Para que não seja sempre o mesmo título – Domingo – desprovido de toda a emoção que o dia normalmente representa. Entre reuniões de família, convívios, bocejos com um ligeiro cheiro a cerveja, sorrisos, abraços, olhares que denunciam cumplicidade.
Das Canárias aos Açores, da Rússia ao Brasil, aqui todas as nacionalidades se reúnem numa tentativa de recriar o que temporariamente não temos e que o primeiro parágrafo descreve. Uma espécie de escola primária da vida em que reconstruímos o que sabemos ter mas não podemos tocar. Um jogo de simulações que é feito para superar essa palavra que os estrangeiros que visitam Portugal tanto adoram – saudade.
Absorto na escrita não reparo que passam por mim colegas de trabalho que me saúdam e, ao tentar responder atempadamente, tenho a expressão no rosto de quem não esperava ser reconhecido tão depressa numa cidade nova. É uma expressão que mistura o espanto com a rápida consulta aos arquivos centrais da memória para tentar saber de quem se trata. É um gesto educado, pleno de honestidade e recebo de volta um sorriso de quem o reconhece.
Estabelecida a rotina do café, onde passas para o segundo cappuccino, aprecias o povo que circula na rua estreita em que te encontras – as línguas cruzam-se com a naturalidade de uma sociedade multicultural (que sabe integrar e fazer evoluir os que recebe e que, na dialéctica natural da vivência em sociedade, recebe em sorrisos e boa disposição o agradecimento pelo acolhimento), os irlandeses sorriem, os espanhóis também, um francês que passa capta o momento com satisfação e fica contaminado com o sorriso, e o vosso humilde narrador tenta transmitir-vos a imagem.
Um casal de namorados cruza-se na rua e o óbvio nervosismo de ambos denuncia que este deve ser o primeiro encontro. Não há beijos mas há vontade de beijar, não há abraços mas há vontade de abraçar, os olhos dela estão agora mais brilhantes e os dele também sofrem do mesmo “mal”. Ele atira um espontâneo “E se fôssemos a este café?” e ela imediatamente concorda. Obviamente não é o café que os move mas o estado emocional de ambos parece movido por cafeína… Saíram uns minutos depois de mão dada e, pelo rumo tomado, foram bronzear-se para o parque da cidade neste não solarengo dia. A alegria do espontâneo e o emocional juntos.
Retalhos imaginados de um domingo em Cork – 23/4/2017