem feita, diminuir a contaminação dos solos das áreas produtivas são todos aqueles que escolhemos para a nossa intimidade e a gestão necessária para preservar uns e deixar partir outros, sempre com a mesma alegria de quem está a construir uma vida – com serenidade, diria o meu Pai. O uso de insumos agropecuários, redução dos custos de produção e aumento de produtividade corresponde a toda uma parte económica da vida que pretendemos o mais próspera e menos dispendiosa possível e, por último, a protecção do ambiente que, em última análise, somos nós! A preservação do indivíduo que pretende evoluir, aprender constantemente – com os acertos e com os erros – rumo a uma sensação de bem estar pleno em que, para a nossa voz interior, exclamamos: eis um dia produtivo!

As coisas simples da vida, quando racionalizadas, impedem o coração de intervir na conversa – um mal necessário mas fundamental para a aprendizagem da vida!

Exalar sentimento

Como se de um aroma se tratasse, como um teste às papilas gustativas, como uma série de borboletas que contemplamos, este era o maior receio de um Zé que estava com a razão toldada por um sentimento – o amor. Tal como na anedota também aqui tudo lhe fazia lembrar a cara-metade que havia eleito para o seu coração idolatrar, de maneira consciente e responsável (Ahahah, como se o coração pactuasse com tais princípios….LOL).

Não eram grãos de areia que lhe falavam ou ondas que o surpreendiam! Era o recordar das emoções tidas nesses momentos! Com o raciocínio toldado pelas palpitações que sentia, após deslocar o dedo sobre a fotografia seguinte – o dedo, trémulo de vontade, lá ousava tocar a imagem para o lado enquanto a seguinte surgia. O simples toque do dedo no ecrã a ser o interface para um toque virtual que só ele pode imaginar, enquanto a mente o faz sentir.

Expliquei ao Zé que há crueldades na vida que não nascemos para entender mas, acima de tudo, saber sempre que quem toma as ações é o responsável por elas, e não tu Zé!!!

Imagino que o Zé ainda me esteja a abraçar – 18/3/2021

Psicologia reversa

Tal como o Horóscopo, a Homeopatia, o Tarot eis o humilde narrador a fazer figas e a afirmar, com a convicção de um daqueles seres unicelulares que habitam o fundo da fossa das Marianas, que a cena terminava aqui. Não pretendia deslocar-se, excepto para as caminhadas que adoptou e deslocações dentro da área turística escolhida – como quando doseamos um sentimento e descobrimos que é impossível camuflar o óbvio mas…continuamos, sem parar (muito embora por vezes o sentimento nos leve a comportarmo-nos como um autocarro que, rotineiramente, faz as mesmas paragens e o mesmo trajecto – numa “asfixia auto-infligida” cujo único objectivo é fazer perdurar algo que até nos pode fazer algum bem, muito bem, mostrar-nos que um mundo novo pode ser muito mais facilmente criado por duas pessoas unidas – num cenário de quase ficção científica amorosa, tal a profundidade cardíaca que atingem).

O diálogo, conforme a reputada doutora que nos visita poderá confirmar, é a base de tudo – semelhante ao estado comunista em que a Sociedade é a base de tudo, muito embora o diálogo comunista seja “um pouco intolerante”. Pretende aqui o autor demonstrar a força e importância do diálogo – a utilização da ideologia comunista como exemplo serve apenas como demonstração da força do diálogo e não qualquer conotação política (simpatia, apenas). Saudade dos nossos diálogos sem infelizmente conseguir esquecer os silêncios.

Numa folha de papel eu escrevi um segredo. Algo que me disseste no dia em que o telemóvel perdeu a rede mas, desta vez, a sério!

Retalhos da preparação para visualizar o pôr do sol – 16/3/2021

As coisas boas da vida

Se o esforço já se tornou uma rotina o facto de ser possível beber um café no Bombar foi uma agradável surpresa – uma espécie de troféu para este atleta de alta competição (cof, cof…maldita tosse…😂😂😂), o subir ao mais alto degrau do pódio para, com um braço esticado e a mão oposta a segurar o café, proclamar “Black coffee matters”!

De rabo alapado no muro de pedra esquentada pelo sol, eis o vosso humilde narrador a olhar o horizonte e a perder-se nele. Um gole de café, o abrir da garrafa de água fresca, o recolher involuntário das últimas notícias relevantes da cidade. A visualizar os detalhes de cada onda como se fôssemos uma paixão que vicissitudes da vida impediram de se concretizar ou, nas vagas mais fortes, a visão de que o mar é o responsável pela erosão das rochas – um monstro de força ilimitada. É uma boa linha de pensamento, se bem que soe erótica mas “água mole em pedra dura tanto bate até que fura!” o que, para moços curiosos e persistentes, é um incentivo de força!

Não seriam certamente os primeiros ares do verão, até porque a primavera só chega na próxima semana, mas houve algo de profundamente acolhedor na maneira como o sol presenteou o período da tarde que dediquei à leitura – se fosse católico ter-me-ia sentido “iluminado” mas, enquanto ateu, senti apenas como um momento que me foi concedido para uma leitura ainda mais saborosa – um misturar da ficção da leitura com a envolvência da natureza a unificar tudo numa leitura de sonho!

Sonhar acordado faz bem à saúde – 15/3/2021

Hobbies

A leitura sempre foi, desde tenra idade, um vício desta família. A forma como disputávamos o jornal, que nos era entregue diariamente à porta (envolvendo esquemas que implicavam colocar o despertador mais cedo de maneira a surpreendermos quem anteriormente tinha a melhor hora), a forma como os livros novos percorriam a família e se tornavam tópico de conversa aquando do almoço e jantar, o espanto quando me subtraiam os primeiros livros que a escola me pedia para ler porque “tinham saudades daquele livro”, a enormidade de banda desenhada que acumulamos e cujos exemplares chegavam semanalmente ao quiosque da avenida. Era simplesmente impossível não estar constantemente ladeado por livros – enquanto devorávamos um havia sempre outro já escondido da concorrência! O tempo parecia prolongar-se, a imaginação parecia estimular-se e o intelecto ia apreendendo a forma de construir frases, o escalar do suspense, as mil e uma formas de entreter o leitor que é, em última análise, o objectivo do autor.

Os dias de chuva eram sinónimo de almofada no chão, peito deitado sobre a almofada e o aproveitar da luz que as janelas deixavam passar. Sentir a chuva a bater no vidro e acompanhar algumas “corridas de gotas” (em que mentalmente apostas numa gota para ser a primeira a atingir o limite do vidro), o barulho da madeira que estala na lareira e que se traduz em calor, a manta que alguém te coloca nas costas para maior aconchego – a leitura sempre foi sinónimo de bem estar, conforto e o deixar a mente vaguear (algo em que sou um profissional não certificado).

O verão é sinónimo de banhos de mangueira entre banhos de sol, uma música discreta – mas que normalmente é um Chico Buarque, calminho e carinhoso como o ambiente tranquilo que se reúne. Quem quer desce a 33, dá um mergulho e volta para um churrasco que, no mínimo, se prolonga até ao pôr do sol – altura em que as camas de rede e a relva passam a estar ocupadas para uma sesta merecida. Com uns chuveiros pelo meio e já damos por nós sentados a comer novamente “Porque estás a crescer”, dizem…como desculpa para mais uma garfada. A noite é da chavalada, que vai sair, e de reunião para os que ficam – uma tertúlia improvisada, conversa despreocupada, mentes que se esvaziam num diálogo íntimo de amigos.

