A casa que envelheceu.

Assistir à sua construção foi um privilégio: a maneira como misturavam o cimento, como os tijolos eram encavalitados e os tubos de plástico introduzidos para, mais tarde, serem a autoestrada de toda a cablagem eléctrica, as peças novas que, a conta-gotas, iam chegando (quadros eléctricos, cilindros de água, aquecedores, etc), as peças de um enorme puzzle cujo aspecto final estava trancado na cabeça do arquitecto que havia desenvolvido o projecto.

A ligação de tudo, com os fios eléctricos nos tubos de plástico, num canal bem definido nas paredes, com os cilindros a funcionar, com as tomadas com energia, com as primeiras lâmpadas – somente com os casquilhos – a darem a primeira luz no novo projecto bem como a permitirem um expandir de horas, quer ao nível da possibilidade de visitar bem como de expandir as horas de trabalho. Caminhava-se para a habitabilidade a passos largos.

O cimento a cobrir as paredes, os acertos de superfície para que tudo estivesse alinhado, o aparecimento de tintas, como prenúncio de obra completa, a alcatifa como complemento do chão – conforme era normal no final dos anos 70. A chegada dos armários embutidos, a descoberta de qual a chave correcta para cada uma das fechaduras – por tentativa e erro – a ultimar as tarefas que constituíam o erguer de uma casa. Os azulejos exteriores, as tampas das chaminés, a instalação da antena no ponto mais alto.

A mudança do velho inesquecível para o moderno facilmente esquecido, a saudade do que jamais voltará sem a oportunidade de uma despedida condigna, o único amigo da vizinhança que ainda hoje perdura como recordação do saber bem receber. A falta de alegria do novo face a uma nostalgia do velho, o não poder jogar futebol (!) numa sala tão pequena, a parolice de tentar estabelecer uma sala – que só é usada quando há visitas – vetada num golpe de estado familiar.

A mobília exígua para dar a sensação que o quarto é grande, o embutido como solução. O armário “tudo em um” que não gera emoção. A procura pelo conforto exterior como forma de colmatar o desconforto interior, a alegria de poder continuar a adormecer com o ruído da chuva, a varanda extra como diversão nos dias em que a meteorologia o permite. As persianas que substituem as portadas, os horários coincidentes que geram atropelos na utilização dos quartos de banho.

Era vivo e depois envelheceu. Sem que qualquer carinho lhe fosse dado, sem que qualquer manutenção lhe pudesse fazer voltar ao início, quando eram apenas peças soltas de um puzzle arquitectónico. Jazia sem estar enterrado, não tinha sequer uma vaga recordação de quando estava a ser construído. Na realidade, tinha agora inveja da casa onde outrora tinha vivido e sido feliz.

Tijolos da vida – 22/5/2024

Deixe um comentário