Apesar da experiência com o jogo das duas cartas escondidas, e as cinco comunitárias, a verdade é que a vida sentimental é muito mais difícil. Ao invés de apostar fichas, apostamos o miocárdio, ao invés de usarmos óculos escuros, deixamos transparecer a emoção, ao invés de apostarmos tudo, numa só jogada, apesar de não termos jogo para o fazer, desistimos temporariamente da jogada até que o par perfeito de cartas iniciais surja.
É um verdadeiro jogo sem limites – o miocárdio no meio da mesa, ciente do valor do sentimento, exposto a uma qualquer outra mão que possa desfazer a nossa aposta e revelar, sem qualquer atropina que nos salve, que o fim chegou. Não há massagem cardíaca para o segundo classificado e qualquer centro cardíaco está sempre demasiado longe para o imediatismo necessário.
Poderíamos tentar sangrar o sentimento, e receber uma transfusão de um outro sangue, mas tal não constituiria uma solução – tal a dificuldade de alcançar todo o sangue infectado pelo sentimento, e ser capaz de o substituir, com a plena certeza de que obteríamos o resultado necessário. Optar por um internamento e tentar uma diálise profunda mais não seria do que um passatempo, face ao inevitável reencontro.
A recaída é o melhor remédio: levas um tabefe emocional, andas completamente de lado e até és afectado pela visão deturpada – que parece ver hesitação nos passos da mulher amada, semelhante em todos os humanos, quando tentam impor ao corpo uma rigidez de gestos que o sentimento não permite que seja tão rígida. Lavas a cara, passas uma gota de água pelo interior de cada olho e suspiras…e, enquanto o fazes, a racionalidade impõe-te que tudo não passou de uma ilusão.
Um café e uma nata sff – 13/4/2024