A ocupação de tempos livres como forma de crescimento – 13/3/2021

A jornada de recuperação

As pernas já não davam mais e o exagero de caminhar dez quilómetros seguidos estava bem marcado no corpo que, aparentando ter um sentido próprio da vida, adormeceu no sofá. A madrugada da uma da manhã foi o despertar e, sem estar ainda na posse de todas as faculdades, dirigiu-se para a cama onde tombou, sonora e pesadamente.

Abriu as persianas pela manhã apenas para encontrar a meteorologia perfeita para fazer um sábado de pijama – a versão “festa de pijama em tempos de pandemia” em que apenas há um convidado que se prepara para jogar às escondidas consigo próprio! Muito embora pareça uma tarefa árdua e de grande desgaste físico a verdade é que todo o jogo é feito com a “realidade virtual” do século passado – a imaginação.

Comecei a ler o Daniel Silva com o propósito adicional de ir adiando o final da trilogia do século do Ken Follett. Tal como na vida, por vezes adiamos um final porque sabemos a emoção que causará (obviamente há casos de sádicas narcisistas em que não só não adiamos como, após concretizarmos o final, fugimos para os antípodas do local em que estamos – sem nunca deixar de olhar para trás, colocando uma cruz ao alto e exclamando “VADE RETRO SATANA”, enquanto vamos borrifando água benta a cada cinco centímetros percorridos)! Mas, voltando à leitura, são quatro grandes livros fundamentais!

De café na mão esquerda e evitando o aparecimento do cigarro na mão direita, de óculos a evitar as lentes de contacto, de memórias de um dia de praia muito molhado e salgado. Com a tua expressão na memória, sem a recordação do detalhe que nos separa, de ar nostálgico na face enquanto tenta vislumbrar dias em que estávamos em hemisférios diferentes e a comunicação fluía, como um rio para o mar! A minha guia turística online! 

A curiosidade esclarecida é um dom a que poucas vezes temos acesso – 13/3/2021

Cansaço natural

O corpo vai-se afundando no cadeirão que nos acompanha desde tempos imemoriais e anteriores ao meu nascimento. Um cadeirão com mais de 50 anos, terá tido as suas mudanças de forro, que ostenta uma juventude que desmente qualquer tentativa de maioridade que lhe pretendam atribuir. 

Sinto que conheço todas as posições possíveis neste cadeirão – como se um cadeirão pudesse ser classificado usando um qualquer Kama Sutra do mobiliário…recordo inúmeros campeonatos do mundo de futebol em que este cadeirão era o craque da equipa mas a idade não perdoa e, apesar de todas as operações cosméticas, viu-se relegado para a “segunda casa”.

Confesso que, talvez de forma inconsciente, me adaptei a ter pouca roupa – se no retorno da Grécia havia duas malas já no retorno da Irlanda era só a mala de porão e a mala de cabine! (Convém explicar que eu vinha com uma “mala” vestida e a viagem foi uma boa gargalhada…cenas imaturas para poupar o dinheiro do excesso de peso imposto pela companhia aérea). A minha moda sempre foi curta de roupa mas animada na conjugação – soa a uma bela frase que explica a minha ineficácia para perder tempo com coisas que acho fúteis.

Espinho é uma tshirt, uns calções e umas havaianas…descer a 31 para chegar à 18, seguir e atravessar o parque da igreja, na 16 até à 23 de onde descemos até ao Bombar, tomamos café e seguimos para a descida em frente. De inverno uma ganga com um bom casaco permitem, igualmente com simplicidade, estar bem no meio ambiente.

Velhos são os trapos – 8/3/2021

Sorrisos não autorizados

Numa varanda emprestada, algures na cidade onde nasceste. Uma garrafa de água de 0,50L, um cigarro e o olhar solto no horizonte longínquo que o interior sul nos dá. Uma tarde de música via wireless a combinar todos os gostos logo agradando a Gregos, Troianos e aos presentes.

O mar ficou visto às 7:15 e, a caminhada foi feita mesmo antes do duche matinal – um recuar a rotinas agradáveis do confinamento do ano passado e a cedência do espaço e tempo aos negacionistas que tanto apreciam multidões, sobretudo em tempos de pandemia.

O reencontro deu-se em tom de brincadeira. Eu estava na fila do supermercado, com uma garrafa de água para pagar quando, vinda da esquerda, cortaste a minha caminhada para a caixa, também com um só objecto, para em troca me saudares com um sorriso aberto. Não faço ideia quem és mas, tal como disse a caixa do supermercado, foca no fundamental ! Ahahah, que situação divertida!

Tarde de pés esticados em cima da mesa, a aproveitar os 18 graus, acompanhado por um cafezinho maravilhoso e um cigarro a fechar. Por entre garrafas de água, caminhadas e gargalhadas espontâneas e inesperadas!

Sorrir é viver mas, viver num sorriso, é um obstáculo intransponível de bem estar – 6/3/2021

Réstia

Tal como a esperança também já só restava um pouco. A meteorologia, pouco atraente nos dias que correm, facilita o recolhimento obrigatório e desperta a imaginação para toda uma série de ocupações que avaliamos consoante o sorriso que nos colocam na cara. Do simples ócio pós despertar e olhar para o tecto e imaginar momentos bons e vivos da vida ao início de mais uma lareira para acompanhar a leitura na sala. Da aletria quente que “aparece” para a merenda até ao café num local que habitualmente designa os asilos de oligofrénicos.

As nuvens, com um branco demasiado carregado a demonstrar que não trazem chuva mas sim algo bem mais frio, o frio a empurrar-nos para casa – num exercício de uma tal brutalidade que lavas as mãos com água quente, assim que chegas a casa, e verificas se a anatomia permanece intacta. A leitura do segundo volume da história do século, o cigarro que não há maneira de me abandonar e mais uma acha para a fogueira. Já vos contei que a madeira está a ser racionada? Dois sacos por dia a cada comprador! Andamos todos com frio e com vontade de aquecer…com tantas razões a favor!

O mar que mais parecia um lago que só as pedras conseguiam obrigar a formar uma pequena onda, o cheiro da manhã fria que acordava uns e abraçava outros que ainda não haviam sucumbido ao sono, o murinho cheio dos “humanos lagartos” habituais e os “maratonistas” habituais. Passa o poeta e cumprimenta, em passo rápido pois agora “anda a andar” com uma “amiga”.

É uma cidade que o mar enche – 9/1/2020

Feliz Ano

Há quem faça grandes cálculos para aferir se o ano foi positivo ou não. Salvo o romance do ano passado, feito mais de impulsos do que pulsação, o ano foi de resistência à adversidade causada pela virose. Novamente aquele abraço, aquele beijo, aquele enorme gozo de sentir o corpo todo a vibrar na entrega, sem pudor ou qualquer tipo de defesa. Das mãos dadas até à dificuldade de comunicação – numa extraordinária coincidência com o passado – foi um ano de lamento amoroso mas de orgulho próprio extremo – pelo gozo que é saber passar tempo de qualidade comigo próprio.

