Fruto da sua idade e da sua experiência cabia ao Mestre Alfredo, enquanto ancião da aldeia, o estudo aprofundado das questões que o povo lhe colocava. Das coisas mais simples “Porque é que a minha sopa não sabe tão bem quanto a do vizinho?” (porque falta temperar com um pouco mais de sal) até às mais complexas “Porque fazem do amor um jogo?” que, antes de responder, obrigavam a uma profunda reflexão.
Retirando-se para a sua cabana, com vista para o vale onde outras aldeias desfrutavam da passagem do rio, o Mestre começou a trabalhar na análise dessa questão. Sim, porque fazem do amor um jogo?, fez a questão alto para poder ouvir-se e, munido dos seus cadernos de anteriores reflexões e conhecimento, começou a trabalhar na fórmula que seria a resposta. O Mestre acreditava no amor pleno, em que os miocárdios do casal eram, na realidade, um só.
Lembrou-se de tempos idos, décadas atrás, em que lhe haviam reportado um caso que, após o congresso dos anciãos, se havia tornado num case study para futuras respostas. O transtorno de personalidade narcisista da mulher que dizia amar mas que, na realidade, apenas transacionava momentos de afecto que ela própria confundia com amor. Tinha o síndrome de Peter Pan associado o que a impedia de assumir qualquer tipo de responsabilidades, lembrou.
Recordava-se que, no caso então analisado, havia ainda a devoção total da paciente a todo um meio que a envolvia e que, gerando boatos, a controlava como o melhor labrador amestrado – capaz de guiar um invisual. Não havia tolerância a qualquer crítica construtiva e a fuga dava-se, invariavelmente, para o meio onde o boato a mantinha como o “maior ser à face da Terra”. O porto seguro era ter na mentira a única verdade da sua vida – o regresso constante a uma tribo que repetia “és a melhor!”, “é inveja de ti!”, “não te merece!”
As críticas dos amores dessa paciente estavam bem documentadas e incluíam uma multiplicidade de comportamentos tidos como anormais pelos que amam. O malabarismo entre diferentes pessoas, com quem confundiam afectos com amor, a falta de estabilidade emocional – que levava a exigências do tipo de uma Rainha a um escravo, a invenção constante de novos cenários fictícios para justificar a anormalidade da sua realidade. Como se o mudar da perspectiva do mundo os favorecesse e assim justificasse os seus comportamentos.
Questionou-se se deveria realmente responder ao autor da pergunta e, munido de todos os factos documentados que havia encontrado, achou que a melhor resposta seria o silêncio. Há casos perdidos, por todo o universo, e não cabe aos anciãos salvar todas as almas perdidas, mas apenas tentar salvar as que pretendem ser salvas. Relembrou o estudo que havia feito, sobre o amor incondicional versus tolerância incondicional, e verificou que são coisas muito diferentes – constatou que ninguém tem uma tolerância incondicional a uma falta de amor incondicional.
O Mestre Alfredo reuniu-se secretamente com o autor da questão e, em jeito de coveiro que pretende sepultar o assunto, explicou-lhe como poderia o assunto ser encerrado, face ao que havia descoberto e que acima documentamos. O autor, embriagado na irracionalidade de quem ama incondicionalmente, escreveu uma missiva à outra parte envolvida e explicou-se, pela última vez. E foi feliz para sempre.
Os bois pelos nomes – 5/8/2024
