A conversa até decorria normalmente, com decoro, e o discurso era fluido e sem falhas. O balcão tinha apenas duas pessoas, e eu observava uma delas, sendo que uma era bem conhecida e a outra uma bonita desconhecida que eu, obviamente sem querer, observava: os gestos, os jeitos, a postura e maneira de falar, as palavras que usava e a entoação que colocava. Sim, poderia ser considerado um stalking visual, tal o detalhe do observador e o cuidado da observada.
A moral e os bons costumes impuseram-se e, disfarçadamente, obriguei os olhos a deambularem pela montra da padaria, sem desligar o stalking visual mas, como um jogador profissional, tentando fintar aquela com quem estamos a jogar, sem que se trate de um jogo. Chegada a minha vez de encomendar, e ciente de que precisava de respirar fundo antes de o fazer, dei a vez a quem estava atrás de mim que, com uma certa cara de gozo, ma devolveu.
“Um rissol de carne com fiambre, bem aquecido!”, exclamei enquanto apontava para o mostruário – que não continha mais rissois, para além de ser um pedido bizarro demais para ser verdade. A bonita desconhecida sorriu – não sei se por ter o último rissol ou por ter detectado que eu tinha perdido o fio do raciocínio ali. A conhecida deu uma gargalhada e a empregada do balcão sorriu, pois tinha assistido, de uma posição privilegiada, a todo o processo. Sorrimos todos e eu pude, finalmente e de maneira consciente, encomendar um queque com uvas passas…
O fermento expande a massa – 28/6/2024