Já me conheço há uns anos valentes – e a valentia advém da despreocupação e entrega. Consigo hibernar comigo próprio ao mesmo tempo que engrandeço o meu amor próprio, sem mudar de método, sabendo que o método resulta com poucas mas perfeitas – sempre foi assim, com amizades e amores e só assim se sente a plenitude em algo! (Minha modesta opinião). Em método vencedor não se mexe e é sempre mais recompensador ter um amor sincero a brincarmos aos médicos….

Debruçado na leitura, a música – salvo algumas músicas que ainda evito – como companheiros. O sorriso fácil, que faz regressar o antigo IKA, o jeitinho juvenil a atravessar a rua, o cumprimento simpático que me havia sido roubado, o sentimento de compaixão com o mundo e os seus habitantes. Sei que não sou o cidadão comum mas também consigo ser – simplesmente opto por defender os meus valores e princípios sem precisar de solidariedade ou aprovação social para o fazer.

Cedo aprendi a não me importar com o que os outros pensam – é a opinião deles e em nada afecta a minha. Nunca consegui aprender a não amar despreocupadamente e jamais tomarei tal como um erro. Gosto de entregar tudo, num exercício contabilístico sem deve ou haver. Se é verdade que os erros magoam a verdade é que os acertos compensam plenamente. Amizades recuperadas – as que interessam, obviamente, e outras enterradas bem mais fundo do que os habituais 6 pés de profundidade. Dias de alegria plena e noites de recolhimento. Muita saudade de uma amizade que nunca mais voltarei a encontrar mas cujos ensinamentos nunca caducarão em mim! Quem amo?! Os que me são mais próximos, obviamente!!!

Um ano de falta de esforço, eis 2020!

Dissertações sobre o autor – 31/12/2020

A meteorologia e nós

O início é sempre muito soalheiro (como o Alvarinho, que bebemos e nos faz soltar o melhor que há em nós), segue-se uma fase em que surge alguma rolha no vinho mas, sabendo-nos livres dos THC’s – que tanto vinho estraga, quando a rolha não é devidamente tratada – nós tragamos tudo até ao sorriso de quem bebeu e desfrutou! Depois surgem os “awkward silences” – já sem vinho mas com uma notória falta de rede para executar qualquer acrobacia mais ousada….sem entorpecentes a vida parece tornar-se mais real e menos idílica. Mas é com a realidade que vivemos e, independentemente de todo o Alvarinho soalheiro existente, ninguém consegue estar constantemente a forçar a rolha a ceder!

Num mundo perfeito toda a rolha saberia descobrir a garrafa perfeita para encaixar mas nem este mundo é perfeito nem as rolhas e garrafas são uniformes. Os líquidos são diferentes também e a diversidade de cores diferentes adensa o mistério para quem, visualmente, consegue imaginar todas as garrafas, com todas as suas cores e líquidos diferentes, alinhadas num espectáculo único de cor, magia e álcool. De volta à realidade e a uma pessoa com tempo e emoção, uma pessoa sem tempo e tentando perceber qual a emoção e a habitual bipolaridade do hoje cumprimento ou talvez não. É um mundo de sorrisos aquele que diariamente encontro – se não forem os alheios então levam com o meu sorriso (é gratuito e não ofende).

Curiosamente, ou talvez não, continuo a colocar a leitura em dia e a abstrair-me cada vez mais destes tempos de reclusão, ameaça que paira no ar, a pandemia. Escrevo imenso, para mim, textos que jamais publicarei mas que me delicio a ler – como um miúdo de tenra idade que encontra a primeira carrinha de gelados! O vocabulário aumenta, a memória visual é estimulada e, quando damos por ela, nem saímos desta nova configuração da sala! A lenha….falta a lenha para saborear uma noite – que seja – a ouvir a madeira a estalar, o cheiro da madeira quente, o calor proporcionado por ela. A meteorologia, não só mas também, a condicionar uma série de reencontros que tardam em se proporcionar – ora por intervenção “divina” (recordo que sou ateu) ou por pura falta de vontade que mais não é do que contagiante para a outra pessoa.

São dias de sol e chuva…está na hora de estrear o fato de chuva irlandês em solo português!!!! LOL

Longe da vista

É um bom exercício físico: envolve fugas, envolve passeios por ruas novas, envolve paz! Como um camaleão, vai-se camuflando com a natureza existente enquanto observa a triste diversidade de prédios feios que se acumula pela cidade. O interruptor desligado e lacrado para que assim permaneça. A mente constantemente a ler as notícias que o mundo nos vai dando, os livros que levam a cabeça a vaguear pelas descrições dos autores. O Netflix nos intervalos, o passeio higiénico dado no corredor de estacionamento. São dias de um novo ar, depois de pela manhã cedo desconfinar…rimou!

Sem tempo para as manhãs de gins, assustado por um casal de gatos que vive na garagem, assustado com o barulho do vizinho a cortar a fruta da árvore. De manhã cedo satisfeito com o passeio matinal e confinado antes que a onda de gringos atinja a cidade. O pão, do palácio dele, que é o aperitivo ideal para o almoço que se segue. A água, sempre ela, a repor os valores fundamentais dos 80% que compõem o corpo, a cerveja – sempre brutalmente gelada e quase no limiar do congelamento – a acompanhar a noite, ao lado de um aquecedor que faz uma cara empática de cada vez que olho para ele.

Ver o Singles, passados estes anos todos, foi um recuar aos tempos da explosão de música em Seattle. Não só o filme é cómico como a banda sonora é, provavelmente, a melhor que um filme alguma vez teve! Foi bom, muito bom…embora 92 não tenha sido o melhor dos anos. O café curto em chávena fria está digerido, a caminhada matinal efectuada e o recolhimento continua, por entre gargalhadas, a ser visto como um conjunto de dias agradáveis de auto reflexão, sem espelhos!

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Fora da caixa

Nada fora ensaiado e a fluidez fez com que o personagem tomasse conta do sujeito e, com a aprovação do sujeito, resolveu a situação que tardava em ter uma pesada rocha – semelhante ou superior a uma existente no Castelo de Monsanto – para que o presente corra sem sobressaltos. Se há excesso de que jamais me poderão acusar é de amar demais – a vida ensinou-me a expurgar fantasmas – soltando, posteriormente e na intimidade do seu espaço – a correspondente flatulência que se dilui no ar, não sem antes dar um cheiro da sua graça.

Há um comediante português que afirma sempre que a vida é como os interruptores: umas vezes está para cima e outras está para baixo mas eu, que sou um gajo de corrente contínua, não partilho da opinião dele. Prefiro uma ligação contínua – numa espécie de mal necessário amoroso, para que ambos sobrevivam. Um coração constantemente aberto a conhecer a natureza da Terra e a natureza das pessoas; frontalmente ignorando os que nada possuem de valor e rejubilando sempre que uma espécie de corrente eléctrica te percorre o corpo e, percorrendo o espaço que te rodeia, descobres uma alma feminina a pulsar com a mesma corrente.

A vida tem muito pouco tempo para intrigas, boatos, bullyings e afins – que, acima de tudo, só denuncia a personalidade de quem os pratica – numa democracia de vida perfeita os maus teriam o seu tempo diminuído e os bons o seu tempo aumentado (Sim, a Madre Teresa seria uma capitalista a vender tempo a preços exorbitantes…ahahahahah). Adoro os 50 e tudo o que de bom eles já me conseguiram dar: o sorriso já há muito abundava, o saber desligar já tresanda de profissionalismo e o ter uma fome de vida enorme não passa…provavelmente chegarei aos 100Kg…ahahahahahah

Devaneio de um sorriso enorme – 10/12/2020

Analógico ou digital?

