A rua dele possuía dois tipos de personagens: os transparentes e os reflexivos.
Desde cedo apreciou uns e acumulava o saber dos outros – um apreciar nobre, despojado de conhecimento – como se partisse da douta ignorância para o conhecimento, num exercício supremo e constante de negar tudo para melhor absorver o diálogo dos conhecedores presentes na tertúlia. Com os erros inerentes a cada ser humano que, em conjunto, superava as agruras do conhecimento singular (ou do questionamento de tudo e todos, inerentes ao singular), num exercício constante de superação, rumo a um dogma citadino que só a união permite.
Os reflexivos, fruto de um constante auto-questionamento, equiparavam-se a enciclopédias – que, na ausência da internet, precisavam das actualizações que só a cooperação dos transparentes providenciava. Uma conjugação de putos “vadios” que faziam da união a sua força. Tertúlias maioritariamente desportivas que, por entre alterações no marcador, possuíam o dom de educar, aprofundar as relações e ideias, melhorar-nos enquanto seres humanos. O resultado final era secundário face a tudo o que era apreendido.
Os transparentes, que possuíam uma presença e personalidade bem visível, eram os introvertidos de hoje em dia. Calados mas atentos, parecendo desligados mas sendo sempre os primeiros a introduzir alterações ou a fazer notar incongruências no ambiente. Capazes de discordar para melhorar o aprofundamento do assunto, sempre dispostos a questionar para que novos termos fossem introduzidos (e todos estivessem equiparados no entender do assunto em questão), eternamente atentos para que nenhum detalhe escapasse no diálogo comunitário rumo ao saber.
A união faz a força, poderá o leitor resumir mas a vida não se resume – bem pelo contrário. A vida, tal como a ciência, é o constante questionar tudo e todos até que assente numa verdade impossível de ser desmentida e os participantes possam sorrir perante a descoberta do debate de ideias.
Where the streets have no name – 10/2/2024
