Há nervo no canal…

Esta coisa de viver num país estrangeiro tem que se lhe diga…qualquer um se adapta mas há sempre aqueles pequenos detalhes que nos enervam enquanto divertem. E porque é que enervam? Porque o nervo é sensível e é muito difícil esconder a dor…tudo isto a propósito de uma ida ao dentista.

Se da primeira vez que aqui fui ao dentista – e tarde descobri que ele não falava inglês – da segunda vez tive o cuidado de ligar primeiro e pedir para falar com o profissional dos dentes! Da primeira vez indiquei o dente cariado e ele fez-me uma limpeza, bateu no peito dele (como quem indica que é por conta da casa) e eu vim-me embora…com a mesma cárie com que havia entrado mas com os dentes muito mais brancos! :p (nunca mais lá pus os pés e, obviamente, os dentes).

Sentado na segunda cadeira de dentista, e após o diálogo em inglês ter entrado numa conversa fluída, eis que ele me pede para reclinar a cabeça e apontar o dente que dói…explico que vou indicar com a língua e, após o ter feito, ele diz-me que vai certificar-se (para mim não restam duvidas; todavia, na minha mente, fica a interrogação: “Vai certificar-se como? Não basta a minha indicação? Este gajo não confia em mim?”). Dou um salto na cadeira e ele, com uma cara bastante séria, atrás dos pitorescos óculos redondos, exclama um “É este!!!” E eu, em modo silencioso, profiro todos uma serie de impropérios que nem sabia conhecer…Ele, tentando reganhar a minha confiança, dá a explicação cientifica indicando que havia pulverizado o dente em questão com uma qualquer substância a não sei quantos graus negativos…comecei a ver o gajo como o Major Strasser do Casablanca e a duvidar muito que aquilo fosse o começo de uma bela amizade e que, muito provavelmente, o desfecho do Major seria o mesmo do do filme e Capitão Renault…nem vê-lo.

Mas não era um filme a preto e branco e o único refugiado aqui era o maldito do nervo do dente. Nervo disse eu? Descobri agora que são quatro…como? Da única maneira possível: por tentativa e erro! Feito o diagnostico da obrigatoriedade de desvitalizar eis que passamos ao acto (aqui se prova que a teoria é muito mais bela do que a prática…cof, cof). O homem procura o canal e tenta encontrar o nervo e o único que lhe pode indicar que o caminho é o correcto é o paciente! (há que modernizar isto no tratamento dentário!!!!) De cada vez que ele encontrava um nervo o vosso humilde narrador dava um salto na cadeira como se fosse o último – a dor é excruciante e, de cada vez que um canal é encontrado a sensação que te dão é que foi o último…Não sei se os trate por políticos ou apenas por perversos sádicos que podem legalmente praticar o seu prazer.

Recordei que já tinha passado por isto, há uns anos atrás, e pouco a pouco a confiança foi voltando mas quase se desvaneceu quando vi a cara dele, completamente alterada e com um esgar que parecia sorrir, com um bocado de nervo numa das limas que eles usam para a introspecção, e a exclamar “Saiu inteirinho”…como se de uma das maiores conquistas da humanidade se tratasse…

Perdi uns nervos mas ganhei um dentista!