Se é verdade que tudo começou com o velhinho 720701, e que a ligação ao ponto de acesso do Porto era feita somente de madrugada, também é verdade que os NUIs ajudavam a poupar dinheiro. Nos primeiros tempos de internet o poupar era fundamental pois cada impulso custava cerca de 8 escudos e, tudo somado, dava uns belos 50 contos de telefone.

Ser early adopter tem destas coisas…a internet começava por ser um primeiro acesso a Stanford, para download do browser, ferramentas de FTP, Gopher, Telnet, etc…só posteriormente podia aceder ao que quer que fosse. Os impulsos sempre a somar, numa conta telefónica astronómica! Foi então que as linhas digitais surgiram em Espinho….Tentar convencer os meus pais a trocar um número de telefone com mais idade do que eu era um acto ousado mas lá consegui trocar para um 731xxxx que ainda hoje perdura!

O filtro da linha analógica foi para o lixo, a nova linha funcionava com 0’s (desligado) e 1’s (ligado) e o número de erros no tráfego desapareceu por completo! Ligado ao mesmo ponto de acesso do Porto eu conseguia agora velocidades dignas de linhas RDIS ao preço de uma linha normal. Eram outros tempos e, muito provavelmente a linha analógica achará que os impulsos são mais importantes do que os 0’s e 1’s mas eu, enquanto ser emocionalmente radical, prefiro a evolução ao saudosismo.

Um brinde à vida! – 8/12/2020 (o último dia dos quarentas)

Ocupacionista

Estamos em pleno Outono mas há partes da natureza que já se desdobram em sinais de inverno – seja a extrema força com que a água bate no esporão seja a força como ela leva a nossa praia de outrora. Sim, lá estive “estacionado” a ver as ondas a cultivarem todo um novo terreno para, mais longo por volta das 17, começar a galgar o muro que separa a praia do picadeiro.

Virei as costas a Sul e foquei-me no Norte. Não que alguma vez tenha perdido o Norte mas por uma questão de protecção face ao vento que soprava. Imaginei que me chamavas mas não chamaste, imaginei que me telefonavas mas não telefonaste…enfim, tenho uma imaginação fértil. O mar começou a rondar o muro e eu, saído do transe em que o mar me coloca, decidi subir a 33 para vir até casa. É verdade que apanhei uma vaga de Vouguinha mas, como local que conhece atalhos, consegui desviar-me deles….sem covids ou sotaque!

Depois da caminhada matinal ainda houve tempo para o pequeno-almoço tardio e já passava das 13 quando saí da Igreja da rua 2. Tem sido um dia pleno de imaginação, a confirmar o Ikinha de outrora que, acima de uma maluqueira socialmente aceite respondia sempre com outra. Dias de riso fácil, de coração aberto e alegre por apanhar com alguma chuva na cara.

Isto de ter leitores gregos nos Estados Unidos é outra classe…

Rambo

Só ao terceiro dia, apercebendo-me que afinal eu é que precisava de ajuda para me ver livre dele e não o contrário, é que o baptizei de Rambo. Só imaginava o que seria necessário para que a execução decorresse com o mínimo de dor e máximo de efeito letal. 

No primeiro dia, assim que abri a cortina do chuveiro, senti uma “presença” e, após uma revista minuciosa, o fdp (deve ler-se filho de peixe) lá saiu do cimo da minha orelha, de onde já havia retirado o sangue que pretendia. Procurei-o mas sem sucesso.

No segundo dia procurei-o – tal como outrora bati o pé a uma barata, na Grécia, e ela se começou a dirigir a mim…acabando eu por ir dormir a um hostel – também agora eu estava disposto a enfrentar o Diabo…até certo ponto. O duche decorria normalmente quando, mercê de um jeito dado à cortina, vejo o Rambo a dirigir-se a mim. Estava sem lentes mas era capaz de jurar que nos olhamos, olhos nos olhos. Tentei capturar a presa mas, mais uma vez, sem sucesso. Descobri, no final do duche, uma nova picadela na orelha (devem ter mel….).

O terceiro dia foi estilo David versus Golias e o Golias era ele e eu havia mudado de nome! Vasculhei o pequeno quarto de banho, por todo o lado possível e imaginável, numa tarefa digna de ser vista e revista por um CSI capaz de estar à minha altura. Fechei a porta do WC e iniciei o duche. Foi já com o shampoo na cabeça e de corpo ensaboado que senti uma picada na orelha oposta e, após verificar, lá vejo o Rambo, Parte III, a voar pelos céus do WC…

Ao quarto dia nada foi deixado ao acaso. Acordei e a primeira coisa que fiz foi encher o WC de insecticida, fechar a porta, lavar as mãos e aguardar o efeito enquanto tomava o pequeno almoço. Passadas umas horas, e devidamente prevenido de rede profissional para matar cenas que voam das quais não gostamos, dirigi-me para o WC e, antes de entrar, vejo no cimo da porta do WC o Rambo. 

Paz à sua alma…

O madrugador

Estes novos hábitos de deitar cedo e cedo erguer dão para umas caminhadas maravilhosas mas a cama, à medida que o frio se aproxima, parece cada vez mais e mais acolhedora! É da manta verde, só pode…é erótica num sentido de sono profundo e arrasta qualquer inocente num sono retemperador  e profundo. Bem haja manta!

Tenho dado uma espreitadela ao campeonato de surf mas decididamente não é a minha onda. Antes deixar os olhinhos a pairar sobre o nevoeiro, perdidos e levando a minha mente a perder-se também….num ponto do horizonte que não sei definir mas que dá uma paz anormal. Uma espécie de transe, num ponto longínquo do horizonte nublado. É bom, muito bom…a mente descansa, tu “dormes” acordado…a sensação de paz é única e deve ser praticada amiúde!

Tomada a refeição mais importante do dia, entre outros clientes que já vão devorando uns hambúrgueres ou cachorros, foi hora de retornar à base. Obviamente nunca sem antes devorar uns petiscos, no tasco, para repôr a alegria no estómago e nos olhinhos. Uma das tardes mais divertidas do Verão começou assim…e ainda não acabou!!!! A dificuldade dos degraus, para aceder ao WC, a fazer lembrar o Museu da Cerveja…de onde vem a ideia de colocar escadas como desafio para bebedores de cerveja? Não entendo a arquitectura!!!!

Apostei tudo num surfista chamado D. Sebastião e aguardo novidades…

Jogos da vida

Andando pela rua ia pedindo a todos os conhecidos, com quem se cruzava, uma forma de contacto – telefone, morada postal, email, etc…. Os conhecidos lá forneciam o contacto e ele partia, sorridente, sabendo que tinha deixado mais um conhecido à espera de ser contactado no contacto fornecido. Era um jogo infantil e havia anos que não se cruzava com ele mas ouviu ao longe alguém a praticá-lo – novamente – e repetiu os passos anteriormente dados porque os mesmos comportamentos e acções conduzem sempre às mesmas conclusões.

Circula agora muito mais, impondo-se umas caminhadas de razoável distância e já quase abateu o par de seios que a pandemia havia trazido. Sorri, com ou sem lentes de contacto, pois vive despreocupadamente a vida. Faz mais compras e dedica-se essencialmente às saladas e a enormes refeições de fruta. O corpo vem agradecendo a mudança de regime e dá umas exclamações de regozijo perante o novo caminhante.

