Talvez tenha começado aquando do périplo pela América do Sul, talvez tenha começado numa qualquer garagem em que se estacionavam corpos ao invés de automóveis, talvez tivesse começado há muitos anos atrás e nenhum dos envolvidos ousasse confirmar, talvez fossem as mesmas insónias de agora a providenciar o raio da conversa. Não sei e também não interessa – localizar inícios só faz sentido quando temos um fim digno para o que nos propomos fazer, digo eu que, enquanto parte envolvida, podia ter feito mais alguma coisa mas também ambicionava receber mais e agi em conformidade.
Num qualquer cenário imaginário, regressava de um dos dois mais belos passeios por Buenos Aires. Revia as fotografias, inspirando enquanto passava de uma para a seguinte, de maneira a recordar todo o momento, como se o vivesse novamente. Reuni as melhores memórias, escolhi a audiência e publiquei, não dando mais importância ao momento, ainda saboreando o delicioso bife (que havia custado meio milhão de pesos). O telemóvel produziu um ruído, anunciando uma notificação, e lá estava ela. A mensagem era inocente e, se bem recordo, acerca dos dois estádios visitados no dia em causa.
A última coisa que me apetecia, nesse dia específico e em todos os outros, num sentido geral, era debater futebol mas, a personagem em questão deve ter percebido, pois adicionou algo mais à mensagem inicial e, aí sim, o diálogo começou. Deitado na enorme cama do Panamericano, e tendo apenas caminhado uns duzentos metros desde o restaurante, respondi que o meu grande interesse não eram os estádios mas sim os bairros em que se inseriam. Havia atravessado a cidade inteira, com um magnífico taxista, marxista, cuja primeira história que me contou foi sobre a predisposição dele, quando soube que tinha um cliente no Panamericano (sendo marxista esperava encontrar um facho, da pior espécie, como há tantos na Argentina. Desenganou-se em alguns minutos).
Encostei a cabeça na almofada, o corpo debaixo do edredão, de calções de banho e tshirt vestidos (coisa típica de quem viaja de mochila), e notei que já tinha sido respondido. A conversa prolongou-se e recordo-me de dizer, baixinho para ninguém me ouvir, que ela devia gostar imenso da Argentina…Obviamente, encontramo-nos umas semanas depois – o tempo suficiente para acabar a excursão sul-americana e voltar – e descobri que o gosto, afinal, não era só pela Argentina. O tempo aproximou-nos e a falta dele afastou-nos mas, sem dúvida, foi uma das mais belas histórias de amor.
Como se fosse possível – 21/4/2024