Domingo de pijama….porque há dias que são melhores assim!

Norte bem calibrado!

Tudo começou com umas costelinhas que andavam a ser adiadas e, na primeira oportunidade possível, lá combinamos ir ao Abel. Começamos dois e o terceiro logo se uniu sendo que o quarto elemento – sem dúvida uma bússola em termos de orientação – claramente foi levado por nós, de maneira a calibrar o Norte.

A natureza não podia unir este quarteto – é sempre demasiado perigoso colocar tanto combustível num só restaurante mas a natureza já não ditava as regras e a missão “Carlsberg e costelinhas” teve início! Na verdade a missão já havia começado umas horas antes – por entre umas sonoras gargalhadas, uns mergulhos salgados e algumas cervejas.

Talvez fosse do vinho verde ou apenas pelo simples facto de estarmos bem mas a verdade é que a noite se desenrolou com muita piada. Por entre gatas, cervejas e histórias de quando éramos putos e todos vizinhos, falamos de tudo em tanto detalhe que nos ríamos com a memória dos tempos de outrora – estávamos a ser adolescentes novamente.

Com a racionalidade da vida adulta fomos desmontando histórias de então que não chegaram a histórias actuais, amores antigos e as criancices todas porque passamos. Rimos, imenso, por entre copos de água, assim que a cerveja terminou. Foi um breve caminho até casa e um sono retemperador que ainda me deu a oportunidade do banho da manhã seguido de uma volta para a cama…vidas, sem horários.

Há pessoas na vida que realmente são para recordar – 14/7/2020

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Subtilezas da vida

Como se estivesse a explorar São Tomé novamente: de Nissan de caixa ao contrário (a 1ª é para trás e para a esquerda), de catana e de calças de pesca. Apalpando cada nova espécie que ia encontrando e regozijando quando encontrava algo que já conhecia – podendo assim esticar o sorriso de contentamento por algum conhecimento adquirido. Uma floresta tropical, recomposta da acção do homem num curto espaço de tempo, a chegada à Roça para beber o melhor exemplar de café com que me despertei até hoje.

As mãos a tatear o espaço, apesar da visão estar presente. O olfacto achando o melhor caminho, por entre a humidade da floresta, enquanto saboreava cada novidade…e ele estava rodeado de novidades…Chegado à Lagoa Azul, eis o vosso humilde narrador a dar um grito de conquista, perante todo aquele esplendor de água com que agora se deparava. O dedo grande do pé a mostrar a sua funcionalidade em cada passo firme dado em direcção à água e o corajoso mergulho.

O regresso feito pela única via litoral, ladeado pelo Atlântico, fez-se sem sobressaltos. Alguns solavancos na parte inferior do Nissan mas sem efeitos de maior no chassis ilimitado da máquina! Havia o desejo de explorar mais e melhor, de se equipar mais e melhor, de conquistar toda a ilha sem que reclamasse qualquer propriedade, antes pelo contrário, procurando preservar o anonimato. Reclamando para si o virtuosismo com que sempre soube tratar a Natureza!

É bom conhecer São Tomé e Príncipe! – 3/7/2020

 

loucura

Talvez fosse…

Talvez fosse da humidade da manhã ou hábitos antigos, que a memória traiçoeira teima em recordar. Talvez fosse o efeito de uma noite demasiado dormida ou apenas o alegre despertar pelo seu amor. Talvez tivesse sido o desafio para um mergulho ou a ansiedade com que ele esperava esse mesmo convite. Fosse o que fosse a verdade é que a noite havia sido dos melhores sonos das últimas décadas: absolutamente alheado de tudo, de cérebro praticamente vegetando e, a parte que não vegetava, produzia um ruído branco que me mantinha ainda mais reconfortado no sono. Foi belo…

A tarde, feita a dois tempos, passada na sede da confraria, foi um misto de recordações e planos de futuro. Ninguém abordou o presente e eu, que sou mais de aprender do que de tentar ensinar, escutava os diálogos cruzados que iam sendo criados. Desta vez não havia o lobby anti lacticínios – chegou um pouco mais tarde – pelo que conversa se centrava mais em desprezar a carga horária quase nula que um dos presentes tem. A nossa gargalhada – que só existe com o acordo dele e a nossa convicção – é um grito grupal, talvez até tribal, mas que expressa o sentimento de grupo quando o assunto divaga para a relativa carga horária do sujeito. Uma espécie de diálogos vazios em que as palavras são mais importantes do que o contexto. Uma espécie de querer estar ao invés de estar contra o estar presente.

O mergulho foi dado antes das 13 e mesmo a tempo de chegar a horas ao almoço. A segunda parte da tarde envolveu o lanche e umas Carlsberg que são sempre a loura ideal para nos satisfazer, mesmo que sejam madeixas!!!! Ahahahahahahah, rio-me porque outrora fui “condenado” por uma ex-namorada a só ter relacionamentos com cabelos com madeixas mas, quis o destino, que tal nunca tenha acontecido…bem pelo contrário!!!! #ruivasaopoder 

O sono já faz dos meus olhos algo pesado e começo a ceder ao cansaço do dia. O adolescente tem muito mais pujança do que eu pelo que, lá para Dezembro, devo estar em forma! Depois informo de que ano!!!! Ahahahahahah

Um dia dedico-me à comédia – 29/6/2020

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Os dias…como deles gosto.

O veraneante profissional não sai da praia entre as 8 da manhã e as 8 da noite. Mas eu, que tento passar por esta vida com o espírito mais amador possível, dei apenas um mergulho. Não foi um mergulho fácil mas também não foi o mais audaz dos mergulhos, confesso. Houve avanços e recuos, como em qualquer tipo de conquista, houve arrepios de pensamento e calores como que retemperando a ideia mas, no final, eu dei o mergulho!

Não foi porque houvesse trânsito ou muita gente na praia, não! A praia era, praticamente, só minha e a temperatura do ar estava nos 20 graus pelo que a soma dos incentivos era muito maior do que qualquer irracionalidade de pensamento pudesse quebrar! Deixei um sujeito insuspeito como fiel depositário dos meus haveres e avancei, de t shirt, calção e chanatas.

Deixei-me cair, no monte criado pela maré vaza, e fui sentindo a água tépida nas palmas dos pés, agora nus de chinelos. Fui tirando a t shirt e atirei-a para cima dos chinelos, num buraco que a natureza obviamente preparou para a minha chegada. Era chegada a hora de avançar e, tratando-se da maré vaza espinhense, tal tarefa implica percorrer uns 50 metros de areia até achar uma onda digna desse nome.

Ela olhou-me e eu olhei-a! Num duelo de olhares – ela ameaçava quebrar e eu ameaçava atirar-me de cabeça – parecia haver demasiada falta de tensão mas hesitação não houve e, após um brutal esforço para erguer toda esta massa humana, eis o vosso humilde narrador completamente salgado! Restos de água que se afastam do corpo, naturalmente, enquanto outros são pela mão projectados para longe. Uma outra onda pelo nariz dentro e estou pronto para sair!

Ao longe vê-se a praia e a caminhada de volta transforma-se na aventura seguinte. Com o maior cuidado possível, para não despertar nenhum peixe-aranha adormecido, caminho a forçar a água com o corpo – o que é o pico da actividade física anual. Já rodeado pela toalha azul e branca, seco o corpo e caminho para os chuveiros. O monte criado pela maré vaza assemelha-se agora ao pico dos Himalaias e, quase cambaleando, subo lateralmente até atingir o cimo onde festejo efusivamente (interiormente, para não assustar as massas que já começam a percorrer o calçadão). 

O fiel depositário dos bens continuava a desatinar com a bebida que eu havia sugerido e, não fosse a simpatia, provavelmente tinha-me mandado beber aquele B de limonada! Troca de calções efectuada, longe de qualquer atentado ao pudor, e eis o vosso humilde narrador de volta ao confinamento. 

Coisas simples sobre as quais podemos sempre elaborar mais um pouco – 21/6/2020

hoje

O nono ano de Desporto

Talvez fosse um projecto secreto do Ministério da Educação ou apenas um acaso mas a minha turma do 9º ano de Desporto era o máximo! Na primeira semana de aulas, e porque tínhamos aulas maioritariamente na sala atrás da baliza, tremíamos todos sempre que ouvíamos a palavra “Penalty”, uma vez que as grades que protegiam os vidros ainda não estavam colocadas.

A caminho do Conselho Directivo éramos saudados como se fossemos funcionários daquele departamento e as mais altas patentes do dito conselho já nos tratavam por tu… “É do nono de desporto”! diziam…Sempre que havia algum problema, em alguma das disciplinas, e o professor perguntava de quem era a culpa, a turma inteira excepto um, respondia “Foi o Vasco”! – típico apontar as culpas para o único que nunca participou das enormes façanhas que esse ano nos deu. Hoje vi-o e relembramos esse detalhe, com uma lágrima de saudade, confesso.

Se tenho a sorte de rever muitas das caras dessa turma de outrora, outras há que nunca mais vi ou já não reconheço – andar sempre a vadiar por países novos tem destas coisas. Em constante trânsito entre o Liceu e a Industrial, para alegrar as vistas com as cientistas, era uma sorte apanhar umas bolachas de aveia no Estrelinha. Vir do Liceu a casa, em 10 minutos, de mota, era uma aventura em que fui passageiro. O colega de cabelinho encaracolado, com uma cara que ainda hoje denota suspeita de algo que aconteceu ou vai acontecer, a conceber o plano perfeito para invadir o balneário das raparigas…

Foi o ano em que dancei no polivalente…

Ser não dançante traumatizado – 19/6/2020

bh
Há um ano atrás estava bem melhor em BH!

Há um ano…

Faz hoje exactamente um ano que cheguei ao Rio de Janeiro com uma mochila e o multibanco. Desde o maravilhoso hotel em frente ao mar de Copacabana até à despedida de Rio Grande do Sul foram dias de lágrimas de alegria. O casamento da Nathália e do Gabriel foi o ponto alto da viagem – só eles, naquela altura, me poderiam fazer mover como fizeram! – com que facilidade o fizeram e com que luxo me receberam. 

Da primeira noite no Rio, de bunda sentada na água e a beber uma caipirinha até à partida de Porto Alegre, fui estragado com mimos. Duas famílias insuperáveis, lindas na forma de distribuir afectos e carinhos, sempre atentos a qualquer detalhe que, maioritariamente, eu nem chegava a ver – tal a prontidão com que tudo era resolvido. Noites muito curtidas e mal dormidas, banhos de piscina a horas indecentes, gargalhadas de todos os feitios e duração, sertanejo do vizinho logo pela manhã!

Conheci um pouquinho de Minas Gerais (que é cerca de 8 vezes maior do que Portugal), de Belo Horizonte a Governador Valadares – da Rua do Amendoim ao miradouro de Belo Horizonte, de Governador Valadares até ao topo do Pico Da Ibituruna. Esquadrinhamos o Bar do Fred, a Ilha, o centro…não ficou muito por conhecer! Andamos de Uber e conhecemos o mais louco Felipe do mundo e o primo dele, andamos de jipe e íamos comprar tabaco Paraguaio à estação de autocarros. Tudo funciona com uma organização que, apesar de não se ver, faz do grande Brasil um destino sempre apetecível. 

Partindo de Minas Gerais fui conhecer o Rio Grande do Sul. E, se já tinha reparado que os seus habitantes gostam de churrasco, nada me havia preparado para uma semana do melhor churrasco e frango palha. Com um bacalhau feito por um Português, entre churrascos, reunimo-nos todos no Portu’s Valle – Delícias Portuguesas e ouvi falar um Portuense bem achado no Rio Grande do Sul. Fui a um jantar da confraria dos médicos do Grêmio, o Gabriel organizou uma churrascada para umas 30 pessoas e vimos o Brasil-Argentina, por entre bocados de carne deliciosa e Brahma….muita e estupidamente gelada! Conheci o grupo de amigos do Gabriel e vi-o regressar ao futebol com a alegria de um miúdo que descobre uma bola de futebol pela primeira vez. Também aqui a partida foi difícil já que o carinho que vinha a receber desde o início era demasiado para mim.

Foi demasiado bom para eu poder contar todos os detalhes mas, acima de tudo, não me lembro de nenhum detalhe da viagem em que não estivesse profundamente feliz. Fosse antes do casamento, fosse a aterrar no Santos Dumont (o mais belo afunilamento para aterrar), fosse sozinho, ou em grupo, eu estava profundamente feliz. Era uma viagem totalmente definida por mim, sem voo de volta marcado e com um desejo profundo de conhecer o máximo! Nunca na vida havia chorado tantas vezes seguidas de alegria e eu sabia que tal era possível mas simplesmente nunca o havia vivido. O Brasil e a Argentina mostraram-me bem o que é o afecto, o amor, o toque, o carinho. Passei duas horas numa esplanada de Buenos Aires a simplesmente observar as interações entre Argentinos e ainda hoje, quando me apetece sorrir, basta relembrar esse momento.

redentor
A melhor descrição para a minha religiosidade…

Reentrada

Após a viagem espacial da quarentena e na reentrada na Terra, sempre com alguma turbulência e temperaturas elevadíssimas, o astronauta sente a cápsula bater no mar e sabe que as equipas de resgate estarão, muito em breve, pronto a resgatá-lo. Nasceu cedo a ideia de um dia ir ao espaço, fazer um cleansing espacial, e voltar ao planeta que o viu nascer um ser totalmente novo! 

Sentia-se um calhau num planeta de pedras mas, apesar de se sentir calhau, sabia o peso desse sentimento. Sentia-se capaz de se arredondar para chapinhar mais vezes na água, sentia-se pujante – caso fosse necessário como inerte, belo e majestoso caso alguém decidisse que ele realmente merecia o trono. Tinha sonhos de ser exposto no British Museum ao mesmo tempo que sonhava com o anonimato dos calhaus quando reunidos.

Riu-se do que escreveu e continuou a tentar estruturar um raciocínio que agora, ao vivo, tinha que servir para a preservação desse sorriso. Sabedor da solução, conhecedor da fórmula mágica e detentor de uma reserva de oxigénio nos pulmões, soltou uma sonora gargalhada para esta nova fase da vida…as entrevistas!

Pés bem assentes na Terra – 15/6/2020

today

Projecto 2020

Amesterdão, sem dúvida. Na luta, todos os dias desde manhã cedo, na tentativa de extrair o máximo desta retoma de mercado que se avizinha. Há quem veja o desemprego e pense que vai ser parte dele e eu vejo oportunidades pelo mundo e a melhor maneira de fazer parte delas. Se as Caraíbas pagassem melhor…se a Costa Rica associasse o certificado de residência às propostas de emprego, se a Grécia estivesse melhor, se a Irlanda tivesse melhor meteorologia…essas questões existenciais de quem não teme fazer malas e desaparecer para outro país, num misto de novas amizades e curiosidade!

A noite já havia começado húmida – chovia imenso e ouvia-se bem a força da natureza. A manhã foi mais preguiçosa do que num dia normal já que, atempadamente, fui informado que era feriado e comportei-me de acordo com os padrões definidos para tais dias. É bom ter-se recebido educação que nos conduz por caminhos que produzem momentos de imensa felicidade – que pode ser tão simples quanto o bater de uma das abas laterais do guarda-sol do Bombar a atirar-nos uma quantidade imensa de água para a cara. Porque a higiene é fundamental e uma chamada de despertar sabe sempre bem.

Depois do Verão de 2019 passado em casa, ciente de que há novos mundos à espera que eu os descubra, imbuído do espírito de Fernão de Magalhães e a força de um quarentão que sempre foi mais curioso do que os demais, bato-me agora por um de vários lugares disponíveis na capital da Holanda. Sem fazer figas e apostando tudo apenas num singelo currículo construído em torno de vendas a grandes clientes e suporte a clientes, floreado com umas centenas de certificações – a maioria das quais caducada, eis-me de cabeça levantada para conhecer uma cidade da qual só conheço o aeroporto…

Se aguentei a meteorologia da Irlanda por dois anos e meio então certamente aguentarei melhor a Holanda.

Só a aguardar que as fronteiras abram – 11/6/2020

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E depois do adeus…

O que faço aqui?

Vivo, descontraidamente, a vida. O Algarve passou a ser uma miragem e o mundo voltou a ser o palco. Reconheço que tenho mais havaianas do que sapatos normais ou sapatilhas, somados, e sorrio. Esvazio o coração de lembranças, num processo de mentir a mim mesmo e com a vã esperança de que a mentira, mais cedo ou mais tarde, se torne a verdade necessária. Sinto a tentativa de golpe de estado, por parte do coração, cujas aurículas e ventrículos me olham de lado, como que questionando essa vontade.

“A mente ordena que assim seja!” Escuta o coração, ainda olhando de soslaio para o humilde narrador, enquanto o músculo ordena (a todos que o constituem) que sejam cumpridas as ordens da mente, sem contestar (algo que o coração jamais havia aprendido). Ainda bate, constatou o humilde narrador, após sentir o primeiro embate das ordens…e, olhando pela janela, sorriu com a passagem de uma andorinha que pareceu piscar-lhe o olho, como que dizendo: o melhor está para vir.

Levantou-se, foi à cozinha, e bebeu o melhor café da vida. Soube-lhe como o primeiro freddo que provou na Grécia…divinal, inquestionavelmente, e de uma frontalidade de reacções sem igual.

Um brinde à vida! Sempre.

Liberdade

O meu 25 de Abril de 1974 foi, no mínimo, estranho. Lembro-me que havia pessoas a horas que não eram normais e umas caras sorridentes mas tensas. Havia 22 degraus até ao cimo das escadas que davam directamente para uma sala enorme – com uma pequena varanda à direita e 3 janelas distribuídas pelo lado esquerdo. No canto direito da sala era a porta do quarto do meu irmão. Naquela sala jogamos futebol, brincamos de mil e uma maneiras e feitios e, de olho sempre colocado no que a varanda deixava ver do exterior, atento aos amigos que iam aparecendo na rua.

Foram muito bons os tempos passados naquela casa e guardo as melhores recordações de tudo. Até dos hamsters que fugiram e devem ter constituído família pois andavam indiscretamente por todo o lado. As manhãs passadas nas escadas de trás – para evitar o calor, as correrias pelas escadas abaixo – ao encontro dos vizinhos amigos, para jogar matrecos, para andar de bicicleta. A casa foi perdendo o seu brilho e definitivamente uma decisão precisava ser tomada: entre a aposta em algo que nitidamente precisava de uma intervenção ou a compra de uma nova. 

A nova casa foi sendo construída e o humilde narrador visitava-a amiúde – com que tentando ver para além do que já estava construído. O arquitecto colocou as mãos à obra e a casa ficou completa num curto espaço de tempo. A procura do ponto de água, a placa, os pilares, mais placa, mais pilares, mais placa…e, com a convicção de todos, o novo edifício surgiu e ainda assim, o estúpido humilde narrador, quis visitar a casa antiga – num assomo pouco inteligente de saudade e amor – apenas para constatar que as renovações eram mesmo fundamentais.

Vive hoje na nova casa, de braços bem abertos a quem ama. Deve ser do signo…é pouco dado a contornos nas palavras e mais dado a acções – mais frontais e não tão bem desenhadas. Numa coisa a casa antiga tinha razão…são só palavras. Em três frases, caso eu desse a palavra à casa antiga, aposto que só falaria de si própria…

Quando a nossa casa existia – 3/6/2020

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Sonhei…

Acordou embalado pelo sonho de um dia de praia, desde muito cedo, a fustigar as ondas com o corpinho escultural e, assim que despertou, saiu-lhe uma valente gargalhada quando reparou que eram 6 da manhã…Não que nunca houvesse ido para a praia a tal hora mas impunha-se algum bom senso ou poderias ser confundido com alguém a terminar a noite e não a começar o dia. Adormeceu lentamente, enquanto ao longe escutava os sinos da Capela a baterem 6 vezes, para voltar ao sonho que, decorria agora a uma velocidade semelhante à rapidez  com que os grãos de areia se colam ao nosso corpo molhado. Sentia um grão mais expedito que parecia dar comichão entre o dedo grande e o segundo dedo mas era uma comichão agradável que uma vaga imaginária levou sem que o humilde narrador pudesse desfrutar de todo o potencial! Pingava salgado por onde andava e sentia o ardor do sal na face, os pés eram agora enormes estruturas de areia que dificultavam a locomoção pela colina criada pelo mar. O nariz, de frente para as vagas, numa tentativa natural de limpar a coisa, a testa a sofrer a pressão da água, as bochechas a tremerem com a passagem do líquido salgado, partes da anatomia que vão ficando geladas pela temperatura da água e outras que acolhem com um sorriso o segundo banho do dia.

Sentia as costas quentes, que não queria acreditar ser resultado da exposição solar, pois o Sol ainda não tinha atingido todo o seu potencial e era muito cedo. Mas o dia e a temperatura não estavam pelos ajustes e, inquirido o parceiro de luta nestas andanças, tive a certeza de que o corpinho estava mesmo a ficar vermelho. Um novo deslocar pesado, pela areia abaixo, um novo pézinho a ver a temperatura da água (algo completamente ilógico em Espinho), um tombo na cova da Baía e, aproveitando o fundo, um salto que deixou o humilde narrador com a sensação de ser o verdadeiro campeão de saltos radicais!!!! Não fossem as vertigens….

Umas braçadas para um lado e algumas para o outro, num abraço intenso com o mar. O lago de hoje de manhã permitia flutuarmos sem o perigo de levarmos com uma onda mais atrevida que, obviamente, apareceu justamente nesse momento e embrulhou o humilde narrador numa mistura de água, espuma e alguns peixes que, sentados numa bancada virtualmente imaginada por mim, se riam da minha falta de jeito para os imitar! Aplaudido pelas guelras deles e incentivado a nova tentativa, declinou respeitosamente e sentou-se no cimo do mar a observá-los num corropio com tanto de lindo como de exercício físico! Não deve haver obesos no mundo dos peixes….

O despertador tocou, ele acordou e foi concretizar o sonho!

 

Devaneios de uma manhã quente – 28/5/2020


 

Dar ao pé…

Se no passado dei a mão sem saber que o fazia, agora tive que dar ao pé para poder ter tudo o que me faltava em casa. Já não se consegue comprar tudo o que se pretende numa só superfície pelo que fui obrigado a dirigir-me de um Doce para um Continente. 

Bendita (sem qualquer conotação católica) cidade que, assim que entramos em algum lado, tem sempre uma cara conhecida. Desta vez foi o André que me disse onde estavam as cápsulas e, em 2 minutos, as compras estavam feitas. Por momentos parecia que estava em Cork a fazer compras com o Gabriel (alguém que conhece o Tesco melhor do que a palma da própria mão) e que, em 2 minutos, havíamos encontrado tudo o que queríamos e estávamos na caixa prontos a seguir para casa. Fui tentado por uma caixa de 24 minis Super-Bock (trocamos olhares, eu toquei-lhe, ela sorriu) mas consegui superar a tentação e sair sem comprar cerveja (o que faz todo o sentido para quem já tem o frigorífico cheio do valioso líquido).

Continuo a dizer que a Unicer devia apostar na entrega porta à porta, enquanto dura a pandemia, numa clara demonstração de que está com o povo e disposta a um pequeno sacrifício para se tornar o oásis que todos os portugueses e portuguesas almejam encontrar. Se fizerem a entrega com uns saquinhos de tremoços ou amendoins então aí, definitivamente, passam a poder cobrar um serviço gourmet, pois já inclui muito mais do que apenas a cevada líquida! Se, eventualmente, fizerem a entrega com uma tábua de queijos, umas tostas e um bom charuto a acompanhar…então aí passam para o estatuto de Deus de Leça do Balio! (e acreditem que haverá muito mais pastorinhos com visões!!!).

Acreditam que encontrei a D. Manuela – que, para mim é uma irmã que tem sempre um bom conselho para a vida – mas só na terceira vez que nos cruzamos é que notei que efectivamente era a D. Manuela? Se há característica que não escapa a ninguém, até porque a D. Manuela não deixa, é o facto de, na sala de cima do Abel, quem manda é a D. Manuela!!!! E, com toda a razão, nem precisa relembrar tal facto a quem por lá passa novamente. Um amor de pessoa que só reconheci na terceira vez (nunca tinha visto a D. Manuela a cochichar!!!!, daí a demora em compreender quem era) porque, nestes tempos de pandemia, ando completamente alheado e sem lentes de contacto pelo que, se se cruzarem comigo e eu não cumprimentar, é sinal que me esqueci das lentes de contacto que recuso usar para sair, no máximo, uns 15 minutos por dia…É bom rever caras…e D. Manuela, se me estiver a ler, um grande abraço e até breve!!! Saudades do arroz de polvo…

Chovia, na volta desse Continente, e tentei novamente o exercício de regressar a casa de cara voltada para o céu, aproveitando cada gota que a natureza me dava. Já espirrei umas centenas de vezes, estou a beber chá e de mantinha (herdada, pelos vistos) pelas pernas, a pensar que nem sempre é boa ideia levarmos com a chuvinha nas trombas! Antes uma constipação que o outro que por aí anda!

Posto isto…vou beber uma mini! Sei lá que tipo de germes poderão estar dentro de mim ambicionando uma cerveja para poderem viajar para outros locais…

Mais uma história que vos conto – 13/4/2020

 

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O admirável mundo novo

As ruas continuam apinhadas de pombas, gaivotas e outras aves que, ao contrário de outros tempos, agora se aproximam com uns olhos que parecem pedir uma migalha ou outra. Seguro os 2 pães e viro as migalhas do interior do saco para o chão – não se trata de poluir mas sim de anuir à vontade daqueles olhinhos esfomeados com que as aves mexem com os nossos sentimentos. Reúnem-se aos meus pés e, entre olhares para o gajo alto que virou o saco e as migalhas que vão desaparecendo eu facilmente noto que só fui olhado uma vez…Há uma luta desigual, ainda sem a presença de gaivotas, que é terminada precisamente pela chegada dessas aves de maior envergadura que espantam tudo e todos com as asas bem abertas.

Como vim por um caminho novo – fui dar uma volta mais a sul para que a caminhada fosse maior – sou obrigado a passar por passadeiras onde não costumo passar e, por instinto, paro em cada uma delas para ver se vem algum carro que me possa colocar em contacto com o além, antes da hora programada. Seguro de poder atravessar, de sacos de pão na mão e café na outra, sou ultrapassado por alguém mais acordado do que eu que, qual Português, não passa sem deixar o seu superior conselho: – nestas alturas ninguém para nas passadeiras! Observo-o, enquanto me ultrapassa e aproveito para beber mais um trago do meu café, sim…em plena passadeira e aproveitando a deixa dada pelo transeunte apressado. Um pouco mais acordado resolvi ir tomar o pequeno-almoço à praia…que, neste momento, é só minha!

Armado em gringo – vestido e calçado – entrei na praia pela rua 33 e fui andando para norte e recordando todos os bons momentos já aí vividos. Será típico de um nortenho querer sempre caminhar para norte? Se viver no Polo Norte está lixado…Sentado em frente às escadas da rua 27 espreito o saco de papel da padaria e sinto um pão quente pronto a ser devorado…cadê o recheio? Foi mesmo assim, sem recheio e seguido de um queque em que a maior dificuldade foi conseguir apanhar as várias uvas passas! O estómago agradeceu, pediu um café que aqui não há mas o cigarro ajuda a compôr a digestão. Nadegueiro já ligeiramente arrefecido pela areia – ainda um pouco humedecida da maré e da humidade nocturna, estómago sem roncos ou quaisquer outros sons que pronunciem algo urgente a tratar, pernas a temerem o caminho de volta pois pensam que será uma grande caminhada.

Com uma imensidão de tempo disponível, mas com uma agenda agora totalmente vocacionada para trabalhar fora deste país, faço 4 horas de trabalho matinal na procura de novos lugares, novos países, novas pessoas. Respondo a emails, entrevistas e telefonemas e aceito todo e qualquer país, desde que não esteja em guerra ou muito mal servido de serviços médicos! Conhecimento como prioridade face ao monetário – e aí, em termos de aprendizagem – a Grécia é sempre o primeiro destino onde quero estar, viver e morrer.

É sempre melhor começar de novo, algo 100% novo, do que estar a perder forças e tempo (essa medida das nossas vidas que não sabemos quanto dura) com multidões que não se encaixam minimamente quer nas expectativas quer na realidade que queres construir. Saber ter força para construir sozinho o futuro que desejas, com quem desejas e onde desejas! Eis o teu ano de 2020 em síntese.

Podia ter falado de coelhinhos mas…prefiro a realidade! – 12/4/2020

that's all folks